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IGUALDADE DE OPORTUNIDADES

PARA AS MULHERES
Um caminho em construção
USP – UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Reitor: Prof. Dr. Adolpho José Melfi
Vice-Reitor: Prof. Dr. Hélio Nogueira da Cruz

FFLCH – FACULDADE DE FILOSOFIA,


LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
Diretor: Prof. Dr. Francis Henrik Aubert
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Presidente: Prof. Dr. Milton Meira do Nascimento (Filosofia)
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Humanitas FFLCH/USP – fevereiro 2002


ISBN 85-7506-056-2

Eva Alterman Blay (Org.)

IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
PARA AS MULHERES
Um caminho em construção

2002

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO • FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


4 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Copyright 2002 da Humanitas FFLCH/USP


É proibida a reprodução parcial ou integral,
sem autorização prévia dos detentores do copyright

Serviço de Biblioteca e Documentação da FFLCH/USP


Ficha catalográfica: Márcia Elisa Garcia de Grandi - CRB 3608

I24 Igualdade de oportunidades para as mulheres: um caminho em


construção / organizado por Eva Alterman Blay.—São Paulo :
Humanitas / FFLCH / USP, 2002.

272p.

Trabalhos apresentados no Curso de Formação de Agentes para


Igualdade de Oportunidades para Mulheres, organizado pelo Nú-
cleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero (NEMGE)
da Universidade de São Paulo, em 1999.

ISBN 85-7506-056-2

1. Mulher 2. Violência contra a mulher 3. Gêneros (Grupos


sociais) 4. Sexualidade 5. Deficiente físico 6. Saúde da mulher
7. Meio ambiente 8. Meios de comunicação I. Blay, Eva Alterman

CDD 301.412

HUMANITAS FFLCH/USP
e-mail: editflch@edu.usp. br
Telefax.: 3091-4593

Editor Responsável
Prof. Dr. Milton Meira do Nascimento

Coordenação Editorial
Mª. Helena G. Rodrigues – MTb n. 28.840

Projeto de Capa
Clarissa Tossin

Projeto Gráfico e Diagramação


Selma M. Consoli Jacintho – MTb n. 28.839

Revisão de Originais
Edison Luís dos Santos

Revisão de Provas
Lilian Abigail Melo de Aquino
Igualdade de oportunidades para as mulheres 5

Sumário

Introdução
IGUALDADE DE OPORTUNIDADES PARA AS MULHERES
Construindo o caminho ......................................................................... 9
Eva Alterman Blay

Quem somos nós ..................................................................................... 21

Capítulo 1 – SUPERAR A VIOLÊNCIA


Delegacia de Defesa da Mulher: uma resposta à violência de gênero ........ 25
Elizabete Massuno

Projeto Cidadania e Gênero: superando a violência contra a mulher ........ 57


Vera Lúcia Vaccari

Capítulo 2 – O NEO-LIBERALISMO BATE À PORTA


Aleitamento materno e mulher: uma proposta de ação na construção
da mulher enquanto sujeito social ...................................................... 81
Ana Márcia Spanó Nakano

Revelando o oculto cuidar das pessoas idosas: uma proposta para a


promoção da igualdade de gênero ...................................................... 107
Alba Lucero Lopez Diaz

Capítulo 3 – A IGUALDADE NA DIFERENÇA


Igualdade na diferença: superando as falsas barreiras à sexualidade de
mulheres portadoras de deficiência .................................................... 121
Célia C. Leão Edelmuth

Vivendo a sexualidade e construindo a cidadania: práticas úteis para a


sobrevivência no terceiro milênio ...................................................... 137
Fernanda Lopes

O exame ginecológico: caminhando para uma vida com menor


desigualdade ...................................................................................... 147
Dora Mariela Salcedo Barrientos
6 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Capítulo 4 – CONSTRUIR UMA SOCIEDADE SUSTENTÁVEL


Gênero e Meio Ambiente: construindo a Agenda 21 de ação das
mulheres em Espírito Santo do Turvo – SP ....................................... 175
Cássia Maria Carrasco Palos

Qualidade de Vida: uma construção a partir da vivência das mulheres ... 191
Cecília Carmen Casemiro

Capítulo 5 – PARA ENFRENTAR DOENÇAS SEXUALMENTE


TRANSMISSÍVEIS
AIDS e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores
de informação em prevenção em DST/AID ...................................... 205
Maria José Basaglia e Walkiria da Silva Zachêu

Capítulo 6 – GÊNERO, MÍDIA E POLÍTICA


Comunicação Social: um “espaço mulher” no rádio ............................... 237
Cláudia de Almeida Goulart Lopes

Conselho Estadual da Condição Feminina – CECF: possibilidade de


intervenção nas políticas públicas .......................................................... 241
Maria Aparecida de Laia

Participação política da mulher: uma proposta de (re)construção


do espaço público .............................................................................. 247
Tânia Suely A. M. Brabo
Igualdade de oportunidades para as mulheres 7

Introdução
Igualdade de oportunidades para as mulheres 9

IGUALDADE DE OPORTUNIDADES PARA AS MULHERES


CONSTRUINDO O CAMINHO

A história das mulheres assemelha-se ao trabalho de Penélope, a


cada momento temos de reconquistar o direito à cidadania, à educação,
ao trabalho, à sexualidade e, até mesmo, ao nosso próprio corpo. Não por
acaso, em pleno século XXI, ainda é notícia de primeira página a nomea-
ção de uma mulher para um cargo importante numa siderúrgica ou numa
emissora de televisão; e tem, igual destaque, a “alvissareira” informação
de que algumas mulheres universitárias decidem “voltar ao lar”.1
A história das mulheres no mundo capitalista e socialista, ociden-
tal e oriental, é marcada pela discriminação. Diferenças sexuais foram
pretexto para definir relações hierárquicas, homens nas posições de do-
minação e mulheres subordinadas. Esta relação de dominação-subordi-
nação, marcada pela condição de gênero, repete-se entre e dentro das
classes sociais, nos grupos étnicos e entre gerações. Nas sociedades capi-
talistas, homens brancos e de elevadas posições econômicas situam-se
no alto da pirâmide de poder, mulheres brancas e de alta posição econô-
mica têm maior poder que os homens de qualquer outro grupo étnico
mesmo que economicamente bem situados, e assim por diante. As mu-
lheres negras e pobres são as que se situam nas posições mais baixas desta
hierarquia.
A posição de poder de pessoas mais velhas tem variado ao longo
do tempo. Há ainda variações conforme a composição étnica dos países
considerados o que deve constituir um alerta contra generalizações ex-
cessivas e enfatizar a necessidade de avaliação das condições históricas e
dos processos socioeconômicos de cada formação social. Sociedades pri-
mitivas devem ser excluídas dessa descrição; nelas o sistema de poder
segue outros critérios tais como o saber acumulado pelos mais velhos, o
exercício de poderes mágicos, o controle do sobrenatural e da natu-
reza.

1
O ESTADO DE S. PAULO, 4.2.2001, primeira página.
10 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Da diferença à desigualdade
Atributos ligados à maternidade foram, por longo tempo, e con-
tinuam sendo, usados para inferiorizar as mulheres nas sociedades
capitalistas e socialistas, antes ou pós globalização. Fatores biológicos
como menstruação, gravidez, aleitamento, constituem álibis para im-
por uma divisão social do trabalho desqualificadora para as mulhe-
res. Assim o mercado de trabalho pretere a mulher para cargos mais
bem remunerados sob a alegação de que ela tem “responsabilidades
familiares a cumprir” ou que ela é mais “frágil”. Mesmo em socieda-
des socialistas estes fatores têm sido usados para discriminar a mu-
lher no trabalho e na estrutura de poder político (HAVELKOVA,1999).
Na escolarização e nas carreiras profissionais reproduz-se a mesma
desqualificação: a menina é induzida a determinadas escolhas de ati-
vidade como a docência, enfermagem, pediatria, dermatologia, quí-
mica (BLAY, 1985) sob o pretexto de compatibilizar a vida profissio-
nal com as tarefas domésticas e familiares, atribuídas só a elas. Não
por acaso quando uma mulher ocupa uma posição profissional fora
do esquadro pré-traçado, logo é apresentada como um exemplo de
que “agora as mulheres são iguais aos homens”. Na verdade ela é a
exceção que confirma a regra.
No Brasil, durante várias décadas do século XIX, estas ques-
tões foram discutidas. A primeira vaga do movimento feminista bra-
sileiro avançou na crítica à sujeição e exclusão da mulher e ocupou
consistentemente a imprensa escrita da época como bem mostrou
Maria Thereza Caiuby Crescenti (1989). Mulheres escreviam sobre
política, atuavam nos movimentos libertários contra a escravidão,
pela República e pela abolição dos costumes restritivos. Nisia Flores-
ta, para citar apenas uma delas, traduziu Wollstonecraft, escritora
inglesa do século XVIII e símbolo de uma visão crítica feminista. Nisia
era professora, escritora e viajante. Inovou fundando escola para
meninas onde a cultura substituía as limitações do tradicional ensino
de prendas domésticas. Ela própria libertou-se de casamento por con-
veniência, elegeu uma união por amor, dedicou-se ao trabalho remu-
nerado e buscou conhecer outras realidades. Viajante, no sentido
estrito deste termo, Nisia esteve na França, na Itália e na Alemanha
onde presenciou inúmeras revoluções políticas sobre as quais escre-
veu vários livros (DUARTE, C. 1991) publicados na Europa.
Igualdade de oportunidades para as mulheres 11

Certamente Nisia Floresta se somava a uma camada de mulhe-


res emancipadas do século XIX do Brasil e de outros países. Elas se
correspondiam, conheciam a obra literária umas das outras e se publi-
cavam mutuamente (AUGUSTA, N. 1989; DUARTE, C. 1995; CRESCENTI,
M.T.C. 1989).
Como todos os movimentos sociais, o feminismo do século XIX
teve auge e declínio.
Nas duas primeiras décadas do século XX, o movimento res-
surgiu num patamar mais elevado ao incorporar as conquistas do sé-
culo anterior e passou a exigir o direito ao voto, símbolo básico da
cidadania. A uma pequena elite de intelectuais de classe média, mu-
lheres que fizeram a universidade no exterior como Bertha Lutz, so-
maram-se jornalistas, artistas e operárias e constituíram o que se po-
deria considerar a segunda leva feminista. As brasileiras aderiam ao
movimento internacional pelo sufrágio feminino que se espalhava
pela Europa e Estados Unidos. Bertha Lutz recepcionou mulheres do
Movimento norte-americano que vieram fortalecer a atuação das
brasileiras na conquista ao voto (ALVES, B. 1980; NAZARIO, D.N.
1923). Lutava-se pelo voto em qualquer circunstância, por exemplo,
no Centro Acadêmico da Faculdade de Direito de São Paulo onde
ele era negado às alunas. Diva Nazario, estudante daquela Faculdade
tentou votar, foi impedida pelos colegas e entrou com uma ação na
justiça para garantir seus direitos. Conseguiu depositar seu voto, po-
rém, em urna separada. Finalmente, seu voto não foi computado.
Nos anos 20, as sufragistas fizeram campanhas junto aos De-
putados e Senadores, passeatas pelas ruas, chegaram a jogar panfle-
tos por avião em pleno Rio de Janeiro, numa ação ousada e precoce.
Finalmente, depois de mais de uma década conseguiram que Getúlio
decretasse o direito ao voto em 1933 o qual só foi ratificado pela
Constituição de 34. Com o golpe de 35, as mulheres só começam a
votar dez anos depois, em 1945, com a redemocratização do país.
Ainda assim, votar não significava ser candidata ou ser eleita. Poucas
se elegeram em 1945, a maioria pelo Partido Comunista ou partidos a
ele vinculados. No ano seguinte, os partidos de esquerda foram colo-
cados na ilegalidade e as eleitas, junto com seus companheiros, per-
deram o mandato.
12 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Terminada a 2ª Guerra Mundial inicia-se a persecutória Guerra


Fria e a divisão do mundo em dois grandes blocos. O movimento de
mulheres também se dividiu aliando-se a cada um deles, uma corrente
mais ligada à Igreja Católica e a partidos conservadores e outra, mais
progressista atuando na clandestinidade face à caça aos comunistas.
Nem a direita nem as várias facções de esquerda incorporaram
mulheres na estrutura de poder. Em geral, as mulheres atuavam na
base. No Partido Comunista elas atuavam na divulgação política en-
tre operários, na preparação de greves, e agiam em favelas, junto a
mulheres e crianças. Era fundamentalmente uma atividade militante
de articulação. Organizavam eventos, preparavam a infra-estrutura
para os companheiros, realizavam todas as atividades domésticas seja
domiciliares seja na clandestinidade. A atuação das esposas de Pres-
tes é simbólica. A primeira, Olga Benário, cuidava de sua segurança
e acabou se casando com ele. O envolvimento amoroso era secundá-
rio pois como disse Prestes a respeito de sua aliança com Getúlio que
a deportara para um campo de concentração nazista: as razões nacio-
nais e políticas são superiores às razões pessoais.2 A segunda esposa,
indicada pelo Partido para “cuidar” dele quando na clandestinidade,
fazia os trabalhos domésticos e cuidava de sua segurança. O passo
seguinte, previsível, foi o envolvimento amoroso que resultou em
casamento.
A vertente conservadora da sociedade, marcada pela Igreja
Católica, tinha enorme influência no controle das mulheres de todas
as classes sociais. A sexualidade, por princípio um pecado, era con-
trolada em todos os níveis. Valorizava-se a virgindade, a reprodução,
recriminava-se o prazer sexual, e culminava-se impondo regras mo-
rais que fortaleciam todos os tipos de tabus sexuais. A vida cotidiana
era normatizada com todo tipo de regras para evitar o que a igreja
considerava pecado: controlava-se o modo de vestir, a estética do
corpo, o andar e o comportamento em qualquer situação social. A
normatização se impunha nos âmbitos íntimos e privados culpabili-
zando qualquer contato até mesmo com o próprio corpo. Tudo era

2
Prestes deu esta resposta quando lhe perguntei sobre seu apoio a Getúlio.
Este contato se deu no Teatro Ruth Escobar quando ele retornou ao Bra-
sil.
Igualdade de oportunidades para as mulheres 13

pecado e as mulheres, demonizadas, eram a fonte de toda corrupção.


Paralelamente impunham-se aos homens códigos de conduta peran-
te às esposas-santas e às outras, as prostitutas ou amantes.
Estes modelos para o comportamento feminino e masculino
chegaram até os anos 60 quando começam a eclodir as primeiras rup-
turas que conduziriam à terceira leva do feminismo.
Este retrospecto, certamente é muito esquemático e limitado
ante a complexidade do processo de participação e de exclusão da
mulher. Estudos sistemáticos têm se avolumado após os anos 70 em
grande parte ligados a dois fatores: o golpe militar de 64 e os movi-
mentos feministas norte-americano e europeu.
As mulheres no Brasil estavam alertas e preparadas para to-
mar uma posição política. A terceira vaga do movimento feminista
coincide com a implantação da ditadura militar de 1964 quando um
forte movimento progressista feminino articulou-se contra a ditadu-
ra militar. Enquanto em outras partes do mundo se lutava contra a
discriminação da mulher e pela igualdade de direitos, no Brasil, a
estes objetivos se somavam alvos políticos como a volta da democra-
cia, a anistia aos presos e presas políticos/as, além de melhores condi-
ções de vida (BLAY, E. A. 1989). A recuperação dos direitos civis
marcou o movimento feminista desde o fim de 60, nas décadas de 70
e início de 80.
O descrédito rondava as reivindicações femininas. Foram ne-
cessárias quase quatro décadas para demonstrar que as mulheres eram
discriminadas. Foi necessário fazer infindáveis diagnósticos sobre a
discriminação no trabalho, no salário, na escola, nas carreiras. A ques-
tão da violência física e psicológica entrou na pauta feminista e teve
de enfrentar extraordinária desconfiança, pois os valores da época
pressupunham que a mulher mentia e que a violência sexual não
existia ou era provocada pela própria mulher.
Finalmente o movimento de mulheres demonstrou que ques-
tões como a sexualidade feminina, o prazer, o aborto, o direito ao
próprio corpo, eram temas controlados pelo poder público. Decisões
sobre a política de controle da natalidade eram decididas pelo poder
público. O movimento feminista, em contraposição, começou a pro-
por políticas públicas de planejamento familiar e de saúde integral da
mulher.
14 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Esgotou-se a fase dos diagnósticos. A desigualdade estava mais


do que provada. Novos passos eram necessários. Observou-se que, em-
bora importante, a parca legislação antidiscriminação não era tão efi-
ciente quanto se imaginava. A igualdade não se impõe pela lei embora
esta seja valiosa em casos de comprovada discriminação. Um novo ca-
minho começou a se delinear para as áreas em que as mulheres tinham
alcançado relativa igualdade como na educação ou na participação no
mercado de trabalho. Para avançar e eliminar as persistentes diferen-
ças que colocam as estudantes em nichos educacionais menos valori-
zados ou em áreas de trabalho de menor remuneração desenvolveu-se
um projeto de criação de IGUALDADE DE OPORTUNIDADES
PARA AS MULHERES. Isto é, tomemos o citado exemplo da escola-
ridade. Não basta que as mulheres alcancem nível universitário, se elas
continuarem em guetos de formação, excluídas de áreas científicas
importantes, inovadoras e de elevada demanda por parte do mercado
de trabalho. Um PROGRAMA DE IGUALDADE DE OPORTUNI-
DADES deve ir além do diagnóstico e revelar COMO SE PODE PRE-
PARAR MULHERES E HOMENS E OFERECER A AMBOS OPOR-
TUNIDADES IGUAIS DE DESENVOLVIMENTO PESSOAL E
SOCIAL.
Para ser alcançada a igualdade entre homens e mulheres devem
ser elaboradas ESTRATÉGIAS que ofereçam a meninas e meninos, a
mulheres e homens, igualdade de oportunidades que levem a alterar a
hierarquização de gênero do mundo pós-moderno e globalizado.

Mudando paradigmas
Se meninas e rapazes freqüentam a escola, se em alguns níveis
elas são mais numerosas que eles, como entender a segmentação de
gênero nas carreiras, os guetos femininos e masculinos? Se elas en-
tram em novas atividades profissionais, porque se reproduz a mesma
divisão sexual e hierarquização salarial nas novas carreiras?
É necessário um novo olhar sobre as trajetórias, descobrir os
obstáculos e construir estratégias para superar as velhas e novas for-
mas de desigualdade de gênero.
Estudos realizados pela Comunidade Européia mostraram que,
no quesito gênero, alguns países que a compõem eram mais igualitá-
Igualdade de oportunidades para as mulheres 15

rios que outros. Aqueles adotaram políticas afirmativas igualitárias


para a formação escolar e para criar, posteriormente, igualdade de
oportunidades. Verificou-se que não bastava ter o discurso da igual-
dade; era necessário estruturar políticas que induzissem à igualdade
no campo das OPORTUNIDADES: oportunidades em novas carrei-
ras, condições para entrada de mulheres em áreas como a participa-
ção política, programas políticos planejados e implantados de verda-
deira igualdade salarial, incentivo para as áreas que tradicionalmente
excluem mulheres como a tecnológica. Mudar paradigmas depende
de apoio político para adoção de parâmetros culturais comprometi-
dos com tais mudanças.
Se uma sociedade altera a posição da mulher, alterar-se-á a do
homem. O processo não é espontâneo, é induzido, programado. Ter
como alvo implantar condições de igualdade de oportunidades im-
plica contar com o apoio ativo dos movimentos sociais, do Estado e
da comunidade.
Na construção da União Européia estas mudanças foram ne-
cessárias para evitar fugas de um país para outro (que oferecesse me-
lhores condições socioeconômicas e previdenciárias) e permitir a im-
plantação de políticas econômicas e sociais comuns. Criaram-se
instrumentos para viabilizá-los.
Este procedimento inspirou o Curso de Formação de Agentes
de Igualdade de Oportunidades estruturado pela Universidade de
Zaragoza. Ao estabelecer um intercâmbio com aquela universidade,
o NEMGE inspirou-se no programa acadêmico e estruturou seu pró-
prio curso.

Um curso para formação de agentes de igualdade de


oportunidades para as mulheres
Quando um/a profissional trabalha em determinada atividade
pode ela ou ele avaliar seu desempenho considerando as relações de
gênero envolvidas? Pode observar se está repetindo divisões
discriminatórias de gênero? Pode fazer propostas igualitárias? A res-
posta é positiva em qualquer dos casos.
O Curso de Formação de Agentes para Igualdade de Oportu-
nidades para Mulheres, como o que foi desenvolvido pelo NEMGE
16 Igualdade de oportunidades para as mulheres

em 1999, teve o pressuposto básico de treinar o olhar para os diversos


desempenhos profissionais ou didáticos que avançasse na descoberta
crítica das discriminações e na criação de oportunidades de igualda-
de para as mulheres. UM OLHAR ANALÍTICO DAS SITUAÇÕES
DE FATO E INDUTOR DE PROCESSOS DE MUDANÇA.
Veremos, a seguir, aspectos da estrutura do curso, seu formato
e, nos capítulos seguintes, os resultados concretos conforme traba-
lhos realizados pelas alunas que dele participaram.

O Curso de Agentes: Convênio com a União Européia e a Uni-


versidade de Zaragoza.
Em 1999 o NEMGE organizou o curso de formação de pessoas
que se envolvessem na criação de igualdade de oportunidades para
as mulheres. Realizamos um convênio com a União Européia através
da Universidade de Zaragoza, responsável pelo projeto. Esta Univer-
sidade, garantindo toda a autonomia às Universidades conveniadas,
transmitiu sugestões para os/as tutores/as do curso como para futu-
ros/as agentes.
O corpo docente foi constituído por uma coordenação e vá-
rios/as tutores:
Coordenação: Profa. Dra. Eva Alterman Blay (Profa. Titular
do Dep. de Sociologia/USP e Coordenadora Científica do NEMGE)
Tutoras/es:
Adriana Maria Gragnani (OAB-Mulher; Advogada e soció-
loga, especialista em movimentos sociais);
Dra. Lia F. G. Fukui (Profa. Dep. Sociologia/USP; Conselheira
do NEMGE; especialista na área de Família);
Dra. Norma Kyriakos (Ex-Procuradora Geral do Estado de São
Paulo; especialista em legislação sobre a mulher; Conselheira do
NEMGE; Diretora da Oficina dos Direitos da Mulher);
Dra. Rochele G. Saidel-Plonski (Ph.D pela New York Univer-
sity; pesquisadora e Conselheira responsável pelas Relações Interna-
cionais do NEMGE);
Dra. Rosa Ester Rossini (Docente do Dep. Geografia/USP; es-
pecialista em migrações; Conselheira do NEMGE);
Igualdade de oportunidades para as mulheres 17

Dr. Teófilo de Queiroz Filho (Prof. Titular do Dep. Sociolo-


gia/ USP).
Foram também convidados o Grupo de Teatro “As Mal-Ama-
das”, dirigido pela artista plástica Marta Baião; e Rosiska Darcy de
Oliveira, na época Presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher.
Quanto ao corpo discente:
As/os candidatas/os deveriam ter concluído qualquer curso
universitário e escrever um informe sobre seu interesse no curso.
Abrimos 15 vagas.
O curso iniciou-se em 20 de abril de 1999, das 14 às 18 horas,
no NEMGE, na Cidade Universitária, São Paulo. A duração prevista
era de 12 semanas mas estendeu-se para 15 semanas.
Formato do curso:
Era composto por uma bibliografia básica que deveria ser lida
antecipadamente e nas aulas se debatiam os textos lidos à luz das
atividades que cada aluna já desenvolvia. Este procedimento mos-
trou-se altamente frutífero. Todas as alunas já eram no mínimo ba-
charéis, algumas tinham mestrado ou doutorado. Todas estavam en-
volvidas em atividades sociais, comunitárias e políticas. Inscreveram-se
no curso profissionais das seguintes atividades: Violência contra a
mulher, Ecologia, Prevenção do HIV-AIDS, Política, Aconselhamen-
to jurídico, Rádio, Questões étnicas, Aleitamento materno, Orienta-
ção sexual, Deficiência física.3
Este modelo de Curso originou-se em países que têm um Plano
para Igualdade de Oportunidades para as Mulheres de acordo com o
IV Plano da União Européia para a Igualdade de Oportunidades para
as Mulheres. São Planos que têm prazos para implantação.
Cada aluna poderia escolher o Plano que quisesse, fosse o do
próprio país ou de outro. Lemos aquele que o Brasil apresentou na

3
Sendo um curso à distância, alunas/os deveriam se preparar para cerca de
200 horas de atividades acadêmicas nas quais estavam incluídas leituras,
elaboração de um memorial e um projeto prático de ação positiva na área
de igualdade de oportunidades para as mulheres.
18 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Conferência Internacional de Mulheres de Beijng (China) em 1995.


O programa exigia também a adoção de um texto literário cujo tema
ou problemática cuidasse da mulher. Tivemos a oportunidade de ler
o extraordinário “A hora da Estrela”, de Clarice Lispector, seleciona-
do pelo Professor Teófilo de Queiroz Filho.

Avaliação
Aspecto fundamental: cada estudante deveria propor, para o
final do curso, um documento contendo um projeto de AÇÃO PO-
SITIVA PARA AS MULHERES.
Os trabalhos foram avaliados no Brasil e na Espanha.

Os documentos, a reflexão
Nos capítulos seguintes veremos os trabalhos que abordaram
diferentes problemas. A violência contra a mulher foi tratada de vá-
rias maneiras. Elisabete Massuno, num trabalho pioneiro, focalizou
as Delegacias de Defesa da Mulher (DDM). Fez um utilíssimo diag-
nóstico, avaliação e concluiu com propostas concretas que permitem
aperfeiçoar as DDM. Vera Lúcia Vaccari tratou a violência do ângu-
lo da sexualidade, problema tão distorcido em nossa sociedade. É voz
corrente que todos desejam que meninos e meninas tenham alguma
formação, alerta-se e cria-se até um certo pânico em torno da cha-
mada gravidez precoce. Mas, mostra ela, efetivamente ninguém as-
sume o ensino nem confia em delegá-lo. Vera Lúcia Vaccari propõe
como solucionar esta contradição.4 O mesmo tema foi retomado por
Fernanda Lopes que nos trouxe sua experiência de pessoa compro-
metida contra preconceitos de cor. Dora Mariela Salcedo Barrientos
aborda o tema da sexualidade de um ângulo fundamental para se
entender porque muitas mulheres não se submetem ao exame gine-
cológico. O agressivo primeiro exame ginecológico, totalmente des-
provido de compreensão do significado que tem para uma adolescen-
te ou para uma mulher expor sua intimidade, afasta definitivamente
mulheres de exames futuros vitais para a prevenção de inúmeros trans-
tornos em sua saúde.

4
Aproveito a oportunidade para agradecer à Vera Vaccari o apoio à revisão dos
textos.
Igualdade de oportunidades para as mulheres 19

Que o trabalho das mulheres é geralmente um trabalho oculto


já o sabíamos. A nova roupagem que o neo-liberalismo traz para este
ocultamento pode ser vista nos estudos de duas enfermeiras que tra-
tam cotidianmente esta sobrecarga e suas conseqüências: Ana Már-
cia Spanó Nakano mostra as grandes contradições da política do alei-
tamento materno e Alba Lucero López Díaz revela a enorme
sobrecarga que a redução do tempo hospitalar causa sobre a vida das
mulheres em seus próprios domicílios.
Um curso como o aqui apresentado estabelece uma extraordi-
nária troca de experiências. Nos seminários semanais, os encontros
com Celia Leão, seus depoimentos e a franqueza com que nos falava
sobre as limitações, a sexualidade e as soluções que sozinha foi desco-
brindo para superar suas deficiências físicas, decorrentes de um de-
sastre de automóvel que a deixou paralítica aos 18 anos, foram muito
além do que qualquer literatura pudesse ilustrar. Ela abriu portas para
ela, para outras deficientes e nos fez entender melhor nossos próprios
corpos.
A relação de gênero com ecologia foi encarada como uma agen-
da para construir uma sociedade sustentável por Cássia M. C. Palos e
por Cecília Carmen Casemiro. Não posso me furtar a relatar aqui a
experiência concreta de mudança do olhar através da experiência de
Cecília Carmen. No início do curso, dizia ela querer estudar a ques-
tão do lixo num bairro de periferia de Mauá e encontrar uma solução
para “conscientizar as mulheres” para a preservação do meio ambiente.
Depois de algumas semanas de seminários retorna ela e informa ter
alterado seu foco de atuação pois concluíra que: “o problema do lixo
não era um pro blema a ser tratado apenas pelas mulheres mas por
toda a comunidade”!
A atuação cotidiana de profissionais para enfrentar doenças
sexualmente transmissíveis é um dos temas mais importantes numa
época de proliferação de doenças sexualmente transmissíveis (DST)
e da AIDS. Maria José Basaglia e Walkiria da Silva Zachêu decidi-
ram avaliar a própria experiência profissional para socializá-la e pro-
por caminhos para formação de novos/as agentes atuantes na divul-
gação de meios para evitar e tratar de DST/AIDS.
O trabalho de Cláudia de Almeida Goulart Lopes foi ao âma-
go da questão ao propor o rádio como meio de difusão de discussões
sobre papéis de gênero, problemas e soluções. Finalmente, Maria
20 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Aparecida de Laia e Tânia Suely A. M. Brabo discutem o papel de


atores políticos e de políticas públicas para provocar igualdade de
oportunidades.
Este livro pretende difundir formas de análise de situações con-
cretas de discriminação de gênero, algumas soluções encontradas e
inspirar a que se abram novas perspectivas para que mulheres e ho-
mens construam juntos caminhos mais igualitários.

Referências bibliográficas
ALVES, Branca Moreira (1980) Ideologia e feminismo: a luta da mu-
lher pelo voto no Brasil. Petrópolis: Vozes.
BLAY, Eva Alterman (1988) A participação das mulheres na redemo-
cratização. In: FLEISCHER, David (Org.) Da distenção à abertura.
As eleições de 1982. Brasília: Editora Universidade de Brasília.
____. (1978) Trabalho domesticado. A mulher na indústria paulista.
São Paulo: Ática, Coleção Ensaios, n. 35.
CRESCENTI, Maria Thereza C. (1989) Mulheres de ontem? São Paulo.
T. A. Queiroz.
DUARTE, Constancia Lima (1995) Nísia Floresta. Vida e obra. UFRN
Editora Universitária: Natal-RN.
HAVELKOVÁ, Hana (1999:69-84) Women in and after a “classless”
society. In: Zmroczek Christine e Mahony, Pat. Women and So-
cial Class-International Feminist Perspectives. UK. UCL Press.
NAZARIO, Diva Nolf (1923) Voto feminino e feminismo: um ano de
feminismo entre nós. São Paulo.

Eva Alterman Blay


Profa. Titular do Dep. de Sociologia
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Coordenadora Científica do NEMGE
Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero
Universidade de São Paulo.
Quem somos nós 21

QUEM SOMOS NÓS

Alba Lucero López Díaz, enfermeira, mestre e doutoranda em


Enfermagem pela Escola de Enfermagem da USP.

Ana Márcia Spanó Nakano, enfermeira, mestre e doutora em


enfermagem pela USP/Ribeirão Preto. Docente da Escola de Enfer-
magem da USP/Ribeirão Preto.

Cássia Maria Carrasco Palos, socióloga, mestre e doutoranda


em Saúde Pública, Faculdade de Saúde Pública da USP.

Cecília Carmen Casemiro, graduada em Serviço Social pela


Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Atuante no Municí-
pio de Mauá. Especialista em Saúde Mental, Ações Educativas em
DST/AIDS e Associação de Moradores.

Célia Camargo Leão Edelmuth, advogada, deputada estadual


pelo PSDB/SP.

Cláudia de Almeida Goulart Lopes, publicitária e pesquisa-


dora.

Dora Mariela Salcedo Barrientos, enfermeira, doutora em En-


fermagem/USP, docente da Faculdade de Saúde Pública e Adminis-
tração da Saúde da Universidade Peruana “Cayetano Heredia”, Lima,
Peru.

Elisabete Massuno, advogada, delegada de polícia/SP.


Mestranda da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC)

Eva Alterman Blay, professora titular do Departamento de So-


ciologia da Universidade de São Paulo. Fundadora e Coordenadora
22 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Científica do NEMGE (Núcleo de Estudos da Mulher e Relações


Sociais de Gênero).

Fernanda Lopes, bióloga, mestre em Saúde Pública e douto-


randa na área de epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da
USP.

Maria Aparecida de Laia, psicóloga, assistente social, espe-


cializada em Saúde Pública, Presidenta do Conselho Estadual da
Condição Feminina/SP.

Maria José Basaglia, assistente social, especializada em Saúde


Pública, na área de Educação em Saúde Pública pela Faculdade de
Saúde Pública da USP, atua na Secretaria da Saúde da Prefeitura
Municipal de Mauá.

Vera Lúcia Vaccari, psicóloga, psicoterapeuta, mestranda em


Saúde Pública, Faculdade de Saúde Pública da USP, membro do
CEPCOS – Centro de Estudos e Pesquisas em Comportamento e
Sexualidade.

Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo, pedagoga, mestre em


educação/UNESP, doutoranda em Sociologia/USP, docente da Fa-
culdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista –
Campus de Marília – Departamento de Administração e Supervisão
Escolar – DASE.

Walkiria da Silva Zachêu, psicóloga, psicoterapeuta, atua na


Secretaria da Saúde da Prefeitura Municipal de Mauá.
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 23

cAPÍTULO 1
Superar a violência
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 25

DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER:


UMA RESPOSTA À VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Elizabete Massuno

“...Ele era o meu luxo e eu até apanhava dele.


Quando ele me dava uma surra eu via que ele
gostava de mim, eu gostava de apanhar. Com
ele era amor, com os outros eu trabalhava...”
(A hora da Estrela.
Clarice Lispector1)

Introdução
Observa-se, por meio das notícias veiculadas pelos órgãos de
imprensa, que o índice de violência tem aumentado no estado de São
Paulo, nos últimos anos.2
Nesse contexto, fazemos uma indagação específica: estatisti-
camente, nesse mesmo estado, em quanto aumentou a violência con-
tra a mulher?
A partir do pressuposto de que, igualmente, têm aumentado
os registros de ocorrências nas Delegacias de Polícia de Defesa da
Mulher (DDM), questiona-se: como essas delegacias estão estrutu-
radas para atender as vítimas?

1
LISPECTOR, Clarice. 1998. A hora da Estrela. Rio de Janeiro. Rocco.
2
O ESTADO DE S. PAULO. Violência explode na Grande São Paulo. 23.4.1995,
p. C1; JORNAL DA TARDE. Editorial: A bolsa ou a vida. 1.11.1996, p. 4 A.;
FOLHA DE S. PAULO. Violência juvenil cresce na classe média. 17.3.1997, p.
3-11. REVISTA ÉPOCA. A violência em São Paulo. “Com 10,5 milhões de
habitantes, a maior cidade do país tem índices assustadores de criminali-
dade.” 27.5.1999, p. 24. JORNAL DA TARDE. Violência explode em todo o
Estado. 31.7.1999, p. 13 A.
26 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Diante dessa questão, o presente trabalho tem como escopo,


após treze anos de implantação da DDM, investigar seu significado e
desenvolvimento, sempre buscando formas de revitalizá-la.
Primeiramente, necessário se faz traçar o histórico dessa dele-
gacia, suas atribuições, ingresso das mulheres na Polícia Civil, ocor-
rências registradas e problemas detectados.
Após análise dos dados coletados, são apresentadas sugestões
no sentido de que a Administração Pública atente para as condições
da DDM, possibilitando servir ao seu propósito de eqüidade de gêne-
ro, neste país de tantas e tão variadas desigualdades.

1. Antecedentes históricos
O ano de 1975 foi, sem dúvida, um marco histórico para o
movimento de mulheres no Brasil. Época de regime político de exce-
ção em quase toda a América Latina, naquele ano a Organização das
Nações Unidas (ONU) promoveu a Conferência Mundial do Ano
Internacional da Mulher, na Cidade do México.
Mulheres de vários países ali reuniram-se para discutir a situa-
ção da condição feminina. Foi instituída, então, a Década da Mulher
(1975-1985), a fim de amenizar a grave desigualdade com que as
sociedades tratavam homens e mulheres.
O Brasil, como signatário da Convenção para Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, da ONU, com-
prometeu-se na ocasião a lutar para extinguir as discriminações que
afetavam a mulher. A começar pelo estado de São Paulo, em 1983,
no governo Franco Montoro, criou-se o Conselho Estadual da Con-
dição Feminina, órgão estadual “criado com o objetivo de traçar uma
política de ação global dentro da máquina administrativa do Estado,
objetivando às necessidades específicas da mulher na área da saúde,
violência, creches e trabalho”.3
Na gestão da primeira presidenta do Conselho, Dra. Eva
Alterman Blay, tomou-se a iniciativa de produzir um verdadeiro diag-
nóstico da situação da mulher no estado de São Paulo.

3
MORAIS, Maria Lygia Quartim de (1985). Mulheres em movimento. São
Paulo, Editora Nobel/Conselho Estadual da Condição Feminina, p. 28-9.
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 27

Durante esse período (1975-1985), os diversos movimentos


de mulheres cobravam gestões do Estado que possibilitassem a igual-
dade de oportunidades de gênero. Dentre as reivindicações, denun-
ciavam o constrangimento que as mulheres sofriam ao serem atendi-
das numa repartição policial dirigida por homens.
Em 1985, inaugurou-se, na Procuradoria do Estado, órgão da
Secretaria da Justiça do Estado de São Paulo, dirigida pela
procuradora-geral, Norma Kyriakos, o Centro de Orientação Jurídi-
ca e Encaminhamento, com o objetivo de atender as mulheres que
procuram conscientizar-se sobre os seus direitos, incentivando-as a
lutar por eles junto aos órgãos competentes.
Na mesma época, por iniciativa do então secretário da Segu-
rança Pública, Michel Temer, instaurou-se, no governo de Franco
Montoro, a Primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher, ten-
do como titular a delegada de polícia Rosemary Corrêa.
Com o passar do tempo, foram implantadas outras delegacias
do mesmo gênero, circunscritas ao estado de São Paulo, onde houve
grande apoio da população que levou até elas graves problemas de
violência doméstica contra a mulher. Tais iniciativas passaram a ser
referência para os demais estados da federação.
Atualmente há um total de cento e vinte e cinco (125) Dele-
gacias de Polícia de Defesa da Mulher, espalhadas nas cidades mais
importantes do interior do estado de São Paulo. Na capital, as DDM
estão próximas das regiões mais violentas.

2. Ingresso da mulher na Polícia Civil


A Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher (DDM) é com-
posta por: delegadas, escrivãs e investigadoras de polícia.
Primeiramente, deve-se analisar a carreira de delegado/a de
polícia. Esta autoridade policial chefia a unidade, tendo, entre outras
funções, a de coordenar as investigações para esclarecer a autoria dos
crimes que chegam ao seu conhecimento.
Apenas a título de esclarecimento, conforme preleciona o
mestre Bismael Batista de Moraes, o delegado de polícia, dirigente de
uma equipe, “deve resolver as questões que lhe são levadas, determi-
nando medidas urgentes. Muitas vezes, à sua frente encontra-se uma
28 Igualdade de oportunidades para as mulheres

vítima de assalto ou de estupro, ao mesmo tempo em que chegam


patrulheiros trazendo um homicida preso em flagrante; neste ínte-
rim, toca o telefone, informando que acaba de ocorrer um acidente
de veículos, com três ou quatro vítimas fatais; na sala de espera da
Delegacia, encontra-se alguém que teve sua casa arrombada; aí, che-
ga uma senhora, chorando, porque o seu filho menor desapareceu;
aquele senhor, apreensivo, precisa, urgentemente, de um atestado de
pobreza, para tirar a certidão de óbito e enterrar o seu filho que mor-
reu sem ser registrado etc. São 12 horas de serviço, das 8 da noite às
8 do dia seguinte. Todos dependendo das decisões do Delegado, em
sua área de responsabilidade. Ele não pode mandar que voltem na
próxima semana, ou no mês seguinte. Começa do nada e não pode
parar. Enquanto preside ao auto de prisão em flagrante, requisita a
perícia para o local do acidente, determina a remoção dos veículos e
autoriza o transporte dos cadáveres para o necrotério; ordena que se
expeça mensagem sobre o assalto; manda que se registre o desapare-
cimento do menor, ao tempo em que vai assinando o atestado de
pobreza para o enterro da criança. E, assim, plantão afora.” 4
Verificando a lista de classificação, isto é, a relação de distri-
buição por classe, publicada em fevereiro de 1999, nota-se que os/as
delegados/as de polícia do estado de São Paulo perfazem um total de
3102, dos quais 388 são mulheres, o que corresponde a 12,5% da
totalidade (quadro I).
Todas as carreiras da Polícia Civil possuem seis classes, a sa-
ber: quinta, quarta, terceira, segunda, primeira e especial. Ingressan-
do na classe inicial (quinta), o policial atingirá a primeira classe atra-
vés de promoção por dois critérios: antigüidade e merecimento. Para
alcançar a classe especial, o critério adotado é o de merecimento.
Constata-se ainda que, do total das mulheres que ocupam o
cargo de delegada de polícia, somente 15, que estão na ativa, contam
com mais de treze anos, ou seja, 4795 dias de trabalho. Isto significa
que ingressaram na carreira antes da criação da DDM.
Do exposto, conclui-se que a criação da DDM, anseio dos mo-
vimentos de mulheres, serviu, também, de abertura e incentivo para
despertar nessas mulheres interesse em ingressar na carreira policial,
4
MORAES, Bismael Batista (1990). Artigos de Polícia e Direito. São Paulo,
Ibrasa, p. 47.
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 29

como delegadas de polícia, contribuindo, assim, para amenizar a de-


sigualdade de gênero na Polícia Civil do Estado de São Paulo.
Quanto ao cargo de investigador/a de polícia, seu objetivo é a
busca de provas para o esclarecimento da autoria do crime, durante a
fase investigatória.
Por outro lado, o cargo de escrivão/ã de polícia tem o mister de
dar andamento a todos os feitos cartorários da delegacia de polícia.
Nestes dois últimos cargos, analisando os quadros II e III, res-
pectivamente de investigador/a e escrivão/ã de polícia, desde a cria-
ção da DDM, não se observam alterações significativas.
Convém analisar atentamente o quadro IV, comparativo dos
sexos, sobretudo as carreiras de delegado/a e investigador/a. Obser-
va-se uma considerável desproporção, cujos percentuais atingem
12,5% no caso de delegada e 9,3% em se tratando de investigadora.
Por último, é necessário esclarecer que existem outros cargos
na Polícia Civil do Estado de São Paulo, mas como o tema aqui trata-
do é a DDM, o presente trabalho concentrou-se somente naqueles
que compõem a equipe dessa delegacia.

Quadro I
Delegados/as de polícia – São Paulo – Fevereiro de 1999

CLASSE TOTAL HOMEM MULHER % DE MULHER


ESPECIAL 118 117 1 0,8
PRIMEIRA 433 422 11 2,5
SEGUNDA 632 586 46 7,3
TERCEIRA 1072 935 137 12,8
QUARTA 650 510 140 21,5
QUINTA 197 144 53 26,9
TOTAL 3102 2714 388 12,5
Fonte: Departamento de Administração da Delegacia Geral
30 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Quadro II
Investigador de polícia – São Paulo – Abril de 1999
CLASSE TOTAL HOMEM MULHER % DE MULHER
ESPECIAL 768 734 34 4,4
PRIMEIRA 1318 1176 142 10,8
SEGUNDA 1734 1583 151 8,7
TERCEIRA 2882 2640 242 8,4
QUARTA 1826 595 182 10,0
QUINTA 1204 1054 150 12,5
TOTAL 9732 8831 901 9,3
Fonte: Departamento de Administração da Delegacia Geral

Quadro III
Escrivão/ãs de polícia – São Paulo – Dezembro de 1998
CLASSE TOTAL HOMEM MULHER & DE MULHER
ESPECIAL 471 330 141 % 29,9
PRIMEIRA 1031 628 403 39,1
SEGUNDA 1236 641 595 48,1
TERCEIRA 2166 1140 1026 47,4
QUARTA 1286 595 771 60,0
QUINTA 1189 788 401 33,7
TOTAL 7379 4042 3337 45,2
Fonte: Departamento de Administração da Delegacia Geral

Quadro IV
Quadro comparativo dos cargos por sexo – Abril de 1999
CARGO TOTAL HOMEM MULHER & DE MULHER
DELEGADO 3102 2714 388
% 12,5
ESCRIVÃO 7339 4002 3337 45,5
INVESTIGADOR 9732 8831 901 9,3
TOTAL 20173 15547 4626 22,9
Fonte: Departamento de Administração da Delegacia Geral
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 31

3. Atribuições da DDM
Durante o governo Franco Montoro, foi publicado o decreto
estadual n. 23.769, de 6.8.1985, criando, na Secretaria da Segurança
Pública, cujo Secretário era o Dr. Michel Temer, a Delegacia de Po-
lícia de Defesa da Mulher (DDM).5
Essa norma atribui à DDM a investigação e apuração dos deli-
tos contra pessoa do sexo feminino, previstos na parte especial, título
I, capítulos II e VI, seção I, e título VI do Código Penal Brasileiro,
delitos esses de autoria conhecida, incerta ou não sabida (quadro V).
Por outro lado, a fim de normatizar o funcionamento da Dele-
gacia de Polícia de Defesa da Mulher, foi baixada a portaria DGP 12,
de 7.8.1985.6 Presentes todos os pressupostos legais, no dia seguinte
(8.8. 1985) inaugurou-se a DDM.
Com o passar dos anos, publicou-se o decreto estadual 29.981,
de 1.6.1989,7 que deu nova redação ao decreto anterior, incluindo o
capítulo V e o artigo 244, todos da parte especial do Código Penal,
ampliando as atribuições da DDM (quadro VI).
No governo Mário Covas foi promulgado o decreto estadual
40.693, de 1.3.1996, dando nova redação ao artigo 1º do decreto es-
tadual 29.981, de 1.6.1989, aumentando, deste modo, as atribuições
da DDM.
O artigo 1º do decreto estadual 40.693, de 1.3.1996, dispõe que:
5
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Seção Secretaria de Estado do
Governo. São Paulo, 7.8.1985.
6
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Decreto Estadual 23.769 de
6.8.1985. DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo, 2.3.1996.
Seção Leis.
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Decreto Estadual 40.693 de
1.3.1996. Imprensa.
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Seção Secretaria de Estado do
Governo e Gestão Estratégica. São Paulo, 13.8.1997.
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Seção Secretaria de Estado do
Governo. São Paulo, 7.8.1985.
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Decreto Estadual 40.693 de
1.3.1996. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. São Paulo, 2.3.1996.
Seção Leis.
7
COLETÂNEA DE LEGISLAÇÃO. Legislação Estadual. São Paulo, Janeiro – ju-
nho de 1989, p. 538.
32 Igualdade de oportunidades para as mulheres

“As Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher, criadas pela


Lei n. 5467, de 24 de dezembro de 1986, têm, em suas res-
pectivas áreas de atuação, as seguintes, atribuições:
I – a investigação e apuração dos delitos contra a pessoa do
sexo feminino, a criança, e o adolescente, previstos no Títu-
lo I, Capítulos I, II, III, V e Seções I e II do Capítulo VI, nos
artigos 163 e 173 do Título II, nos Títulos VI e VII e no
artigo 305 do Título I, todos da Partes Especial do Código
Penal e os crimes previstos no Estatuto da Criança e do Ado-
lescente;
II – o atendimento de pessoas do sexo feminino, crianças e
adolescentes que procurem auxílio e orientação e seu enca-
minhamento aos órgãos competentes.
§ 1º No tocante aos artigos 121 e 163 do Código Penal, a
competência se restringe às ocorrências havidas no âmbito
doméstico e de autoria conhecida.
§ 2º As atribuições previstas no inciso deste artigo serão
exercidas concorrentemente com as demais unidades poli-
ciais.” (quadro VII)
Por derradeiro, publicou-se o Decreto Estadual 42.082, de
12.8.1997, revogando o anterior. Esse novo decreto contém a mesma
matéria, somente acrescentando o cumprimento do mandado de pri-
são por falta de pagamento de pensão alimentícia (ver quadro VIII),
a saber:
“Artigo 1º – O artigo 1º do Decreto nº 29.981, de 1º de junho
de 1989, modificado pelo Decreto nº 40.693, de 1º de março de
1996, 8 passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Artigo 1º – As Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher, cria-
das pela Lei nº 5.467, de 24 de dezembro de 1986, têm, em suas
respectivas áreas de atuação, as seguintes atribuições:
I – a investigação e apuração dos delitos contra a pessoa do sexo
feminino, a criança e o adolescente, previstos no Título I, Capí-
tulos I, II, III e V e seções I e II do Capítulo VI, nos artigos 163
e 173 do Título II, nos Títulos VI e VII e no artigo 305 do Título
8
DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO. Seção Secretaria de Estado do Governo e Ges-
tão Estratégica. São Paulo, 13.8.1997.
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 33

X, todos da Parte Especial do Código Penal e os crimes previstos


no Estatuto da Criança e do Adolescente;
II – o atendimento de pessoas do sexo feminino, crianças e ado-
lescentes que procurem auxílio e orientação e seu encaminha-
mento aos órgãos competentes;
III – o cumprimento dos mandados de prisão civil por dívida
do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável
de obrigação alimentícia.
§ 1º – No tocante aos artigos 121 e 163 do Código Penal, a
competência se restringe às ocorrências havidas no âmbito
doméstico e de autoria conhecida.
§ 2º – As atribuições previstas nos incisos I e III deste artigo
serão exercidas concorrentemente com as demais unidades po-
liciais’.
Artigo 2º – Este decreto entrará em vigor na data de sua publi-
cação.”
34 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Quadro V
Atribuições da DDM previstas no Código Penal – de 1985 a 1989

Tipo de Crime Artigo


Lesão corporal 129
Constrangimento ilegal 146
Ameaça 147
Seqüestro e cárcere privado 148
Redução a condição análoga à de escravo 149
Estupro 213
Atentado violento ao pudor 214
Posse sexual mediante fraude 215
Atentado ao pudor mediante fraude 216
Sedução 217
Corrupção de menores 218
Rapto violento ou mediante fraude 219
Rapto consensual 220
Concurso de rapto e outro crime 222
Mediação para servir à lascívia de outrem 227
Favorecimento da prostituição 228
Casa de prostituição 229
Rufianismo 230
Tráfico de mulheres 231
Ato obsceno 233
Escrito ou objeto obsceno 234
Bigamia 235
Induzir a erro essencial e ocultação de impedimento 236
Conhecimento prévio de impedimento 237
Simulação de autoridade para celebração de casamento 238
Simulação de casamento 239
Adultério 240
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 35

Quadro VI
Atribuições da DDM previstas no Código Penal – de 1989 a 1996

Tipo de Crime Artigo


Lesão corporal 129
Calúnia* 138
Difamação* 139
Injúria* 140
Constrangimento ilegal 146
Ameaça 147
Seqüestro e cárcere privado 148
Redução a condição análoga à de escravo 149
Estupro 213
Atentado violento ao pudor 214
Posse sexual mediante fraude 215
Atentado ao pudor mediante fraude 216
Sedução 217
Corrupção de menores 218
Rapto violento ou mediante fraude 219
Rapto consensual 220
Concurso de rapto e outro crime 222
Mediação para servir à lascívia de outrem 227
Favorecimento da prostituição 228
Casa de prostituição 229
Rufianismo 230
Tráfico de mulheres 231
Ato obsceno 233
Escrito ou objeto obsceno 234
Bigamia 235
Induzir a erro essencial e ocultação de impedimento 236
Conhecimento prévio de impedimento 237
Simulação de autoridade para celebração de casamento 238
Simulação de casamento 239
Adultério 240
Abandono material* 244

Obs.: Os crimes assinalados com * foram introduzidos pelo decreto 29.981, de


1.6.1989, ampliando as atribuições da DDM.
36 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Quadro VII
Atribuições da DDM previstas no Código Penal e no Estatuto da
Criança e do Adolescente – de 1996 a 1997

Tipo de Crime Artigo Lei


Homicídio 121 CP
Induzimento, instigação, auxílio a suicídio 122 CP
Infanticídio 123 CP
Aborto provocado pela gestante ou c/consentimento 124 CP
Aborto provocado por terceiro 125/126 CP
Lesão corporal 129 CP
Perigo de contágio venéreo 130 CP
Perigo de contágio moléstia grave 131 CP
Perigo para a vida ou saúde de outrem 132 CP
Abandono de incapaz 133 CP
Exposição ou abandono de recém-nascido 134 CP
Omissão de socorro 135 CP
Maus-tratos 136 CP
Calúnia 138 CP
Difamação 139 CP
Injúria 140 CP
Constrangimento ilegal 146 CP
Ameaça 147 CP
Seqüestro e cárcere privado 148 CP
Redução a condição análoga à de escravo 149 CP
Violação de domicílio 150 CP
Dano 163 CP
Abuso de incapazes 173 CP
Estupro 213 CP
Atentado violento ao pudor 214 CP
Posse sexual mediante fraude 215 CP
Atentado ao pudor mediante fraude 216 CP
Sedução 217 CP
Corrupção de menores 218 CP
Rapto violento ou mediante fraude 219 CP
Rapto consensual 220 CP
Concurso de rapto e outro crime 222 CP
Mediação para servir à lascívia de outrem 227 CP
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 37

Favorecimento da prostituição 228 CP


Casa de prostituição 229 CP
Rufianismo 230 CP
Tráfico de mulheres 231 CP
Ato obsceno 233 CP
Escrito ou objeto obsceno 234 CP
Bigamia 235 CP
Induzimento a erro essencial/ocultação de impedimento 236 CP
Conhecimento prévio de impedimento 237 CP
Simulação de autoridade para celebração de casamento 238 CP
Simulação de casamento 239 CP
Adultério 240 CP
Registro de nascimento inexistente 241 CP
Parto suposto, supressão ou alteração de direito inerente ao 242 CP
estado civil de recém-nascido
Sonegação de estado de filiação 243 CP
Abandono material 244 CP
Entrega de filho menor a pessoa inidônea 245 CP
Abandono intelectual 246/247 CP
Induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de 248 CP
incapazes
Supressão de documento 305 CP
Crimes contra crianças e adolescentes 228-244 ECA
Obs.:
1. Os crimes assinalados em itálico foram introduzidos pelo Decreto 40.693, de
1.3.1996, ampliando as atribuições anteriores da DDM. A sigla CP significa
Código Penal.
2. A sigla ECA significa Estatuto da Criança e do Adolescente.
38 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Quadro VIII
Atribuições da DDM previstas no Código Penal, no Estatuto da
Criança e do Adolescente e no Código de Processo Civil –
a partir de 1997
Tipo de Crime Artigo Lei
Homicídio* 121 CP
Induzimento, instigação, auxílio a suicídio* 122 CP
Infanticídio* 123 CP
Aborto provocado pela gestante ou c/consentimento* 124 CP
Aborto provocado por terceiro* 125/126 CP
Lesão corporal 129 CP
Perigo de contágio venéreo* 130 CP
Perigo de contágio moléstia grave* 131 CP
Perigo para a vida ou saúde de outrem* 132 CP
Abandono de incapaz* 133 CP
Exposição ou abandono de recém-nascido* 134 CP
Omissão de socorro* 135 CP
Maus-tratos* 136 CP
Calúnia** 138 CP
Difamação** 139 CP
Injúria** 140 CP
Constrangimento ilegal* 146 CP
Ameaça 147 CP
Seqüestro e cárcere privado 148 CP
Redução a condição análoga à de escravo 149 CP
Violação de domicílio* 150 CP
Dano* 163 CP
Abuso de incapazes* 173 CP
Estupro 213 CP
Atentado violento ao pudor 214 CP
Posse sexual mediante fraude 215 CP
Atentado ao pudor mediante fraude 216 CP
Sedução 217 CP
Corrupção de menores 218 CP
Rapto violento ou mediante fraude 219 CP
Rapto consensual 220 CP
Concurso de rapto e outro crime 222 CP
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 39

Mediação para servir à lascívia de outrem 227 CP


Favorecimento da prostituição 228 CP
Casa de prostituição 229 CP
Rufianismo 230 CP
Tráfico de mulheres 231 CP
Ato obsceno 233 CP
Escrito ou objeto obsceno 234 CP
Bigamia 235 CP
Induzimento a erro essencial/ocultação de impedimento 236 CP
Conhecimento prévio de impedimento 237 CP
Simulação de autoridade para celebração de casamento 238 CP
Simulação de casamento 239 CP
Adultério 240 CP
Registro de nascimento inexistente* 241 CP
Parto suposto, supressão ou alteração de direito inerente ao 242 CP
estado civil de recém-nascido*
Sonegação de estado de filiação* 243 CP
Abandono material** 244 CP
Entrega de filho menor a pessoa inidônea* 245 CP
Abandono intelectual* 246/247 CP
Induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de 248 CP
incapazes*
Supressão de documento* 305 CP
Crimes contra crianças e adolescentes* 228-244 ECA
Cumprimento de mandado de prisão por dívida de 733 CPC
obrigação alimentícia***

Obs.:
1. O crime assinalado com * foi introduzido pelo Decreto 42.082, de 12.8.1997,
ampliando as atribuições anteriores da DDM.
2. A sigla CPC significa Código de Processo Civil.
40 Igualdade de oportunidades para as mulheres

4. Registro de ocorrências
Analisando as estatísticas referentes às ocorrências registradas
nas DDM, do período de 1990 a 1998, verifica-se que a cada ano há
aumento significativo do número de denúncias consignadas nos apon-
tamentos dessas delegacias especializadas.
Foram detectados cinqüenta mil, oitocentos e trinta e quatro
(50.834) registros de ocorrências no ano de 1990 e duzentos e trinta
e nove mil, quinhentos e trinta (239.530) no ano de 1998.
É de se ressaltar, ainda, que 11% das ocorrências anotadas no
estado de São Paulo em 1997 e 1998 provêm das DDM.
Ademais, as sete maiores incidências na natureza das causas
apontadas nas DDM até 1996, em ordem decrescente, dizem respei-
to a lesão corporal, ameaça, desentendimento, crimes contra a honra
(injúria, difamação, calúnia), estupro, abandono material e atentado
violento ao pudor.
Por outro lado, nos anos seguintes, observa-se uma mudança
no quadro estatístico, o qual mostra que as sete maiores incidências,
na natureza das causas registradas na delegacia especializada, dizem
respeito a desentendimento, lesão corporal, ameaça, crimes contra a
honra (injúria, difamação e calúnia), vias de fato, maus-tratos, cri-
mes contra a família (abandono material, abandono intelectual e
entrega de filho menor a pessoa inidônea), estupro.
Entretanto, como os termos utilizados na natureza das causas
inscritas são expressões jurídicas, necessário se faz, aqui, defini-las,
para ficar mais claro (quadro IX).
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 41

Quadro IX – Crimes e suas Definições


Lesão corporal É um ato que atinge a integridade física ou psíquica do ser
humano.
Caluniar Atribuir a alguém, falsamente, um fato criminoso.
Difamar Imputar a alguém um fato ofensivo à sua reputação.
Injuriar Ofender a dignidade de outrem.
Ameaçar Prometer castigo ou malefício a alguém.
Desentender Discussão, entre pessoas que estão em desacordo sobre um fato,
gerando mal-estar entre elas.
Vias de fato É um ato agressivo que não causa dano à integridade corporal da
vítima.
Estuprar Constranger a mulher a praticar, mediante violência ou grave
ameaça, a cópula vagínica.
Atentar Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a
violentamente praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso
contra o pudor diverso da cópula vagínica.
Abandonar Imputar àquele que tem o dever legal de garantir a subsistência
materialmente e o amparo de sua família.
Dos crimes contra a Este capítulo protege a família no que concerne à subsistência; a
assistência familiar lei prevê os crimes de abandono material, abandono intelectual e
abandono moral.

Note-se, igualmente, que as mudanças a partir de 1997, das


incidências na natureza das causas registradas na delegacia especializa-
da, devem-se:
1) ao aumento de registro de ocorrência na natureza de causa – de-
sentendimento – porque todos os atendimentos de mero encami-
nhamento começam a ser registrados, dando melhor visão da di-
mensão do trabalho desenvolvido pela DDM;
2) ao crescimento da modalidade criminosa vias de fato que passa
assumir a quinta posição. Anteriormente, esse crime estava agru-
pado no item demais motivos que tornava impossível a sua
individualização;
3) à incorporação do crime de abandono material ao grupo crimes
contra a família, o qual possui várias modalidades criminosas, di-
ficultando, deste modo, a análise correta do item crime de aban-
dono material. Deixa, portanto, de permitir a comparação de sua
evolução, que vinha tendo crescimento vertiginoso no registro de
sua ocorrência;
4) ao agrupamento, a partir de 1997, dos crimes de posse sexual me-
diante fraude, atentado ao pudor mediante fraude, sedução, cor-
rupção de menores, rapto consensual, favorecimento à prostitui-
42 Igualdade de oportunidades para as mulheres

ção, rufianismo e ato obsceno, no item crimes sexuais sem violên-


cia. Portanto, não havendo a individualização desses crimes, tor-
na-se impossível compará-los estatisticamente, apesar de eles nun-
ca aparecerem como números significativos nas maiores incidências
na natureza das causas apontadas nas DDM;
5) por fim, observa-se que há tendência de aumento dos crimes con-
tra a pessoa e contra a família (abandono material, abandono in-
telectual) em relação aos crimes contra a liberdade sexual (estu-
pro, atentado violento ao pudor, sedução etc.), sendo que, em
1998, este deixa de aparecer entre as sete maiores incidências.
Além disso, ressalta-se que, com a alteração nas atribuições da
DDM, a partir de 1996, atendendo mulher, criança e adolescente de
ambos os sexos, e investigando também os demais casos, conforme se
vê no quadro VIII, indubitavelmente ocorreu um aumento na varia-
ção das ocorrências.
Por outro lado, depoimentos de algumas delegadas de polícia
da DDM indicam que se deve levar em conta as mudanças que estão
ocorrendo no comportamento da mulher. Assinala a delegada Celi
Paulino Carlota: “Quando começamos o trabalho da Delegacia de
Defesa da Mulher, as vítimas chegavam aqui contando que havia 12
anos que eram espancadas pelos maridos. Hoje isso mudou, com uma
simples ameaça, a mulher já vem à delegacia expor os seus problemas
e nos pedir ajuda”.9
Tal denúncia, muitas vezes não sendo contemplada pelo direi-
to penal, é registrada no item “desentendimento”. Porém, a quanti-
dade de registros é significativa, o que deveria ser dissecado e repen-
sado para que, no futuro, esses desentendimentos não sejam geradores
de crimes, Portanto, devemos reconsiderar esse modelo de preven-
ção.
Vale lembrar, por fim, que na época da entrada em vigor do
decreto 40.693/96, o jornal Folha de S. Paulo noticiou a ampliação
das atribuições da DDM. Na época, a delegada de polícia e coorde-
nadora do Serviço Técnico de Apoio às Delegacias de Polícia de
Defesa da Mulher da Polícia Civil do Estado de São Paulo, Maria

9
CARLOTA, Celi Paulino (1999). Em Defesa da Mulher. In: Revista Metró-
pole Policial. São Paulo, Ano VIII – n. XXXIX – mar/abr/1999, p. 27.
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 43

Inês Trefiglio Valente, afirmou que a mudança na competência da


DDM seria de grande valia, pois, “além de valorizar as DDM, a medi-
da vai nos ajudar a ter a dimensão exata da violência contra a mu-
lher”. Finalmente, informou que haveria “uma mudança no trabalho
das delegacias, que agora serão voltadas também à família”.10

5. De uma reunião de delegadas de polícia


Em reunião realizada no final de abril de 1999, da qual partici-
param cento e sete (107) titulares das delegacias de polícia de Defesa
da Mulher do Estado de São Paulo, foram expostas as dificuldades
das referidas unidades, principalmente no que se refere ao exercício
da função de polícia judiciária.
Constatou-se que 68 DDM têm carência de recursos mate-
riais. Por “carência de recursos materiais” deve-se entender:
1) Nem todas as delegacias estão informatizadas. Somente nas da
capital foram instalados computadores, porém, estes não funcio-
nam em rede.
2) A grande maioria das viaturas não está equipada com rádio.
3) Na frota existente, a maioria dos veículos tem mais de 5 anos de
uso, sendo que nem toda delegacia está provida com viatura.
4) As delegacias nem sempre estão instaladas em prédio do Estado,
mas em edifícios cedidos pela municipalidade.
5) Nenhuma possui terminais (videotexto) para consultar, por exem-
plo, folha de antecedentes criminais.
Verificou-se que em 13 DDM não foram constatados proble-
mas. Observou-se que 73 DDM apresentam carência de recursos hu-
manos.
Por “carência de recursos humanos” deve-se entender:
1) Faltam escrivãs de polícia para auxiliar no atendimento, bem como,
para providenciar o andamento dos inquéritos policiais (IP) e ter-
mo circunstanciado de ocorrência policial (TCOP).

10
FOLHA DE S. PAULO. Delegacia da Mulher vai atender assassinato cometido
por parente. São Paulo, Caderno especial A-1, 2.3.1996.
44 Igualdade de oportunidades para as mulheres

2) Faltam investigadores do sexo masculino, para dar cumprimento


aos mandados de prisão de natureza civil, em áreas de extrema
violência.
3) Ocorre demasiada movimentação de funcionários (escrivães e in-
vestigadores de polícia) para outras unidades da Polícia Civil. Es-
sas substituições constantes acarretam prejuízo na conclusão dos
feitos cartorários, por se tratar de atividade com peculiaridades
próprias.
4) Algumas titulares acumulam funções em outras delegacias, tais
como: respondendo pela Ciretran (delegacia de trânsito), cadeias
públicas, Dise (delegacia de entorpecente) e escalas de sobreavi-
sos.
5) Faltam investimentos na construção de casa de abrigo (para víti-
mas de violência ameaçadas de morte), conselho tutelar (frente
ao Estatuto da Criança e do Adolescente), assistente social e psi-
cóloga.
6) Falta curso de motivação para o trabalho voltado para a área es-
pecífica de gênero.
Portanto, temos o seguinte quadro:

Quadro X
 Diagnóstico: panorama geral
Nº DE DDMs Problemas detectados
Nº DE DDMs Problemas detectados
68 Faltam recursos materiais
68 Faltam recursos materiais
73 Faltam recursos humanos
73 Faltam recursos humanos
13 Não foi constatado nenhum problema
13 Não foi constatado nenhum problema

Nota: alguns aspectos foram resolvidos posteriormente mas várias carências


materiais e humanas permanecem.

A soma da enquete ultrapassa o número de DDMs porque al-


gumas apresentam problemas com recursos materiais e humanos, en-
quanto outras apresentam um ou nenhum problema.
Somente ad argumentandum, a situação nas demais delega-
cias, não especializadas, do estado apresenta, também, privações, tais
como: “viaturas sem manutenção, armas ultrapassadas, munição es-
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 45

cassa, poucos coletes à prova de bala, computadores quebrados e


impressoras sem tinta”.11

6. Ações sugeridas
A título de informação, antes de adentrar ao assunto propria-
mente dito, deve-se esclarecer que “...por gênero entendemos as di-
ferenças sociais entre homens e mulheres que são adquiridas, são
mutáveis ao longo do tempo e apresentam grandes variações entre e
intra culturais. Por sexo entendemos as diferenças determinadas bio-
logicamente entre homens e mulheres que são universais. Exemplo:
se apenas as mulheres podem dar à luz (característica biologicamente
determinada), a biologia não determina quem se encarregará da edu-
cação dos filhos (comportamento influenciado pelo gêne-
ro)...”12Ainda, é necessário elucidar que “...eqüidade de gênero refe-
re-se à igualdade de oportunidades, ao respeito pelas diferenças
existentes entre homens e mulheres e às transformações das relações
de poder que se dão na sociedade em nível econômico, social, políti-
co e cultural, assim como à mudança das relações de dominação na
família, na comunidade e na sociedade em geral.” 13

6.1. Criação do centro de estudos


Ao elaborar o presente estudo, verifica-se que a Polícia Civil
tem à sua disposição um celeiro de informações advindas do plantão
policial, que poderiam ser utilizadas para melhorar a prestação de
seus serviços à comunidade.

11
JORNAL DOS DELEGADOS. Estado deixa Polícia sem materiais para trabalhar.
Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo. São Paulo,
1999, p. 13.
12
UNIÃO EUROPÉIA. Guia de Avaliação do Impacto em Função do Gênero.
Comissão de comunicação. COM (96) 67 final de 21.2.1996: “Incorporar
a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres no conjunto das
políticas e das ações comunitárias”, p. 3
13
NEMGE (1996). Ensino e Educação com Igualdade de Gênero na Infância
e na Adolescência. Guia Prático para Educadores e Educadoras. Universi-
dade de São Paulo. NEMGE/CECAE. São Paulo, p. 2.
46 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Diante do conjunto desses dados, faz-se necessário investir nos


métodos de captação para aplicá-los nas tomadas de decisões. Para
isto, é preciso criar um órgão.
Em princípio, quem detém esse conjunto de informações é a
unidade superior da Polícia Civil, denominada Delegacia Geral de
Polícia.
Como sugestão, deve-se criar o Centro de Estudos, subordina-
do diretamente ao chefe da instituição policial civil.
Esse órgão de apoio teria a atribuição de receber dos delegados
de polícia, na área de recursos humanos, sugestões para a melhoria
da qualidade dos serviços.
Apenas para exemplificar: como a atividade policial na DDM
é estressante, e muitas vezes arriscada, deve-se constantemente mo-
tivar as policiais, cada qual em sua área, sobre o seu relevante papel
dentro do contexto social.
Para tanto, é imprescindível realizar seminários, com o intuito
de debater, esclarecer, trocar experiências e motivar as funcionárias
sobre a razão do seu trabalho.

6.2. Mudança das atribuições e reestruturação da DDM


Tendo em vista que os nossos legisladores estaduais estão em-
penhados em recriar a Delegacia da Criança e Adolescente, nada
impede que se coloque em prática tal intento.
Porém, faz-se necessário capacitar seus funcionários e retirar
da DDM as atribuições que não lhe são pertinentes.
Ato contínuo, a DDM poderia, também, ser remodelada e me-
lhor estruturada, conforme mostra o gráfico a seguir.
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 47

Quadro XI
Estrutura proposta para a DDM

DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER

Equipe de plantão
(delegada de polícia, escrivã
e investigadora de polícia, agente de
telecomunicações, agente policial e
carcereira).

assistente social e
psicóloga.

Com isso, o Poder Legislativo poderia criar os cargos de psicó-


logo(a) e assistente social, em virtude da imprescindibilidade
desses(as) funcionários(as) públicos(as) no auxílio da resolução de
contendas.
Vale lembrar que tal iniciativa vem ao encontro da Plataforma
de Ação aprovada em Beijing (China), na IV Conferência Mundial
sobre a Mulher, em 1995.

6.3. Criação de departamento de coordenação das DDM


É de se observar que as delegacias de polícia estão com dificul-
dades de ordem material e humana. Entretanto, em virtude da DDM
ser uma delegacia especializada, os recursos a ela oferecidos são me-
nores e, conseqüentemente, os problemas são exacerbados.
Para sanar, em parte, essa questão, é indispensável obter re-
cursos financeiros.
Na administração pública, somente a unidade de despesa pos-
sui tal recurso.
A título de observação, a Polícia Civil é dirigida pelo Delegado
Geral de Polícia. Para realizar seus objetivos, ele conta com a colabo-
ração dos órgãos de apoio, de execução e de consulta, os quais são
unidades de despesas.
48 Igualdade de oportunidades para as mulheres

A DDM e o Serviço Técnico de Apoio às DDMs (setor que


coordena essas delegacias) não são departamentos nem unidades de
despesa; logo, não são providos de recursos financeiros.
Diante desse impasse, sugere-se a elevação do Serviço Téc-
nico de Apoio às DDMs ao nível de departamento, para poder estar
em pé de igualdade por ocasião das deliberações e reivindicações dos
assuntos policiais.
Esse departamento, em síntese, seria composto por duas divi-
sões, uma englobando as delegacias da capital e Grande São Paulo, e a
outra as delegacias do interior do estado. A função de cada coordena-
doria ou divisão seria ir ao encontro das delegacias de polícia, realizar o
acompanhamento sistemático das DDMs, solucionar os problemas e
assessorar a diretora do departamento nos assuntos a ele atinentes.
Quadro XII
DEPDEPARTAMENTO DE COORDENAÇÃO DAS DDM

COORDENADORIA DAS DDM DO INTERIOR

DDM-INTERIOR
COORDENADORIA DAS DDM-CAPITAL
E DA GRANDE SÃO PAULO

DDM-CAPITAL E
GRANDE SÃO PAULO

6.4. Criação da Secretaria de Eqüidade de Gênero


A maioria das agressões físicas contra as mulheres é praticada
na presença de seus filhos, criando um ciclo de violência que se per-
petua de geração em geração.
Nesse sentido, Heleieth I. B. Saffioti afirma que “... Numa par-
cela imensurável de famílias, os cônjuges ou nunca se amaram ou já
deixaram de se amar. Interesses vários, inclusive econômicos, levam-
nos a manter um casamento que, do ângulo amoroso, desmoronou
há muito tempo. O mau relacionamento dos pais reflete negativa-
mente nos filhos, mais fortemente que a separação conjugal. Assim,
a criança percebe, ainda que nada se lhe diga, que seus pais simulam
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 49

situações afetuosas que, na verdade, revelam mágoa, rancor, ressen-


timento. Ou seja, a criança percebe a falsidade do que lhe é dito. Ela
viverá, portanto, no mínimo, o conflito entre o captado nos gestos,
olhares e atitudes do adulto e as verbalizações deste adulto...” 14
Complementando, Maria Amélia Azevedo e Viviane Noguei-
ra de Azevedo Guerra ensinam que “... Todas as três modalidades de
abuso-vitimização de crianças têm em comum, além da própria natu-
reza do processo, as seguintes características básicas suportadas por
vasta literatura nacional e internacional: ... – trata-se de um fenôme-
no que, embora não se restrinja ao lar, tem nele sua origem e sua
ecologia privilegiada; – trata-se de um fenômeno que pode reprodu-
zir-se em termos de um verdadeiro ciclo de violência tal como se
sugere a seguir; – trata-se de um fenômeno que, embora vitimize
meninos, tem na mulher-criança sua vítima mais freqüente. Isso tem
a ver com o fato de que a vitimização é um processo que tem sua
razão no padrão falocrático de relações sociais de gênero ...”.15
Tal fato dá-se conforme o esboço que se segue:

Quadro XIII
Abuso em família
Abuso em família
Físico/Sexual

Episódios de desaparecimento
de crianças
Maturação para tornar-se
um agressor/explorador

Exploração
de crianças

Verifica-se que, em tese, a violência contra a mulher e a vio-


lência contra a criança e adolescente estão interligadas. Diante do
14
SAFFIOTI, Heleieth I. B. (1989). Exploração sexual de crianças. In: AZEVE-
DO, Maria Amélia e GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo (Org.).
15
AZEVEDO, Maria Amélia e GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo (Org.).
(1989) Crianças vitimizadas: a síndrome do pequeno poder. São Paulo,
Iglu, p. 43-4.
50 Igualdade de oportunidades para as mulheres

exposto, os nossos legisladores poderiam criar a Secretaria da Eqüi-


dade de Gênero, que englobaria a Coordenadoria da violência con-
tra a mulher e a Coordenadoria da violência contra a criança e o
adolescente.
Certamente, assim, trabalhando nas duas frentes, os especia-
listas das várias áreas poderão, no futuro, amenizar a violência que
assola o nosso país.

6.5. Disciplina sobre “violência de gênero”


Primeiramente, necessário se faz conceituar o significado des-
te sub-item. Violência de gênero tem essa denominação porque não
são as diferenças biológicas entre o homem e a mulher que determi-
nam o emprego da violência contra a mulher. Ela advém do poder
dominador do homem sobre o sexo oposto.
Na Polícia Civil, preferencialmente, são as DDMs que aten-
dem as vítimas de violência de gênero, mas nada impede que os dis-
tritos policiais também prestem esse serviço.
Durante a regulamentação do funcionamento das DDMs, foi
baixada a portaria DGP 12, de 7.8.1985. O parágrafo único do seu
artigo 5º preceitua que “Todas as policiais civis a serem designadas
para prestar serviço junto a esta Unidade Policial deverão, previa-
mente, participar de seminários, palestras e estudos coordenados pelo
CECF ou pela OAB”.
É de se destacar, ainda, que na reunião das DDMs foi detecta-
da a falta de curso voltado para a área específica de gênero.
Diante dessa solicitação, deve-se analisar o curso de formação
do delegado de polícia, ministrado pela Academia de Polícia, que
tem a duração de três meses. As matérias lecionadas estão divididas
por departamentos, ou seja, unidades docentes, como se pode ver a
seguir:
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 51

Quadro XIV
Cursos para Formação de Delegados de Polícia da
Academia de Polícia do Estado de São Paulo
Departamentos Disciplinas
Medicina Legal Medicina Legal
Criminologia Criança e do Adolescente
Criminologia
Criminalística Papiloscopia
Criminalística
Administração Policial Direitos Humanos
Relações Públicas
Condicionamento Físico
Defesa Pessoal
Sistemas de Administração
Chefia e Liderança
Armamento e Tiro
Ética Policial
Polícia Administrativa Polícia Comunitária
Policiamento Preventivo Especializado
Processamento de Dados
Telecomunicações
Noções de Polícia Administrativa
Legislação de Trânsito
Procedimento Disciplinar
Organização Policial
Polícia Judiciária Inquérito Policial
Investigação Policial
Polícia Judiciária
Problemas Policiais
Direito Constitucional Aplicado

Note-se que no quadro mencionado não há referência à maté-


ria discutida neste item.
Diante disso, necessário se faz aumentar a carga horária e in-
troduzir no currículo do curso a disciplina Violência de Gênero.
Tal imposição vem ao encontro da decisão formulada na “CPI
(Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a Violência Contra a Mu-
lher”, quando o sub-item “Providências policiais, do Ministério Públi-
co ou do Poder Judiciário” dispõe: “A CPI sugere a adição de disciplina
sobre os direitos da mulher nos cursos de formação de policiais”.16,17

16
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Resumo do Relatório sobre a CPI da Violência
contra a Mulher. Brasília. Sub-item: Providências policiais, do Ministério
Público ou do Poder Judiciário. Conselho da Condição Feminina. São Paulo,
1992.
17
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit. Sub-item: Providências do Poder Exe-
cutivo.
52 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Essa iniciativa irá também ao encontro do que determina essa


CPI: “...conscientização de todos os que lidam com o problema de
que a violência doméstica não pode ser tratada como ‘crime me-
nor’...” 18

6.6. Disciplina: “estatística”


A partir de 1997, os crimes de vias de fato, maus-tratos e crime
contra a assistência familiar tiveram sua posição incrementarda. Es-
ses tipos de crimes, em sua maioria, são típicos de violência contra
crianças e adolescentes.
Todavia, em virtude de o Serviço Técnico de Apoio às DDMs
da Polícia Civil ou a Coordenadoria de Análise e Planejamento da
Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo não possuí-
rem separadamente a estatística do atendimento a crianças e adoles-
centes na DDM, não foi possível, neste projeto, realizar a tabulação
dos dados referentes à quantidade de ocorrências dessa especialida-
de.
Por outro lado, além do fato consignado anteriormente, o au-
mento no registro de ocorrências nas DDMs foi significativo.
Ocorreu um aumento acelerado na natureza da causa registra-
da – desentendimento. Esse aumento pode indicar uma maior procu-
ra da DDM pela mulher.
Ressalta-se, novamente, que tal denúncia, muitas vezes não
sendo contemplada pelo direito penal, é registrada no item “desen-
tendimento”. Porém, a quantidade de registros é significativa, o que
deveria ser dissecado e repensado para que, no futuro, esses desen-
tendimentos não sejam geradores de crimes. Portanto, devemos re-
considerar esse modelo de prevenção.
Na prática, as unidades policiais, para elaborarem o boletim
estatístico mensal, transcrevem nele os dados referentes à natureza
dos crimes registrados nos boletins de ocorrência, os recursos huma-
nos e materiais da delegacia de polícia.
18
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit. Sub-item: Providências do Poder Execu-
tivo.
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 53

Porém, essa estatística somente revela números, impossibili-


tando um estudo em relação ao sexo, idade, raça, local, motivo do
crime, perfil do agressor etc.
Urge, portanto, modificar esse modelo estatístico, tornando-o
mais transparente em seus dados e útil para a prevenção do crime.
Para pôr em prática “a cultura da estatística”, imposta pelo
mundo moderno, o Poder Público tem de prover recursos humanos e
materiais às delegacias de polícia.
Para tanto, a administração pública deverá equipar o Serviço
Técnico de Apoio às DDMs com microcomputadores e uma equipe
de funcionárias especializadas em estatística, a fim de compilar os
dados fornecidos pelos novos modelos de boletins de ocorrência e
interpretá-los à luz da eqüidade de gênero.
Além do exposto, a Polícia Civil deverá providenciar o treina-
mento de seus funcionários/as.
A fim de concretizar essas medidas, é necessário implantar no
currículo da Academia de Polícia o ensino direcionado à estatística,
em virtude da importância dessa disciplina, pois os dados colhidos
corretamente servirão para orientar o planejamento e a execução dos
atos da Polícia Civil.
Deve-se ter sempre em mente que por meio da estatística a
violência torna-se transparente e desencadeia ações concretas para
levá-la ao nível suportável por uma sociedade.
Por fim, acatando essa proposta, estar-se-á observando a su-
gestão das conclusões da CPI acima citada, que propõe: “1) manter
estatísticas atualizadas sobre a violência contra a mulher em todos os
Estados”.19

6.7. Cargo de investigador de polícia


Após a análise de vinte mil nomes nas listas dos servidores
públicos da Polícia Civil, frise-se novamente, foi constatado que:

19
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit. Sub-item: Providências do Poder Execu-
tivo.
54 Igualdade de oportunidades para as mulheres

a) a criação da DDM impulsionou o ingresso das mulheres no


cargo de delegado/a de polícia e foi ao encontro da eqüidade de opor-
tunidades entre homens e mulheres;
b) quanto ao cargo de investigador/a de polícia, não se consta-
ta mudança significativa, sendo que em relação aos homens há so-
mente 9% de mulheres. Portanto, é necessário aplicar a eqüidade de
gênero na carreira policial.
Assim, é imprescindível promover uma campanha motivando
as mulheres a ingressar no cargo de investigador/a de polícia, e dire-
cionar o concurso público para que os/as pretendentes a esse cargo
venham prestar serviços na DDM.
Dessa forma, a administração pública se coadunará em parte
com o sugerido pela CPI já citada: “criar maior número de Delega-
cias da Mulher, casas-abrigo, e criar mais vagas em concursos públi-
cos para policiais femininas”.20

Considerações finais
Sumariando o que foi apresentado na introdução do presente
trabalho, vale comentar o trecho extraído da obra da escritora Clarice
Lispector. Aquela violência ainda permeia as relações interpessoais e
é intolerável e precisa ser denunciada e combatida.
Em diversos locais, considera-se normal que o homem agrida
verbal ou fisicamente a mulher, pois se acredita que ele tem “direi-
tos” sobre ela. Qualquer tipo de violência é inadmissível em qualquer
meio, tornando-se, ainda mais grave quando verificada no ambiente
familiar, pois isto cria um ciclo de violência que se perpetua de gera-
ção em geração.
Mulheres e homens não são idênticos fisicamente. Porém, seus
direitos são iguais perante a Constituição Federal, embora, infeliz-
mente, isso ainda não seja uma realidade.
Por tudo isso, a DDM tem atuado em face a esse tipo de vio-
lência, com o intuito de coibi-la.

20
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Op. cit. Sub-item: Providências do Poder Execu-
tivo.
Delegacia de defesa da mulher: uma resposta à violência de gênero 55

Portanto, diante do aumento da violência ainda é necessária a


existência da Delegacia de Defesa da Mulher, e o Estado tem o dever
de provê-la condignamente para cumprir o estatuído pela Lei Mag-
na: preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas.
Projeto Cidadania e Gênero: superando a violência contra a mulher 57

PROJETO CIDADANIA E GÊNERO:


SUPERANDO A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Vera Lucia Vaccari

I. Análise da situação
Como membro do Instituto Paulista de Sexualidade e do
CEPCoS (Centro de Estudos e Pesquisas em Comportamento e Se-
xualidade), uma ONG sem fins lucrativos que reúne profissionais de
diferentes áreas que têm a sexualidade como tema principal de estu-
do, há anos venho dando cursos e seminários e respondendo a cartas
e mensagens eletrônicas de pessoas interessadas, além de oferecer
consultoria a jornais, revistas e sites na internet sobre sexualidade. O
Instituto e o CEPCoS oferecem palestras abertas à comunidade, cur-
sos e oficinas para adolescentes e adultos, além de curso para educa-
dores e educadoras.
Os temas levantados pelas pessoas que escrevem ou que parti-
cipam de palestras, cursos e oficinas, repetem-se com alguma regula-
ridade. Dos homens, tanto adultos quanto adolescentes, chegam per-
guntas sobre tamanho do pênis, ejaculação precoce, disfunção erétil,
como descobrir se uma mulher é virgem, como levar uma mulher à
loucura pela manipulação do ponto G; das mulheres, tanto adoles-
centes quanto adultas, vêm perguntas sobre gravidez, falta de orgas-
mo, medo da relação sexual, falta de desejo, dor na primeira vez...
Um dado interessante é que adultos/adultas e adolescentes
apresentam os mesmos tipos de dúvidas.
Parece que há uma grande dificuldade das pessoas em dialo-
gar, trocar dúvidas e certezas, pesquisar junto. Homens precisam sa-
ber tudo e definir a sexualidade feminina (“acho que não tenho or-
58 Igualdade de oportunidades para as mulheres

gasmo, embora meu namorado diga que eu tenho sempre vários or-
gasmos em cada relação”; “quero saber onde fica o ponto G e como
estimulá-lo para levar minha namorada à loucura”); outras vezes,
precisam saber para controlar (“como saber se uma mulher é mesmo
virgem”). Mulheres precisam desenvolver a capacidade de ter orgas-
mos para segurar o namorado, “pois ele disse que vai me deixar se eu
não conseguir”.
Pelos exemplos acima – e muitos outros (a insistência do ho-
mem em fazer sexo anal, quando a mulher rejeita; o número de rela-
ções; o uso da camisinha – é possível perceber que há uma nítida
separação entre homens e mulheres no que se refere à vivência da
sexualidade.
Muitas vezes, essa vivência baseia-se até mesmo num tipo de
violência, pois a mulher sente que precisa dar prazer ao homem. Sexo
então deixa de ser uma possibilidade de prazer para transformar-se
numa obrigação, desagradável como tantas outras na vida cotidiana.
Essa violência nas relações cotidianas, que embaça até mesmo
a relação a dois – ou talvez seja mais nitidamente percebida na rela-
ção a dois – pode ser superada na construção de novas relações so-
ciais.

Violência cotidiana
Estamos acostumados com a idéia de que vivemos numa so-
ciedade violenta. Diariamente, a mídia paulistana lança sobre a po-
pulação toneladas de notícias sobre roubos, assassinatos, assaltos, es-
pancamentos, estupros, atentados, ocorridos em todos os lugares do
globo, mas especialmente na cidade de São Paulo e seus arredores.
Aquela que chega a jornais, revistas, rádio e televisão, porém,
é a face mais visível da violência. A face menos visível muitas vezes
continua a ser escondida nas páginas internas dos jornais. São dados
sobre o aumento da desigualdade de renda no país, o trabalho e a
prostituição infantis, a diferença salarial entre homens e mulheres e
entre pessoas brancas e negras.
A violência nem sempre é reconhecida por fazer parte do modo
de viver da sociedade. Esconde-se naquilo que se chama senso co-
Projeto Cidadania e Gênero: superando a violência contra a mulher 59

mum. Para Chaui, o senso comum é “Um conjunto de crenças, valo-


res, saberes e atitudes que julgamos naturais porque, transmitidos de
geração a geração, sem questionamentos, nos dizem como são e o
que valem as coisas e os seres humanos, como devemos avaliá-los e
julgá-los. O senso comum é a realidade como transparência: nele
tudo está explicado e em seu devido lugar”. Mais adiante, a autora
conclui: “Quando o senso comum se cristaliza como modo de pensar
e de sentir de uma sociedade, forma o sistema de preconceitos” (1996/
1997:117). Esse senso comum é uma das possibilidades de represen-
tações sociais de uma população sobre um tema (LEFÈVRE e LEFÈVRE,
2000).
Esse sistema de preconceitos ou representações permeia todas
as relações sociais, afetando-as de forma profunda e negativa, estabe-
lecendo diferenças entre as pessoas, negando direitos fundamentais e
gerando conflitos. Isso tem efeitos devastadores: perda do respeito
pela pessoa humana; restrição à liberdade; introdução da desigualda-
de; estabelecimento e manutenção da discriminação; promoção da
injustiça (DALLARI, 1996/1997).
No processo de socialização ou de educação, em todas as suas
vertentes (informal, formal, não-formal), esse sistema de preconcei-
to, que representa uma forma velada de violência (velada por não ser
universalmente reconhecida como violência), é repassado para as
novas gerações. Dessa forma, é reproduzido como algo imutável, pois
considerado próprio da natureza. Para Dallari (op. cit., p. 92), “outro
auxiliar valioso do preconceito é o que se poderá denominar educa-
ção domesticadora, que consiste em educar alguém, que poderá ser
uma criança ou adulto, para aceitar sem reflexão ou crítica tudo aquilo
que se impinge como verdade e que, muitas vezes, estimula a prática
de atos manifestamente ofensivos aos direitos humanos fundamen-
tais e à dignidade da pessoa humana. É comum que uma criança,
desde a mais tenra idade, receba informações preconceituosas, como
verdades prontas e acabadas, e seja estimulada a agir a partir de pre-
conceitos”.
Diferentes preconceitos, na forma de representações, permeiam
a sociedade. Estão relacionados a classe social, gênero, etnia, faixa
etária etc. Embora sem ligação aparente entre si, eles podem somar-
se, numa matemática perversa e excludente. Dessa forma, o preconcei-
60 Igualdade de oportunidades para as mulheres

to de cor faz com que pessoas negras sejam consideradas inferiores, o


que se reflete em menores oportunidades de educação e, portanto, em
menores oportunidades de acesso a empregos. Quando ocupam os
mesmos cargos que pessoas brancas, elas ganham salários inferiores.
Mas, homens negros ganham acima das mulheres negras, pois existe
outro preconceito pelo qual as mulheres são consideradas menos capa-
zes do que os homens para determinados tipos de trabalho, especial-
mente os intelectuais. Como decorrência da soma de dois preconcei-
tos, as mulheres negras estão em quarto lugar em termos salariais, vindo
depois dos homens brancos, mulheres brancas e homens negros.
Os preconceitos apresentam-se em todos os campos da vida
social, como não poderia deixar de ser, pois fazem parte do modo de
viver da sociedade. Portanto, estão também presentes no campo da
sexualidade, entendida como parte integral da personalidade de todo
ser humano e construída por meio da interação entre o indivíduo e as
estruturas sociais (WAS – World Association for Sexology, 1999).
A sexualidade envolve, portanto, além do aspecto biológico (o
sexo), também o psicológico (a identidade) e o social (o gênero).
No que se refere ao aspecto biológico, os seres humanos po-
dem ser, como todos os mamíferos, machos ou fêmeas, sendo que a
diferença entre eles é restrita: “quando chegamos aos imperativos
biológicos reservados a todos os homens e mulheres, verificamos que
existem apenas quatro: somente o homem pode fecundar; só a mu-
lher pode menstruar, gestar e amamentar” (TUCKER e MONEY, 1975:
36). Mais adiante, continuam: “Além das quatro funções reprodutoras
básicas, nada – nada – das diferenças entre os sexos está ordenado de
forma imutável segundo as linhas sexuais. Se você pegasse uma amos-
tra aleatória de homens e mulheres do mundo inteiro e os graduasse
conforme cada uma das diferenças geralmente aceitas entre os sexos,
veria que uma divisão completa só existiria no gráfico que divide aque-
les que podem fecundar e os que podem menstruar, gestar e ama-
mentar; e até mesmo aqui poderia haver alguma dúvida no caso de
um hermafrodita. [...] Você encontraria enormes áreas de sobreposição
nos gráficos de altura, peso, aptidões, e assim por diante, até chegar à
linha divisória de diferenças arbitrariamente atribuídas, tais como
quem esfrega o chão, quem pinta o rosto e outras divisões do tipo,
que variam enormemente com a época e a geografia”.
Projeto Cidadania e Gênero: superando a violência contra a mulher 61

Nem sempre, porém, essas diferenças são entendidas como ar-


bitrariamente atribuídas a homens e a mulheres. Segundo o senso
comum e seu sistema de preconceitos, as diferenças são nada menos
do que verdades e fruto da própria natureza – e, portanto, imutáveis.
Além disso, não só estabelecem diferenças, mas também hierarquia,
de modo que a mulher ocupa uma posição socialmente inferior. Quan-
to ao machismo, que se baseia nessa hierarquização, afirma Chaui
(1991: 227): “...arriscaríamos as seguintes hipóteses para compreendê-
lo e ao seu avesso complementar: em primeiro lugar, a repetição, no
interior da casa, do que se passa na sociedade e na política como um
tudo, isto é, a privatização e pessoalização das formas de autoridade;
em segundo lugar, também a reiteração do mecanismo sócio-político
de transformação da assimetria (no caso homem-mulher, pais-filhos,
irmão-irmã) em hierarquia, a diferença sendo simbolizada pelo man-
do e pela obediência; em terceiro lugar, a compensação pela falta de
poder real no plano sócio-político, o machismo funcionando como
racionalização, assim como a feminilidade (‘atrás de todo grande ho-
mem, há uma grande mulher’, indicando que há um poder ou autori-
dade femininos que se exercem sob a condição de serem dissimula-
dos e ocultados pela obediência e pelo recato)”.
O conceito de gênero é fundamental para se compreender e
superar os preconceitos e a relação assimétrica entre homens e mu-
lheres. Ao retirar a ênfase do sexo (= biológico) e passá-la para o
gênero (= social), o conceito permite a análise da desigualdade en-
tre homens e mulheres a partir do construído e, portanto, mutável.
Dessa forma, também permite que mulheres e homens participem
em conjunto da busca de soluções para a superação da desigualdade.
Além disso, possibilita que a categoria gênero integre-se à análise e à
busca de soluções para as demais desigualdades sociais.

Machismo e sexualidade
Chaui (1991: 22) lembra que “nenhuma cultura lida com o
sexo como um fato natural bruto, mas já o vive e compreende simbo-
licamente, dando-lhe sentidos, valores, criando normas, interditos e
permissões”. Em outras palavras, há diferentes representações sociais
para o sexo. Como o sexual articula-se com os demais fatores
62 Igualdade de oportunidades para as mulheres

biopsicossociais, essa compreensão e essas normas, interditos e per-


missões são necessariamente diferenciadas para homens e mulheres,
além, é claro, para pessoas de diferentes faixas etárias. Numa socie-
dade de classes, passa também por outros aspectos, como acesso a
bens e serviços, trabalho, educação etc.
Dessa forma, homens e mulheres vivem a sexualidade de ma-
neiras diferentes, socialmente definidas, embora as diferenças pes-
soais também não devam ser esquecidas. É no campo da sexualidade
que as desigualdades sociais entre homens e mulheres surgem talvez
com maior força, pois é o campo da relação direta entre os dois gêne-
ros, que envolve, além de todas as questões da desigualdade, também
os aspectos afetivos mais intensos. Mas homens e mulheres dos seto-
res mais pobres da população vivem sua sexualidade de maneira dife-
rente daquela de pessoas de setores mais ricos. Há também as dife-
renças etárias e outras a serem consideradas.
A inferioridade social de um gênero diante do outro, baseada e
mantida pelo preconceito de gênero, é, como no caso dos outros pre-
conceitos, reproduzida e mantida de diferentes formas, no processo
de educação. Cria-se, assim, a situação de que a mulher também é
responsável por essa reprodução e manutenção de preconceitos de
gênero, no sentido de que também os aceita como verdades inques-
tionáveis (a esse respeito, ver DE BARBIERI, 1997: 72. Essa autora cita
pesquisas realizadas no México que mostram que o controle das no-
ras é exercido pelas sogras e não pelos maridos).
A manutenção e reprodução dos preconceitos de gênero está
na base daquilo que se costuma chamar de repressão sexual e que
Chaui (1991: 9) define como “um conjunto de interdições, permis-
sões, normas, valores, regras estabelecidos histórica e culturalmente
para controlar o exercício da sexualidade”.
A repressão sexual, que afeta homens e mulheres de formas
diferentes, embora profundas, é mantida por uma teia de institui-
ções, como a família, a escola, a religião, o Estado.
Como lugar comum e verdade estabelecida, nem sempre é fá-
cil para as pessoas reconhecerem que o preconceito de gênero está na
origem de diferentes violências contra a mulher. Embora se costume
falar em violência sexual, pois exercida por pessoas de um sexo con-
tra pessoas do outro, é mais adequado falar de “violência de gênero”,
Projeto Cidadania e Gênero: superando a violência contra a mulher 63

pois exercida por uma parcela da população masculina sobre outra


feminina. Além disso, abarca espancamentos, assédios, ameaças etc.
Isto é, a mulher está sujeita a determinado tipo de violência “por ser
mulher”, porque em geral a violência se dá contra o diferente, contra
o considerado socialmente inferior.
Nem toda violência de gênero é explícita – e há aquela que
fica velada, nas entrelinhas. Por exemplo, os preconceitos de gênero
podem ser facilmente percebidos nos ditados e provérbios do senso
comum (“É preciso prender os bodes porque as cabras estão soltas”;
“mulher é como batatinha frita: impossível comer uma só”; “mulher
deve esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque”). Um dado
interessante é que hoje esse material, anteriormente veiculado até
mesmo em pára-choques de caminhões, passa a ser repetido pela
internet, o que mostra que o desenvolvimento tecnológico não está
necessariamente em compasso com o avanço das idéias.
Mesmo a violência contra a mulher explícita e reconhecida
como tal é difícil de ser quantificada, pois, nem sempre é denuncia-
da. Muitas mulheres não se sentem em condições de denunciar o
companheiro que as maltrata, pois “vida de mulher é assim mesmo”,
“ele é o pai dos meus filhos”, “o que os parentes e vizinhos vão falar”.
Ademais, muitas denúncias são feitas e retiradas, devido a pressões
do próprio homem, dos familiares ou da vizinhança. Outra razão que
torna difícil quantificar essa violência é que as queixas estão espalha-
das por diferentes delegacias, devido ao fato de que nem toda cidade
conta com uma delegacia da mulher e muitas mulheres dirigem-se às
delegacias de polícia para fazer denúncias. Mas, apesar de todos esses
dados, “estimativas elaboradas na Inglaterra apontam que uma em
cada cinco mulheres são vítimas de violência, ao longo de sua vida”
(AZEVEDO, 1999). Segundo dados da ONU, “na América Latina 33%
das mulheres sofrem abuso sexual entre os 16 e 49 anos e pelo menos
45% delas são objeto de ameaças, insultos e destruição de bens pes-
soais” (O Estado de S. Paulo, 9.3.1999).
Há outras formas veladas de discriminação da mulher. Tucker
e Money (1981: 119) fazem uma comparação entre a educação de
meninos e meninas: “Um bebê menino precisa de ajuda e confirma-
ção para identificar-se como menino, que crescerá para se tornar
homem, e também de ajuda para aprender como fazê-lo. Ele precisa
64 Igualdade de oportunidades para as mulheres

saber que o seu pênis é parte integrante, e digna de orgulho, daquilo


que faz dele um menino, uma promessa do homem futuro que será, e
precisa também de um conceito de como usar seu pênis para validar a
sua masculinidade. [...] Um bebê menina precisa de ajuda e confirma-
ção para identificar-se como menina, que crescerá para se tornar mu-
lher e também de ajuda para aprender como fazê-lo. Ela precisa saber
que sua vulva é parte integrante, e digna de orgulho, daquilo que faz
dela uma menina, uma promessa da mulher futura que será, e precisa
também de um conceito de como sua vagina e o ‘ninho do bebê’ escon-
dido acima dela farão validar a sua feminilidade. É fácil os pais e outras
pessoas enviar-lhe de forma sutil a mensagem de que há algo desagra-
dável com a vagina e a menstruação; na verdade, tais mensagens estão
incorporadas em muitas culturas e nem chegam a ser sutis”. Aliás, diga-
se de passagem que, ao passo que a palavra vagina é pelo menos conhe-
cida e aparece em revistas, a palavra vulva é pouco utilizada. Na verda-
de, parece haver uma confusão de muitas pessoas entre os dois termos,
quando os conhecem, utilizando-os como sinônimos. Isso aponta para
o desconhecimento do corpo feminino, talvez mais misterioso devido
aos genitais internos e não tão explicitamente externos quanto os do
homem (embora nem por isso o corpo masculino seja melhor com-
preendido).
O corpo hoje, além de máquina produtiva, a serviço do lucro, é
também máquina de forma perfeita, conquistada com ginástica e dieta.
A mídia agride constantemente a auto-estima feminina e masculina,
ao propor e divulgar padrões corporais impossíveis para a grande maio-
ria das pessoas (aliás, se possíveis, qual seria seu poder mobilizador?),
mostrando modelos do sexo masculino e do sexo feminino jovens, feli-
zes, belos, em locais paradisíacos ou quartos sofisticados. No caso dos
homens, o modelo é o corpo malhado em academia até o desenvolvi-
mento de músculos poderosos. Como se pessoas comuns, com corpos
comuns e vidas comuns, não pudessem ter acesso ao prazer.
Esse tipo de imagem – a modelo adolescente e magérrima e o
modelo forte e “sarado” – traz o problema sério do aumento da bulimia
e da anorexia entre a população feminina (em menor porcentagem
entre a masculina), no afã das mulheres de conformarem-se a esses
padrões. Embora se acredite que apenas adolescentes sofram desses
males, mulheres adultas também são afetadas por eles. Para os homens,
Projeto Cidadania e Gênero: superando a violência contra a mulher 65

há o consumo de drogas para o desenvolvimento muscular, com sérios


riscos para a saúde.
O fato de gestar e amamentar faz com que, na divisão sexual de
trabalho, tudo o que se refira à reprodução e à educação das crianças
ainda seja de modo geral coisa de mulher. Dessa forma (modo), a mu-
lher também é a única responsável pela utilização (ou fracasso) dos
métodos anticoncepcionais. Não se discute a responsabilidade do ca-
sal na anticoncepção e nem a dificuldade especial inerente a cada mé-
todo. Como a masturbação feminina ainda é tabu, ao passo que já se
fale na masculina, métodos que exijam que a mulher toque seus genitais
são praticamente impossíveis para muitas delas, como o diafragma (CAR-
VALHO, 1996). Outra questão, pouco discutida, é que muitas mulheres
e homens têm a representação da vagina como um tubo sem fim, um
“buraco negro” corporal, que, como os celestes, pode absorver tudo o
que se aproxima dele. Daí o medo que algumas mulheres têm de que o
diafragma ou o absorvente interno perca-se nos confins do seu corpo.
Ao mesmo tempo, é-lhes vedado o recurso ao abortamento, em caso
de má utilização ou fracasso do método escolhido. O caso do aborto é
especialmente elucidativo quanto às relações sociais desiguais de gê-
nero. Coloca a mulher numa situação de “se correr o bicho pega, se
ficar o bicho come”. Além de envolver poderosas representações da
maternidade como estado de graça, envolve também outras, tão pode-
rosas, de abandono, miséria, limitação pessoal.
Para confirmar que o cuidado de crianças (e de idosos e doen-
tes) é “problema de mulher”, basta visitar uma maternidade ou esco-
la. Homens só vão surgir como diretores ou, se professores, na segun-
da fase do ensino fundamental (5a a 8a séries).
Na última década, a mulher adulta também tornou-se a vítima
preferencial do HIV. Por não conseguir negociar (= exigir) o uso do
preservativo masculino, ou camisinha, pelos parceiros, as mulheres
acabam contaminadas. E a camisinha feminina, já no mercado, não
parece diminuir as dificuldades, pois, como o diafragma, exige que a
mulher toque seus genitais para colocá-la. Além disso, é mais cara do
que a masculina e também exige negociação, pois é desconfortável
em algumas posições sexuais, podendo deslocar-se em algumas delas,
e também exige que o homem insira o pênis no orifício determinado
(a mulher, dependendo da posição, não vai ter controle disso).
66 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Hoje, quando a gravidez na adolescência foi erigida em pro-


blema social (a esse respeito, ver SILVA, 1996; e TAKIUTI, 1994), ain-
da se discute se as meninas devem ter ou não relações sexuais, em vez
de se discutir se elas desejam ter relações sexuais (um comentário
freqüente de meninas adolescentes é que têm relações sexuais para
não perder o namorado, porque faz parte do namoro, porque todas as
amigas têm), se têm acesso aos métodos anticoncepcionais (tanto em
termos de conhecê-los e saber utilizá-los quanto em termos financei-
ros – qual a disponibilidade de oferta desses métodos em postos de
saúde para adolescentes que em geral não querem que as famílias
saibam que têm relações sexuais?) e estão preparadas para negociar o
uso deles e de camisinha e o local onde vão ter essas relações (há
privacidade ou precisam apressar-se com medo de aparecer alguém?
Há conforto?). E ainda existe uma representação de que os meninos
podem (e devem) buscar o maior número possível de relações se-
xuais, ao passo que as meninas devem resguardar-se para relaciona-
mentos futuros e afetivamente significativos. (Por isso, apesar de to-
das as mudanças no modo de se encarar a sexualidade, ainda existe a
preocupação das meninas em serem taxadas de “galinhas”).
Aliás, a visão de que o homem procura sexo, enquanto a mu-
lher procura afeto, base do romantismo, e que não leva em conside-
ração outros fatores sociais e individuais, também contribui para a
contaminação pelo HIV e para a gravidez não planejada. De forma
geral, muitas mulheres acreditam que não devem ter preservativos à
mão, para exigir dos parceiros que o usem, pois o relacionamento
significativo “acontece” e, se elas derem a impressão de que estão
preparadas, além de estar estragando o fato romântico, ainda estão
passando a imagem de que não são “direitas”.
Essa visão romântica também está muitas vezes no cerne da
aceitação de diferentes tipos de violência, que podem ir num cres-
cendo até chegar a extremos como xingamentos, espancamentos e
morte. Segundo Blay (1999: 12), “a relação amorosa na sociedade
brasileira conserva um vínculo de posse do homem com a ‘sua’ mu-
lher. Este padrão de comportamento é ensinado pelo exemplo, ob-
servação e vivência. Não é por acaso que um menino, mal entrando
na adolescência, encontrou no homicídio a única forma de reagir à
recusa de uma adolescente que ele queria namorar”.
Projeto Cidadania e Gênero: superando a violência contra a mulher 67

Além disso, ainda é aceito que o homem defina a roupa da


mulher, estabelecendo comprimentos de saias e formas de decotes.
Também pode impedi-la de ter um emprego ou de se relacionar com
algumas pessoas, pois “ciúme é sinal de amor”. Sinais de perigo, como
afastamento da mulher da família e de amigos/amigas, tapas (“tapa
de amor não dói”), vetos a estudo e a trabalho (“mulher minha não
trabalha”; “não pode ficar saindo sozinha para fazer cursos para não
ficar mal falada”) etc. podem passar despercebidos ou até mesmo ser
valorizados (“é sinal de que ele se preocupa comigo”).
Só agora, no começo do século XXI, o assédio sexual começa a
ser discutido como crime. Apesar disso, ainda é forte a tendência a se
considerar a mulher culpada por ser assediada, seja por provocante,
seja por denunciar o fato. O mesmo ainda acontece quanto ao estu-
pro.
Algumas novidades estão acontecendo na área, embora no sen-
tido de encarar a sexualidade da mulher como igual e oposta à do
homem. Antigamente, as revistas femininas falavam de amor român-
tico, além de trazer artigos sobre educação de filhos, arte culinária,
dicas de decoração etc. Hoje, material romântico ainda está disponí-
vel (vejam-se as séries Bianca, Sabrina e outras, nas bancas de jor-
nais, e as novelas mexicanas e venezuelanas, dramalhões que se dão
ao luxo de nem ao menos disfarçar sua mensagem com alguns proble-
mas da atualidade, como o fazem as novelas brasileiras). Algumas
revistas de hoje voltadas para a mulher trazem, no meio de artigos
sobre culinária (não mais arte, mas dieta), roupas e estilo de vida,
artigos sobre sexo, alguns aparentemente avançados. Saindo da mo-
ral tradicional, de pureza e virgindade, esses artigos parecem ir para o
outro lado, propondo orgasmo simultâneo, orgasmo múltiplo, uso de
vibradores. No fundo, mantêm a subordinação de gênero, pois colo-
cam como obrigação aquilo que deveria ser um prazer ou uma con-
quista. Parecem representar a vertente sexual do anteriormente de-
fendido “segure seu homem pelo estômago”. Assim, fica nas
entrelinhas o que a mulher tem de oferecer ao homem na relação
sexual, para que ele se sinta cada vez mais capaz em termos sexuais e,
portanto, seja fiel. Além de escamotearem o fato concreto de que
uma pessoa cansada (seja homem ou mulher), depois de um dia exte-
nuante, horas perdidas em transportes coletivos, dupla jornada de
trabalho (no caso dela), provavelmente vai ter algum comprometi-
68 Igualdade de oportunidades para as mulheres

mento na área do desejo, as revistas partem do princípio de que todas


as leitoras utilizam métodos anticoncepcionais adequados a cada caso
(= têm condições de escolher e conseguir ou adquirir), o que signifi-
ca que não têm medo de engravidar; têm espaço privado em suas
casas ou apartamentos para terem relações sexuais a qualquer hora;
não precisam utilizar a hora do descanso para lavar e passar roupa,
cozinhar, cuidar das crianças... Aliás, juntamente com a proliferação
de cursos sobre strip-tease e orgasmo, esses artigos deixam claro que,
mais do que formar Liliths, mulheres fortes e abertas ao prazer e crí-
ticas do consumo, a proposta é manter a subordinação de gênero, a
mulher como objeto de prazer, cabendo a ela seduzir, ou seja, manter
o controle sobre a situação amorosa.
A própria ciência da sexologia parece querer transformar a se-
xualidade feminina em simples aspecto da masculina, perdendo sua
especificidade. Artigos sobre ejaculação feminina e sobre ponto G ain-
da pululam na mídia – mas é preciso lembrar que esses temas surgiram
em universidades americanas. A idéia é de que existe um ponto especí-
fico, situado na parte anterior da vagina, correspondente embrionário
feminino da próstata, que daria extremo prazer ao ser manipulado. Em
termos de desenvolvimento da espécie, isso parece ser uma impossibi-
lidade biológica, pois, como afirmam Tucker e Money (1981: 45), ao
falar na diferenciação entre os sexos na fase fetal, devido à ação
hormonal, “a menos que haja um impulso suficiente na direção mascu-
lina, o feto seguirá a direção feminina em qualquer encruzilhada subse-
qüente, quer haja um impulso feminino ou não. A primeira escolha da
natureza é criar Eva. Todo mundo tem um cromossomo X e todo mun-
do é cercado de estrogênio materno durante a vida pré-natal. Embora
não baste para um desenvolvimento pleno como mulher fértil, isso dá
impulso suficiente para sustentar o desenvolvimento feminino. O de-
senvolvimento masculino, como homem, requer uma propulsão efeti-
va na direção masculina em cada estágio crítico. A menos que o ‘algo
mais’, ou seja, o princípio de Adão, seja fornecido em proporções cor-
retas e nos momentos apropriados, o desenvolvimento subseqüente do
indivíduo segue o padrão feminino”. Isto é, se existe tal ponto, a prós-
tata é seu correspondente embrionário masculino.
Penso que tais teorias partem da representação de que a expres-
são sexual por excelência é a masculina, de forma que essa seria a úni-
ca forma possível de prazer sexual. Daí a necessidade de buscar corres-
Projeto Cidadania e Gênero: superando a violência contra a mulher 69

pondente feminino para ela. Como resultado, em vez de “desgenitalizar”


a sexualidade masculina, presa na camisa de força de um enfoque
restritivo estímulo – resposta (visão de mulher ou fantasia sexual =
excitação = pênis ereto = penetração = ejaculação), parece que se
procura genitalizar a sexualidade da mulher. Acariciar os genitais é
apenas uma das formas de se ter prazer e não a única e também não a
mais importante.
Isso tudo, é claro, tem o correspondente masculino de sofrimen-
to. Padrões culturais que estipulam que o homem sempre deva estar
disposto à cópula, em qualquer situação, só podem causar insegurança.
Outras preocupações masculinas, como o tamanho do pênis, o número
de relações sexuais (e não a qualidade delas) são fontes constantes de
angústia para muitos homens, adolescentes e adultos.
Outra questão refere-se à homossexualidade, tanto masculina
quanto feminina. Hoje, a ciência biológica parece que ainda não parou
de buscar explicações para a homossexualidade. As ciências humanas,
por sua vez, cada vez mais encaram homo e heterossexualidade como
possibilidades humanas. O imaginário popular, porém, ainda vê a ho-
mossexualidade como desvio, doença ou pecado. A esse respeito,
Badinter (1992: 118) afirma que: “a homofobia afeta apenas uma mi-
noria de pessoas. Ela se liga a outros medos, em particular ao medo da
igualdade dos sexos. Os homófobos são pessoas conservadoras, rígidas,
favoráveis à manutenção dos papéis sexuais tradicionais, inclusive em
outras culturas. Mesmo pesquisas efetuadas com gente jovem, mais
instruída e liberal do que o americano médio, mostraram uma descon-
fiança real em relação ao homossexual”. Isso com certeza é também
verdade para o brasileiro.

A educação sexual na escola


Diferentes programas foram implantados no Brasil a respeito
de educação sexual.1 Muitos desses programas norteiam-se por uma
visão tradicional, preocupando-se muitas vezes apenas com o risco

1
Não se pretende entrar aqui na discussão entre orientação e educação se-
xual, mais restrita a meios educacionais. Programas chamados de orienta-
ção e de educação sexual têm em geral objetivos semelhantes.
70 Igualdade de oportunidades para as mulheres

das doenças sexualmente transmissíveis, com a gravidez não planeja-


da na adolescência e com a idade da primeira relação sexual.
Para seus idealizadores(as), parece que, mais do que fases do
desenvolvimento humano, com suas necessidades e interesses especí-
ficos, infância e adolescência são momentos de inocência (embora essa
chamada inocência só possa ser restrita a determinadas camadas so-
ciais, pois a prostituição de crianças e adolescentes é um triste fato em
nosso país). Passam ao largo do interesse sexual do adulto pelas crian-
ças e jovens, explícito hoje na mídia e nos concursos de modelos (e
também no fato de que a prostituição infantil não atende apenas ao
interesse de turistas de outros países).
Há também o medo de muitas famílias e escolas de despertar na
criança e no adolescente o interesse pelas questões relativas ao sexo,
como se fossem assexuados e só a partir de determinado momento des-
pertassem para a vida. Não deixa de ser interessante observar que essa
visão permanece mais de um século depois dos primeiros estudos de
Freud sobre a sexualidade infantil (SANTOS e BRUNS, 2000: 60).
Outra preocupação é com o que meninos e meninas vão fazer
com o conhecimento adquirido, principalmente no caso dos adoles-
centes. Parece haver hoje uma representação da adolescência como
uma fase de falta de limites e de discernimento, de pessoas comanda-
das por hormônios sexuais.
Mas, mesmo para agir numa perspectiva tradicional, muitas ve-
zes famílias e escolas de certa forma hoje ficam presas num “jogo de
empurra”: umas deixam para as outras a responsabilidade de botar a
mão no vespeiro. Além disso, muitas pessoas acreditam que, devido a
cenas explícitas de nudez e sexo na televisão, jovens e adultos “já sa-
bem tudo sobre sexo” (Aqui, vale lembrar a expressão de Foucault, de
que na nossa sociedade tanto se fala de sexo para não falar – isto é,
fala-se, mostra-se, mas sem desvendar o mais importante – as relações
de poder envolvidas nos atos humanos).
Queixas de pais/mães referem-se a vergonha ao falar desses as-
suntos e também a falta de informação (“Se eu não sei nem para mim,
como posso falar disso?”). Por isso, preferem que a escola aborde o
tema.
Muitos educadores e educadoras, além de também se queixa-
rem de vergonha (“E se perguntarem coisas cabeludas, que eu não
Projeto Cidadania e Gênero: superando a violência contra a mulher 71

vou saber responder?”) e de falta de informação, também acham que


a educação sexual não é função da escola e sim da família. Além
disso, temem que famílias descontentes com a abordagem da sexuali-
dade criem conflitos nas escolas.
Muitos projetos parecem fracassar porque não envolvem uma
mudança de visão de mundo, pois restringem-se à informação sobre
aspectos relacionados à saúde reprodutiva. Muitas escolas afirmam que
oferecem educação sexual, quando na verdade limitam-se a transmitir
dados biológicos sobre sistema reprodutivo masculino e feminino, dei-
xando de lado as questões psicossociais. Esses programas não levam a
mudanças de comportamento, pois a nova informação é filtrada pelo
imaginário, pelas representações sociais existentes, de forma a contri-
buir para a manutenção da ordem existente e não para a construção de
uma outra, nova. Segundo Bauer (1995: 252), “as representações so-
ciais funcionam como um ‘sistema cultural imunizante’ em um con-
texto intergrupal: inovações simbólicas são ativamente neutralizadas
através de sua ancoragem em formações tradicionais”.
Que a sociedade como um todo ainda não parece disposta a
assumir uma perspectiva ampla de educação sexual escolar está claro
no modo como os Parâmetros Curriculares Nacionais, de 1996, que
propõem a orientação sexual de forma transversalizada, estão sendo
deixados de lado, tanto pelas escolas quanto pelas famílias. A mídia,
tão prolixa em apresentar “danças da garrafa, danças da bundinha” e
outras, mal abordou o tema, talvez porque ele envolva uma proposta
de mudanças profundas2 e não apenas cosméticas.

II. A busca de soluções


“Não há como superar o mundo profundamente preconceituo-
so em que existimos a não ser pela perspectiva dos direitos humanos e
da cidadania. É preciso que saibamos pôr a noção de cidadania acima
da noção de consumidor, invertendo o que tem sido natural nessa nova

2
Uma crítica aos Parâmetros é que, embora tenham uma visão biopsicossocial
abrangente, propondo a orientação sexual da perspectiva da construção
da igualdade de gêneros, foi feito de cima para baixo, sem a participação
ativa da comunidade não-universitária.
72 Igualdade de oportunidades para as mulheres

ordem globalizada. Mas talvez eu devesse acrescentar que é preciso


também deixar de odiar os outros homens, ou seja, deixar de odiar as
diferenças. O que se põe para todos é a necessidade de reeducação...”
(BUCCI, 1996/1997: 51).
Uma das formas para isso é por meio de uma educação sexual
voltada para a superação do preconceito de gênero. Segundo Chaui,
“aparentemente pontual e localizada, a crítica da repressão sexual atinge
as estruturas da sociedade brasileira no seu todo” (1996/1997: 228),
por atingir a estrutura familiar existente, que é um instrumento do
mercado e da política, além de modelo do próprio Estado”. Cardoso
(1996/1997: 15) lembra que “o movimento de mulheres foi o primeiro
a também construir o slogan ‘A política da vida privada’, ou o privado
é político, e esse foi um grande slogan do movimento feminista. É na
vida privada, e não no aparato legal ou na vida pública, que está a
discriminação”. Mais do que negar a discriminação no aparato legal e
na vida pública, talvez seja melhor afirmar que ela não está apenas aí,
mas sim também na vida privada: a discriminação pode ser vista, apren-
dida e mantida, por vários caminhos.
A educação sexual só faz sentido num projeto de construção de
cidadania. Hoje, sabemos que a cidadania é constituída pelo gozo de
direitos (e deveres) humanos, civis, políticos e também sexuais. Estes
foram definidos pela WAS (World Association for Sexology): liberda-
de sexual, autonomia sexual, integridade sexual, segurança do corpo
sexual, privacidade sexual, igualdade sexual, prazer sexual, livre asso-
ciação sexual, escolhas reprodutivas livres e responsáveis, informação
baseada no conhecimento científico, educação sexual abrangente, saúde
sexual (esta entendida como o processo de bem-estar físico, psicológi-
co e sociocultural relacionado à sexualidade).
Todos esses direitos e os deveres correspondentes estão entre-
cruzados com outros, pois a sexualidade é abrangente, ao envolver as-
pectos biológicos, psicológicos e sociais. Nisso, ela se aproxima da saú-
de, definida pela OMS como o perfeito bem-estar físico, psicológico e
social. Direitos sexuais envolvem necessariamente acesso a outros bens
sociais e culturais: escola, prevenção e tratamento médico, moradia
digna, saneamento... São muitos os determinantes da saúde: paz, abri-
go, instrução, segurança social, relações sociais, alimento, renda, direi-
to de voz das mulheres, ecossistema saudável, uso sustentável dos re-
Projeto Cidadania e Gênero: superando a violência contra a mulher 73

cursos, justiça social, respeito aos direitos humanos e eqüidade (Decla-


ração de Jacarta sobre Promoção da Saúde no Século XXI). Assim,
promover a saúde não significa apenas oferecer a informação cientifi-
camente correta: é possibilitar à pessoa condições de utilizar essa infor-
mação em sua própria vida e na da sua comunidade.
E também é função da escola agir em prol da saúde e seus deter-
minantes. Inclusive da saúde sexual e reprodutiva.
Para combater os preconceitos, é preciso “... mexer na escola. É
lá que você tem que mexer. Então você tem que mexer na formação
dos professores de primeiro, segundo e terceiro graus. Você tem que
mexer na produção de material didático, e você tem que mexer na
relação dos alunos e das famílias com uma educação efetivamente vol-
tada para a cidadania e para a liberdade” (CHAUI, 1996/1997: 125).
Assim, é de interesse da sociedade como um todo que escolas, famílias
e estudantes trabalhem em conjunto, de forma que as atividades de
educação sexual envolvam pais/mães, profissionais do ensino e estu-
dantes, de acordo com os interesses das diferentes faixas etárias. Dei-
xar de lado um desses atores faz necessariamente com que o projeto
saia empobrecido.
Com base no exposto, propõe-se o presente projeto.

Cidadania, gênero, sexualidade e violência

1. Projeto coletivo
O projeto será realizado pelo CEPCoS (Centro de Estudos e
Pesquisas em Comportamento e Sexualidade), em conjunto com es-
cola estadual e comunidade numa área periférica da cidade de São
Paulo.*

2. Objetivos
• Objetivo geral:
Favorecer a construção de uma noção de cidadania baseada
em relações igualitárias de gênero.

• Objetivos específicos:

*
Nota da organizadora: este projeto é apresentado a título de exemplo.
74 Igualdade de oportunidades para as mulheres

n promover os direitos sexuais e a saúde sexual;


n divulgar os direitos da mulher como parte dos direitos
humanos.

3. Metodologia
Na perspectiva de que a ação conjunta da família, da escola e
da comunidade é fundamental para o sucesso de qualquer atividade
transformadora, o projeto buscará parcerias com escolas e institui-
ções locais, garantindo a participação de pessoas adolescentes e adultas
(incluindo jovens e idosas).
Da mesma forma serão feitos esforços para obter equilíbrio na
participação de mulheres e de homens, bem como para facilitar a
troca inter-faixas etárias de experiências e de expectativas com rela-
ção à vida.
O projeto será realizado em três etapas:

1. Curso multidisciplinar de formação de multiplicadores e


multiplicadoras de ações visando a diminuição da violência con-
tra a mulher em todas as suas formas
O curso contará com a participação de pessoas de ambos os
sexos. Serão 25 adolescentes, 25 professores e professoras de escolas
estaduais, 25 pais e mães que participem de organizações comunitá-
rias. Para maior enriquecimento, serão realizadas atividades em se-
parado, por grupo etário, e também atividades conjuntas de troca de
experiências e discussões sobre as relações entre as gerações.
Os temas abordados serão (sempre numa perspectiva social e
psicológica): adolescência e desenvolvimento humano, sexualidade
do homem e da mulher (corpo, identidade, socialização), mitos e ta-
bus sobre sexualidade, amor e prazer, namoro, métodos anticoncep-
cionais, gravidez e parto e outros. Todos os temas abordados no cur-
so serão trabalhados da perspectiva das relações de gênero: cidadania,
formas de violência, direitos humanos, direitos civis, direitos políti-
cos, direitos sexuais, direitos reprodutivos.
Será utilizada uma metodologia participativa, com aulas, ofici-
nas, palestras, debates, encontros de intercâmbio, visitas a institui-
Projeto Cidadania e Gênero: superando a violência contra a mulher 75

ções ligadas à área de saúde, direitos humanos e de direitos da mu-


lher.
Fará parte das atividades do curso um levantamento, realizado
pelos próprios participantes, em grupos orientados por profissionais
do CEPCoS, sobre: organizações voltadas para a saúde (postos de
saúde, hospitais etc.) e sua disponibilidade para consultas com gine-
cologistas e urologistas, além de oferta de camisinhas e outros méto-
dos anticoncepcionais, atendimento especial a adolescentes; violên-
cia contra a mulher e outras, na região. Para isso, visitarão e
entrevistarão pessoas responsáveis por postos de saúde, hospitais,
delegacias de polícia, delegacias da mulher, grupos de mulheres etc.
Além disso, analisarão programas de televisão (novelas, programas
de entrevistas, noticiários etc.) para compreender o conceito de rela-
ções entre homens e mulheres veiculado.
O curso será realizado em 12 encontros aos sábados, das 8 às
13 horas.

2. Produção de material educativo


Ao final do curso, participantes de cada grupo (adolescentes,
professores e professoras, pais e mães) que o desejarem passarão a se
reunir semanalmente para preparação do seguinte material:
• um vídeo que aborde como a escola, a comunidade e os
grupos de adolescentes podem agir em defesa dos direi-
tos da mulher;
• uma cartilha sobre direitos da mulher e ações práticas
contra a violência.

3. Elaboração e implantação de projetos locais


Além de propostas escritas e de compromisso coletivo em
relação ao tema, os grupos de participantes deverão apresentar um
projeto local a respeito de sexualidade a ser desenvolvido no ano
seguinte numa escola, num grupo de jovens, num bairro etc. Nesse
projeto, devem aparecer de forma concreta as medidas e ações a
serem tomadas visando a construção de novas relações sociais de
gênero.
76 Igualdade de oportunidades para as mulheres

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Aleitamento materno e mulher: uma proposta de ação na construção... 81

ALEITAMENTO MATERNO E MULHER:


UMA PROPOSTA DE AÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA
MULHER ENQUANTO SUJEITO SOCIAL

Ana Márcia Spanó Nakano

Introdução
São inquestionáveis as vantagens do leite humano para a crian-
ça até o sexto mês de vida. A superioridade dele está diretamente
relacionada à sua digestibilidade, à sua composição química balan-
ceada, à ausência de fenômenos alergênicos e à sua ação antiinfec-
ciosa. A amamentação materna é valorizada ainda como importante
fator na promoção da interação mãe e filho, o que é recomendável
para um bom desenvolvimento psicoemocional e social da criança.
Assim, o aleitamento materno vem sendo francamente insti-
tuído, ao longo dos tempos, em países periféricos, como estratégia
simplificada para reduzir a morbi-mortalidade infantil, em nível de
atenção primária.
Acrescido a estas vantagens, o aspecto econômico da ama-
mentação materna tem sido amplamente debatido, principalmente
num país como o nosso. O Brasil atinge perdas anuais superiores a 2
centenas de milhões de litros de leite humano, passíveis de serem
produzidos, em decorrência do desmame precoce. Tal fato, além de
representar uma perda significativa para os núcleos familiares, repre-
senta um importante acréscimo ao orçamento dos organismos gover-
namentais, particularmente ao setor de saúde.
Em síntese, instituíram-se relações de poder para a mulher,
sobre as condições de vida de seu filho e de economia da nação. Joga-
se sobre a mulher toda a responsabilidade de solução de problemas
82 Igualdade de oportunidades para as mulheres

sociais de desnutrição e outras morbidades bem como, da mortalida-


de infantil e de custos excessivos gastos pelo Estado com a assistência
nos serviços de saúde.
A mulher, como provedora de leite humano, apresenta-se en-
volvida por relações hierárquicas que interceptam o afrontamento
explícito da carga negativa que tal condição reflete na sua saúde
mental, circunscreve a si mesma a responsabilidade e culpa de tudo o
que advir à criança, desconsiderando outros aspectos determinantes
do adoecer e de mortalidade infantil. Para Mota (1990), a mulher
torna-se “cúmplice da sua própria opressão”.
Ações dirigidas ao incentivo do aleitamento materno são em-
preendidas desde o século XVIII até a atualidade. Apresentando-se
de forma variável nos diferentes contextos e épocas, os programas e
campanhas têm em comum a fundamentação behaviorista, visando
modificar comportamentos ao sabor de interesses políticos, sociais e
econômicos que permeiam as políticas dirigidas ao aleitamento ma-
terno. Na prática, os discursos técnicos oficiais e acadêmicos são
muitas vezes reproduzidos sem muita reflexão e crítica, desenvolven-
do ações de forma pontual e descontextualizada (JARVOSKI, 1997).
De forma autoritária e moralizadora, a mulher é convertida
em mero objeto no processo de amamentação, não sendo contem-
plada em sua especificidade de gênero.
As dificuldades da mulher frente ao aleitamento materno, ta-
refa que se junta às demais atribuições, são assumidas por ela como
problema específico seu, e não social, já que o discurso ideológico
não permite que ela se dê conta da falta de estrutura social de apoio
à maternidade e desigualdade de divisão sexual das tarefas, na esfera
privada (NAKANO, 1996).
As desigualdades das condições de vida e trabalho impedem e
obrigam a mulher a deixar de amamentar. Na luta pela emancipação
feminina reinvindica-se o direito da mulher ao exercício da plenitu-
de de suas capacidades intelectuais e emocionais, mas também o di-
reito de ter filhos e condições socialmente criadas para amamentá-
los; não é a emancipação feminina que a impede de amamentar e sim
a estrutura social que não está adequadamente organizada para dar
suporte à mulher (BLAY, 1983).
Aleitamento materno e mulher: uma proposta de ação na construção... 83

As leis trabalhistas são bastante falhas e dissociadas, na medi-


da em que não garantem os 120 dias de licença para o aleitamento
materno e, ao final da mesma, a mulher se vê sem condições reais de
continuar amamentando devido à ausência de creches próximas ao
local de trabalho, tornando-se difícil usufruir dos dois intervalos de
meia hora para amamentação previstos por lei. Mesmo no gozo deste
direito a mulher é discriminada e sente-se cobrada no desempenho, o
que geralmente advém de colegas de trabalho do próprio sexo. Em
vez de sentimentos de solidariedade, impera competitividade, pois a
nutriz trabalhadora acaba sendo um ônus para o serviço pela sobre-
carga que transfere às demais trabalhadoras na compensação da au-
sência temporária para amamentação.
A mulher, tendo sua valorização social mediada pelo outro – a
criança –, legitima-se como ser relativo a determinantes fora de si, de
forma que introjeta o altruísmo como parte de sua “natureza” femini-
na. Conforme refere Badinter (1985), a idealização da maternidade
de doação e sacrifícios cria a mãe masoquista, devendo todo sofri-
mento ser bem tolerado, já que inerente à sua função de mãe.
O corpo feminino carrega o estigma de ser “naturalmente” sub-
metido e espoliado; desta forma, a dor, um sintoma indicativo de
anormalidade, principalmente se relacionado ao período gravídico
puerperal, é sufocada, trazendo como conseqüências o agravamento
do quadro de intercorrências mamárias, predispondo ao desmame
precoce, além de influências negativas à mulher frente a futuras ex-
periências com amamentação (NAKANO, 1996).
O atendimento das próprias necessidades da mulher são
relegadas a padrões mínimos, o que tem dificultado uma maior ade-
rência das mulheres à prática de autocuidado com a mama puerperal,
como medida preventiva de intercorrências mamárias. Segundo
Nakano (1996), a mulher ocupa-se do cuidado com seu corpo quan-
do tem por fim atender às necessidades da criança.
A amamentação é vivenciada pela mulher de forma ambígua e
contraditória, de desejo e fardo, tendo em vista o caráter ideológico
de maternidade em nossa sociedade, que, por um lado, valoriza tal
prática; por outro, não oferece condições viáveis para sua realização,
nem abre espaço para que a mulher expresse seus reais desejos.
84 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Na produção de saberes sobre o aleitamento materno, a mu-


lher explicita uma noção de agente social dependendo de várias po-
sições de sujeito, resultantes de determinações múltiplas, contraditó-
rias e conflitivas em sua subjetividade. Trabalhando de forma invisível,
e por vezes até inconsciente, a mulher deixa, entretanto, evidencia-
da que quem toma decisão acerca da prática de amamentar é ela
própria (NAKANO, 1996).
A falência do biológico, a queda na produção láctea, tem se
constituído na justificativa de maior prevalência para o desmame
precoce entre as mulheres em nosso meio (NAKANO, 1996). Sob a
concepção de ser a gênese do desmame independente de sua vonta-
de e esforço, mas por uma determinação biológica, a mulher se prote-
ge de possíveis desaprovações sociais, obtendo a solidariedade do grupo
a que pertence. Desta forma, a mulher cria e recria um outro poder,
que se manifesta de forma mais subliminar ou sutil, pois acontece
mais no terreno impreciso da emocionalidade e da afetividade femi-
nina, muito mais constitutivo do jogo de poder feminino, que mascu-
lino.
Diante do exposto, acreditamos que as reflexões acerca da con-
dição da mulher frente à amamentação se constitui em elemento-
chave para a reorientação das políticas públicas e programas referen-
tes ao aleitamento materno, no sentido de integrar a perspectiva de
gênero.
No âmbito das políticas e no campo da produção de conheci-
mento que conformam as práticas assistenciais no aleitamento ma-
terno, questiona-se: a saúde da mulher é pensada de forma globalizada
ou restrita à capacidade feminina reprodutiva, ou seja, tendo por fi-
nalidade a saúde da criança? Que mulheres, prioritariamente, as po-
líticas públicas e programas relacionados ao aleitamento materno re-
presentam e quais buscam atingir? Por quê? Quais os efeitos? Quais
estruturas sociais são consideradas para garantir o desempenho da
função materna de amamentar? Qual o impacto observado na dife-
renciação e hierarquização das mulheres em relação aos homens e/ou
na diferenciação entre as mulheres?
No contexto de nossas práticas educativas e assistenciais acer-
ca do aleitamento materno, torna-se urgente a reconstrução de um
modelo de atenção à mulher que auxilie no resgate de sua “especifi-
Aleitamento materno e mulher: uma proposta de ação na construção... 85

cidade”, o que, para Oliveira (1993), implica em reconhecer que o


universo feminino existe... longe de reforçar os estereótipos, mas sim,
afirmar os valores constitutivos da identidade feminina para reivin-
dicar sua presença e seu impacto em todas as esferas e dimensões da
vida social.
Sendo o aleitamento materno não só uma função biologica-
mente determinada mas também socialmente condicionada, é im-
portante o resgate da “naturalidade” no exercício dele, tendo em vis-
ta o imperativo da retradução cultural do biológico fazendo do ato de
amamentar uma “capacidade natural e inata” da mulher. Na contra-
riedade ao exercício desta função configura-se à mulher a condição
de ser “mãe desnaturada”.
A conscientização e emancipação da mulher frente a sua con-
dição para amamentação deve iniciar-se pela construção da mulher
enquanto sujeito social envolvido na questão.

A construção histórico-social da prática do aleitamento


materno: o lugar da mulher
Para além de um fenômeno biológico, o aleitamento materno
se apresenta como uma prática social e historicamente legitimada,
com corpo de idéias e valores culturalmente construídos, que situam
as mulheres num espaço específico no conjunto das relações sociais.
Assim, o comportamento feminino frente ao aleitamento materno
guarda uma relação com o lugar e a imagem social da mulher e da
maternidade, mostrando-se variável nas diferentes épocas e contex-
tos sociais ao sabor de valores e interesses econômicos e políticos.
Analisado sob uma perspectiva de construtivismo social, o poder so-
bre o corpo da mulher é exercido a fim de que este possa ser subjuga-
do, usado, transformado. Isto acontece de uma forma sutil e contí-
nua.
A prática de usar “amas de leite” se difundiu no Brasil, costu-
me herdado dos portugueses. Nos primórdios da colonização, séc.
XVII, as índias cunhãs serviam de amas às famílias brancas (FREIRE,
1978). Posteriormente, foram as escravas negras. Segundo o mesmo
autor, a justificativa para tal hábito era o fato de a “negra ter maior
vigor”, decorrente de suas melhores condições eugênicas, contrapondo
86 Igualdade de oportunidades para as mulheres

a fragilidade e fraqueza da mulher branca, que se tornava mãe ainda


jovem. Tinha-se por discurso que utilizar-se das amas de leite escra-
vas era dar o melhor alimento para a criança.
No final do séc. XVIII, a criança passou a ter importância eco-
nômica e política e o aleitamento materno passa a ser considerado
um “dever de Estado”. Aleitar traz marcas culturais de segurança, de
recompensa, de conservação da prole (DEL PRIORI, 1993).
A recusa de amamentar o próprio filho era relacionada a falta
de amor materno. O discurso médico condenando as mulheres que
não amamentavam teve início na metade do séc. XIX, sendo mais
enfático no final deste século e início do séc. XX. Imprimiam-lhes
riscos especialmente ao seu corpo físico e culpabilizavam-nas de toda
anormalidade presente ou futura do filho. O discurso médico higie-
nista normatizava as tarefas de maternagem, condenando o uso de
amas de leite e argumentando acerca das vantagens do aleitamento
materno pela mãe biológica. Associações feitas entre o aleitamento
oferecido por amas de leite e a mortalidade infantil detonaram “o
processo de criação da mãe higiênica”. Conforme o figurino higiêni-
co, a mãe deveria amamentar para não contrariar a sua vocação na-
tural, a de ser mãe (COSTA, 1989).
O mesmo autor refere que através da puericultura ocorre a
medicalização do ato de amamentar e o aleitamento materno deixa
de ser um saber próprio da mulher. O aleitamento materno em livre
demanda, por solicitação do bebê, deixou de ser um ato natural e
passou a ser considerado perigoso, na educação e formação do cará-
ter da criança. A rigidez de horários, da duração das mamadas e do
período ideal para o desmame guardam em si a ideologia de controle
não só sobre o corpo da criança, mas também sobre o da mulher,
disciplinando-a quanto ao “uso higiênico” do seu tempo livre em casa,
o que diminuiria a concorrência com o homem na esfera pública,
além de favorecer a coesão familiar (COSTA,1989).
A maternidade passou a ser valorizada a partir do século XIX,
época em que a sociedade sofreu uma série de transformações com o
grande desenvolvimento do capitalismo, o crescimento urbano, a as-
censão da burguesia, despontando uma nova mentalidade, que reor-
ganizou a vida familiar e doméstica, interferindo no cotidiano femi-
Aleitamento materno e mulher: uma proposta de ação na construção... 87

nino, repensando, inclusive, a sensibilidade e a forma de pensar o


amor (D’INCAO, 1997).
O ideal de mulher refere-se ao “culto à domesticidade” que foi
se construindo ao longo do séc. XIX, circunscrevendo a atuação da
mulher ao lar (LOURO, 1996). O aleitamento materno é enfatizado
como função da mãe biológica.
No final do séc. XIX e intensificando-se no séc. XX, o abando-
no da amamentação natural se apresenta como fenômeno de ocor-
rência mundial. Fatos como a Revolução Industrial, a Segunda Guerra
e o avanço tecnológico conduziram a intensas transformações so-
ciais. A descoberta da pasteurização do leite de vaca e da industriali-
zação do leite em pó se constitui em importante marco na decorrên-
cia do desmame.
A possibilidade de utilizar-se do leite em pó, sob envolvimento
da mágica propaganda de ser um substituto ideal do leite materno,
veio atender a uma necessidade social, tendo em vista as novas pers-
pectivas para o trabalho feminino que despontavam com a industria-
lização. Envolvendo-se com desejos outros não exclusivos à materni-
dade, advindos de uma necessidade pessoal de independência e
autonomia ou por imposição situacional de sobrevivência da família,
a mulher busca o trabalho fora do lar. O ingresso da mulher na força
de trabalho ocorreu sem qualquer adequação da estrutura social em
termos de suporte à reprodução e à criação dos filhos.
A modernidade proporcionou o movimento de aproximação
de mundos; a mulher lança-se ao espaço público, o que, segundo
Bardwick (1979), aos próprios olhos lhe parece como desviante e até
mesmo ilegítimo e discriminatório, visto ter por base estruturas do
masculino.
A prática do aleitamento artificial influenciou as altas taxas
de mortalidade infantil e a qualidade de vida das crianças do Tercei-
ro Mundo, diferentemente do ocorrido em países do Primeiro Mun-
do. A miséria, a precariedade do saneamento básico são elementos
que se traduziram, na prática, no aumento da diarréia e da desnutri-
ção, elevando os índices de morbidade e mortalidade infantil.
A entrada maciça das indústrias produtoras do leite nos países
de Terceiro Mundo, ocorrida entre 1957 e 1974, desencadeou-se,
88 Igualdade de oportunidades para as mulheres

entre outros fatores, pela queda da taxa de natalidade nos países de


Primeiro Mundo, determinando queda de faturamento, o que levou
as indústrias a investir no mercado no Terceiro Mundo.
Em 1974, é lançada a publicação The baby killer (o matador
de bebês), do jornalista inglês Mike Muller, associando o uso de leite
artificial ao aumento da mortalidade infantil em países do Terceiro
Mundo. Tal publicação desencadeou o início do movimento mun-
dial contra a propaganda indiscriminada dos leites em pó.
A OMS/Unicef, em 1979, na Reunião Conjunta sobre Alimen-
tação do Lactante e Criança Pequena, recomendou a promoção do
aleitamento materno, melhorando a sua prática, fortalecendo a edu-
cação, a capacitação, a informação sobre alimentos, a promoção da
saúde e o status social da mulher, além da necessidade de controle da
comercialização de sucedâneos.
No Brasil, do final da década de 1970 à década de 1980, res-
pondendo a tendências internacionais, desencadeia-se o movimento
de proteção à maternidade e infância, surgindo como modelo gover-
namental o Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Mater-
no, fundado em 1972, pelo Ministério da Saúde e Instituto Nacional
de Nutrição e Alimentação, tendo assessoria científica do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (Unicef), sob coordenação do Grupo
Técnico Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (GTNIAM)
e a participação interministerial, atualmente desativado. As ações de
incentivo ao aleitamento materno foram incorporadas a programas
específicos de assistência à saúde da mulher e da criança.
A atuação desse Programa foi em nível nacional, tendo um
representante de cada Estado, e suas ações visavam a elaboração de
material audiovisual, a utilização dos meios de comunicação de mas-
sa para incentivo ao aleitamento materno, o estímulo ao aumento de
multas para indústrias que não tivessem creches, a oferta de treina-
mento de pessoal, o estímulo à pesquisa, a restrição à publicidade de
leites artificiais, a intervenção nos currículos escolares, o incentivo à
formação de grupos de mães e a conquista legal da exigência do “alo-
jamento conjunto” nas maternidades conveniadas e contratadas pe-
los serviços públicos em todo território nacional.
Recomendações acerca do aleitamento materno foram apre-
sentadas em 1974 no Programa Materno Infantil, indicando o uso de
Aleitamento materno e mulher: uma proposta de ação na construção... 89

leite em pó em caso de insuficiência do leite materno, suplementação


alimentar das gestantes e lactentes, e condenação do leite artificial
como substituto do leite materno. Posteriormente, em 1984, o Pro-
grama de Assistência Integral à Criança (PAIC) e o Programa de
Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM) estabelecem medi-
das acerca do aleitamento materno, ou seja, orientações, vantagens,
técnicas, exame de mama, aleitamento exclusivo até 6 meses e artifi-
cial em se esgotando todas as tentativas. Utiliza-se o discurso
nutricional, imunológico e psicológico como incentivo para o aleita-
mento materno. O eixo norteador destes programas referencia-se na
Conferência de Alma-Ata de 1978, que preconizava “saúde para to-
dos no ano 2000”, enfatizando o uso de tecnologia simplificada e os
cuidados primários de saúde.
Em 1981, a Assembléia Mundial da Saúde estabeleceu o Códi-
go Internacional de Comercialização de Sucedâneos do Leite Mater-
no. No Brasil, a adoção do código de controle sobre anúncios e pro-
paganda direta às mães e famílias, incluindo distribuição de cartazes
e amostras grátis de leite e brindes, está estabelecido na resolução 05,
de 20.12.88.
Seguiram-se a estas outras medidas internacionais de apoio à
mulher e à amamentação materna:
• 1982, Código de Alimentos da OMS, estabelecendo requisitos mí-
nimos de qualidade e higiene de substitutos do leite materno;
• 1989, Declaração Conjunta de Proteção, OMS/Unicef, promo-
vendo e apoiando a amamentação natural, o papel especial dos servi-
ços de maternidade, estabelecendo os 10 passos para o êxito na ama-
mentação;
• 1990, Declaração de Innocenti (Itália), estabelecendo metas de
trabalho em prol da amamentação para década de 1990, recomen-
dando aleitamento exclusivo de 4 a 6 meses de vida, fortalecimento
da mulher e seus grupos para exercer essa prática, leis de proteção à
mulher trabalhadora e do leite materno face aos produtos tidos como
substitutos;
• 1990, Convenção sobre os Direitos da Criança, ONU, propondo
obrigação jurídica de proteger as mães, crianças e famílias, apoio à
prática da amamentação materna;
90 Igualdade de oportunidades para as mulheres

• 1991, Iniciativa Hospital Amigo da Criança, Unicef, propondo a


adoção de 10 passos, que incluem orientação, manejo, capacitação de
pessoal, alojamento conjunto 24 horas, livre demanda, aleitamento ex-
clusivo, início do aleitamento materno na primeira meia hora pós-par-
to;
• 1991, Declaração de Fortaleza, OPS/OMS, estabelecendo a impor-
tância do parto natural e as conseqüências negativas de certas rotinas
hospitalares desnecessárias à prática do aleitamento materno;
• 1992, Agenda 21, Rio 92, ONU, estabelecendo a proteção da mu-
lher para que possa amamentar pelo menos nos primeiros 4 meses pós-
parto;
• 1992, 154 países, OMS, Conferência Internacional de Nutrição,
Plano de Ação e Comunidade Européia, estabelecendo 9 estratégias
para alcançar o desenvolvimento nutricional adequado, redução do
obstáculo ao aleitamento materno;
• 1992, Assembléia Mundial de Saúde – Convenção sobre a Elimina-
ção de Toda Forma de Discriminação Contra a Mulher, eliminação de
toda discriminação contra a mulher que trabalha;
• 1992, ano de início da comemoração da Semana Mundial da Ama-
mentação: 1992 – apoio à iniciativa Hospital Amigo da Criança; 1993
– Direito da Mulher; 1994 – defesa do código internacional de substi-
tutos do leite materno; 1995 – amamentação fortalece a mulher; 1996
– amamentação responsabilidade de todos; 1997 – amamentação um
ato ecológico; 1998 – amamentação uma questão econômica; 1999 –
amamentação e educação.
• 1994, Assembléia Mundial de Saúde, resolução 47.5, adotando-se
por unanimidade a proibição de distribuição gratuita e de baixo custo
de sucedâneos do leite materno em toda parte do Sistema de Saúde.
Ainda nesta perspectiva de promoção e incentivo ao aleita-
mento materno, no Brasil, no Estado de Alagoas, tivemos a instala-
ção do Núcleo da Liga do Leite Materno, a qual tem sua sede nos
E.U.A., que dedica-se a informar e ajudar qualquer mãe que queira
amamentar ou necessite de apoio enquanto estiver amamentando. O
Grupo de Mães Amigas do Peito, também de natureza não-governa-
mental, foi criado em 1980 para atuar voluntariamente na retomada
da prática do aleitamento materno.
Aleitamento materno e mulher: uma proposta de ação na construção... 91

Apesar das ações de incentivo ao aleitamento materno, o pro-


cesso de mudança é bastante lento. No Brasil, a proporção de crianças
desmamadas aos três e seis meses é de 43% e 61%, respectivamente,
percentuais esses um pouco maiores na área urbana. O aleitamento
materno exclusivo não chega a 30% entre as crianças de três meses de
idade e representa somente 6% entre aquelas de seis meses de idade.
Existem diferenças regionais, sendo que 50% das crianças são ama-
mentadas até 82 dias de vida, no Sudeste, e até 41 dias, no Nordeste
(FUNDAÇÃO IBGE, 1992).
A persistência do desmame precoce em nosso meio, segundo
pesquisa nacional de saúde e nutrição realizada entre 1981 e 1989,
aponta para alguns fatores específicos, tais como: a demora da primeira
mamada e a ausência de unidade de alojamento conjunto em algumas
maternidades, estabelecimento de horários rígidos para amamentação
na dependência das rotinas do berçário. Outros fatores, entretanto,
podem ser destacados, tais como os relacionados ao contexto
sociocultural da mulher e às condições da criança ao nascer, baixo
peso e prematuridade influenciando na continuidade do aleitamento
materno.
No movimento de incentivo ao aleitamento materno, o enfoque
é atingir as mulheres de classe menos favorecida, ampliando para mu-
lheres como um todo, à medida que as de maior poder aquisitivo têm
uma importante influência sobre as primeiras, por serem tomadas como
modelo de referência.
Interesses outros perpassam este discurso de retorno ao aleita-
mento materno. O momento de crise econômica por que passa o mun-
do, com alto índice de desemprego, estando a mulher competindo com
o homem na esfera do público, torna desejável que esta retorne à esfera
do privado, abrindo espaço para o trabalho masculino. Ao mesmo tem-
po, propaga-se que o retorno à casa está resgatando a unidade familiar,
que se constitui no cerne da sociedade, hoje tão esfacelada.

A situação do aleitamento materno no município de


Ribeirão Preto
Muitas pesquisas foram realizadas sobre a situação do aleita-
mento materno nas diferentes regiões do país. Em Ribeirão Preto, em
92 Igualdade de oportunidades para as mulheres

1975 realizou-se uma pesquisa sobre a situação do aleitamento ma-


terno no município, detectando-se que o tempo mediano de ama-
mentação era de dois meses e meio a três meses, no grupo etário de 0
a 2 anos de idade (RICCO, 1975).
Villa (1985) investigou a situação do aleitamento materno en-
tre as crianças de faixa etária de 0 a 180 dias, matriculadas no Sub
Programa de Suplementação Alimentar em cinco Centros de Saúde
de Ribeirão Preto, que desenvolviam ações de incentivo ao aleita-
mento materno, obtendo os seguintes resultados: 90,7% das crianças
que chegaram ao lactário já vinham recebendo mamadeira; destas,
42,7% recebiam aleitamento misto e 47% aleitamento artificial, sen-
do 9,2% aleitamento natural, portanto inexpressível.
Iniciativas e articulações entre instituições de saúde, órgãos
formadores e grupos da comunidade comprometidos com a causa em
questão organizaram-se a partir de meados da década de 1970. Parti-
cularmente, abordaremos o trabalho realizado por um grupo de en-
fermeiras docentes da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (EERP-USP) e de serviços de saúde do
município que se empenharam no desenvolvimento de pesquisas, na
formação de recursos humanos, implantação e implementação de
ações em serviços de saúde e em outras instituições comunitárias;
vindo a se constituir em um Núcleo de Aleitamento Materno –
NALMA.
O NALMA foi criado em 1975 e oficializado em 1985 junto ao
Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública da
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto-USP. O Núcleo elegeu a
mulher como foco de atenção e ação, e a amamentação como sendo
de significado pessoal, pois é uma experiência única e total para cada
mulher. Desta forma, amamentar se constitui de uma prática realiza-
da não somente por um par de glândulas mamárias e sim pela mulher
como um todo.
A princípio, o Núcleo teve como meta a construção de um
corpo de saber científico que embasasse os procedimentos relaciona-
dos à prevenção e ao tratamento das intercorrências mamárias. Sob a
perspectiva de promover a mulher enquanto sujeito do processo
implementou-se o projeto autocuidado com a mama puerperal num
Hospital-Escola. Tais ações mostraram-se eficazes, reduzindo a ocor-
Aleitamento materno e mulher: uma proposta de ação na construção... 93

rência de intercorrências mamárias, que se constituem em importan-


te fator determinante do desmame, naquele serviço.
Para ampliar a cobertura de assistência às nutrizes do municí-
pio, houve a necessidade de capacitar um maior número de enfermei-
ras. Assim, optou-se por fazer uma parceria com a Secretaria Munici-
pal de Saúde (SMS), considerando a reorganização dos serviços de
saúde que começou a se configurar desde 1984, pelo compromisso de
adesão às A. I. S. (Ações Integradas de Saúde). Em 1988, estabelece-
ram-se as responsabilidades e contrapartidas entre as instituições, ca-
bendo à SMS alocar duas enfermeiras na EERP-USP para serem capa-
citadas a fim de organizar, treinar e supervisionar enfermeiras da rede
básica de saúde, inicialmente sob supervisão das docentes do NALMA.
Após treinamento, as duas enfermeiras como agentes de capacitação
assessoradas pelas docentes iniciaram o processo de capacitação das
enfermeiras da rede de unidades básicas de saúde, que é composto de
duas fases: a primeira enfocando os aspectos biológicos e possíveis in-
tercorrências na lactação; e a segunda, abordando os aspectos sociais,
psicológicos e culturais da amamentação materna.
Na atualidade, todas as Unidades Básicas de Saúde (total de
30 unidades, sendo 26 UBS, atendimento de nível atenção primária
e 4 UBDS – Unidade Básica Distrital de Saúde, além de atendimento
de nível de atenção primária também especializada) apresentam en-
fermeiras capacitadas para assistir a mulher nas questões do aleita-
mento materno. Do total de 127 enfermeiras lotadas nas UBS, 92,1%
já concluíram a primeira etapa e 82,6% a segunda.
Pereira (1996), avaliando o Programa de Treinamento pro-
posto pelo NALMA da ótica das enfermeiras que foram capacitadas,
apontou avanços, tendo em vista que o Programa não só permitiu
revisar e adquirir conhecimentos, mas também ofereceu possibilida-
des de atuação mais específica e pontual no atendimento às mães, de
forma que as enfermeiras pudessem agir com mais segurança no cui-
dado frente às intercorrências no aleitamento materno. Recomen-
dou a ampliação do treinamento a toda equipe de saúde para um
trabalho de forma integrada, aspecto este que já está sendo contem-
plado, estendendo a capacitação à equipe de nível médio de enfer-
magem e a outros profissionais, tomando como agente multiplicador
as enfermeiras capacitadas de cada serviço.
94 Igualdade de oportunidades para as mulheres

O modelo de assistência proposto pelo NALMA insere-se nas


atividades de consulta médica individual, especialmente nas especiali-
dades (ginecologia, obstetrícia e pediatria), ainda que sejam realizadas
ações de enfermagem de caráter preventivo e curativo no que se refere
ao autocuidado com a mama puerperal, ações estas que são executadas
de forma isolada e complementar ao ato médico. Avanços podem ser
observados na atenção à mulher no processo de aleitamento materno,
ainda que incipientes, tais como: trabalho de grupo com mulheres;
agendamento de consultas pós-parto no decorrer dos dez primeiros dias;
realização de visitas domiciliárias; a consulta individual de enferma-
gem. Estas iniciativas têm permitido o reconhecimento e/ou o encami-
nhamento, por parte de outras instituições da rede pública e da rede
privada, de mães com intercorrências mamárias para as UBS, o que
tem tornado o serviço uma referência para este tipo de atendimento
(PEREIRA, 1996).
Vale ressaltar que, apesar de as atividades do NALMA junto à
SMS tenham se iniciado em 1988, a assistência ao aleitamento mater-
no só foi instituída como programa pela Secretaria Municipal de Saúde
de Ribeirão Preto a partir de 1997.
Diante de tantas ações empreendidas no decorrer destes anos, é
preciso que se faça avaliações da situação do aleitamento materno no
Município de Ribeirão Preto através de estudo epidemiológico, já pre-
visto para o ano de 1999. É também preciso apreender como se dá a
dinâmica do processo de atenção à mulher no aleitamento materno,
assim como a percepção que os sujeitos (enfermeira e nutriz) envolvi-
dos têm da mesma, o que contribuirá para a elaboração da proposta de
ação junto às mulheres no sentido da construção da mulher enquanto
sujeito nas questões do aleitamento materno, conduzindo-a a uma maior
liberdade em relação às decisões que afetam o uso do seu corpo e fazer
avançar as concepções de justiça social, de forma que os direitos so-
ciais das mulheres tornem-se parte dos direitos de cidadania.
Considerando que, no âmbito teórico, o fio condutor da assis-
tência seja a integralidade e participação (PAISM) e, na prática, haja
predominância do modelo biomédico (autoritário, fragmentado, me-
dicalizante), questionamos o quanto as enfermeiras treinadas, na con-
dição de agentes de saúde, estariam aproveitando as oportunidades de
prestação de assistência nas intercorrências da amamentação, para ele-
var a mulher à condição de sujeito do processo.
Aleitamento materno e mulher: uma proposta de ação na construção... 95

Pressupostos teóricos para construção do sujeito social


A perspectiva mecanicista do modelo biomédico tem como
princípio a modificação de hábitos e condutas ignorando o impacto
destas nas relações sociais que envolvem o indivíduo e os recursos
materiais disponíveis que incidem na sua saúde. Nesta perspectiva,
refere Galiberti (1984, apud ROTELLI, 1990) que a intervenção profis-
sional não encontra o doente, mas a doença, e em seu corpo não lê
uma biografia, mas uma patologia na qual a subjetividade do pacien-
te desaparece atrás da objetividade de sinais e sintomas que não re-
metem a um ambiente ou a um modo de viver, mas a um quadro
clínico.
A ruptura com esta visão requer a adoção de um novo
paradigma de enfoque democrático e participativo. Refere Labonte
(1994) sobre as premissas da promoção da saúde como sendo de
enfoque mais participativo no sentido de “empoderar” a população,
por meio da conscientização sobre os fatores econômicos, sociais e
políticos que determinam as condições de saúde. Também propõe
impulsionar a organização comunitária em torno de problemas so-
ciais e aumentar o nível de consciência de como as decisões e estilo
de vida se relacionam com aspectos sociais e ambientais mais globais,
obter compromisso real e financeiro da parte dos governos, da inicia-
tiva privada, dos grupos médicos e outras associações de profissionais
da saúde. Incorpora-se a preocupação de se obter maior justiça so-
cial.
Lee (1994) destaca quatro dimensões estratégicas para o “em-
poderamento”: 1. o fortalecimento do eu; 2. o desenvolvimento do
sentido do eu mais positivo e poderoso; 3. a criticidade, a compreen-
são mais crítica da realidade social e política do meio; 4. e o uso de
recursos, o fomento de recursos e estratégias ou de mais competência
funcional para alcançar objetivos pessoais e coletivos.

Desenvolvimento da proposta de ação


Considerando a concepção e conteúdos assinalados, delinea-
mos o programa de ação para construção da mulher enquanto sujeito
do processo de amamentar.
96 Igualdade de oportunidades para as mulheres

O programa visa situar a mulher, em diferentes fases do ciclo


vital (não só quando na condição de nutriz), num contexto amplo que
envolve a amamentação, para além da capacidade biológica. A mu-
lher, colocada na posição de agente do processo, é conduzida a estabe-
lecer ligações entre a amamentação, o desenvolvimento pessoal, as re-
lações interpessoais e a estrutura social, além da auto-estima.
Neste sentido, propomos:
• Abordar o aleitamento materno como experiência positiva tanto
para o bebê, quanto para a mulher e, por extensão, para toda família;
• Transmitir informações históricas e culturais sobre o aleitamento
materno que permitam refletir sobre a condição socialmente cons-
truída para amamentação, situando-a em seu contexto social e polí-
tico;
• Desenvolver a capacidade de auto-estima das mulheres, levando-
as a conhecer seu corpo, apreender suas manifestações, a gostar e a
cuidar dele, não submetendo-o a injúrias, em razão do sacrifício ine-
rente a condição socialmente construída para a mulher;
• Compartilhar valores, mitos, tabus e conhecimento de como pro-
ceder ao autocuidado com a mama e aos procedimentos de amamen-
tação;
• Refletir sobre os valores básicos do ser humano como a igualdade,
a integralidade, a liberdade, a consideração pelo outro e valores con-
troversos (a legitimidade do direito do exercício da maternidade em
todos os seus atributos, entre eles a amamentação);
• Liberar a capacidade de agir como Sujeito, sair da compreensão
individualista de seu problema de modo a organizar-se, a fazer alian-
ças usando seu poder de pressão e poder legalmente sancionado (li-
cença maternidade, creches no local de trabalho).

Sistematização das ações propostas


• Educação formal e informal sobre aleitamento materno para crian-
ças, adolescentes e adultos para ambos os sexos, para que possam
desenvolver atitudes positivas sobre amamentação e socialização das
atribuições maternas e domésticas, como condição de suporte ao exer-
cício da amamentação. Investimentos a serem empreendidos no âm-
Aleitamento materno e mulher: uma proposta de ação na construção... 97

bito formal (tema a ser incorporado no currículo escolar, sendo im-


plantado de forma sistemática e processual). Em 1998, foi realizado
estudo diagnóstico do ensino de aleitamento materno em escolas
públicas do ensino fundamental no município de Ribeirão Preto, con-
forme resumo apresentado no Anexo I.
• Oficinas de trabalho oferecidas a educadores(as), capacitando-os
para desenvolver o ensino da temática junto aos alunos(as) de forma
criativa, incorporando a temática numa abordagem multidisciplinar,
contribuindo para a construção da consciência crítica acerca da ama-
mentação. Aproveitando o tema da Semana Mundial da Amamen-
tação de 1999 (Amamentar – educar para a vida), realizamos ofici-
nas de aleitamento materno para professores(as) da Rede de Ensino
Fundamental do Município de Ribeirão Preto, conforme Anexo II.
• Oficinas de trabalho com profissionais de saúde, sensibilizando-
os para a condição da mulher frente ao aleitamento materno, desen-
volvendo a capacidade de agente promotor do pleno exercício da
maternidade e na garantia dos direitos de cidadania da mulher. Ofi-
cinas de trabalho com profissionais de saúde estão em desenvolvi-
mento como parte do treinamento de enfermeiros da SMS-RPO; cons-
tituem-se da segunda etapa do Programa de Formação de Recursos
Humanos em Aleitamento Materno, já mencionada anteriormente.
• Grupos de apoio à mulher gestante e nutriz frente a experiências
de amamentar, trabalhando a historicidade e cotidianeidade dos su-
jeitos, traduzindo seu ciclo familiar, seus projetos individuais e so-
ciais, além de estabelecer mediações com aspectos social-histórico,
político, econômico e cultural da amamentação. Situar os conflitos e
dificuldades, mobilizando energias para o autocuidado e ações coleti-
vas. Ações a serem incorporadas nos cursos de educação em saúde
para gestantes e para puérperas realizados em algumas Unidades Bá-
sicas de Saúde e Hospital conveniado SUS – Maternidade do Com-
plexo Aeroporto, conforme Anexo III.
• Publicação de livros, artigos em revistas e materiais didáticos acerca
do aleitamento materno, dirigidos à população leiga, contemplando
uma abordagem ampliada do aleitamento materno, além dos aspec-
tos biológicos com conteúdo e linguagem apropriados a população-
alvo vinculados às vivências práticas. (Prevista a realização a médio
prazo, por requerer estudos e articulações.)
98 Igualdade de oportunidades para as mulheres

• Discussões acerca do discurso oficial (políticas de saúde e progra-


mas acerca do aleitamento materno) e acadêmico da amamentação,
sensibilizando a comunidade científica e institucional sobre a condi-
ção da mulher no aleitamento materno (prevista a realização a médio
prazo, por requerer estudos e articulações).

Considerações finais
Consideramos que as ações propostas não sejam pontuais. In-
corporadas às estruturas existentes, esperamos que possam ganhar a
magnitude de se tornarem sistemáticas e processuais, o que possibili-
ta a transformação social, em busca da igualdade de oportunidades
para as mulheres.

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tação de Mestrado. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de


Ribeirão Preto – USP.

Anexo I

O ENSINO ACERCA DO ALEITAMENTO MATERNO


EM ESCOLAS DE 1o GRAU

Lúcia Perroud Graciano


Ana Márcia Spanó Nakano

As ações de incentivo ao aleitamento materno não devem se


restringir à mulher que está prestes a amamentar ou que está ama-
mentando; é necessário que se invista na formação de uma consciên-
cia coletiva da importância do aleitamento materno. A educação for-
mal pode contribuir significativamente para a construção de uma
cultura favorável à amamentação e para a obtenção de experiências
mais satisfatórias às futuras gerações de mães e crianças. Neste senti-
do, o estudo objetiva identificar se a temática aleitamento materno é
ensinada nas escolas de 1o grau, por quais disciplinas e sob que enfoque;
identificar quais as estratégias utilizadas para o ensino e qual o con-
teúdo das informações. Fizeram parte da amostra 10 (dez) Escolas,
em igual proporção entre públicas e privadas, pertencentes ao mes-
mo subsetor municipal, contemplando nesta escolha regiões com di-
ferentes condições socioeconômicas. Dos/as 10 (dez) professores en-
trevistados/as, 9 (nove) são de nível superior (enfermeiros/as,
pedagogos/as e biólogos/as) e 1 (um) de formação de nível 2o grau
(magistério). Utilizou-se para coleta de dados a entrevista semi-
estruturada, gravada com o consentimento dos sujeitos; para análise
dos dados, foi empregada a técnica de análise de conteúdo – temática
de Bardin, 1977. Resultados: o tema aleitamento materno é minis-
trado em 6 (60%) das Escolas investigadas como parte do conteúdo
da disciplina de ciências, abordado como complementação ou mes-
mo comentário de outros temas, tais como sistema reprodutivo, ma-
míferos, corpo humano e religião. Das 4 (40%) Escolas em que o
assunto não é ministrado, as razões alegadas são: não ser de vivência
Aleitamento materno e mulher: uma proposta de ação na construção... 101

atual dos alunos; falta de capacitação do corpo docente e não fazer


parte da grade curricular. Dentre as estratégias utilizadas para o ensi-
no, foi citada a incorporação da discussão da temática nas semanas
de nutrição, semana da mãe, orientação sexual e palestras realizadas
por profissionais de saúde convidados. Revelam os/as entrevistados/
as não dispor de livros didáticos e para-didáticos adequados para o
ensino do tema. O conteúdo das informações se assenta, basicamen-
te, na importância do leite materno para a criança, na amamentação
como fator de prevenção de doenças tanto para o bebê quanto para a
mãe e no estabelecimento do vínculo mãe e filho.
Recomenda-se que se criem condições para motivar e prepa-
rar os educadores para desenvolverem ações educativas sobre aleita-
mento materno.

Anexo II

OFICINA DE TRABALHO SOBRE AMAMENTAÇÃO E EDUCAÇÃO:


RELATO DE EXPERIÊNCIA
Dentre as atividades programadas na comemoração da VIII
Semana Mundial da Amamentação de 1999 – Amamentar – Educar
para a vida, desenvolvemos a oficina de trabalho sobre amamenta-
ção e educação para educadores/as da Rede de Ensino Fundamental
do Município de Ribeirão Preto e região. Objetivamos realizar um
diagnóstico do ensino de aleitamento materno nas Escolas de 1o e 2o
graus representadas nessa oficina e capacitar os/as educadores/as para
desenvolver o ensino da temática de forma criativa, utilizando a abor-
dagem multidisciplinar, contribuindo para a construção de uma cons-
ciência crítica acerca da amamentação. Participaram da oficina 71
educadores/as de Instituições de Ensino Público e Privado, divididos/
as em 3 (três) grupos, que foram conduzidos por 2 (dois) coordena-
dores/as cada. A carga horária total da oficina foi de 8 horas, concen-
tradas em um único dia, agendado um mês antes da comemoração da
Semana Mundial da Amamentação. Identificamos que o aleitamen-
to materno é uma temática pouco abordada pelos/as educadores/as,
que ministram o referido tema, sob forma de complemento de outros
assuntos mais abrangentes, tais como: aparelho reprodutor, mamífe-
102 Igualdade de oportunidades para as mulheres

ros, alimentos. No ensino, o aleitamento materno não tem o enfoque


multidisciplinar. A falta de incorporação desta temática ao ensino é
justificada pela não obrigatoriedade e ausência de capacitação para
ensiná-la. Consideramos positiva a iniciativa de promover condições
de motivação e preparo de educadores/as para o ensino do aleita-
mento materno, tendo em vista a amplitude de ações que foram de-
senvolvidas por ocasião da última Semana Mundial de Amamenta-
ção em Ribeirão Preto. Esperamos que estas ações marquem o início
de um processo contínuo na formação de uma consciência coletiva
acerca do aleitamento materno, não apenas de ocorrência pontual.
Aleitamento materno e mulher: uma proposta de ação na construção... 103

PROGRAMA
CONTEÚDO ESTRATÉGIA

1. Apresentação e aproximação 1.Trazer a história do nome e de


com a temática sua amamentação
2. Universo do grupo acerca do 2. Tempestade de idéias, constru-
Aleitamento Materno ção de slogans
– construção histórica social do
aleitamento materno
– condição da mulher x o direi-
to e dever de amamentar
3. O ensino da temática aleita- 3. Subgrupos de discussão sobre
mento materno experiência de ministrar o tema
– informações requeridas pelos
grupos na compreensão do pro-
cesso do aleitamento materno

4. Elaboração de estratégias de en- 4. Subgrupos de discussão para in-


sino para trabalhar o conteúdo corporar a temática nas diferen-
de aleitamento materno tes disciplinas curriculares

– firmar acordo para desenvol- – apresentação oral


ver atividade educativa na co-
memoração da Semana Mun-
dial de Amamentação

5. Término da Oficina – Avalia- 5. Retrospectiva das idéias e senti-


ção mentos nos diferentes momen-
tos: antes, durante e ao término
da oficina
104 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Anexo III

GRUPOS DE APOIO À MULHER GESTANTE E NUTRIZ


Contexto: as atividades serão incorporadas nos cursos de ges-
tantes e para puérperas já estruturados nos serviços de saúde (UBSs
– Unidades Básicas de Saúde e Hospital Maternidade do Complexo
Aeroporto).
Frequência dos encontros: semanal
Duração dos encontros: 1:30’
População: gestantes/puérperas

Programa
1 – Encontro
Conteúdo: trabalhar a historicidade e cotidianeidade dos su-
jeitos.
Estratégia: técnica da Linha da Vida sobre Identidade Femini-
na, grupo de autoconsciência que parte da experiência vital de cada
mulher, permite que as mesmas descubram que uma infinidade de
problemas que, até o momento, haviam acreditado ser individuais
são, na realidade, problemas coletivos (Lima, 1988).

2 – Encontro
Conteúdo: papel materno – a construção histórico-social da
mulher para amamentação.
Estratégia: apresentação de fotografias de mulheres amamen-
tando em diferentes contextos sociais e históricos, estabelecer rela-
ções destas mulheres com suas realidades específicas.

3 – Encontro
Conteúdo: desenvolvimento da auto-estima.
Estratégia: construção da identidade passando por mediações
particulares e singulares como história do nome, suas trajetórias, seus
pontos de vista, mobilização de laços familiares e outros meios
Aleitamento materno e mulher: uma proposta de ação na construção... 105

relacionais. Questionamentos dos papéis sociais, ideologia da desi-


gualdade, da naturalização das diferenças.

4 – Encontro
Conteúdo: informações sobre aleitamento materno, procedi-
mentos, autocuidado com a mama puerperal.
Estratégia: técnica de tempestade de idéias – universo de sig-
nificados do grupo acerca do aleitamento materno. Utilização da
cartilha: como cuidar dos peitos (NALMA).

5 – Encontro
Conteúdo: condições sociais para o exercício da amamenta-
ção (lei de proteção à maternidade, relações familiares e trabalho).
Estratégia: desenvolvimento da autonomia dos sujeitos impli-
ca a apropriação, pela consciência, pelo descobrimento e uso da pró-
pria força no contexto em que as necessidades e as possibilidades se
inscrevem. Estabelecer possibilidades de articulação sociais.
Revelando o oculto cuidar de pessoas idosas: uma proposta para a... 107

REVELANDO O OCULTO CUIDAR DE PESSOAS


IDOSAS: UMA PROPOSTA PARA A PROMOÇÃO DA
IGUALDADE DE GÊNERO

Alba Lucero Lopes Diaz

1. Introdução

1.1. O cuidar e a mulher


Ao observar a história recente da cultura ocidental, percebe-
se que o cuidar da família, dos filhos, dos doentes e dos idosos tem
sido tarefa desempenhada por mulheres. Esta condição histórica dei-
xou marca bastante importante na construção do significado social
do ser mulher, chegando a ser assumida por homens e mulheres como
inerente à sua natureza. Não obstante, diversas circunstâncias histó-
ricas, sociais e econômicas transformaram os espaços e afazeres das
mulheres. A saída de casa para ocupar espaços em atividades econo-
micamente remuneradas, a participação em diferentes espaços polí-
ticos ou profissionais transformaram o universo feminino. Estas mu-
danças vêm possibilitando o desenvolvimento das capacidades
pessoais das mulheres e, como conseqüência, ampliando seus com-
promissos com a esfera social. O espaço privado ou doméstico não
deixa de ser uma preocupação para as mulheres, o que gera uma car-
ga de sentimentos de frustração e tensão entre o desenvolvimento
dos papéis sociais recentemente conquistados e os antigos. Esta con-
dição gera uma incidência duas ou três vezes maior de depressão em
mulheres do que em homens e maior desgaste físico e mental no de-
sempenho das duplas jornadas de trabalho (ORGANIZAÇÃO PANAME-
RICANA DA SAÚDE, 1990). Isso sem entrar nos problemas de saúde
devidos à reprodução, o uso de anticoncepcionais e a menopausa. É
108 Igualdade de oportunidades para as mulheres

possível afirmar que fatores de gênero podem influenciar significativa-


mente a saúde da mulher.
As características de gênero devem ser consideradas quando se
pensa em uma sociedade que envelhece rapidamente. Não só porque
as mulheres vivem mais tempo, mas também porque sobre elas recai o
cuidado dos idosos.
Ao analisar o trabalho de cuidar e a mulher, é preciso também
considerar o crescimento da população idosa no mundo, os precários
recursos de saúde e de redes de apoio, além do escasso preparo social
para enfrentar este fenômeno. Estas condições, somadas à expectativa
social da mulher como cuidadora na família, estabelecem um contexto
de ineqüidade no desenvolvimento desta tarefa.
O envelhecimento populacional adquire características especiais
no Brasil, devido à velocidade com que se vem apresentando. Estima-
tivas e projeções da população brasileira de 1950 a 2025 indicam uma
taxa de crescimento da população em geral de cinco vezes, enquanto a
de idosos pode crescer quinze vezes. Este aumento colocará a brasilei-
ra, no ano de 2025, como a sexta população mais idosa do mundo
(KALACHE; VERAS; RAMOS, 1987). Esta nova configuração populacio-
nal traz consigo mudanças no perfil epidemiológico, sendo as doenças
crônicas e degenerativas as de maior causa de morte. Outras doenças,
como câncer, hipertensão arterial e diabetes, fazem com que esta po-
pulação seja submetida a várias complicações além daquelas inerentes
ao envelhecimento (SAYEG, 1987). Dessa forma, este grupo etário re-
quer cuidados prolongados, em especial os idosos mais dependentes.
Reconhece-se que cerca de entre 80% e 90% desses cuidados são ofe-
recidos por membros da família, em geral a esposa ou as filhas (CAN-
TOR, 1983; STEPHENS; BERNESTEIN, 1984; STOLLER, 1990). Estas pessoas,
chamadas na literatura gerontológica de “cuidadores familiares”, têm
um perfil semelhante à dos cuidadores familiares de outros países em
desenvolvimento. Acredita-se que a presença do cuidador familiar vem
crescendo em virtude do aumento da longevidade (NERI, 1993). De
forma geral, o trabalho de cuidador principal das pessoas idosas é exer-
cido por mulheres, as quais ajudam os idosos em seu cuidado pessoal,
no preparo de alimentos e nas demais rotinas do lar. A participação
masculina está em geral relacionada com a ajuda nas compras e no que
se refere a finanças (STOLLER, 1990). Essas mulheres cuidadoras em
Revelando o oculto cuidar de pessoas idosas: uma proposta para a... 109

geral estão entre 45 e 50 anos e têm filhos adultos ou quase adultos.


Elas – ou seus maridos – são aposentadas ou estão próximas disso. Nas
famílias multigeracionais, o cuidador principal é em geral mulher e
pertence à geração imediatamente subseqüente à do idoso que recebe
os cuidados (SILVERSTEIN; LITWAK, 1993; BAUM; PAGE, 1991).
Diversos estudos sobre o cuidado e as diferenças de gênero
demonstram que homens e mulheres oferecem o cuidado de acordo
com parâmetros correspondentes à divisão de atividades por gênero
(STOLLER, 1990). Dessa forma, cuidar de uma pessoa idosa depen-
dente pode ser considerado um papel normativo ou esperado na vida
de uma mulher. Este papel pode ser exercido em virtude de expecta-
tivas sociais de gênero, relações de parentesco e de idade, ou de ex-
pectativas típicas de um determinado grupo social (NERI, 1993).
Como registrado anteriormente, há evidência empírica de que o
trabalho de cuidar de uma pessoa idosa é assumido por mulheres. O
profissional da saúde deve levar este fato em consideração, para plane-
jar as diferentes ações de prevenção ou intervenção com um grupo de
cuidadores(as). Este profissional deve ser sensível à existência desse
universo feminino com características e demandas específicas. Embora
haja uma resposta cultural das mulheres para cuidar dos idosos, deve-
mos garantir o cuidado não só do ancião dependente, mas também da
mulher cuidadora. Este aparente jogo de palavras um pouco sutil ad-
quire uma importante dimensão quando se pensa na promoção da igual-
dade. Trata-se de encarar a mulher não só como instrumento de con-
tinuidade do cuidado mas também como sujeito no processo de cuidar,
com necessidades e capacidades para alcançar seu bem-estar que de-
vem ser potencializadas por meio de ações preventivas.
Como enfermeira da área gerontológica, considero necessário o
reconhecimento da transcendência social dessas mulheres cuidadoras,
que possibilitem a recuperação e a manutenção da saúde de seu fami-
liar ao mesmo tempo que cobrem a lacuna deixada pelo Estado no que
se refere à atenção à terceira idade. Não é segredo que no Brasil os
serviços públicos de saúde são precários e em geral escassos, marcados
pela má qualidade técnica (NERI, 1993). Alguns cuidadores familiares
queixam-se do pouco ou nenhum treinamento para cuidar de seu fa-
miliar em casa, das poucas informações sobre a doença, sobre os cuida-
dos a serem tomados e até sobre as entidades nas quais devem conti-
110 Igualdade de oportunidades para as mulheres

nuar o tratamento (VELASQUEZ et al., 1998). As condições para o exer-


cício do cuidado são ainda mais dificultadas pelas políticas de saúde
adotadas pelo governo brasileiro, que vem passando a função social do
Estado para as mãos privadas, transformando a saúde em bem de con-
sumo. Esta tendência significa o vínculo entre capacidade econômica
e acesso a serviços de saúde, de forma que os setores pobres ficam mar-
ginalizados. Um novo discurso está sendo formado no seio das institui-
ções privadas para diminuição de custos e aumento de ganhos: o aten-
dimento dos doentes em casa. Esta iniciativa poderia ser positiva se o
país tivesse um verdadeiro suporte institucional ou redes de apoio para
a família que se responsabiliza pelo cuidado em casa.
Uma proposta para a promoção da igualdade de condições para
as mulheres cuidadoras dos idosos dependentes no Brasil deve levar
em consideração as várias facetas desta realidade social, o que exige
elaborar novas políticas públicas na área trabalhista e de saúde. Em
países da Europa e nos Estados Unidos, há duas décadas se vêm fa-
zendo investimentos sociais para a construção e manutenção de re-
des de apoio, sejam de atenção direta ao idoso sejam de apoio a fami-
liares, voluntários ou profissionais encarregados de ampará-los
(HAGESTAD, 1990). As novas políticas que venham a favorecer o cui-
dado dos idosos fragilizados e seus cuidadores devem ser pensadas
em serviços primários, secundários e terciários. Os primeiros incluem
moradia, manutenção da casa, sustento, segurança, cuidado pessoal
e cuidado com a saúde em casa. Os serviços secundários incluem
transporte, apoio psicológico, oferta de atividades sociais e recretativas,
apoio espiritual, proteção e formas para mediações burocráticas. Os
serviços terciários poderiam atender as demandas para o crescimen-
to e desenvolvimento dos idosos (CICIRELLI, 1993, apud SILVA; NERI,
1993).
Enquanto a dinâmica social permite o desenvolvimento dessas
novas políticas, a busca de alternativas que promovam a eqüidade para
as mulheres cuidadoras podem estar sendo projetadas em programas
de intervenção, sejam de aconselhamento familiar, grupos de apoio ou
serviços comunitários. A proposta de intervenção que desenvolvo nes-
te projeto é de apoio aos(às) cuidadores(as) por meio de um programa
chamado “Cuidando-me para poder cuidar”, no qual a mulher cuidadora
e o idoso são os focos de promoção e prevenção da saúde. Simultanea-
Revelando o oculto cuidar de pessoas idosas: uma proposta para a... 111

mente ao programa, proponho a realização de atividades de pesquisa


que permitam gerar evidência empírica, a fim de tornar público o papel
da mulher cuidadora do idoso dependente e articular ações que pro-
movam condições favoráveis para que ela possa desempenhar seu pa-
pel, sendo considerada como agente de seu próprio cuidado e trans-
cendendo a idéia de “elemento” para a continuidade do tratamento do
familiar dependente.

1.2. Os cuidadores no Brasil


No Brasil, talvez por razões culturais ou históricas, cuidar de
pessoas dependentes é uma tarefa que se realiza na esfera privada,
sem visibilidade pública (KARSH, 1998). São escassos os estudos na-
cionais sobre este tema, de forma que há poucos dados empíricos que
sirvam de base para políticas e programas de apoio aos(às) cuidado-
res(as). O envelhecimento da população brasileira apenas começa a
ser um fenômeno social evidente. Cresce a demanda por serviços
especializados em geriatria e gerontologia, mostrando que há poucos
profissionais formalmente educados para proporcionar atenção às
demandas específicas desta idade.
Um estudo preliminar realizado na Clínica Médica de um
Hospital Universitário na cidade de São Paulo por López et al. (1998),
com 17 cuidadores(as), mostrou que 94% deles são mulheres, sendo
esposas, filhas ou netas que assumem o cuidado principal do idoso
dependente. Para estas mulheres, cuidar do familiar idoso é um dever
moral, uma retribuição geracional que estão dispostas a assumir. Mas,
quando inquiridas sobre seu preparo para satisfazer as demandas do
cuidado, relatam ter dificuldades e sentir necessidade de ajuda.
Algumas formas de preparar os(as) cuidadores(as) ocorrem por
meio de programas. De acordo com Dias et al. (1993), os programas
existentes para cuidadores podem ser divididos em três tipos: de edu-
cação, de treinamento e de ajuda mútua ou de serviços de coordena-
ção formal. Nestes programas, tenta-se dar uma resposta aos proble-
mas enfrentados pelos(as) cuidadores(as) em termos de dificuldades
econômicas e emocionais, de garantir a atenção às atividades sociais
e o estresse gerado pelos níveis de incapacidade de seus familiares
(DIAS et al., 1993; SULLIMAN; STERNBERG, 1998).
112 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Biewgel (1984) apresenta algumas experiências de educação e


treinamento realizadas com o programa “Cares”, do Centro de Estudos
do Envelhecimento da Universidade de New York. Os objetivos desse
programa eram reduzir o estresse e aperfeiçoar a competência dos cui-
dadores por meio de educação e treinamento específico sobre como
lidar com traumas e manter um ambiente seguro. Foram realizadas 13
reuniões mensais, com duas horas de duração e uma média de 30 par-
ticipantes. Outro programa com objetivos similares foi desenvolvido
pela Escola de Serviço Social da Universidade de Lousiana. A partici-
pação foi menor e a freqüência, imprevisível, devido às dificuldades
enfrentadas pelos(as) cuidadores(as) para comparecer às reuniões. O
Centro Gerontológico da Universidade de Pensilvânia, o Serviço de
Extensão do Estado e o Instituto de Gerontologia da Universidade de
Michigan utilizaram cartilhas como estratégia educativa em seus pro-
gramas.
Em 1993, no Brasil, o Setor de Geriatria e Gerontologia e de
Estudos do Envelhecimento da Escola Paulista de Medicina desenvol-
veu um programa educativo multiprofissional com cuidadores de pes-
soas idosas. As limitações encontradas nesta experiência já haviam sido
assinaladas em outros estudos. Primeiro, falta de serviços de apoio que
possibilitem a participação do cuidador e falta de outra pessoa para
cuidar da pessoa idosa enquanto o(a) cuidador(a) participa do progra-
ma. Segundo, desequilíbrio entre atividades de treinamento e outras,
que permitam resgatar as experiências e sentimentos do cuidar (DIAS,
1993).

2. Delineando a proposta
O contexto descrito e a realização do Curso de “Formacão de
Agentes para a Igualdade de Oportunidades para as Mulheres” levou-
me a refletir sobre as características que deveria ter um programa para
cuidadores(as) familiares de idosos(as) dependentes na área da Clínica
Médica de um hospital universitário da cidade de São Paulo, sabendo
que essa atividade é tipicamente realizada por mulheres. A proposta
consta de duas partes ligadas entre si (Figura 1). A primeira parte trata
do planejamento de um programa de cuidadores(as) denominado “Cui-
dando-me para poder cuidar”, a ser realizado antes e depois da alta
Revelando o oculto cuidar de pessoas idosas: uma proposta para a... 113

hospitalar do idoso dependente. Neste programa, diferentemente de


outros dirigidos a cuidadores, existe a preocupação com a saúde tanto
do idoso debilitado quanto da pessoa que oferece seu cuidado. O pro-
grama promove espaços nos quais as mulheres podem expressar seus
sentimentos e necessidades, além de receber treinamento para a aten-
ção de seu familiar dependente. A mulher cuidadora deixa de ser um
mero instrumento para garantir a continuidade do cuidado ao idoso e
passa a ser sujeito ativo no processo de cuidar, sendo de responsabili-
dade do profissional de saúde oferecer apoio a este binômio cuidadora-
idoso. A segunda parte da proposta é tornar visível o papel oculto des-
tas mulheres cuidadoras. A evidência empírica é uma das melhores
formas de mostrar quem são essas cuidadoras. Para isso, o programa
“Cuidando-me para poder cuidar” será fonte de investigação, da qual
serão extraídas informações sistemáticas que permitam analisar as difi-
culdades e facilidades que as cuidadoras encontram em termos pes-
soais, familiares e sociais e também compreender como uma equipe
multidisciplinar responde a esse tipo de trabalho. Por fim, pretende-se,
com a divulgação dos resultados, chamar a atenção da comunidade
acadêmica e a sociedade em geral para desenvolver novas estratégias
de intervenção e políticas sociais que favoreçam o bem-estar do idoso
dependente e da cuidadora.

Figura 1. Delineando a proposta

Sistematização da
Programa para
informação
cuidadores encontrada durante o
programa
“Cuidando-me para
poder cuidar” Análise desta
informação
Suporte efetivo
para as mulheres Divulgação no meio
acadêmico, Elaboração de novas
institucional e estratégias
político

Revelar o trabalho oculto da mulher cuidadora e a


promoção da igualdade de condições
114 Igualdade de oportunidades para as mulheres

2.1. Primeira parte: o programa


O título “Cuidando-me para poder cuidar” reflete o espírito
do programa. É dirigido aos(às) cuidadores(as) familiares das pes-
soas idosas que têm algum grau de dependência nas atividades coti-
dianas ou instrumentais. O programa é constituído por dois mo-
mentos: antes e depois da alta hospitalar.
Neste programa “Cuidando-me para poder cuidar”, conside-
ro o cuidado/cuidar como um atributo humano essencial para a so-
brevivência, crescimento e desenvolvimento, expressando caracte-
rísticas peculiares articuladas à dimensão tempo-espaço. Este
fenômeno, cuidado/cuidar, está relacionado com a assistência ou
apoio proporcionado por outro indivíduo ou grupo, para atender ou
antecipar as necessidades físicas, psicológicas ou sociais que permi-
tam recuperar ou melhorar a condição humana. Compreendo que
o cuidado é dinâmico e intersubjetivo. Portanto, cuidadores e ido-
sos cuidados têm uma história de vida, costumes, crenças, valores e
hábitos às vezes partilhados (LEININGER, 1991; OREM, 1985).
O(a) cuidador(a) e o idoso estão ligados por um contexto
social e cultural específico no qual construíram símbolos e laços de
significados que orientam sua visão de mundo e a maneira como
agem (COLLIÉRRE, 1989; GUEDES, 1994; VELHO, 1994). Como profis-
sional, sinto-me na necessidade de compreender estas formas de
construção social do cuidado para poder atender às verdadeiras
necessidades do grupo.

Objetivo geral
Oferecer subsídios ao(à) cuidador(a) familiar do idoso depen-
dente para cuidar de si mesmo e de seu familiar.

Objetivos específicos
n Antes da alta hospitalar
Promover espaços grupais nos quais os(as) cuidadores(as) dos
idosos reflitam sobre o papel que assumem, trocando experiências,
angústias e dúvidas sobre ele.
Orientar e treinar os(as) cuidadores(as) sobre formas de aten-
der as próprias necessidades e aquelas da pessoa idosa.
Revelando o oculto cuidar de pessoas idosas: uma proposta para a... 115

n Depois da alta hospitalar


Promover um grupo de ajuda mútua no qual os(as) cuida-
dores(as) possam trocar experiências sobre o cuidado domiciliar, ex-
pressar seus sentimentos, receber treinamento e orientações em ter-
mos educativos que lhes possibilitem ser agentes de cuidado para si
mesmos e para seu grupo familiar.

Estratégias
n Antes da alta hospitalar
Realizar duas reuniões, durante a semana, com 50 minutos de
duração cada, com os(as) cuidadores(as) das pessoas idosas que têm
alta programada.
Na primeira reunião, pretende-se estabelecer um vínculo com
os cuidadores(as). Explica-se o objetivo do trabalho e, por meio de
dinâmicas de grupo, abrem-se espaços para favorecer a verbalização
de sentimentos e expectativas. Ao fim da reunião, as cuidadoras po-
derão perceber nosso interesse real por elas e seu familiar.
Na segunda reunião começam as orientações sobre cuidados
físicos e estratégias para promover o bem-estar psicológico e social do
idoso e da cuidadora. (O treinamento específico, como manipulação
de sondas e traqueostomia, entre outros, será realizado pelas enfer-
meiras do serviço de forma individual, em outros momentos). Faz-se
o convite para participação no grupo de ajuda mútua.

n Depois da alta hospitalar


O grupo de ajuda mútua inicialmente realizará 5 encontros
quinzenais de 90 minutos, nos quais serão alcançados os objetivos
previstos para esta fase. A proposta é levantar na primeira sessão as
necessidades do grupo para planejar os outros encontros. Serão pro-
postos temas de discussão, como: necessidades de cuidado da pessoa
idosa e do cuidador(a); estratégias de adaptação do cuidado de acor-
do com a realidade; vantagens e desafios de cuidar de outra pessoa e
de si mesmo; desafios para a família como cuidadora. Os temas pro-
postos, assim como as necessidades do grupo, devem ser abordados
de forma participativa, de modo que cada pessoa possa expressar o
que sabe, acredita, pensa e sente. Trata-se de construir um suporte
interativo e não do usual exercício de poder.
116 Igualdade de oportunidades para as mulheres

A responsabilidade do programa
Esta proposta inicialmente será desenvolvida por uma enfer-
meira com conhecimentos da área gerontológica. O programa pode
ser executado por uma equipe multidisciplinar: enfermeiras, médi-
cos, nutricionistas, terapeutas, assistentes sociais treinados para o tra-
balho gerontológico.

2.2. Segunda parte: A pesquisa


1. É preciso avaliar antecipadamente as condições de saúde
dos idosos e manter um acompanhamento do trabalho realizado com
os cuidadores tanto no programa quanto nas atividaes com o pessoal
de serviço. Propõe-se elaborar uma ficha com os seguintes dados:
– do paciente: identificação, diagnóstico médico, problemas
principais, discriminando aspectos físicos, mentais e sociais e a per-
cepção que o idoso tem sobre sua saúde e a alta hospitalar;
– do(da) cuidador(a): identificação, percepção sobre a alta hos-
pitalar de seu familiar (dificuldades) e rede de apoio (outras pessoas
comprometidas com o cuidado e o tempo disponível). A ficha deve
permitir o registro de todas as atividades, tanto grupais quanto indi-
viduais, e nela é também anotado o tipo de atividade realizada ou o
tema tratado e observações sobre a cuidadora, como capacidade de
assimilar informações e atitudes diante do cuidar de si e de seu fami-
liar, entre outras.
2. Os encontros grupais tanto antes quanto depois da alta hos-
pitalar devem ser registrados num caderno. No registro devem cons-
tar número de participantes, dificuldades e facilidades encontradas
no trabalho de cuidar, sentimentos verbalizados pelas cuidadoras, tipo
de metodologia abordada, maneira como se desenvolveu a reunião e
a avaliação final realizada tanto pelos participantes quanto pela res-
ponsável pelo programa.
3. É importante manter registro sobre a resposta de outros pro-
fissionais para participar do trabalho com o grupo.
Posteriormente, esta informação deve ser sistematizada e ana-
lisada, de forma a gerar estatísticas e relatórios institucionais e arti-
gos científicos que possam chamar a atenção da comunidade acadê-
Revelando o oculto cuidar de pessoas idosas: uma proposta para a... 117

mica para a necessidade de empreender iniciativas semelhantes que


cheguem a influir nos delineamentos de políticas sociais para favore-
cer o bem-estar da mulher cuidadora e do idoso dependente. Consi-
dero que esta proposta favorece a promoção da igualdade de gênero e
possibilita revelar o trabalho oculto das mulheres cuidadoras.

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Igualdade na diferença: superando as falsas barreiras à sexualidade... 119

3 CAPÍTULO
A igualdade na diferença
Igualdade na diferença: superando as falsas barreiras à sexualidade... 121

IGUALDADE NA DIFERENÇA: SUPERANDO AS FALSAS


BARREIRAS À SEXUALIDADE DE MULHERES
PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA

Célia C. Leão Edelmuth

I. Introdução
O Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero
– NEMGE, da Universidade de São Paulo, em sua programação, aca-
ba de desenvolver o Curso de Formação de Agentes para Promo-
ver a Igualdade de Oportunidades Para Mulher.
Coube-nos o desenvolvimento do tema presente, de forma su-
cinta, mas, no entanto, com forte intenção de que os resultados de
nossa explanação sejam objetivos e eficazes, concluindo com a apre-
sentação de algumas propostas de orientação, encaminhamento e in-
clusão de pessoas-alvo, e em paralelo com a apresentação de um Pro-
jeto de Lei sobre este assunto, que julgamos da maior importância.
Nele, vamos tentar obter mais uma conquista para a mulher
portadora de deficiência, criando serviços novos incorporados aos já
existentes, no intuito de libertar um pouco mais, no aspecto da se-
xualidade, a mulher portadora de deficiência, quebrando outras “bar-
reiras” e conscientizando-a para a igualdade, dentro das diferenças
que a ela são impostas, por sua própria condição física, sensorial ou
mental.
Uma mulher pode ser alta ou baixa, gorda ou magra, com mais
ou menos escolaridade, branca, negra, amarela ou mulata; pode ser
solteira, casada ou separada; pode ser mãe, pode ser o que ela desejar.
A única coisa que ela não pode é perder a sua condição de mulher,
por qualquer diferença que ela venha a ter.
122 Igualdade de oportunidades para as mulheres

O ser humano, na cadeia biológica, é definido como “animal


racional” e como tal tem seus instintos, desejos e sonhos. Mesmo
tendo a possibilidade no discernimento e raciocínio, não podemos
negar os impulsos e vontades. Nada disto pode ser negado.
A mulher, desde menina, incorpora, não somente nos seus
gestos, mas nas situações da vida, coisas que ela vai armando e cons-
truindo o tempo todo, seu castelo de sonhos, e idealizando caminhos
para alcançar seus objetivos.
Quando se vê mulher portadora de deficiência, o primeiro sen-
timento ou a primeira constatação que se tem é de que como mulher
terá de conviver e encontrar algumas alternativas diferentes para poder
participar da sociedade, e isto está correto. O equívoco está em pen-
sar que, porque esta mulher portadora de deficiência precisa de uma
atenção diferenciada, seus valores são diminuídos, sua competência
é limitada, seus desejos são irrelevantes e suas vontades podem ser
desprezadas.
Essa visão errônea devemos erradicar do nosso convívio, do
nosso meio, da nossa sociedade.
Temos que resgatar, contradizer e combater os preconceitos
que se impõem à mulher portadora de deficiência, que, no fundo tem
todas as disposições e desejos de uma pessoa sem deficiência. Deve
ela, sim, colocar em prática sua sexualidade, descobrindo formas de
ser feliz e viver com liberdade.

II. Antecedentes históricos


A história da pessoa portadora de deficiência (PPD) se con-
funde com a história da humanidade, pois, desde sempre, desde o
aparecimento dos primeiros homens, lesões de toda ordem modifica-
ram a constituição física, sensorial ou mental do ser humano.
Muito provavelmente, a quantidade de PPDs, antigamente,
era maior que nos dias de hoje, pois, a falta de tratamento, cirurgias,
equipamentos, antibióticos e outros medicamentos fazia com que as
pessoas em geral e especialmente aquelas com maiores dificuldades
com infecções, traumatismos e lesões, que eram as pessoas portado-
ras de deficiência, sucumbissem.
Igualdade na diferença: superando as falsas barreiras à sexualidade... 123

Lembrar ainda que automóveis, armas de fogo, divertimentos


arrojados e perigosos e outras tantas situações, que podem permitir,
com maior facilidade, acidentes, hoje existem em maior quantidade.
E o avanço da tecnologia, que importante se faz numa sociedade,
pois contribui com o desenvolvimento, deve ser tratado com cautela,
em muitas situações, evitando atitudes perigosas.
Ainda devemos levar em conta que a densidade populacional
também era outra. Mas, com mais ou menos Pessoas Portadoras de
Deficiência em nossa sociedade, isso não muda ou diminui a preocu-
pação e responsabilidade com a causa e a história de vida dessas pes-
soas que, além de ser escrita, tem que ser encaminhada.
Em qualquer estudo de PPDs, é fundamental o reconhecimen-
to de que pessoa portadora de deficiência é, em primeiro lugar, um
ser humano e, depois, é portadora de uma deficiência que afeta al-
guns, mas, raramente, todos os aspectos de seu comportamento.
Uma das definições apropriadas que podemos dar é: Pessoa
Portadora de Deficiência é o indivíduo que apresenta, em certo grau,
uma insuficiência mental, motora ou sensorial, com caráter habitual,
com cronicidade e persistência de alteração da vida.
Quando falamos em indivíduo, consideramos a pessoa huma-
na em suas características particulares, independente da questão de
gênero.
É razoável imaginar que, como mulher ou homem portador de
deficiência, no transcorrer da vida, os problemas e situações encon-
trados são os mesmos; num primeiro momento pode, além de pare-
cer, de fato, ter questões e orientações semelhantes para ambos. Mas
garantindo, literalmente, a individualidade referida, não podemos
perder de vista a realidade na história da humanidade, do indivíduo,
enquanto homem e enquanto mulher, enfatizando a cultura e educa-
ção apregoada no grupo social.

III. Análise da situação atual


Quando se fala em igualdade de oportunidades das mulheres,
implicitamente, estamos falando em relação aos homens. É esta a
primeira idéia do Curso e do presente Projeto. Talvez, pudéssemos
124 Igualdade de oportunidades para as mulheres

aproveitar para fazer esse estudo mais abrangente e na questão do ho-


mem portador de deficiência também discutir e inserir a igualdade de
oportunidades. Mas, talvez, pela primeira vez, estejamos frente a uma
situação inusitada, onde buscamos a igualdade das mulheres portado-
ras de deficiência, com as demais mulheres. É diferente e interessante,
pois traz uma nova visão de igualdade de oportunidades.
Não estamos nos furtando a nos ocupar com os problemas, e
eles existem, com relação aos homens portadores de deficiências. São
homens de todos os tipos, raças e etnias que, com certeza, têm ficado à
margem, na vida e na conquista de seus direitos mais pessoais, como é
o caso da sexualidade.
O machismo é marcado pela virilidade. As modificações físicas
chegando até à impotência, advindas de vários tipos de paralisias, tra-
zem ao homem o abismo de suas potencialidades.
Reconhecemos a necessidade e importância de aprofundar esta
questão e oportunamente isto poderá ser feito. Mas gostaríamos de,
neste primeiro projeto proposto, nos atermos às questões das mulheres
portadoras de deficiência.
Com suas características pessoais e peculiaridades masculinas,
sabemos que, se por um lado a deficiência atinge fortemente o símbolo
de sexualidade do homem, somado aos problemas reais e sérios exis-
tentes, físicos, biológicos, psíquicos e estruturais, por outro, o homem e
também o portador de deficiência, não foge à regra. Em questões de
sexo e sexualidade, com maior desenvoltura, menos preconceito e me-
nos vergonha, o homem aborda e arrisca mais nessa área.
Muito do que aqui será escrito, debatido e proposto, por certo
servirá também aos homens portadores de deficiência.
É recente, um trabalho e pesquisa que foi feito, onde encontra-
mos duas mulheres portadoras de deficiência, ambas com a mesma idade
cronológica, mesmo tempo de deficiência e a mesma deficiência. Uma
situação bastante semelhante, onde a condição socioeconômica apre-
sentava alguma variação, o apoio familiar também mostrou ser dife-
rente, e o nível de informação, de recursos que poderiam ser utilizados,
para uma delas, pouco ou quase nada chegou.
Concluímos que: aquela orientada tem hoje uma vida comum,
aprendeu a viver e bem com sua deficiência, constituiu sua família,
Igualdade na diferença: superando as falsas barreiras à sexualidade... 125

organizou seus estudos e seu trabalho, e readquiriu seus amigos e seu


convívio social; a outra, vive ou sobrevive num leito, precisando de
cuidados especiais até para as coisas mais simples, como tomar um
banho. Isto reforça a necessidade de se aprofundar nesta matéria,
para provocar e despertar novas maneiras de fazer diferente as mes-
mas coisas que alguém sem deficiência faz em seu dia-a-dia.
Por mais que nos esforcemos em conhecer com maiores deta-
lhes toda a história ou a possível, da trajetória das PPD ou das mu-
lheres PPD ao longo do tempo, temos que nos concentrar na situa-
ção atual em que vivem as milhares de mulheres portadoras de
deficiência, hoje na nossa sociedade.
Poderíamos e até deveríamos, com mais prudência e atenção,
fazer uma análise abrangente, enfocando as mulheres portadoras de
deficiência de toda a América Latina. Por certo, não nos causaria
nenhum espanto constatar que os problemas, preconceitos e discri-
minações encontradas em toda essa grande América, reproduziriam,
quase como cópia fiel, a realidade do estado de São Paulo.
Com esta afirmativa, podemos até ser cobradas; por que não
aproveitamos a oportunidade para abranger este projeto? Isto não
significa que num momento oportuno não possamos ampliar esta dis-
cussão e alcançar grupos de mulheres que pela geografia, encontram-
se mais distantes; mas cabe a nós, neste momento, trabalhar a ques-
tão local para encontrar mecanismos que possam atender essa gama
de pessoas. Neste sentido vale a pena lembrar uma máxima moderna
“Pensar globalmente, agir localmente”.
É sabido, segundo estimativa da ONU, que 10% da população
mundial é formada por PPDs e na projeção que temos da composição
da nossa sociedade, é possível imaginar que o número de mulheres
PPDs, mesmo não sendo superior ao dos homens, e não temos esta
certeza, é bastante significativo e, portanto, é um tema que merece
atenção de todos, especialmente dos poderes públicos.
São mulheres de todos os tipos e, acompanhando a composi-
ção da sociedade, elas estão distribuídas quanto à raça, cor, religião,
condição socioeconômica e classe social. De qualquer forma, vale a
pena ressaltar que, assim como na composição da sociedade, a maio-
ria das mulheres portadoras de deficiência são da chamada classe
média, média baixa e a totalmente carente.
126 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Isto é fácil de entender, uma vez que os agentes causadores ou


colaboradores para a existência e surgimento de novos PPDs são a
falta de orientação quanto à saúde, gravidez, parto, pós-parto; falta
de acompanhamento médico em várias situações; acidentes domés-
ticos por falta da presença, na casa, do responsável pela família ou
pelas crianças; a violência doméstica ou mesmo a violência nas ruas,
hoje instalada em todas as localidades, mas não se pode negar o au-
mento e concentração nos bairros mais pobres e menos assistidos.

IV. Diagnósticos
Com estes indicadores, é preciso agora pensar as conseqüências,
e seqüelas que acometem individualmente cada uma dessas mulheres,
desde sua primeira fase de vida; passando pela infância; chegando à
adolescência e atingindo, apesar de todas as dificuldades, a maternida-
de; e com sorte, acompanhamento e políticas públicas garantidas à sua
maturidade plena, ou seja, na condição de pessoa idosa.
Com estas rápidas considerações, vamos encontrar todo tipo
de seqüelas ou diferenças, tais como: mulheres amputadas, parcial ou
totalmente, de diversos membros ou de todos; mulheres com polio-
mielite; mulheres paraplégicas, tetraplégicas, hemiplégicas; mulhe-
res com paralisia cerebral, com deficiência auditiva; deficiência vi-
sual ou com visão sub normal; com comprometimento mental;
queimadas; ostomizadas; hansenianas; enfim, um número muito gran-
de das diversas deficiências existentes.
É rápida e lógica uma das primeiras conclusões a que se pode
pretender chegar, de que todas estas mulheres, cada uma na sua es-
pecificidade, fazem uso de algum material ou equipamento, para sua
manutenção e apoio às suas necessidades. São órteses, próteses, ca-
deiras de rodas, muletas, bengalas, bolsas coletoras, fraldas, e ainda
tantos outros para amenizar e tentar proporcionar uma vida mais fá-
cil e possível a todas elas que têm direito a esta vida.
As mulheres possuem um aspecto marcante, e discutível, que
as diferencia, em alguns aspectos, da maioria dos homens: além da
sensibilidade, emotividade e algumas fragilidades, elas primam pela
beleza, por vaidades físicas que deveriam, na verdade, valer para os
homens.
Igualdade na diferença: superando as falsas barreiras à sexualidade... 127

Portanto, não dá para negar que as modificações físicas e equi-


pamentos que se acoplam àquelas que portam alguma deficiência mo-
dificam e enfeiam sua imagem, isto considerando os padrões de bele-
za estabelecidos pela sociedade.
Essas diferenças atingem, não só as mulheres que necessitam
desses aparatos, como também a sociedade como um todo, que con-
funde necessidade com diminuição de capacidade, competência, de-
sejos, vontades e direito de se completarem.
Não fica dúvida a ninguém de que todos os equipamentos, ou
a própria situação física ou sensorial dessas mulheres, normalmente
modificam o seu visual e seu aspecto e, com isto, os problemas, além
de serem mais visíveis, tornam-se problemas para se administrar, para
serem digeridos, compreendidos, assimilados e contornados nos limi-
tes das possibilidades da tecnologia e da ciência.
Vamos fazer uma breve, porém, real análise do que é uma mu-
lher, ser, estar e viver o dia-a-dia, toda vida, ou grande parte dela,
acompanhada por uma deficiência.
É bom lembrar que a deficiência não é a melhor coisa do mun-
do, mas também não é a pior. É preciso ter mecanismos para facilitar
a vida dessa mulher.
A deficiência pode tornar-se maior ou menor, dependendo do
parâmetro a ser comparado. Basta lembrar da autora Luiza Câmera,
que com sua obra: Não se cria filho com as pernas, nos deixa clara a
possibilidade de ser mãe, com mais ou menos deficiência.
Temos inúmeros exemplos de pessoas que chegaram à fama e
de anônimas que superaram ou somaram à sua vida a deficiência como
um departamento a mais.
Normalmente, o que se faz em pé, pode-se fazer sentada; o que
se faz ouvindo, pode-se fazer sem escutar; o que se faz tendo pernas e
braços, pode-se fazer sem alguns deles. Logicamente, que o bom sen-
so, razão e inteligência, nos levam a saber que é preciso ter mecanis-
mos, apoios e equipamentos compensatórios para isto.
É preciso ainda analisar capacidade com seu significado literal
que consiste na qualidade que a pessoa tem de satisfazer e realizar
algo para determinado fim.
Um pianista precisa ter dedos e ouvidos. Um engenheiro não
precisa andar. Um profissional de informática não precisa falar. Pode-
128 Igualdade de oportunidades para as mulheres

se esquiar na neve sem pernas. Pintar quadros sem mãos e até pés.
Gerenciam-se empresas de todo porte, com a cabeça. Para amar não
é preciso todo o corpo. Enfim, traçar um paralelo entre condição físi-
ca, sensorial e mental, com capacidade e competência de uma pes-
soa, é uma análise perigosa com grandes probabilidades de erro por
parte de quem a fizer se não for feito um paralelo com a finalidade
desejada. O “para o que” é importante e, para a vida, para viver, tudo
sempre é possível.
Uma pessoa tetraplégica, com quase nenhuma motricidade,
pode ser mais ágil do que mesmo alguém normal, dependendo para
que atividade ela estiver se especializando. Isto não é força de ex-
pressão e nem figurativo, mas sim, constatado na prática do dia-a-
dia, por quem convive com essa realidade.
Capacidade não está em pernas, braços, olhos, ouvidos, mas
na força e ideal que a pessoa se propõe a desenvolver com apoio e
orientação externa.
Não se pode e nem se quer camuflar as diferenças e dificuldades
que cada tipo de deficiência traz; no banho; no trocar de roupas; nos
cuidados pessoais em geral; na arrumação da casa; na disposição dos
móveis e ambientes no local de trabalho e moradia; no transporte, seja
público ou particular; no esporte; no lazer; no sexo; numa gravidez;
num parto; enfim, em qualquer situação comum vivida por uma pes-
soa, que tenha uma deficiência. Mas também, é preciso valorizar a ca-
pacidade que cada pessoa deficiente tem e pode desenvolver.
Com isto, além de ser feita a promoção humana, organiza-se
melhor a sociedade, onera-se menos a família e o poder público, e no
limite, garante-se mais independência a quem precisa de mais apoio.
É bom para todos.
Discorrer sobre este tema, mais do que um estudo aprofunda-
do e necessário, é um misto de emoção e desejo de se encontrar alter-
nativas para proporcionar a milhares de mulheres o direito de ser
mulher.
É importante ter em mente que o preconceito e a discrimina-
ção são comportamentos não parciais. Aquele que discrimina um,
discrimina todos.
O conceito de inclusão é holístico e, como visão global e por
inteiro, só pode ser absorvido e trabalhado em conjunto, porque se
Igualdade na diferença: superando as falsas barreiras à sexualidade... 129

trata do ser humano como um todo, suas diferenças e semelhanças,


que lhes permitam CONVIVER socialmente.
Isso implica em crescimento e desenvolvimento humano e pes-
soal, na direção da tolerância, da aceitação do outro, da solidarieda-
de e por fim, da cooperação.

V. Constatação do problema
À toda causa corresponde um efeito, à toda ação, uma reação,
à todo problema, pelo menos em tese, uma solução. Mas aqui não
podemos falar somente em hipótese. Temos que, além de detectar o
problema, esforçarmo-nos e forçarmos a sociedade como um todo, as
instituições mais diversas e os organismos públicos, a encontrar uma
solução, até porque ela existe.
Quando falamos de sexualidade é bom frisar que isto vai desde
o passeio na praça, a paquera no baile, a conquista no barzinho, o
desfile na praia, até a prática do sexo, nos seus limites e criatividade.
Muito diferente da definição de sexualidade de décadas passadas que
caracterizava partes do corpo humano.
Quando deparamos com uma mulher portadora de deficiên-
cia, a primeira coisa que normalmente vem à mente são suas limita-
ções, sofrimentos e a tristeza que tudo isto pode estar lhe causando.
Grande engano, grande equívoco, pois limitação física, sensorial ou
mental, não é sinônimo de desalento ou derrota. É preciso enxergar
esta questão dentro de uma análise de limitação do ser humano, que
foi constituído de carne, osso, músculos e nervos e tudo isto passível
de machucaduras, transformações e limitações.
Uma vez a mulher vista desta forma, ela poderá ser, além de
respeitada, considerada como mulher em todos seus aspectos.
Este tema, ainda envolto em preconceito, precisa ser desmisti-
ficado.
A paralisia nas pernas de uma mulher não é empecilho para a
prática do sexo. Se ela, através de movimentos voluntários, não con-
segue abrir suas pernas, ela, com suas próprias mãos, ou o seu parcei-
ro faz isto. Se sua sensibilidade é comprometida, acham-se formas e
partes do corpo, onde ela possa sentir prazer. Isto não é privilégio de
130 Igualdade de oportunidades para as mulheres

mulheres esculpidas na beleza, segundo os padrões de nossa socieda-


de. Se ela usa prótese de perna, antes do ato, tira a mesma. Se ela não
ouve, os gestos falarão mais alto. Se ela não enxerga, o comum e a
regra é o tato que traz o prazer. Se ela é amputada dos braços, poderá
usar outras partes do corpo para tocar o companheiro. Se ela tem
incontinência urinária, ela aprende a se cuidar, esvaziando a bexiga e
fazendo higiene antes do ato.
Enfim, para todas as situações imagináveis, sempre existe uma
solução. O que não se pode é cercear o direito da vontade de se en-
contrar a melhor forma do prazer.
Transpor as barreiras do sexo, suas possibilidades limitadas,
sempre foi um tabu muito difícil de quebrar, muito mais em se tratan-
do de uma temática voltada à pessoas que, num primeiro momento,
não dispõem de mecanismos comuns para exercê-lo.
Mas é preciso entender que o prazer não se resume ou se limita
ao puro ato da penetração, o que não quer dizer que não possa; aliás,
com certeza pode, deve e, por certo acontece, em todas ou quase
todas as relações sexuais onde estão envolvidas mulheres PPDs.
Assim como em todas as buscas, conquistas e descobertas, é
preciso, em cada caso e, em particular, com cada mulher PPD, desco-
brir onde ela pode se excitar mais e se encontrar com o prazer.
Negar a possibilidade do prazer a uma mulher só porque ela
apresenta uma diferença, ou uma condição física ou sensorial com-
prometida, é negar a ela a possibilidade de experimentar o que a vida
por si oferece.
O prazer é um estado de espírito, é o momento que uma pessoa
se despoja de todo o material e reúne todos os bons fluídos, bons
momentos, boas lembranças, bons sentimentos, e consegue o rela-
cionamento da alma e do corpo. Isto com compreensão e participa-
ção é possível a todos.
A mulher PPD pode e deve se sentir uma verdadeira parceira e
não somente o agente passivo de uma relação.
Este é um tema, assim como tantos outros, inesgotável de dis-
cussões e avaliações, mas já não é sem tempo, aliás com muito atraso,
que ousamos ecoar milhares de vozes e sentimentos, que requer sen-
sibilidade e coragem para ser colocada em pauta.
Igualdade na diferença: superando as falsas barreiras à sexualidade... 131

Não dá para dissociar ou deixar de traçar um paralelo entre


sexualidade e gravidez, e gravidez não é e não pode ser uma fita de
cinema, pelo menos para aquelas que optam pela maternidade. A
gravidez também permite à mulher PPD reafirmar a própria feminili-
dade.
Testemunhos de mulheres PPDs que passaram por gravidez
têm servido como instrumento de conscientização e reavaliação de
conceitos, alguns equivocados e outros criminosos, por serem sim-
plesmente discriminatórios; e a fonte aqui não é o que faria diferen-
ça, pois o que tem que marcar é a constatação de quanto uma mulher
PPD se reafirma como mulher, como quando a ela é dado o direito de
exercer sua condição de gênero e seus desejos. Quando ela diz e afir-
ma: “A possibilidade de estar grávida despertou em mim uma sensa-
ção de alegria intensa, como nunca havia sentido. Uma parte antes
adormecida em mim – espiritual, física e psicológica – começou a
emergir com muita força” (HYLER, 1985: 280) (Cedim – 38).
Na verdade aqui o tempo se confunde com este tema recente-
mente abordado, não sendo ele o mais importante neste momento,
mas para ressaltar que em qualquer época por certo, “o sentimento
de vontade”, em todas elas mulheres mesmo que sufocado e proibi-
do, é o mesmo. Quanto mais somarmos à atualidade, todas as infor-
mações, que pela modernidade de comunicação, nos são permitidas
saber e do que a cada um é possível garantir.
A gravidez, com certeza, pode devolver a confiança que foi
recusada ao próprio corpo portador de deficiência ou igualmente pode
se tornar uma nova fonte de problemas, se a cada momento, à uma
jovem PPD, for repetido e incutido a idéia de que ela não pode ter
filhos. Caso venha a conviver com uma gravidez, por certo irá duvi-
dar da própria capacidade de poder gerar, ter e criar esse filho.
Nesta busca de novo comportamento e nova visão para esta
questão, não se pode abrir mão de envolver os amigos, os pais e os
profissionais de saúde. A eles caberão dar críticas e responder a soli-
citações, criando não somente uma nova visão da questão, mas um
rumo real, prático e palpável, garantindo a essas “diferentes novas
mulheres” o direito de ter, senão o maior prazer, um dos grandes pra-
zeres da vida, o de amar, e ser amada, o de conquistar, e ser conquis-
132 Igualdade de oportunidades para as mulheres

tada, o de ter um companheiro por opção, o de ser mãe por direito e


dádiva da vida.
As relações mais sólidas com os profissionais de saúde exigem
uma espécie de colaboração no sentido de que sejam considerados e
respeitados os conhecimentos da mulher sobre o próprio corpo, suas
dimensões e limites.
Os profissionais que se prestam a colaborar representam uma
ajuda preciosa; infelizmente são raros. Sabemos que muitos médicos
e profissionais da saúde, em geral, sentem grande dificuldade em se
ocupar de mulheres PPDs que, por decisão e coragem, resolvem en-
frentar e assumir a sua condição de mulher, transpondo todas as bar-
reiras, especialmente, as de conceitos ultrapassados e segregadores.
Sexualidade, gravidez, sexo, ainda são temas que assustam e
distanciam aqueles que precisam ser os primeiros e mais próximos
desta questão, como agentes orientadores e asseguradores da vida a
ser exercida em plenitude, mesmo que haja limitações ou deficiên-
cias.
E isto é possível. Para tanto, é preciso haver uma legislação
que consiga assegurar esta necessidade, ter conscientização sobre o
assunto e boa vontade em melhorar a condição pessoal do Ser Hu-
mano.

VI. Plano de ação


Como já dissemos, além dos problemas, é preciso encontrar
caminhos.
Na simplicidade é que encontramos as grandes soluções, por-
tanto. Importante se faz discorrer sobre a teoria que retrata a realida-
de, mas bem necessário e eficiente será propormos decisões e medi-
das que avancem nesta questão do entrosamento e maturidade da
mulher PPD em nossa sociedade.
Quando cobramos que profissionais da área médica não se omi-
tam quanto à orientação das questões de sexualidade às mulheres
PPDs, é importante reconhecer que essa omissão ou desconhecimento
começa nos bancos escolares. Por isso é que propomos:
Igualdade na diferença: superando as falsas barreiras à sexualidade... 133

1) Ao MEC
Que dentro das disciplinas já existentes no currículo universi-
tário, sejam destinados alguns tópicos específicos que abordem a se-
xualidade das PPD, nos cursos de Psicologia, Medicina e Enferma-
gem, esclarecendo as possibilidades das mulheres PPD viverem sua
sexualidade, com orientação e discussão, quebrando assim o precon-
ceito e o tabu, ensinando-as como agir em cada situação.

2) Ao Executivo Municipal – Secretaria da Saúde


As ações devem ser localizadas e direcionadas. Nada pode ser
mais fácil e com melhor resultado do que agir diretamente com a
paciente, no seu local de moradia e junto a sua família. Este trabalho
e projeto deve ser desenvolvido nos Postos de Saúde de cada municí-
pio que, a partir de um levantamento feito por um grupo de assisten-
tes sociais da Administração Pública, junto com a comunidade, Igre-
jas locais e associações de bairro, aonde o posto se localiza, se conheça
o número de mulheres PPD, crianças, adolescentes e adultas que ali
morem, os agentes de saúde e áreas afins passem a dar orientação
mensal, individualmente ou a pequenos grupos de mesma faixa etária,
e acompanhamento no mesmo estilo que se faz a orientação pré-na-
tal e exames rotineiros de cuidados à saúde da mulher.
Com a certeza de que os melhores agentes são, assim como já
dissemos, aqueles ligados à área de saúde ou áreas afins, propomos a
criação de um curso paralelo, “Sexualidade da PPD”. Ele pode ser
ministrado dentro de hospitais e/ou clínicas voltadas ao atendimento
e reabilitação de mulheres PPD, para formação de agentes orientadores
e que façam o acompanhamento do trabalho.
Este projeto indica que cada comunidade e seus organismos
governamentais existentes se responsabilizem, por suas meninas,
moças e mulheres PPD, no sentido de orientá-las, para o caminho
em que elas possam encontrar seu rumo, deixando de ser ônus para o
Estado e sua família, para ser solução e realização a si própria, aos
seus familiares e sua comunidade.

3) Às Organizações Não-Governamentais
Nesta busca de alternativas para atender, num novo conceito,
um segmento significativo da sociedade, temos que incorporar a ação
que vem do 3.º setor.
134 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Inscrita e reconhecida, no âmbito municipal e/ou pelo Conse-


lho Municipal de PPD, que ONGs, com o perfil de promoção huma-
na, assumam o papel de orientação às mulheres PPD, através de um
trabalho sistemático de conscientização das possibilidades delas te-
rem uma vida independente. Por experiências próprias e já vividas,
mostrar que a mulher tem o direito de buscar um tempo e a realiza-
ção desejada para si mesma. Será orientação dada por pessoas que
vivenciam o mesmo problema ou situações semelhantes e que supe-
raram as barreiras, dificuldades e seus limites.
4) Executivo Estadual – Secretaria da Saúde, Educação, Justi-
ça e Cidadania
A elaboração e distribuição de cartilhas populares que, no mo-
mento de sua elaboração, contariam com a participação de um grupo
especializado da área de saúde para a sua operacionalização.
As cartilhas com desenhos e falas simples têm servido, em di-
versas áreas, para clarear e orientar vários temas. No caso da mulher
PPD, poderá ser este um mecanismo a ser desenvolvido no setor pú-
blico, por profissionais especializados, para serem distribuídas em
entidades, instituições, clínicas, hospitais, centros de reabilitação,
igrejas, escolas.... onde se possa alcançar e atingir uma grande parte
das nossas mulheres PPDs.
Nunca é demais lembrar que a palavra convence e o exemplo
arrasta.
Enfim, se aprofundarmos nossas considerações, vamos concluir
que grande parte destas medidas dizem respeito, não só às mulheres
portadoras de deficiência, mas a todos os indivíduos. Se lembrarmos
que o direito à cidadania, à dignidade, ao trabalho, à sexualidade, à
educação, ao lazer e a tantos outros, são direitos que garantem a vida
em plenitude, estaremos em consonância com os Fundamentos da
Democracia para todos os cidadãos e cidadãs.

VII. Conclusão
Não é preciso esforçar-se muito para ouvir que o novo milênio
já chegou, mas é preciso, a cada instante, lembrar que temos a obri-
gação de encontrar caminhos e alternativas para entrar no III Milê-
Igualdade na diferença: superando as falsas barreiras à sexualidade... 135

nio de cabeça erguida e fazendo valer a máxima de que “a cada indi-


víduo, seus deveres correspondem aos seus direitos”.
Esta sociedade está desinformada, medrosa e acomodada com
as situações já instaladas. É preciso coragem, criatividade e responsabi-
lidade para promover mudanças que resultem em novas soluções que
atendam a estes direitos tão antigos mas só agora vistos assim, ou co-
brados por parte de quem tem interesse direto. Quando estes direitos
não são garantidos enterra-se grande e importante fase da vida, quan-
do não toda ela e desejos fundamentais das mulheres de poderem se
realizar como tal.
Pelos exemplos poderemos constatar quão difícil é afirmar e
convencer a sociedade de que uma mulher PPD pode desenvolver e
se envolver com sua sexualidade.
É exatamente isto que temos que resgatar, contradizer e com-
bater para reescrevermos não somente a história mas para por em
prática a vida sexual ativa e seus derivados, nos limites também
contornáveis e impostos a cada um de nós.
Os depoimentos são sempre um exemplo vivido e é um reforço
termos este bem presente: Não são nossas incapacidades, limitações
ou deficiências que se tornam problemas para nós, mulheres PPDs,
mas as barreiras, de toda ordem, erguidas em torno de um mundo
inacessível.
Vivendo a sexualidade e construindo a cidadania: práticas úteis para a... 137

VIVENDO A SEXUALIDADE E CONSTRUINDO A


CIDADANIA: PRÁTICAS ÚTEIS PARA A
SOBREVIVÊNCIA NO TERCEIRO MILÊNIO

Fernanda Lopes

1. Introdução
A proposta de construir, com meninos e meninas em situação
de rua, os conceitos de identidade e sexualidade cidadãs, valorizando
a importância da promoção de estilos de vida associados à saúde,
auto-estima e relações saudáveis com outros sujeitos e com o meio,
surge frente às inúmeras dificuldades que permeiam discussões sobre
saúde e sexualidade, principalmente no início da vida sexual, seja no
espaço familiar (onde reina o silêncio/ignorância) ou no espaço esco-
lar (onde o assunto é abordado de forma superficial e/ou de acordo
com princípios morais/religiosos castradores) e frente à reflexões so-
bre a necessidade imediata da elaboração de estratégias de sobrevi-
vência para estes sujeitos, uma vez que, além do alto índice de meni-
nos e meninas com sintomas de DST e de meninas grávidas, têm sido
comuns os abortos provocados seguidos ou não de morte.

2. Diagnóstico da problemática
Embora a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1975) tenha
referido a adolescência como a etapa da vida, situada entre os 10 e 20
anos, na qual ocorrem as transformações biopsicossociais e econômi-
cas que levam o indivíduo do estado infantil ao adulto, a amplitude
das características econômicas, culturais e históricas e as diversas in-
terpretações dos critérios biológicos, psíquicos e sociais que permei-
am a organização e as relações humanas impossibilitam a adoção de
um conceito padronizado de adolescência.
138 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Do ponto de vista biológico, as mudanças corporais definitivas


(estabelecimento das características sexuais secundárias e maturida-
de sexual) podem apresentar semelhanças, mas aparecem munidas
de diferentes sentidos e significados atribuídos pela cultura, pelo sexo
do sujeito e pelo contexto em que ele vive. Enquanto para as meni-
nas a socialização é mais controlada, passiva, repleta de silêncios/
ignorâncias, os meninos são constantemente convidados a ser ativos
e sem controle (PARKER, 1991; PAIVA, 2000).
Os processos de identificação individual e social e a conquista
da independência emocional e econômica (separação progressiva dos
pais, inserção no mercado de trabalho e integração/aceitação social)
são extremamente diferentes tanto do ponto de vista socioeconômico
quanto de gênero.
Nota-se que a delimitação e a expansão da infância e da ado-
lescência são mais facilmente expressas quanto mais e melhores fo-
rem os recursos econômico-financeiros e sociais do grupo/sujeito em
questão: enquanto homens e mulheres de classe média são mantidos
na escola até no mínimo os 24 anos de idade (quando, normalmente,
completam o nível superior de ensino), sujeitos pertencentes aos seg-
mentos menos favorecidos deixam os bancos escolares precocemen-
te (por volta de 13-14 anos de idade), sem, muitas vezes, completar o
ensino fundamental. Neste momento, enquanto o(a) jovem de 24
anos busca utilizar seus “recursos profissionais” para inserção no mer-
cado de trabalho, o adolescente pobre, de 14 anos, mais comumente
do sexo masculino, busca inserir-se no mercado munido de seu
“despreparo profissional” quase que inerente à sua condição econô-
mica ou de raça/etnia (SCHOR, 1995; DOMINGUES, 1997).
A descoberta do interesse afetivo-sexual pelo(a) outro(a) aca-
ba constituindo-se num dos principais determinantes das inúmeras
contestações e conturbações presentes no relacionamento social e
familiar. A feminilidade no Brasil e em outras sociedades, via de re-
gra, é entendida como tão inferior e ao mesmo tempo ameaçadora
que precisa ser rigidamente controlada e regulada. Um dos meios
para que esse controle seja efetivado é a recusa à informação. Já a
masculinidade é algo a ser experimentado, internalizado, socialmen-
te construído e reproduzido. Dada a especificidade de gênero, as nor-
mas para a construção da masculinidade são tão rígidas quanto aque-
Vivendo a sexualidade e construindo a cidadania: práticas úteis para a... 139

las adotadas para a construção da feminilidade (PARKER, 1991;


HEILBORN, 1999; MEDRADO e col., 2000; PAIVA, 2000).
As noções socialmente construídas de masculino e feminino, a
falta de conhecimento sobre o seu corpo e o corpo do(a) outro(a)
bem como sobre o prazer desencadeiam uma série de dúvidas e, con-
seqüentemente, conturbações sociais: com o início precoce das ativi-
dades sexuais o adolescente torna-se vulnerável à maternidade/pa-
ternidade indesejada e à infecção por agentes de transmissão sexual,
incluindo o HIV (PAIVA, 1994; AYRES, 1996; FIGUEIREDO, 1998;
VACCARI e PEREIRA, 1999).
Com relação às questões de saúde reprodutiva, apesar de suas
contribuições genéticas serem igualmente essenciais, homens e mu-
lheres não têm igualdade de participação no processo reprodutivo
em termos do volume de trabalho corporal que a reprodução acarre-
ta para cada um dos sexos. Assim, a reprodução é vista como ‘algo’
do universo feminino (afinal, em termos biológicos, embora sejam
fecundadas por homens, são as mulheres que engravidam. Portanto,
em termos sociais é delas a responsabilidade contraceptiva). Segun-
do o Ministério da Saúde (MS, 1998), em 1993 a incidência de par-
tos realizados em mães com idade variando entre 10 e 19 anos no
Sistema Único de Saúde (SUS) foi 22,3%; em 1994, 23,2%; em 1995,
24,4% e em 1996, 25,8%, isto é, 707.730 partos. Neste mesmo pe-
ríodo também é descrito o aumento crescente do número de
curetagens pós-abortamento realizadas em meninas na faixa de 15 a
19 anos.
Mas os equívocos em saúde reprodutiva não podem ser atri-
buídos apenas aos homens e mulheres sem conhecimento que incor-
poraram os papéis sociais e sexuais distorcidos por gerações e gera-
ções. O movimento feminista do Brasil em muito tem dificultado o
trabalho de grupos que se dispõem a pensar saúde reprodutiva sobre/
com homens (ARILHA, 2000; MEDRADO, 2001). O desafio neste cam-
po é pensar a construção desses processos de saúde no contexto dos
direitos, no contexto de cidadania, de forma que homens e mulheres
sejam vistos igualmente como sujeitos de direitos, deixando-se de
lado noções de extrema irresponsabilidade masculina e ‘vitimização’
feminina. É preciso que ambos sejam inseridos e convidados a re-
construir o processo. As experiências apresentadas nos últimos anos,
140 Igualdade de oportunidades para as mulheres

sobretudo com o advento da AIDS, têm demonstrado que, em geral,


os homens que integram grupos se mostram interessados em cons-
truir-se enquanto pais e/ou conhecer mais sobre sexualidade e saúde
reprodutiva, sejam eles casados ou solteiros, jovens/adolescentes ou
mais velhos (MEDRADO e col., 2000; PAIVA, 2000).
Com relação à infecção por agentes de transmissão sexual, prin-
cipalmente o HIV, embora os dados do Ministério da Saúde (1998)
apontem para o fato de que pelo menos um terço das 30 milhões de
pessoas que vivem com HIV/AIDS no mundo sejam jovens com ida-
de variando entre 10 e 24 anos, o aumento de vulnerabilidade ultra-
passa os limites do individual/comportamental e passa a assumir uma
dimensão coletiva/social.
A chamada “pauperização” da epidemia não se restringe a uma
análise econômica; ela ilustra a complexidade das relações sociais
nacionais. Os pobres não estão apenas desprovidos de recursos fi-
nanceiros para consumir; a eles é oferecida uma cidadania abstrata
que não cabe em qualquer tempo ou lugar (SANTOS, 1992). Também
a pobreza crônica (abafada por uma ideologia igualitária que paira
sobre os componentes das modernas sociedades de classes) não po-
deria ter melhor companheira que a ideologia da discriminação (aba-
fada pela ideologia da democracia racial que paira sobre a sociedade
brasileira pós-abolicionista): aos pobres, negros, mulheres, jovens,
homossexuais e usuários de drogas, cabe aquilo que não é saudável
(CRUZ, 1997; CRUZ, 1998; ONOFRE, 1998).
A proposta de construir, com meninos e meninas em situação
de rua, os conceitos de identidade e sexualidade cidadãs, valorizando
a importância da promoção de estilos de vida associados à saúde,
auto-estima e relações saudáveis com outros sujeitos e com o meio,
surge frente às inúmeras dificuldades que permeiam discussões sobre
saúde e sexualidade, principalmente no início da vida sexual, seja no
espaço familiar (onde reina o silêncio/ignorância), no espaço escolar
(onde o assunto é abordado de forma superficial e/ou de acordo com
princípios morais/religiosos castradores) ou ainda no espaço público
televisivo (onde o incentivo da mídia ao desrespeito por si e pelo
outro é regra geral). Leva também em consideração reflexões sobre a
necessidade imediata da elaboração de estratégias de sobrevivência
para estes sujeitos, uma vez que, além do alto índice de meninos e
Vivendo a sexualidade e construindo a cidadania: práticas úteis para a... 141

meninas com sintomas de DST e de meninas grávidas, têm sido co-


muns os abortos provocados seguidos ou não de morte.

3. Projeto de intervenção

3.1. Sujeitos
Meninos e meninas, com idade variando entre 10 e 15 anos,
que moram em área livre (favela) e vivem em situação de rua no
Jardim Piratininga, bairro localizado no município de Osasco (região
Metropolitana de São Paulo).

3.2. Idéia-ação
É objetivo geral da proposta de trabalho capacitar meninos e
meninos de área livre e em situação de rua para atuação enquanto
agentes multiplicadores(as) de informações sobre cidadania, sexuali-
dade e prevenção de DST-HIV/AIDS. Para que este objetivo seja
alcançado pretende-se:
1. instrumentalizá-los para a percepção de situações de risco para
infecções por agentes de transmissão sexual;
2. discutir prevenção de DST/AIDS e uso abusivo de drogas partindo
do pressuposto que prevenção é ação-cidadã;
3. estabelecer a importância da construção de uma identidade social,
racial/étnica e de gênero, do autoconhecimento e da auto-estima para
a prática saudável da sexualidade;
4. discutir questões referentes à contracepção, aborto e concepção;
5. discutir questões referentes à maternidade e paternidade precoces;
6. estabelecer novos parâmetros de qualidade de vida, levando em con-
sideração a realidade do meio em que estes sujeitos estão inseridos;
7. estabelecer estratégias para o exercício de cidadania e construção
de um espaço de convivência saudável e com igualdade de opor-
tunidades;
8. promover conversas periódicas com pais-mães e/ou responsáveis
pelos(as) participantes do projeto;
142 Igualdade de oportunidades para as mulheres

9. promover atividades de integração entre gerações (pais-mães e/ou


responsáveis, irmãos/irmãs mais velhos(as) e agregados/agregadas);
10.construir um modelo de intervenção comunitária pensado e prati-
cado pelos sujeitos da pesquisa.

3.3. Local para realização das atividades


A proposta é que as atividades aconteçam nas dependências
da Igreja Nossa Senhora Aparecida (salão comunitário) localizada
em frente a área livre.

3.4. Estratégias metodológicas


A proposta de intervenção será desenvolvida em 8 etapas a
saber:
1. Sensibilização das lideranças comunitárias. Com o auxí-
lio de membros da comunidade católica que desenvolvem atividades
junto aos moradores da área livre, serão contatadas as lideranças e
participantes de atividades sociais anteriores. A elas serão apresenta-
dos os objetivos e a metodologia do trabalho de modo que elas pos-
sam entender a proposta, situá-la dentro de sua realidade e interagir
com ela.
2. Avaliação diagnóstica. Será elaborada por meio de visitas
domiciliares, dados sobre número de moradores por domicílio, cor,
sexo, idade, nível de escolaridade e grau de parentesco que os une;
número de cômodos por domicílio; faixa de renda e ocupação do(a)
chefe de família; existência de mães/pais adolescentes no domicílio;
percepção de necessidades imediatas que contribuam para melhora
de qualidade de vida naquela comunidade. Esta etapa será realizada
com o auxílio e/ou orientação daqueles que foram sensibilizados na
etapa 1 e membros da comunidade católica.
3. Mapeamento dos sujeitos. Meninos e meninas com idade
variando entre 10 e 15 anos serão localizados entre os membros da
comunidade, de modo que lhes possam ser feitos convites para parti-
cipar das atividades do projeto.
4. Sensibilização dos sujeitos. Nesta etapa, contaremos, so-
bretudo, com o auxílio de meninos/meninas que já participaram das
Vivendo a sexualidade e construindo a cidadania: práticas úteis para a... 143

atividades sociais promovidas pela comunidade católica do bairro para


estender o convite a outros(as) interessados(as).
5. Entrevistas. Nesta etapa serão realizadas entrevistas indivi-
duais com os sujeitos que fornecerão informações sociodemográficas,
história sexual e reprodutiva e conhecimento sobre DST/AIDS e uso
de drogas.
6. Ação transversal. Nesta etapa serão promovidas ativida-
des voltadas para pais/mães ou responsáveis, irmãos/irmãs mais ve-
lhos e agregados(as) dos sujeitos da pesquisa para discussão de te-
mas transversais como uso e abuso de drogas, alcoolismo, diversas
formas de violência, relações de gênero, preconceito e discrimina-
ção racial, papel dos veículos de comunicação na formação do indi-
víduo, direitos humanos, planejamento familiar e direitos reprodu-
tivos, DST/AIDS e outros temas que surgirem por demanda
espontânea. Estes temas serão apresentados na forma de palestras,
mesas-redondas, peças teatrais, filmes/documentários e contarão
com a colaboração de pesquisadores(as) do NEMGE/USP, NEINB/
USP, NEPAIDS/USP, membros do Conselho Estadual da Comuni-
dade Negra, Comissão de Direitos Humanos da OAB entre outros.
Estas atividades poderão ser realizadas concomitantemente às ofi-
cinas pedagógicas.
7. Oficinas pedagógicas em grupo. Espera-se que os sujeitos
possam participar, dialogar e construir conjuntamente respostas para
dúvidas comuns, à medida que vão digerindo os conhecimentos que
lhes estejam sendo transmitidos. As oficinas serão divididas em
módulos e contarão com a participação de especialistas e/ou esta-
giários(as) do Programa de Capacitação para Ações de Prevenção
em AIDS do NEPAIDS/USP, (ex)alunos(as) do Cursinho do Nú-
cleo de Consciência Negra na USP, membros do movimento Hip-
hop e ex-internos da FEBEM-Tatuapé que tenham participado do
Projeto “Fique-Vivo” de prevenção às DST/AIDS e uso abusivo de
drogas, promovido pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo
e NEPAIDS/USP.
7.1. Módulo sexualidade e saúde reprodutiva. Neste módulo
serão trabalhados os conceitos de corpo erótico e corpo reprodutivo,
anticoncepção, gravidez, paternidade e maternidade responsáveis, gra-
144 Igualdade de oportunidades para as mulheres

videz indesejada, contracepção de emergência, aborto e direitos re-


produtivos. Serão utilizados recursos paradidáticos especialmente ela-
borados para atuação junto a adolescentes/jovens.
7.2. Módulo cidadania, identidade racial/étnica e de gênero.
Neste módulo serão trabalhados os conceitos e as relações de gêne-
ro, a construção da auto-estima e identidade racial/étnica, papel dos
veículos de comunicação na formação do sujeito, direitos humanos,
direitos individuais e coletivos e relações com o meio. Serão analisa-
das algumas pequenas estórias e situações cotidianas relatadas por
meio de notícias de jornal, revista e/ou TV, músicas etc.
7.3. Módulo prevenção às DST/HIV-AIDS. Neste módulo se-
rão democratizadas as informações sobre prevenção, reformulada a
importância do estabelecimento de vínculos de confiança e afeto entre
os pares e entre aqueles que, de alguma forma, estejam trabalhando
como promotores de saúde, redimensionados/reinterpretados a con-
duta sexual e os modelos de comportamento de modo que a
vulnerabilidade individual e coletiva seja diminuída.
8. Integração social. Nesta etapa serão levantadas as propos-
tas de intervenção comunitária. Uma alternativa interessante para
atuação junto aos seus pares é a ação destes meninos/meninas como
agentes multiplicadores nas escolas do bairro onde estão regularmente
matriculados e na comunidade por meio de dramatizações, musicais,
discussões/conversas em grupo, cartazes, montagem de painéis itine-
rantes para divulgação das experiências.

4. Algumas considerações importantes


A efetivação do projeto está atrelada à aprovação de finan-
ciamento e/ou estabelecimento de parcerias. Aprovada a proposta,
os resultados preliminares e finais do trabalho serão expostos em
assembléias de lideranças comunitárias, reuniões com Conselho
Tutelar e Municipal de Saúde, jornais do bairro, rádios comunitá-
rias, periódicos especializados, publicações do Núcleo de Estudos
em Prevenção de AIDS da Universidade de São Paulo (NEPAIDS/
USP) e por meio de exposições em seminários, congressos e/ou reu-
niões científicas.
Vivendo a sexualidade e construindo a cidadania: práticas úteis para a... 145

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O exame ginecológico: caminhando para uma vida com menor desigualdade 147

O EXAME GINECOLÓGICO: CAMINHANDO PARA UMA


VIDA COM MENOR DESIGUALDADE

Dora Mariela Salcedo Barrientos

Introdução: proposta de intervenção


Ao iniciar esta reflexão, queria perguntar: quem de nós, mu-
lheres, já não teve oportunidade de enfrentar este tipo de experiên-
cia – o primeiro exame ginecológico? Recordemos como foi aquela
situação, qual foi nossa conduta e como gostaríamos que tivesse sido
essa experiência como mulher...
Sabemos que se trata de um momento delicado e difícil de
expressar. Foi pensando nessas questões que me propus a explorar as
representações dos profissionais do serviço ambulatorial do Hospital
Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP) acerca do
primeiro exame ginecológico de prevenção do câncer de colo uterino
e de mama, realizado pelas usuárias do mesmo serviço.
A presente proposta pretende dar continuidade ao estudo “Mu-
lher e saúde: uma visão generificada na percepção das usuárias acer-
ca do exame ginecológico” (SALCEDO, 1998), por meio da qual
propusemo-nos a compartilhar preocupações experimentadas na
cotidianeidade da assistência, relativas aos problemas de saúde da
mulher. Alguns dos resultados obtidos nesse primeiro estudo foram:
• o atendimento das mulheres que vêm ao seu primeiro exame
ginecológico continua circunscrito ao “corpo biológico”, o que é re-
forçado pela mídia, pelo pessoal de saúde e pela própria usuária;
• em relação à ideologia apreendida, predominante entre as
mulheres usuárias do serviço, identificou-se uma alienação do corpo
com relação aos serviços e assistência de saúde;
148 Igualdade de oportunidades para as mulheres

• o processo saúde-doença encontra-se baseado em conceitos


normativos, arraigados no transcorrer dos fatos históricos. A dimen-
são religiosa ainda continua sendo um dos componentes essenciais
da concepção de saúde e da própria apreciação da mulher como um
“corpo com muito mistério e preconceito”, levando-a à repressão de
seus sentimentos. A censura da sociedade impede-a, consciente e
inconscientemente, de ser uma mulher livre;
• os sentimentos da mulher usuária do serviço de saúde com-
põem uma “tríade sentimental”, identificando-se o medo, a vergo-
nha e o sentimento de culpa. Estes sentimentos perpassam as dife-
rentes preocupações diretamente ligadas à vida e à saúde relacionadas
à condição da mulher e atravessam a fase do ciclo vital, a sexualida-
de, a maternidade, o aborto, os métodos anticonceptivos e a mens-
truação.
Os resultados obtidos na pesquisa citada através das expres-
sões emitidas pelas usuárias ratificam um desejo, consciente ou in-
consciente, de reivindicação de seus direitos como pessoa, como
mulher e como cidadã. Há um conflito entre saber o que é o exame
ginecológico versus fazer o exame ginecológico e também com o que-
rer realmente fazer o exame ginecológico, uma vez que é marcante o
fato de que a mulher entra em contato com o serviço de saúde após o
início da vida sexual ativa.
Iniciaremos situando o problema do câncer ginecológico, es-
pecificamente o câncer de mama e o cérvico-uterino, em nível nacio-
nal e internacional. A seguir, introduziremos a discussão sobre gêne-
ro, que é a categoria central também para este estudo; descreveremos
o caminho metodológico a ser seguido em concordância com os obje-
tivos traçados e, posteriormente, apresentaremos a proposta de aná-
lise e o procedimento para a compreensão de temas contidos nos
depoimentos, com vistas à discussão posterior dos dados. Finalmen-
te, apresentaremos estratégias para buscar alternativas de solução para
as questões identificadas em ambos estudos.

Câncer ginecológico: a situação atual


Os tipos de câncer responsáveis pela maior taxa de mortalida-
de nos Estados Unidos são semelhantes aos cânceres mais freqüentes
O exame ginecológico: caminhando para uma vida com menor desigualdade 149

no Brasil. Os de maior incidência são o de pulmão, cólon e reto, mama,


próstata, bexiga, além dos linfomas não-Hodgkin. Nos Estados Uni-
dos existem aproximadamente 1 milhão de novos casos de câncer
por ano e cerca de 500.000 mortes (SONDIK, 1994).
Em nível internacional, considerando tanto os países em de-
senvolvimento, quanto os desenvolvidos, as relações de cânceres mais
freqüentes são similares, porém, numa ordem diferente. Países de-
senvolvidos assemelham-se aos Estados Unidos, enquanto que nos
países em desenvolvimento os cânceres de colo uterino e estômago
tendem a ocorrer com maior freqüência (SONDIK, 1994).
A incidência de câncer de mama tem aumentado muito nos
Estados Unidos, embora nos últimos anos uma parte significativa desse
aumento seja resultado de uma maior utilização de métodos para
detecção da doença, tal como demonstra a publicação dos resultados
do Programa de Demonstração de Detecção de Câncer do Instituto
Nacional de Câncer (NCI1) nos Estados Unidos (SONDIK, 1994).
Já o câncer de colo uterino, no mesmo intervalo citado ante-
riormente, não causa tanta preocupação, pois sua incidência é relati-
vamente baixa (13.500 novos casos e 4.400 mortes por ano). Nos
Estados Unidos, uma porcentagem relativamente alta de mulheres
realiza o exame de Papanicolaou regularmente (cerca de 75%). Infe-
lizmente, existem áreas onde isso não ocorre e o Programa de Pre-
venção e Controle do Câncer do NCI tem se concentrado nessas
regiões geográficas e grupos populacionais, na tentativa de melhorar
essa situação. Um ponto positivo dentro deste programa é a propa-
ganda que possui um papel importante nas ações de prevenção e con-
trole. O objetivo da propaganda é estimular a mudança de comporta-
mento, fazendo com que a população e profissionais da saúde passem
a ter hábitos saudáveis. Os principais desafios da prevenção e contro-
le do câncer nos Estados Unidos são o combate ao fumo e uso do
tabaco; pesquisas têm sido realizadas para conhecer mais sobre os
fatores alimentares e planejar métodos para mudanças na alimenta-
ção, aplicar melhor as tecnologias de rastreamento e melhorar os
métodos de detecção precoce (SONDIK, 1994).

1
Neoplasia Intraepitelial Cervical (NIC)
150 Igualdade de oportunidades para as mulheres

No Brasil, o Ministério da Saúde referiu que o câncer gineco-


lógico representa 43,2% do total de casos de neoplasias malignas en-
tre mulheres. A taxa bruta de mortalidade estimada para 1998 foi de
9,2/100 mil mulheres. A incidência do câncer cérvico-uterino deve-
se à baixa cobertura dos exames preventivos, hoje estimada em 8 a
10% da população acima de 20 anos, não obstante a Organização
Mundial de Saúde ter estabelecido uma cobertura de 85% para pro-
duzir o impacto epidemiológico (BRASIL, 2000).
Já em 1988, o Ministério da Saúde do Brasil tinha reconhecido
a necessidade de adotar uma uniformização para permitir o ajuste da
demanda de exames à capacidade operativa dos serviços de saúde e
foram identificados os seguintes fatores responsáveis pelos altos índi-
ces de câncer cérvico-uterino no país: insuficiência de recursos hu-
manos e de materiais disponíveis na rede de saúde para prevenção,
diagnóstico e tratamento; utilização inadequada dos recursos exis-
tentes; má articulação entre os serviços de saúde na prestação de
assistência nos diversos níveis de atenção; indefinição de normas e
condutas; baixo nível de informação em saúde da população em ge-
ral e insuficiência das informações necessárias ao planejamento das
ações de saúde (BRASIL, 1994).
Determinou-se, então, que a periodicidade do exame de Papa-
nicolaou a ser adotada na ação do controle do câncer cérvico-uterino
deveria ser de três anos, após a obtenção de dois resultados negativos
com intervalo de um ano. A faixa etária priorizada situa-se entre os
25 e os 60 anos, com ênfase em mulheres que nunca realizaram exa-
me preventivo em sua vida. É relevante destacar a necessidade de
orientação da clientela feminina quanto à realização rotineira do exa-
me clínico das mamas, já que o diagnóstico e o tratamento do câncer
de mama, nos estágios I e II, podem ter influência significativa na
diminuição da mortalidade por este tumor. Após esse estágio, a eficá-
cia do tratamento local fica reduzida (BRASIL, 1994).
Em novembro de 1994, o Ministério da Saúde admitiu que,
em 1988, as doenças crônico-degenerativas foram responsáveis por
cerca da metade dos óbitos registrados. No período de 1978 a 1986, o
câncer cérvico-uterino, juntamente com o de mama, foi responsável
pelas maiores taxas de mortalidade entre as mulheres. A distribuição
dos óbitos por essas duas neoplasias apresenta diferenças regionais,
O exame ginecológico: caminhando para uma vida com menor desigualdade 151

relacionadas ao grau de desenvolvimento social. O câncer cérvico-


uterino apresenta-se com maior frequência nas regiões Norte, Nor-
deste e Centro-Oeste. No período de 1981 a 1985, os cânceres cérvico-
uterino e de mama apresentaram freqüências relativas de 20,1% e
16,6%, respectivamente, o que os colocou no segundo e terceiro lu-
gares entre as neoplasias malignas da população feminina (BRASIL,
1994).
Com respeito à situação no estado de São Paulo, no caso do
câncer, a morbidade é medida pela incidência, verificada nos regis-
tros de base populacional. Assim, observa-se que, no ano de 1991, o
município de São Paulo apresenta o segundo maior coeficiente de
câncer da mama (65,5% / 100.000 mulheres), ficando atrás somente
de Porto Alegre e à frente de todas as demais cidades brasileiras.
Inversamente, a cidade de São Paulo apresenta o segundo menor
coeficiente de incidência de câncer do útero (42,0% / 100.000 mu-
lheres), maior apenas que o da capital gaúcha. Alguns autores apon-
tam que este comportamento da incidência dos cânceres ginecológi-
cos em relação à situação geográfica regional provavelmente não é
mera coincidência, pois se assume como causa importante a dimen-
são socioeconômica dentre os fatores de risco (FONSECA, L. A. M.
1994).

Os exames de prevenção
As ações de controle do câncer cérvico-uterino envolvem ati-
vidades preventivas e curativas, a seguir discriminadas: consulta clí-
nico-ginecológica, coleta de material para esfregaço cérvico-vaginal,
teste de Schiller, colposcopia, citopatologia, histopatologia, tratamen-
to dos processos inflamatórios e neoplasias intra-epiteliais, encami-
nhamento para clínica especializada dos casos indicados para com-
plementação diagnóstica e/ou tratamento, controle dos casos
negativos e acompanhamento dos casos tratados (BRASIL, 1994).
Pesquisas realizadas em 1989 evidenciam que o controle das
principais neoplasias ginecológicas depende de 3 fatores: a) da possi-
bilidade das mulheres utilizarem os recursos existentes de saúde; b)
da existência de atividades voltadas para a prevenção das neoplasias;
c) da relação estabelecida entre os profissionais e as usuárias para a
152 Igualdade de oportunidades para as mulheres

superação de tabus femininos com relação ao próprio corpo, de forma


que as mulheres incorporem certas práticas como o auto-exame das
mamas e a citologia vaginal. Tais práticas, para serem efetivamente
preventivas, precisam ser realizadas com a devida periodicidade
(FAERSTEIN, 1989).
Em relação ao exame ginecológico propriamente dito, diversos
autores concordam que este não pode se limitar somente aos órgãos
genitais mas incluir o exame pélvico e o teste de Papanicolaou, o exa-
me da mamas, o exame retal para as mulheres de 40 anos ou mais e a
discussão das condições de saúde, com ênfase na história menstrual e
reprodutiva (NOVAK, 1971; BASTOS, 1978; NEW YORK HOSPITAL, 1996).
Para O’Leary (apud HALBE, 1993), o exame ginecológico “consiste na
avaliação global da mulher à luz de suas raízes educacionais, econômi-
cas, sociais e familiares”. Halbe (1993) manifesta que, além da avalia-
ção da pessoa como um todo e de sua anatomia pélvica, deve-se buscar
o seu bem-estar físico e psicológico. Assim sendo, acredita que o profis-
sional de saúde estará numa posição privilegiada de apreciar, em toda
sua extensão, o significado dos sintomas da paciente.
Ainda que esta concepção se faça presente nos discursos, la-
mentavelmente, no momento, sua incorporação é bastante restrita na
prática, pois ainda o pessoal de saúde (médico, enfermeira etc.) frag-
menta sua atenção circunscrita à queixa, sintoma físico, esquecendo-
se dos outros aspectos ressaltados anteriormente.
O exame de Papanicolaou,2 como parte do exame ginecológico,
tem contribuído significativamente para a diminuição das taxas de mor-
talidade nos últimos 40 anos.
No Brasil, o teste de Papanicolaou é parte de um procedimento
do exame ginecológico. Trata-se de exame feito a partir de 1943 e
que do ponto de vista do médico é um “procedimento simples, inó-
cuo e de baixo custo”, que permite a detecção precoce do câncer, a
identificação de sua gravidade e que deve incidir sobre a população
na faixa de pelo menos 30 e 40 anos, em plena atividade sexual
(CHIESA, 1993).

2
O nome foi atribuído em honra a George N. Papanicolaou que, no ano de
1917, descobriu a possibilidade de diagnosticar transformações malignas atra-
vés do estudo das células das mucosas do trato genital feminino (MEDINA, 1997).
O exame ginecológico: caminhando para uma vida com menor desigualdade 153

D’Oliveira e Luiz (1996), na pesquisa “Do outro lado do espé-


culo”, analisam duas questões: a primeira quanto às idéias a respeito do
exame ginecológico, do Papanicolaou, dos diagnósticos e das terapêu-
ticas; e na segunda questão buscam verificar as diferenças propiciadas
no trabalho em grupo, enquanto tecnologia de trabalho assistencial.
As autoras concluem quanto ao exame do Papanicolaou, “que as mu-
lheres procuram o serviço de saúde para o controle ginecológico perió-
dico sem, no entanto, saberem ao certo a finalidade deste procedi-
mento. É realizado para cumprir um dever do modelo ideal de mulher,
ultrapassando o conflito entre a vergonha e o dever (...)”. Verificaram
também que o trabalho em grupo propiciou uma relação mais próxima
e menos culposa com o corpo, o que “permitiu maiores chances de
conhecimento, auto-cuidado e auto-controle, possibilitando maior
aderência ao exame preventivo, proporcionando uma auto-imagem mais
gratificante e menos sofrida (...)” (p. 123). Enfim as mulheres com-
preenderam melhor os objetivos dos exames preventivos do câncer do
colo do útero e do exame ginecológico em geral.
Situação diversa é descrita por Greco (1993), em seu estudo em
Taboão da Serra. Ao buscar avaliar a atividade de prevenção do cân-
cer cérvico-uterino desenvolvida por atendentes como parte do Mo-
delo de Assistência Integral à Saúde da Mulher, verificou que “Os pro-
cedimentos técnicos vêm sendo realizados sem a participação da mulher,
sem a preocupação na troca de conhecimentos através do processo
educativo.” Em conseqüência do fato de que não existe um vínculo
entre usuárias e serviço, as clientes não reconhecem que o atendimen-
to à saúde é um direito de todo cidadão e um dever do Estado e que,
como tal, os serviços públicos de saúde têm o dever de lhes oferecer um
atendimento de qualidade. Por sua vez, o serviço não percebe e não
trata as usuárias como cidadãs, com o direito de escolher se querem ou
não se submeter ao procedimento, a partir da compreensão do que
consiste e do por quê deve ser realizado o exame (GRECO, 1993).
Ao incorporar a categoria gênero, Fonseca (1996)3 aponta um
dos caminhos para a superação das contradições que evidenciamos co-
tidianamente tanto na nossa relação com a clientela feminina/mascu-

3
A categoria gênero pressupõe a compreensão das relações que se estabele-
cem entre os sexos na sociedade, diferenciando o sexo biológico do sexo
social. Enquanto o primeiro refere-se às diferenças anátomo-fisiológicas,
154 Igualdade de oportunidades para as mulheres

lina, quanto na que estabelecemos com os demais trabalhadores da


área da saúde.
Para Breilh (1996), a condição de gênero não é uma exceção.
Insere-se no sistema de contradições do regime patriarcal e se vincula
analiticamente com as determinações da vida social mais ampla (BREILH,
1996).
Frente a estas reflexões, podemos observar que, atualmente, no
país não existe uma atenção de qualidade à saúde da mulher, um Pro-
grama Nacional de atenção à mulher, que responda a suas necessida-
des. A participação ativa das feministas provocou uma importante in-
tenção de mudança, caminho para uma verdadeira atenção integral da
mulher considerando como base a categoria gênero, ficando pendente
seu encaminhamento e efetivação.
Segundo Fonseca (1996), através da categoria gênero “é possí-
vel compreender a dupla subalternidade a que está exposta a maioria
das mulheres nas sociedades onde é mais evidente o colapso da moder-
nização, considerando-se que este opera muito mais por exclusão que
por inclusão e que este processo penaliza muito mais as mulheres
(p. 25).
Após este breve levantamento e apesar de slogans sobre a dimi-
nuição das desigualdades, tem ocorrido efetivamente uma polarização
marcada dos bens. Assim é que os ricos estão cada vez mais ricos e os
pobres cada vez mais pobres.
A redução do/a trabalhador/a anteriormente estável ou fixo por
funcionários com contratos temporários tem criado grande instabilida-
de econômica. Isto terá repercussões, prioritariamente, em grupos de
baixo nível econômico, provocando o agravamento dos problemas da
saúde e risco nutricional.

portanto, biológicas, existentes entre os homens e as mulheres, o segundo


diz respeito à maneira que estas diferenças assumem nas diferentes socie-
dades, no transcorrer da história (FONSECA, 1995). A mesma autora afirma
também que “o sexo social é historicamente construído, é produto das
relações sociais entre homens e mulheres e deve ser entendido como ele-
mento constitutivo destas mesmas relações, nas quais, as diferenças são
apresentadas como naturais e inquestionáveis. A utilização da categoria
gênero pretende assim explicar, à luz destas relações de poder, as manifes-
tações sociais das mulheres” (Idem, ibidem).
O exame ginecológico: caminhando para uma vida com menor desigualdade 155

Esta situação traz como conseqüência a discriminação social,


política, econômica, com repercussões familiares (altas taxas de má
nutrição, morbidade e mortalidade materno-infantil, baixo rendimen-
to e produtividade no trabalho e na escola, baixa renda familiar, perpe-
tuação da pobreza rural, migração, terrorismo/violência).

Relação médico x mulher


A mulher, como vimos, muitas vezes desconhece os benefícios
do exame Papanicolaou e, não raramente, o faz sem prévia orientação,
o que desrespeita sua individualidade e sua história de vida carregada
de temores, medos e vergonha. É neste momento que se evidencia
também uma real relação de poder entre o médico e a paciente. Ao
fazer uso da sua autoridade, obriga a paciente a submeter-se (subordi-
nar-se) ao exame, às vezes sem levar em consideração o ambiente ina-
dequado dos consultórios, trato pouco amável etc. Ela, muitas vezes,
para evitar negar-se ante essa situação, assume um papel de subordina-
da. Desta forma, sua liberdade fica limitada e as repercussões psicológi-
cas, físicas e emocionais ficam de lado. Muitos destes fatos podem ser
marcantes na vida da mulher no intercâmbio de informação com ou-
tras mulheres, de forma positiva ou negativa, chegando até à rejeição
aos exames posteriores.
E isto é agravado quando acrescido do fato de que os cânceres
cérvico-uterino e de mama são verdadeiros problemas de saúde pú-
blica devido ao elevado índice de mortalidade. Desta forma, a cons-
cientização é importante e prioritária, como afirmara o próprio Mi-
nistério da Saúde (BRASIL, 1994).

As enfermeiras frente ao exame ginecológico


Ao realizar observação no serviço de saúde e entrevistas com
as enfermeiras encarregadas da Coleta do Papanicolaou no Ambula-
tório do HU-USP, no mês de agosto de 1996, essas profissionais ma-
nifestaram que a rotina do exame ginecológico realizada pelo médico
baseava-se na aplicação de uma ficha ginecológica, sem orientação
prévia ao exame, seguida do exame propriamente dito. Posteriormen-
te, de acordo com certos critérios médicos (solicitação de exames de
156 Igualdade de oportunidades para as mulheres

laboratório, cirurgia, internação, planejamento familiar, outros), a


paciente era encaminhada à consulta de enfermagem com a enfer-
meira encarregada do setor que também embasava sua atenção na
aplicação de um instrumento de recompilação de dados com um
enfoque biomédico.
Com respeito às possíveis percepções das pacientes quanto à
atenção recebida dos médicos, as enfermeiras manifestaram que não
existem queixas. Segundo elas, as pacientes afirmam que “a atenção é
ótima”. Por outro lado, as mesmas enfermeiras desconhecem especifi-
camente as percepções das pacientes que fazem pela primeira vez o
exame ginecológico e reconhecem que seria importante obter essa in-
formação.
Com base nesses dados, evidencia-se a necessidade de aprofun-
dar o significado para estes/as profissionais do seu “que fazer” com este
tipo de usuária que enfrenta pela primeira vez o exame ginecológico.
Na verdade, pretende-se um encontro com a paciente que tem neces-
sidades importantes a serem discutidas num ambiente horizontal,
construído com base no saber cotidiano destas mulheres, objeto da
nossa atenção.
Frente a tudo o que foi apresentado e fazendo uma análise do
contexto social, é necessário continuar este desafio e levar em frente
uma pesquisa baseada na percepção dos profissionais de saúde do ser-
viço ambulatorial do HU-USP acerca do primeiro exame ginecológico
realizado pela usuária, numa perspectiva de gênero, partindo da hipó-
tese de que os/as técnicos/as da equipe de saúde (enfermeira, médico)
não evidenciam as desigualdades específicas a esta população-alvo de
tal modo a brindar uma atenção de qualidade e com maior humanização.
Os resultados obtidos nesta proposta de intervenção possibilita-
rão maior reflexão sobre a prática do trabalho cotidiano, garantindo
uma ótica com ética profissional. Implantar um programa de atenção
integral digna das mulheres implica promover uma relação mais hori-
zontal entre os profissionais homens ou mulheres e as pacientes; em
reconhecer as diferenças e as relações de poder exercidas neste mo-
mento frente à usuária que vêm carregada de fortes sentimentos a se-
rem compartilhados; em criar um espaço de ação afirmativa onde seja
possível a troca para favorecer a compreensão da realidade destas mu-
lheres que tentam resolver seus problemas do dia-a-dia dentro de um
tipo de instituição como um hospital-escola.
O exame ginecológico: caminhando para uma vida com menor desigualdade 157

Proposta de intervenção

1. Objetivos
• Caracterizar os(as) profissionais de saúde em estudo, de acordo
com a idade, estado civil, filhos, escola em que se formou, tempo de
formação, cursos de especialização, tempo de trabalho, função que
exerce;
• Levantar a percepção dos(as) profissionais de saúde acerca
dos procedimentos desenvolvidos no serviço;
• Identificar as representações e as contradições explicitadas,
acerca do primeiro exame ginecológico de prevenção de câncer de
colo uterino e de mama realizado pelas usuárias do serviço;
• Interpretar tais representações sociais acerca do exame gine-
cológico, a partir das reflexões obtidas com as usuárias, privilegiando
a categoria gênero;
• Construir, em conjunto com os profissionais de saúde, uma
estratégia educativa de cunho crítico para a transformação da aten-
ção ginecológica no processo saúde-doença das mulheres;
• Avaliar o impacto da intervenção executada tendo por base
as questões identificadas.

2. Caminho metodológico

2.1. O método
A presente proposta de intervenção utilizará a categoria gêne-
ro como foco analítico central, o qual perpassará todas nossas ações.
Um aporte interessante que ajuda a refletir na transformação
da atenção ginecológica no processo saúde-doença baseia-se num
quadro construído por Egry (1994), a partir das considerações de
Breilh (1990) e adaptado por Fonseca (1996), que mostra as diferen-
ças entre a saúde pública e a saúde coletiva com respeito à saúde da
mulher, onde são abordados diversos elementos, a partir de uma vi-
são da Saúde Coletiva (Quadro 1):
Quadro 1
Diferenças entre a saúde pública e a saúde coletiva
na abordagem da saúde da mulher
ELEMENTOS VISÃO DA SAÚDE PÚBLICA VISÃO DA SAÚDE COLETIVA
• Conceito de saúde-doen- • Empírico, reduzida ao plano fenomênico e indivi- • Determinado historicamente pelo processo
dualizado da causação biológica. coletivo de produção dos fenômenos sociais.
Igualdade de oportunidades para as mulheres

ça.
• Conceito de saúde-doen- • Agravos relacionados à especificidade biológica da • Perfis de saúde-doença determinados historica-
ça da mulher. população feminina (relação causa-efeito). Priori- mente na situação social da mulher compreen-
zação da problemática relacionada à função repro- dida segundo classe social, gênero, raça/etnia,
dutiva da mulher. geração.
• Saúde materna, saúde reprodutiva. • Saúde da mulher.
• Conceito de saúde-doen- • Método empírico-analítico baseado no funcional • Método dialético embasado na filosofia da pra-
ça. positivismo (estrutural funcionalista, Popperiano ou xis.
• Conceito de saúde-doen- fenomenológico). • Epistemologia feminista: utiliza gênero, ra-
ça da mulher. • Fundado nos mesmos pressupostos anteriores ça/etnia, idade como categorias analítico-inter-
capazes de analisar a função reprodutiva da mu- pretativas dos perfis de saúde-doença da
lher. Usa sexo, raça, etnia, idade como variáveis. mulher.
• Demandas originárias das lutas populares,
• Sob a ótica do Estado e de seus interesses na crítica e renovação do “que fazer” estatal.
• Centralização da ação. sociedade capitalista.
• Demandas dos movimentos de mulheres, de
• Centralização da ação • Responde aos interesses capitalistas do papel da gerações, raciais.
na saúde da mulher. mulher de reprodução e manutenção da força de
trabalho. • Subjaz à noção de cidadania e de direito à
saúde.
• Mudanças radicais, consideradas a dialética
• das possibilidades e necessidades, resultantes
Amplitude e dinâmica • Melhorias graduais e localizadas, dentro das pos- do embate entre o Estado e a Sociedade.
das ações. sibilidades limitadas e definidas pelo Estado.
• Amplitude e dinâmica • Melhorias nos perfis de saúde reprodutiva, dentro • Mudanças na situação social das mulheres,
dentro das possibilidades e necessidades re-
das ações de saúde das possibilidades definidas pelos organismos in- sultantes do embate entre o Estado e os movi-
da mulher. ternacionais e pelo Estado. mentos sociais de mulheres, negros, idosos,
jovens.
158
Construído por EGRY (1994) a partir das considerações de BREILH (1990) e adaptado por FONSECA, R. M.G. S. da (1996)
O exame ginecológico: caminhando para uma vida com menor desigualdade 159

É sob este quadro teórico que faremos a aproximação do fenô-


meno, que tratará da percepção dos profissionais da saúde acerca de
suas ações e suas repercussões na saúde da mulher, buscando explicitar
as contradições existentes no discurso dos mesmos, na perspectiva
de compreendê-las, para subsidiar a implementação de intervenções.

2.2. Fonte de dados empíricos


As fontes primárias dos dados empíricos serão captadas atra-
vés dos profissionais de saúde que trabalham no Ambulatório de Gi-
necologia e Obstetrícia do HU-USP,4 o qual faz parte do Sistema
Integrado de Saúde da Universidade de São Paulo, e deve promover
o ensino, a pesquisa e a extensão dos serviços à sociedade.
O Ambulatório do HU-USP é dividido em várias unidades,
dentre as quais encontra-se o Ambulatório de Ginecologia que tem
três tipos de atendimento: o pronto atendimento médico (atendi-
mento à demanda espontânea), consulta médica agendada e realiza-
ção da coleta de Papanicolaou diretamente pela enfermagem (aten-
dimento à demanda espontânea). O Papanicolaou pode ser realizado
durante o pronto atendimento ou consulta médica, mas a realização
deste procedimento pelo pessoal da enfermagem trouxe uma agilida-
de ao serviço, pois antes, quando a coleta era realizada apenas duran-
te as consultas médicas, havia espera de agendamento por longo pe-
ríodo de tempo.
O relatório mensal quanto ao atendimento ambulatorial se-
gundo clínicas mostra que a demanda maior concentra-se no serviço
de Ginecologia (Quadro 2). O relatório mensal das atividades desen-
volvidas especificamente por cada profissional (Quadro 3) mostra
que a demanda após as enfermeiras assumirem a nova função na co-

4
A intervenção será realizada com os profissionais que atuam no serviço
ambulatorial do HU-USP, realizando a consulta ginecológica que inclui o
exame de prevenção de câncer de colo uterino (exame Papanicolaou) e de
mama. São 5 enfermeiras, 30 médicos obstetras (dos quais 15 são mulhe-
res) e 10 médicos ginecologistas (dos quais 4 são mulheres). Será captada a
visão de mundo desses profissionais que, como parte integrante da socie-
dade, são reprodutores e transmissores do conhecimento.
160 Igualdade de oportunidades para as mulheres

leta de Papanicolaou (de setembro/96) até o momento que antece-


deu o presente estudo (janeiro/97) foi em média de 294 coletas/mês.
Realizamos um levantamento de prontuários e observamos
que, do total das mulheres que se submetiam ao exame de Papanico-
laou, em média 5% vinham ao seu primeiro exame ginecológico, sen-
do que pelo menos uma paciente por período era atendida no serviço
de pronto atendimento ou no consultório de coleta de Papanicolaou
do serviço de ginecologia e na consulta obstétrica. A vaga está pré-
estabelecida no agendamento especialmente para adolescentes, aten-
ção diferenciada justificada pelos fatores de risco aos quais elas estão
expostas, tornando-se assim como uma prioridade da atenção assu-
mida como uma responsabilidade direta da instituição e incorporada
nas normas e rotinas internas da clínica obstétrica. Dados estatísti-
cos gerais obtidos em relação ao atendimento das mulheres nos servi-
ços de ginecologia e obstetrícia, segundo o grupo etário durante 7
meses no ano 1995, apontam maior concentração nos grupos com
idades entre 20 e 40 anos (Tabela 1) e entre 20 e 30 anos respectiva-
mente (Tabela 2). Estes dados dão uma idéia do perfil das mulheres
usuárias que freqüentam estes serviços em busca do atendimento.

3. Desenvolvimento das atividades de intervenção


A população pesquisada será constituída pelos profissionais de
saúde que prestam atendimento às mulheres durante a primeira con-
sulta para realização do exame ginecológico e de mamas.
Serão convidados a participar pela pesquisadora, que lhes ex-
plicará a finalidade do trabalho, a fim de obter aceitação e participa-
ção ativa durante o processo, levando em consideração os aspectos
éticos envolvidos, ou seja, a garantia do anonimato e sigilo, do res-
peito à privacidade e à intimidade e sua liberdade de participar ou
declinar de sua participação no momento que desejar (CONSELHO
REGIONAL DE ENFERMAGEM, 1993).
Nas entrevistas serão captados os depoimentos dos profissio-
nais de saúde que trabalham nos serviços de ginecologia ou obstetrí-
cia, utilizando uma metodologia participativa, com técnicas de dinâ-
mica de grupo, corporais e dramatização, especificamente fazendo
uso de oficinas de trabalho grupal, proposto por Chiesa; Westphal
O exame ginecológico: caminhando para uma vida com menor desigualdade 161

(1995) e validados por Fonseca, R. M. G. (1996), as quais constitui-


rão um espaço para reflexão e discussão das vivências, facilitando a
identificação de temas fundamentais para a compreensão do proble-
ma em questão.
Para o desenvolvimento destas atividades, duas fases foram
planejadas.

3.1. Primeira fase


A primeira fase constará da elaboração de um questionário com-
posto por duas partes. A primeira parte conterá uma questão aberta
por meio da qual buscaremos identificar as representações sociais dos
profissionais de saúde acerca do próprio exame ginecológico de pre-
venção de câncer de colo uterino e de mama, para logo serem contras-
tadas com os resultados obtidos na primeira pesquisa com as usuárias
do serviço (SALCEDO-BARRIENTOS, 1998). Toma-se por base os resulta-
dos da pesquisa anterior nas oficinas de trabalho. Durante o desenvol-
vimento da técnica grupal busca-se não interferir nos depoimentos;
responde-se apenas às questões que eventualmente são feitas e promo-
ve-se a participação de todos os profissionais.
Na segunda parte deste instrumento procura-se identificar o perfil
destes profissionais, caracterizando os/as entrevistados de acordo com
a idade, estado civil, filhos, escola em que se formou, tempo de forma-
ção, cursos de especialização, tempo de trabalho, função que exerce.
Quanto à análise dos dados da primeira parte do instrumento,
será utilizado o procedimento de depreensão dos temas contidos nos
depoimentos, que abordaremos a seguir. Os dados da segunda parte,
quanto ao perfil, serão registrados manualmente e a seguir agrupados e
analisados.5

3.1.1 Procedimento de temas contidos nos depoimentos


Esta técnica de análise e tratamento do material de fonte pri-
mária terá por base a proposta de decodificação de dados captados
propostos por Fiorin (1989, 1993). Fiorin (1993) destaca a importân-

5
Mediante os programas dos software DBASEIII-Plus e EPI-INFO 6, sendo
apresentados de forma descritiva segundo a freqüência absoluta.
162 Igualdade de oportunidades para as mulheres

cia da fala como a possibilidade de exteriorização psico-físico-fisiológi-


ca do discurso, alertando que ela é rigorosamente individual. Para aná-
lise do discurso, o autor distingue a sintaxe discursiva e a semântica.6
Uma vez feita a transcrição dos depoimentos, iniciaremos a in-
terpretação da realidade objetiva.
Desta maneira, dos agrupamentos dos temas/frases temáticas
emergirão as categorias empíricas, que posteriormente serão analisadas
e apresentadas na segunda fase à população-alvo.

3.2. Segunda fase


Levando-se em consideração os resultados do primeiro estudo
realizado pela pesquisadora com as usuárias e apresentados sob a forma
de dissertação, bem como os resultados obtidos na primeira fase deste
estudo com os profissionais, realizaremos a devolutiva aos profissionais
dos resultados obtidos durante o primeiro encontro para a verificação e
validação da análise. Buscaremos posteriormente elaborar um progra-
ma de qualificação e de reflexão juntamente com as trabalhadoras de
saúde do Ambulatório HU-USP envolvidos na Coleta do Papanico-
laou a fim de refletir sobre as contradições evidenciadas.
Esta fase será também desenvolvida através de oficinas de traba-
lho de cunho emancipatório e crítico tendo por base o referencial teó-
rico e filosófico, o MHD (CHIESA, 1996). Pretende-se que os partici-
pantes dessa fase repassem essa informação tanto para as usuárias quanto
para outros profissionais da instituição, também comprometidos na re-
solução deste problema.
Nesta fase, será construído um instrumento para posterior ava-
liação da intervenção, com participação ativa dos membros da equi-
pe. Estas fases são especificadas na programação a seguir:

6
Explica que a sintaxe discursiva compreende os processos de estruturação
do discurso que estão expressos no mecanismo do discurso direto, indireto
e indireto livre. A semântica discursiva é abordada pelo autor como o campo
das determinações inconscientes, e constitui a maneira de ver e pensar o
mundo numa dada formação social, caracterizando como campo da deter-
minação ideológica. Segundo esta orientação, os discursos dos atores/fa-
lantes sofrerão uma análise e interpretação para a apreensão dos conteú-
dos-chave contidos.
O exame ginecológico: caminhando para uma vida com menor desigualdade 163

4. Programação das atividades


N° DATA TEMA ESTRATÉGIA /
ENCONTRO RESPONSÁVEL
Introdução • Oficina de trabalho / uso
“Mulher brasileira, quem é da perspectiva de gênero
você?”
“Homem brasileiro, quem é Pesquisadora: Dora Salcedo
Primeiro 19/08/99 você?” – a construção da
14:00-17:00 identidade feminina e mas-
culina na sociedade brasi-
leira
“Mulher brasileira, cliente do
serviço ambulatorial que vem
pela primeira vez ao seu
exame ginecológico, quem é
ela?” – convivendo com as
diferenças corpo e agravo –
processo saúde-doença da
população brasileira
• Oficina de trabalho / uso
Devolutiva, discussão e aná- das perspectivas de gê-
Segundo 02/09/99 lise dos resultados do primeiro nero
14:00-17:00 encontro Pesquisadora: Dora Salcedo

“Mulher e saúde: uma visão Exposição e discussão a partir


de gênero na percepção das dos resultados da dissertação
16/09/99 usuárias acerca do exame de mestrado e dos resultados
Terceiro 14:00-17:00 ginecológico” – compartilhan- obtidos durante os encontros
do os resultados da pes- com os próprios profissionais
quisa da saúde
Dora Salcedo
“Qual é o nosso papel hoje?” – • Oficina de trabalho / uso
tentando resolver nossos das perspectivas de gê-
30/09/99 problemas nero
Quarto 14:00-17:00 “Quais são as nossas propos- Discussão e apresentação
tas de ação para esta popula- dos resultados finais e relató-
ção?” – construção do pro- rio das atividades desenvolvi-
r
grama de Reflexão das
– Planejamento/ / atividades/ Dora Salcedo
Planejamento
avaliação
avaliação
A partir do • Oficina de trabalho: res-
mês de Intervenção educativa dirigido ponsabilidade dos profis-
Quinto outubro – as usuárias sionais da equipe da
Dezembro
dezembro saúde
1999

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e meses do ano (janeiro/96 a março/97). Anexos
C L ÍN IC A JA N FEV MAR ABR MAI JU N JU L AG O SET OUT NOV DEZ JA N FEV MAR

C irú rg ica 2362 2729 2904 2725 3080 2572 2974 3185 2829 3328 3265 2510 2724 2853 3473

G in e co lo g ia 534 714 576 384 612 398 629 635 535 643 603 459 481 395 589

O b ste trícia 264 238 220 255 273 187 234 239 208 219 226 177 295 222 244

Fonte: Relatório mensal unificado – Atendimentos realizados e estatística administrativa segundo clínica do HU-USP

Quadro 3 – Relatório mensal do ambulatório de obstetrícia e ginecologia (janeiro/96 a junho/97)


MÊS/ JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN

DIAS ÚTEIS 20d 18d 21d 21d 22d 18d 23d 22d 21d 23d 20d 17d 22d 17d 20d

pré-natal 71 59 68 71 75 70 101 108 64 85 73 55 87 77 95 104 81 83

cons. enferm.

colposcopia 33 46 53 35 56 31 57 45 41 36 24 29 46 48 20 42 26 35

proced.médico

biópsia 05 06 03 01 45 02 06 09 04 04 05 09 09 06 09 03 13 06

proced.médico

Fonte: Relatório mensal unificado – Atendimentos de obstetrícia realizados e estatística administrativa do HU-USP
O exame ginecológico: caminhando para uma vida com menor desigualdade 169
CLÍNICA JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN
170

citologia de -- -- -- -- -- -- -- -- 14 10 03 04 02 02 0 0 02 0
mama

papanicolaou -- -- -- -- -- -- -- -- 102 105 107 82 121 99 132 132 86 112

Fonte: Relatório mensal unificado – Atendimentos de Ginecologia (Consulta de Enfermagem) realizados e estatística administrativa do HU-USP

CLÍNICA JAN FEV MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET OUT NOV DEZ JAN FEV MAR ABR MAI JUN

citologia/ 215 279 224 136 235 168 279 261 205 237 217 136 159 144 210 148 158 193
colposcopia

biópsia 49 45 43 36 76 44 42 45 29 35 38 40 24 19 25 39 32 45

Fonte: Relatório mensal unificado – Atendimentos de Ginecologia (Auxílio em procedimentos médicos)


Igualdade de oportunidades para as mulheres
O exame ginecológico: caminhando para uma vida com menor desigualdade 171

Tabela 1

Atendimento ambulatorial da clínica ginecológica segundo os grupos


etáreos e meses – Hospital Universitário (março a setembro de 1995).
IDADE MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET TOTAL %

10 - 15 10 03 01 06 05 15 11 51 1,05

15 - 20 38 46 57 45 47 79 38 350 7,21
20 - 30 221 172 159 182 165 251 142 1292 26,62
30 - 40 183 180 150 170 183 206 153 1225 25,24

40 - 50 135 148 177 151 190 217 156 1174 24,19


50 - 60 62 55 68 74 71 108 62 500 10,30

> 60 37 30 33 32 45 55 29 261 5,37


TOTAL 686 634 645 660 706 931 591 4853 100%

Fonte: Relatório mensal unificado – Atendimentos realizados e estatística ad-


ministrativa do HU-USP

Tabela 2

Atendimento ambulatorial da clínica obstétrica segundo os grupos


etários e meses – Hospital Universitário (março a setembro de 1995).
IDADE MAR ABR MAI JUN JUL AGO SET TOTAL %

10 - 15 02 03 03 05 09 06 04 32 2,01

15 - 20 31 22 35 38 36 43 39 244 15,33

20 - 30 138 128 130 114 92 137 116 855 53,73

30 - 40 68 53 58 59 49 79 57 423 26,58

40 - 50 6 5 5 6 4 6 5 37 2,32

50 - 60 0 0 0 0 0 0 0 0 0

> 60 0 0 0 0 0 0 0 0 0
TOTAL 245 211 231 222 190 271 221 1591 100%

Fonte: Relatório mensal unificado – Atendimentos realizados e estatística ad-


ministrativa do HU-USP
O exame ginecológico: caminhando para uma vida com menor desigualdade 173

4 CAPÍTULO
Construir uma sociedade
sustentável
Gênero e meio ambiente: construindo a Agenda 21 de ação das mulheres... 175

GÊNERO E MEIO AMBIENTE:


CONSTRUINDO A AGENDA 21 DE AÇÃO DAS
MULHERES EM ESPÍRITO SANTO DO TURVO – SP

Cássia Maria Carrasco Palos

1. A questão ambiental e a sociedade contemporânea


As últimas décadas do milênio foram marcadas, por um lado,
pela crescente globalização da economia acompanhada de um extra-
ordinário desenvolvimento tecnológico e, por outro, por uma crise
generalizada da sociedade industrial, o que se reflete nos aspectos
social, político, ideológico, cultural, ambiental e moral.
Isso ocorre porque essa grande transformação social, econômi-
ca e da produção, no processo de globalização, está longe de permitir
uma melhoria eqüitativa da qualidade de vida dos cidadãos e das
cidadãs, pois, o que se percebe nos dias atuais é que quanto mais a
sociedade industrial e econômica se globaliza, mais se amplia o fosso
entre a riqueza e a pobreza, tanto nos países do Sul quanto nos do
Norte (SACKS, 1994; IANNI, 1995; SOUSA SANTOS, 1996; HARVEY,
1992).
No que se refere à Saúde Pública, ao lado das antigas contradi-
ções e velhos problemas vêm surgindo novos cenários, novos desa-
fios e novas questões para serem desvendadas e discutidas (ADORNO
e CASTRO, 1994).
Dentre os grandes desafios a serem enfrentados pela Saúde
Pública no próximo milênio, tais como as chamadas doenças da po-
breza (respiratórias e infecciosas/parasitárias), diretamente relacio-
nadas a condições ambientais, citadas por Hogan (1995), deve-se
reunir forças para enfrentar os chamados “problemas emergentes de
Saúde Pública”, emergentes tanto por não serem abordados quanto
176 Igualdade de oportunidades para as mulheres

também por não existirem anteriormente, ao menos, nas proporções


atuais.
Dentre estes problemas emergentes pode-se citar a AIDS, a
drogadição, a violência urbana, o sedentarismo, a obesidade. A mu-
dança do perfil demográfico referente ao aumento do contingente
populacional das faixas etárias mais avançadas também vem provo-
cando mudança nos padrões de mortalidade e morbidade, fazendo
com que as cidades brasileiras sofram simultaneamente de problemas
característicos de países desenvolvidos e subdesenvolvidos (HOGAN,
1995).
Pode-se afirmar que as ameaças à vida se colocam não só atra-
vés das doenças e das chamadas causas externas, como os homicídios
e acidentes, mas também pela possibilidade de extinção, aniquila-
mento e deterioração dos recursos ambientais. Como nos diz Hogan
(1995), as condições ambientais são vistas como afetando toda a po-
pulação, como bens ou males universais. A preocupação com o aque-
cimento global, o buraco na camada de ozônio, a biodiversidade, a
poluição dos mares ou a devastação das florestas enfatiza esse as-
pecto universal: todos esses transtornos são vistos como afetando a
sociedade como um todo e principalmente as mulheres, que se cons-
tituem em mais da metade da população mundial.
Problemas cada vez mais complexos vêm-se intensificando no
cenário urbano, cenário este que encontra-se não só ameaçado mas
também diretamente afetado por riscos e agravos ambientais. O que
tem sido observado é que há uma lógica de distribuição de riscos que
afeta desigualmente a população (BECK apud JACOBI, 1996). É preciso
reconhecer, também, que os ônus ambientais são distribuídos desi-
gualmente na sociedade, em seus efeitos mais imediatos.
Isto leva a pensar que a busca de soluções ou a prevenção dos
fatores de risco têm de ser direcionados para questões relacionadas
ao estilo de vida, à qualidade de vida, às políticas públicas, à cidada-
nia, à inclusão social e ao equilíbrio socioambiental, incluindo aqui o
equilíbrio entre os sexos. Tais aspectos chamam a atenção para no-
vos componentes do processo saúde-doença, entendido aqui como
um conceito de saúde ampliado, situado no universo social segundo
o relatório final da VIII CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE (1988): “A
saúde não é um conceito abstrato. Define-se no contexto histórico
Gênero e meio ambiente: construindo a Agenda 21 de ação das mulheres... 177

de determinada sociedade e num dado momento do seu desenvolvi-


mento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas coti-
dianas. Em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das
condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambien-
te, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da
terra e acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado
das formas de organização social da produção, as quais podem gerar
grandes desigualdades nos níveis de vida” (MENDES, 1996).
A Agenda 21 foi um grande esforço de negociação internacio-
nal para a produção de um consenso normativo e um programa de
certa operacionalidade para a humanidade com relação ao desenvol-
vimento sustentável. Depois da ECO-92 vários países elaboraram suas
Agendas 21 nacionais, porém, razões de diversas ordens fizeram com
que o documento ainda não ganhasse toda a importância necessária
para desempenhar o papel mobilizatório internacional visualizado por
seus idealizadores (VIOLA, 1996). Porém, o que percebemos é que ela
se constitui num excelente instrumento para incluir os diversos seto-
res sociais na participação da questão ambiental.
Para abordar a questão ambiental necessário se faz superar qual-
quer análise ambientalista mecanicista baseada na racionalidade car-
tesiana, que até então tem levado a atitudes profundamente antieco-
lógicas. A concepção do universo como uma rede interligada de
relações intrinsecamente dinâmicas torna-se cada vez mais corrente
nos meios científicos, transcendendo-se assim a visão cartesiana do
mundo e conduzindo a uma concepção holística e dinâmica do uni-
verso.
Nesse sentido, a mulher tem uma decisiva importância na parti-
cipação na condução das discussões sobre a problemática ambiental,
uma vez que, além de se constituir em mais da metade da população
mundial, ela é atingida centralmente quando se associa a degradação
ambiental, aumento da pobreza e crescimento populacional, o que é
bastante comum nas análises atuais sobre a questão. À mulher, desta
forma, cabe o ônus da degradação ambiental, uma vez que é por meio
de seu corpo que se dá o aumento populacional e a ela “compete” a
reversão desse processo.
Diante desse cenário mundial, entramos numa etapa da histó-
ria da humanidade sem precedentes e com imprevisíveis repercus-
178 Igualdade de oportunidades para as mulheres

sões para as sociedades do próximo século, nas quais as novas gera-


ções irão se deparar com recursos escassos e com um ambiente polu-
ído, onde os grupos mais fracos e marginalizados continuarão a sofrer
mais os danos sobre a saúde devido a poluição, falta de saneamento
urbano etc., sem usufruir das vantagens econômicas do consumismo,
pois os países do Sul continuarão a pagar as necessidades consumistas
dos países do Norte com a monocultura, com o próprio ambiente
destruído (natural e culturalmente) e com a fome (TIEZZI, 1988).
Este novo cenário global, no qual predomina a elevada acu-
mulação tecnológica baseada num intenso grau de conhecimento do
homem e da mulher, numa automatização e robotização da produ-
ção, na transnacionalização do capital, na revolução da informática
e das telecomunicações e na planetariedade como categoria para o
desenvolvimento humano, significa um espaço inédito na história da
humanidade que requer novas respostas em todas as ordens: política,
econômica, cultural, educativa, filosófica etc.
Diversos autores vêm apontando algumas pistas para a saída
desta situação que se apresenta, dentre as quais se destacam, além de
políticas públicas firmes e eficientes, a participação das populações
envolvidas e a educação ambiental (SACKS, 1994; FERREIRA, 1998).
Reigota (1994) propõe que a educação ambiental deva procu-
rar estabelecer uma nova aliança entre a humanidade e a natureza, e
a ética deva permear todas relações sociais, políticas e econômicas.
Essa educação deve se basear no diálogo entre gerações e culturas em
busca do que ele chama de tripla cidadania: local, continental e pla-
netária, e da liberdade na sua “mais completa tradução”, tendo im-
plícita a perspectiva de uma sociedade mais justa, tanto em nível
nacional quanto internacional.
Pensar planetariamente, e atuar localmente para se integrar
com harmonia dentro de uma nova ética planetária e de novas for-
mas de organização política e social parece ser uma pista consensual
entre os vários autores que tratam a questão, cujas soluções devem
tratar das raízes do problema e não de seus sintomas. Dentre as várias
soluções cabe ressaltar a de Sousa Santos (1996) que enfatiza a emer-
gência de lutas tais como: o movimento ecológico, o movimento dos
povos indígenas, os movimentos de operários de vários países, o mo-
vimento de mulheres etc., que carregam em si a negação dialética
para os dilemas referidos.
Gênero e meio ambiente: construindo a Agenda 21 de ação das mulheres... 179

2. Participação da mulher na construção de uma


sociedade sustentável para o novo milênio
As mulheres têm papel fundamental na promoção de uma so-
ciedade mais sustentável para o próximo milênio, enquanto consu-
midoras, produtoras e educadoras das novas gerações. Porém, mes-
mo representando uma força importantíssima na vida cotidiana, a
grande maioria das mulheres segue ausente, em grande medida, de
todos os níveis de decisão e formulação de políticas públicas sobre
gestão, conservação, proteção e reabilitação do meio ambiente. A
experiência e a capacidade da mulher para a defesa e o desenvolvi-
mento de técnicas apropriadas de utilização dos recursos naturais
encontram-se marginalizadas.
Assim como nas outras áreas, as mulheres estão sub-represen-
tadas também nas instituições oficiais com capacidade normativa na-
cional, regional e internacional que se referem ao meio ambiente.
Poucas são as mulheres que chegam a ser reconhecidas como espe-
cialistas na gestão dos recursos naturais com capacidade de decisão,
especialistas em planejamento territorial, engenheiras agrônomas,
advogadas especializadas em direito ambiental etc.
A comunidade internacional vem endossando vários planos
de ação e convenções para a integração plena, eqüitativa e benéfica
da mulher em todas as atividades relativas ao desenvolvimento eco-
nômico, social e político, em particular, as Estratégias Prospectivas
de Nairóbi para o Progresso da Mulher, elaboradas em 1985. Estas
últimas enfatizaram a participação da mulher no manejo nacional e
internacional dos ecossistemas e no controle da degradação ambien-
tal.
Outras convenções têm contribuído para assegurar o fortale-
cimento da participação da mulher com vistas a um desenvolvimen-
to sustentável e eqüitativo da vida pública e privada, assim como
para acabar com todas as formas de discriminação baseada no sexo,
assegurando e garantindo à mulher acesso aos recursos naturais, à
educação, ao emprego seguro em condições de igualdade, à saúde
plena etc. Dentre essas convenções podemos citar a Convenção so-
bre todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, aprovada
pela ONU em 1979 e ratificada pelo Brasil em 1984.
180 Igualdade de oportunidades para as mulheres

O movimento de mulheres, além da preocupação com as polí-


ticas populacionais, que incidem diretamente sobre o nosso corpo,
vem aprofundando discussões sobre os mais variados temas ambientais
da atualidade, uma vez que esses vêm acarretando riscos generaliza-
dos às populações femininas locais e globais tais como: diminuição
da camada de ozônio, contaminação das águas, poluição do ar, entre
outros. As concepções e críticas ao desenvolvimento moderno e oci-
dental vêm sendo marcadas por um forte androcentrismo – enfoque
sobre um tema a partir unicamente da perspectiva masculina e poste-
rior utilização dos resultados como válidos para a generalização dos
indivíduos homens e mulheres – tornando-se urgente uma aborda-
gem da questão ambiental incorporando o ponto de vista de gênero,
uma vez que “os modelos de desenvolvimento existentes afetam de
maneira diferente o cotidiano de homens e mulheres, já que o padrão
de desenvolvimento existente não é nem sustentável, nem igualitá-
rio” (CASTRO E ABRAMOVAY, 1997).
Nesse sentido, mulheres de muitos países, culturas, credos,
etnias e classes sociais diferentes, imbuídas da responsabilidade da
luta por um Planeta mais saudável e justo para esta e para as próxi-
mas gerações, e também cientes de que um novo modelo de desen-
volvimento mais sustentável deva contemplar todos os atores e atri-
zes sociais de maneira eqüitativa, vêm formando um forte movimento
no que se refere à questão ambiental, não só incorporando as mulhe-
res em análises das necessidades práticas existentes, mas também
utilizando a perspectiva de gênero para o estabelecimento de políti-
cas sociais mais justas e eqüitativas.
Foi justamente esse movimento que gestou a idéia de uma
Agenda 21 de Ação das Mulheres e que nasceu na Rio-92 como re-
sultante de um processo de consulta internacional coordenado pelo
WEDO (Women, Environment and Development Organization) no
período que antecedeu a ECO-92. O documento ressalta 14 áreas
prioritárias e foi aprovado no I Congresso Internacional de Mulheres
por um Planeta Saudável, que reuniu 1500 mulheres de 83 países em
novembro de 1991, em Miami, Estados Unidos. Desde então vem
sendo utilizado como documento de referência das ações empreendi-
das por um grupo de mulheres no mundo inteiro.
A Agenda 21 de Ação das Mulheres vem se constituindo num
importante instrumento de mobilização das mulheres no contexto
Gênero e meio ambiente: construindo a Agenda 21 de ação das mulheres... 181

das políticas de desenvolvimento sustentável, uma vez que propicia


dinâmicas de interação de gênero, pois a negociação é promovida em
conjunto com os homens, que por sua vez tomam conhecimento de
uma outra realidade trazida pelas mulheres.
Um balanço das primeiras experiências de implementação da
Agenda 21 de Ação das Mulheres, divulgadas pela Internet, vem mos-
trando que:
• a Agenda 21 de Ação das Mulheres consolida a visão das mulhe-
res no processo participativo desenvolvido em escala local e glo-
bal;
• a Agenda 21 de Ação das Mulheres vem orientando a contribui-
ção das mulheres sobre a questão do desenvolvimento sustentável
em outros fóruns nacionais e internacionais;
• a Agenda 21 de Ação das Mulheres vem orientando a participa-
ção das mulheres na implementação de Agendas 21 locais;
• a Agenda 21 de Ação das Mulheres vem se constituindo como
uma nova forma de formular políticas públicas, visto que, em seu
processo de implementação há a necessidade da instituição de par-
cerias das organizações de mulheres com outras organizações da
sociedade civil, assim como com órgãos públicos e privados.
No Brasil, a Agenda 21 de Ação das Mulheres deu origem à
formação de uma rede, além de várias iniciativas desenvolvidas sob a
forma de parceria entre OSCs e órgãos públicos estaduais e munici-
pais. Porém, não tem sido fácil introduzir, onde quer que seja, formas
inovadoras e criativas de agir e de pensar. De acordo com Camargo
(1998) o conceito de desenvolvimento sustentável é inteiramente
novo e sua prática ainda é controvertida e discutível, principalmente
em países heterogêneos e de dimensão continental, como é o caso do
Brasil, onde o ato de romper com velhas estruturas torna-se ainda
mais exaustivo em virtude da dispersão, da diversidade e da inércia.

3. Espírito Santo do Turvo


Cada vez mais se reconhecem os impactos dos determinantes
das condições de vida nas cidades e dos problemas ambientais na
saúde e na qualidade de vida dos homens, das mulheres e das comu-
182 Igualdade de oportunidades para as mulheres

nidades. Os problemas ambientais que afetam a saúde pública não


são atuais como parecem: desde a antigüidade os problemas decor-
rentes da deterioração do meio ambiente se faziam presente. O que é
relativamente novo é o debate (TEIXEIRA, 1998).
A crise de saúde pública e do meio ambiente hoje no Brasil traz
em seu bojo o reconhecimento de uma crise mais ampla: social, políti-
ca, econômica e cultural. A gravidade desta crise se evidencia na
constatação de que grande parte dos problemas detectados na área da
saúde e do meio ambiente envolve a forma pela qual as pessoas conce-
bem o processo saúde-doença e a sua relação com a natureza.
Portanto, para a superação de tal crise é necessário, por um
lado, a transformação dessa concepção da realidade, entendendo que
o processo saúde-doença não se dá dentro de concepções meramente
biológicas, mas sim como resultante também das condições de vida
de uma dada população e, por outro lado, com um novo relaciona-
mento com o meio ambiente. Da alimentação à poluição atmosféri-
ca, da saúde no trabalho ao estresse metropolitano, da violência no
trânsito à qualidade de vida nas cidades, do saneamento ambiental
ao uso indiscriminado de agrotóxicos na agricultura etc., a relação
saúde e meio ambiente é palco para discussões tanto no plano das
políticas públicas e experiências locais, como nos diagnósticos e es-
tratégias internacionais (JACOBI, 1996).
Dada a precariedade da ação do Estado na proteção e na pre-
servação de agravos na questão ambiental que, não assegurando um
nível adequado das condições de vida, gera impactos profundos so-
bre a saúde das populações urbanas, a conexão saúde e meio ambien-
te ganha concretude e expõe as contradições profundas do modelo
econômico injusto e insustentável, adotado pelo país (JACOBI, 1996).
Depara-se hoje com um quadro em que, para grande parte das
populações que vivem nas cidades, a saúde torna-se uma porta de
entrada para o debate ambiental e conseqüentemente para a quali-
dade de vida, seja pelos resultados nefastos causados pelas desigual-
dades sociais, seja pela deterioração cada vez mais acentuada do meio
ambiente nas cidades. A situação ganha concretude ainda, se obser-
vadas as condições precárias vivenciadas pelas populações de corti-
ços, favelas e moradias de bairros periféricos, no caso de São Paulo
(JACOBI, 1996).
Gênero e meio ambiente: construindo a Agenda 21 de ação das mulheres... 183

Não obstante, a dinâmica econômica e demográfica brasileira


não tem ficado atrás do restante da América Latina. A metrópole
paulistana tem adquirido relevância nacional e internacional, com a
crescente globalização da economia e com o ritmo acelerado de ur-
banização. Porém, na última década, tem ocorrido um trasbordamento
das atividades industriais da metrópole para um raio mais amplo, cau-
sando grande crescimento das cidades médias, situadas ao redor de
pólos regionais de desenvolvimento. Este processo vem tendo um
impacto ambiental ainda não avaliado. Por conta disso, há forte pres-
são de órgãos e entidades ambientalistas no sentido de exigir maior
conhecimento da dinâmica ambiental urbana, como forma de asse-
gurar melhor qualidade de vida aos enormes contingentes populacio-
nais concentrados em áreas urbanizadas. Esta pressão tem levado a
um deslocamento da agenda ambiental de ecossistemas “naturais”
como Mata Atlântica, manguezais etc., para questões urbanas tais
como: saneamento urbano, drenagem urbana, recursos hídricos, po-
luição atmosférica, disposição de resíduos sólidos, ocupação
desordenada de áreas de proteção ambiental, entre outras (KRASILCHIK
et al, 1996).
Assim sendo, diante do reconhecimento crescente e contínuo
do vínculo existente entre Saúde Pública, problemas ambientais, con-
dições de vida e urbanização, necessário se faz o desenvolvimento de
projetos que propiciem o desenvolvimento e a capacitação das co-
munidades dos pequenos e médios centros urbanos no que se refere à
preservação e à criação de ambientes saudáveis e a promoção da saú-
de com o objetivo da conquista de uma melhor qualidade de vida.
A realidade aponta para a necessidade de projetos que con-
templem a participação das mulheres na condução das políticas pú-
blicas, uma vez que a importância da mulher na manutenção do nú-
cleo familiar é inegável, não somente em termos da importância que
lhe é tradicionalmente atribuída, mas em termos de um novo papel
feminino revestido de um caráter mais público baseado em relações
de vizinhança, ajuda mútua e solidariedade, o que, certamente, vem
contribuir para a obtenção de uma melhor qualidade de vida.
Neste contexto insere-se o município de Espírito Santo do
Turvo, alvo geográfico deste projeto, que tem uma economia basea-
da na monocultura da cana-de-açúcar, o que vêm ocasionando mu-
184 Igualdade de oportunidades para as mulheres

danças significativas no equilíbrio da paisagem, gerando a degrada-


ção ambiental, interferindo na saúde e, conseqüentemente, na quali-
dade de vida da população.
O interesse do projeto em desenvolver a construção coletiva
da Agenda 21 de Ação das Mulheres numa cidade do interior paulista
deve-se ao fato de que as propostas das mulheres no município vêm
trazendo novas alternativas de sobrevivência, novas práticas de gê-
nero, novos conhecimentos sobre suas realidades e uma nova sensi-
bilidade com relação à questão ambiental e de saúde, o que certa-
mente contribuirá para o estabelecimento de políticas sociais mais
justas e eqüitativas.

3.1 O movimento de mulheres de Espírito Santo do Turvo:


um breve histórico
O Movimento de Mulheres de Espírito Santo do Turvo englo-
ba duas associações: a AMEST (Associação de Mulheres de Espírito
Santo do Turvo) e a ARTEST (Associação dos Artesãos de Espírito
Santo do Turvo) e representa um importante passo na transforma-
ção das condições de vida da população do município, assim como
na construção de uma sociedade mais justa e sustentável.
As associações AMEST e ARTEST atuam não só no desen-
volvimento de novas alternativas de renda para as mulheres de Espí-
rito Santo do Turvo, mas também contribuem para o desenvolvi-
mento de ações educativas em saúde, a partir de uma perspectiva de
gênero. Oficinas com temas sobre sexualidade e anticoncepção fo-
ram algumas das iniciativas patrocinadas pela Fundação Kellog e
desenvolvidas pelo Projeto UNIR para as mulheres do município,
como pode ser constatado em diversos depoimentos apresentados
pelas integrantes do projeto.
Há que ser ressaltada a importância do trabalho que vem sen-
do desenvolvido pelas mulheres de Espírito Santo do Turvo no que
se refere ao aproveitamento e à reciclagem de materiais considerados
por uma parcela da sociedade como “lixo”: retalhos, restos de lã, apa-
ras de madeira. Enfim, tudo o que é descartado no processo produti-
vo de confecções, indústria de móveis, pode ser transformado pelas
Gênero e meio ambiente: construindo a Agenda 21 de ação das mulheres... 185

mulheres do município em tapetes, colchas de retalhos, bonecas e


outros produtos artesanais. Atividades como essas, que tempos atrás
faziam parte do cotidiano das mulheres, hoje são esquecidas, desva-
lorizadas ou simplesmente deixadas de lado nas sociedades altamen-
te urbanizadas.
Enquanto atividade econômica, a ARTEST e a AMEST ofe-
recem uma importante possibilidade de renda para as mulheres do
município. Cabe ressaltar que, no ano de 1998, a Usina Sobar, a maior
fonte de empregos do município, esteve fechada por dificuldades fi-
nanceiras do setor sucro-alcooleiro, causando uma das maiores crises
já vividas pelo município. Nesse momento tão difícil, foi de impor-
tância crucial a participação das duas associações de mulheres de
Espírito Santo do Turvo não só na manutenção das famílias, mas
também no desenvolvimento de um novo papel feminino, revestido
de um caráter mais público, ainda que baseado nas relações de vizi-
nhança, ajuda mútua e solidariedade.
Ao propor a construção de uma Agenda 21 de Ação das Mu-
lheres no município de Espírito Santo do Turvo, acreditamos que só
é possível pensar o meio ambiente e o desenvolvimento a partir de
um conceito de biodiversidade que abarque as diversidades étnica,
racial, cultural e de gênero. No caso do município em questão, apesar
da entrada massiva da mão-de-obra feminina no mercado informal
de trabalho não há equipamentos públicos que permitam à mulher
uma maior liberação para o trabalho. A ausência de programas espe-
cíficos voltados para a saúde e o bem-estar físico e emocional são
fatores que tendem a agravar as condições de vida das mulheres da
cidade.

4. População-alvo
O projeto realizar-se-á no município de Espírito Santo do Tur-
vo, localizado a 353 km da capital do estado de São Paulo, na zona
administrativa de Santa Cruz do Rio Pardo. Sua população, segundo
o censo de 1996, é de 3.108 habitantes, sendo 1600 do sexo masculi-
no e 1508 do sexo feminino, dos quais 2.681 habitantes estão na
zona urbana e 427 na zona rural.
186 Igualdade de oportunidades para as mulheres

5. Objetivos
O objetivo geral deste projeto é fortalecer a participação das
mulheres de Espírito Santo do Turvo nas diversas instâncias políticas
e administrativas da cidade, por meio da implementação da Agenda
21 de Ação das Mulheres.

Os objetivos específicos são:


n Sensibilizar as mulheres do município sobre a importância das pro-
postas da Agenda 21 e de suas responsabilidades para a implemen-
tação das mesmas;
n Sensibilizar as mulheres sobre o princípio da sociedade sustentável
com ênfase na igualdade de oportunidades entre mulheres e ho-
mens;
n Promover a participação das mulheres na recuperação do meio
ambiente, tanto natural quanto social e construído;
n Propiciar às mulheres de Espírito Santo do Turvo uma interlocução
com outras redes que vêm desenvolvendo projetos de implantação
da Agenda 21 de Ação das Mulheres;
n Estabelecer programas específicos, combinando as áreas de saúde,
educação, esportes e cultura e bem-estar social visando a melhoria
da qualidade de vida das mulheres e suas famílias;
n Proporcionar às mulheres espaços de convivência nos quais pos-
sam discutir temas de interesse e desenvolver atividades de orga-
nização e conscientização;
n Garantir a representação das mulheres por meio de suas entidades
nos programas sociais do município e nos vários conselhos exis-
tentes na cidade;
n Estabelecer políticas municipais de gênero em todos os setores da
administração que combatam a discriminação da mulher e
objetivem a melhoria da qualidade de vida da população feminina.

6. Metodologia
“Pensar a cidade ao feminino é sem dúvida nenhuma um novo
exercício de reflexão para todo o movimento de mulheres,
Gênero e meio ambiente: construindo a Agenda 21 de ação das mulheres... 187

tanto para o movimento institucionalizado, como para o au-


tônomo. Uma re-leitura é essencial se quisermos falar em
igualdade e democracia” (CALIÓ, 1991).

Com base na frase de Calió, será proposta a discussão, em gru-


pos organizados (artesãs, mulheres, amigas, vizinhas, mães, idosas etc.),
de uma releitura da cidade por meio do tema: o meio ambiente e a
mulher de Espírito Santo do Turvo. Nesses encontros serão enfatizadas
as impressões, as lembranças, as observações cotidianas, enfim, todas
as contribuições para a montagem de um quadro socioambiental da
cidade.
As reflexões serão estimuladas por meio de uma metodologia
na qual todas as mulheres participem, desenvolvendo assim a auto-
estima e a criatividade. Para tanto, serão utilizados oficinas, teatro,
música, exposições, debates, além de outras manifestações criativas.
Com base nas discussões serão organizadas e realizadas pelos
grupos, de forma conjunta, ações voltadas para a superação dos pro-
blemas levantados.
As propostas e encaminhamentos resultantes desses grupos de
reflexão serão sistematizados em uma publicação intitulada: Agenda
21 de Ação das Mulheres de Espírito Santo do Turvo – um caminho
para a sustentabilidade ambiental e social.

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Qualidade de vida: uma construção a partir da vivência das mulheres 191

QUALIDADE DE VIDA: UMA CONSTRUÇÃO A PARTIR


DA VIVÊNCIA DAS MULHERES

Cecilia Carmen Casimiro

Introdução
Este trabalho teve seu início com o projeto “Escola, Saúde e
Meio Ambiente”, cujo objetivo era integrar a Secretaria da Saúde e da
Educação para desenvolverem um trabalho ligado ao meio ambiente,
na região do bairro do São João, no município de Mauá, área da Gran-
de São Paulo (SP).
Foi extremamente difícil encontrar escolas interessadas em es-
tabelecer uma parceria. Finalmente, depois de mais de três meses, quan-
do eu quase desistia, a escola municipal de ensino básico “Cora Coralina”
aceitou realizar o primeiro projeto que está em andamento.
Neste momento, senti que esta foi minha primeira lição enquanto
educadora ambiental; por mais que eu possa acreditar que sejam inte-
ressantes, realizar trabalhos nesta área, preciso aprender a recuar, a
transformar, a esperar o tempo do outro.
Passei então a realizar o projeto atual “Qualidade de vida: uma
construção a partir da vivência das mulheres”, que também ensinou-
me muito na medida em que o primeiro nome que escolhi foi: “A mu-
lher e o lixo” e, por intermédio do curso de “Formação de agentes para
promover a igualdade das mulheres, do NEMGE”, percebi que estava
considerando as mulheres como as responsáveis pela grande quantida-
de de lixo no bairro e que eu não as via como aquelas capazes de sensi-
bilizarem-se e sensibilizar para o cuidar do local onde vivem.
Tive um crescimento pessoal, na medida em que passei a perce-
ber o cuidado que tenho comigo e como cuido das pessoas que estão ao
meu redor, a importância desse cuidar, e que eu também posso, ao
estar sensibilizada, sensibilizar.
192 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Foi difícil passar para o papel aquilo que percebia das relações
existentes entre: população x bairro; casa x rua; privado x público; e
fazer as relações destes com a teoria.
Aprendi, enquanto educadora ambiental, a assumir e aceitar
as minhas limitações, e não me frustar por isso, mas sim buscar ma-
neiras de superar esta dificuldade de escrever e também aceitar as
limitações, sejam quais forem, daqueles com quem vou trabalhar.
A devolutiva dos resultados obtidos com a pesquisa ainda não
foi realizada, mas estou satisfeita com os resultados que obtive, pois
para o problema que levantei sobre se eram capazes de sensibiliza-
rem-se para sensibilizar, consegui resposta: sim, são, na medida em
que demonstram uma grande preocupação com o cuidar da casa e
seu entorno.
Acredito que apesar de toda a opressão em que vivem, seja na
casa ou na rua, proporcionada pela realidade socioeconômica, pode-
rão, com a devolutiva da pesquisa, criar um plano de ação que traga
a qualidade de vida para a região.

I. O problema
Pretendo com este trabalho verificar como as mulheres
usuárias da Unidade Básica de Saúde do bairro São João, no muni-
cípio de Mauá (SP), podem ser sensibilizadas, a fim de sensibiliza-
rem a comunidade para que haja um cuidado maior com o local
onde vivem.
Este trabalho surgiu a partir de minha atuação como assistente
social em uma Unidade Básica de Saúde no bairro do São João, do
citado município.
A cidade de Mauá é dividida em regiões e o bairro São João
está localizado na região de número 12, que tem as seguintes caracte-
rísticas: pouco verde, rio e córrego poluídos. Isso foi conseqüência da
necessidade de adaptação do bairro à vida de 21.955 habitantes. No
bairro existem “bens” como comércio, indústrias e várias instituições
que, se por um lado trouxeram melhorias e desenvolvimento, por
outro trouxeram poluição, necessidade de canalização dos córregos,
interferência nas condições do meio ambiente e na qualidade de vida
Qualidade de vida: uma construção a partir da vivência das mulheres 193

de seus moradores. Percebo a falta de planejamento devido a exis-


tência de poucas áreas de lazer e ocupação de terras que fazem parte
da zona de proteção de mananciais, além da grande produção de lixo,
cerca de 2.329 toneladas/mês.
Ao observar essa realidade, preocupou-me a precária qualida-
de de vida da região.
Mas o que seria qualidade de vida?
O Código de Saúde do Estado de São Paulo diz que “qualidade
de vida pressupõe:
I – Condições dignas de trabalho, de renda, de alimentação e
nutrição, de educação, moradia, saneamento, de transporte e de lazer,
assim como o acesso a bens e serviços essenciais...”.
Entendo que existe uma relação entre todos os fatores que com-
põem a manutenção da vida diária. Estas relações são estabelecidas
tanto dentro de casa (alimentação, nutrição, educação, moradia),
como também na rua (saneamento, transporte, lazer, acesso a bens e
serviços).
Tal conceituação de qualidade de vida traz a idéia de que pre-
cisa haver equilíbrio entre o privado (a vida na casa) e o público (a
vida da rua, do coletivo), afinal, um depende do outro, e há a neces-
sidade de um desenvolvimento sustentado que se preocupe com a
manutenção da vida de uma forma adequada e equilibrada.
Ao assumir este parâmetro, o de vida equilibrada, percebo que
existe um isolamento entre a casa e a rua.
O cuidar só está sendo vivido no espaço (privado) da casa e
ainda não ultrapassou os muros para ganhar as ruas (público).
Segundo da Matta (1985), isto acontece porque a casa (priva-
do) é um local onde as pessoas permanecem, vivem, e o viver está
ligado ao cuidar. Já a rua (público) sempre foi vista com um local que
é de todos; não se estabelece um vínculo com ela que é apenas uma
ligação, só uma passagem.
Com a existência da “malandragem” nas ruas, esta caracterís-
tica ficou mais acentuada, criando uma série de preconceitos; o qua-
dro se agrava, principalmente, se o espaço público for caracterizado
pela proximidade entre a terra e a água, pois esta proximidade carac-
teriza o perigo de enchentes e doenças.
194 Igualdade de oportunidades para as mulheres

A região do São João apresenta estas duas características: a)


malandragem, com a ocorrência de muita violência e b) a presença
de córrego e rio, o que traz para essa região muita desvalorização, e
assim uma despreocupação com o cuidar.
Rolnik (1997) argumenta que o espaço público é um espaço
de ninguém, onde a população está morrendo, mas este descuidar
pode ser alterado com o renascimento da vida pública, onde cada
morador assuma a responsabilidade pelo local onde mora.
Esta responsabilidade é encontrada quando se observa o cui-
dar pela casa.
Quando se fala em desenvolvimento sustentável é necessário
repensar a integração entre casa e rua, para que esse cuidar, ao ultra-
passar os muros da habitação, faça com que os preconceitos sejam
superados, possibilitando que cada um assuma a sua parte da respon-
sabilidade pelo coletivo.
As mulheres podem fazer essa integração já que “envolvidas
com a sobrevivência do cotidiano da família acabam se convertendo
em gestoras de configuração urbana, reunindo as famílias, vizinhan-
ça, estabelecendo relações de solidariedade mútua (que) convertem
o bairro no espaço ampliado de trabalho doméstico, coletivizando
carências e necessidades” (LAVINAS, 1997).
Na medida em que estão envolvidas com o cuidar podem tra-
zer para o espaço ampliado esta preocupação e assim sensibilizarem
familiares e vizinhança para a importância do local onde vivem; re-
sulta que ao perceberem esta dimensão, assumem sua responsabilida-
de pelo cuidar, fazendo com que haja uma melhora da qualidade de
vida da região.

II. Diagnóstico
Realizei uma pesquisa com quinze mulheres, freqüentadoras
da Unidade Básica de Saúde do São João, que buscavam atendimen-
to e orientação no serviço social.
São mulheres em sua maioria jovens, casadas, que estão en-
volvidas com o cotidiano da casa, caracterizado por: a) limpeza dos
móveis, roupas; b) preparo dos alimentos; c) compra dos materiais
Qualidade de vida: uma construção a partir da vivência das mulheres 195

necessários para manutenção da casa; d) zelo pela vida de terceiros,


no caso filhos, marido, parentes e agregados, sem contar os animais.
Quando chegam ao atendimento, trazem preocupações liga-
das a esse cotidiano tais como falta de dinheiro para comprar remé-
dios para aqueles que estão doentes, desemprego, fome, falta de mo-
radia, violência (estupro, agressão física por parte do marido),
necessidade de documentação (registro, carteira de trabalho, R.G.,
carteirinha para isenção de tarifa de transporte) etc.
Escolhi alguns dias para realizar a pesquisa, durante o atendi-
mento, preocupando-me em entrevistar somente as mulheres que fos-
sem casadas, para que pudesse traçar o perfil de como acontece o
cuidar da casa e a relação com a rua e o bairro.
Observei que ao explicar o objetivo da pesquisa – o de cons-
truir melhor qualidade de vida na região do São João através delas –
e que para isso primeiro eu precisava conhecer algumas coisas como
o cuidado da casa, da rua etc., e que depois iria chamá-las para, junto
comigo, poder perceber como era esse cuidar e o que poderia ser feito
para construirmos uma vida com mais qualidade, todas elas, sem re-
sistência, sempre aceitaram participar.
Depois de realizar as entrevistas fiz a análise dos dados desta-
cando algumas categorias: faixa etária, escolaridade, naturalidade,
propriedade da casa; observei a presença de quintal, as característi-
cas da rua, do bairro, a presença de plantas, lixo, a relação com vizi-
nhos, problemas existentes no bairro e propostas para solucioná-los.

III. Resultados
Entrevistei mulheres que pertencem à faixa etária de 26 a 78
anos; 40% possui entre os 21 e 29 anos.
Quanto ao nascimento, 53% provém dos estados de São Paulo,
Minas Gerais e Espírito Santo.
O nível de escolaridade divide-se: 40% cursou de 1ª a 4ª série,
e 46% de 5ª à 8ª série.
Para que os dados colhidos fossem melhor percebidos, dividi-
os entre: casa, rua e bairro.
196 Igualdade de oportunidades para as mulheres

As casas são cuidadas com muita dedicação, as mulheres rela-


tam uma preocupação e um prazer quando realizam esta ação mesmo
quando a casa não possui a estrutura dos seus “sonhos”, seja em rela-
ção aos móveis, ao número de cômodos, e ao acabamento como pi-
sos, ladrilhos etc.
O cuidar da casa foi apropriado pelas mulheres “...Cuidado
muito grande apesar das coisas não serem boas, ontem eu estava fa-
lando que passo vinte e quatro horas cuidando e não adianta...”
Os quintais são pequenos, em sua maioria o chão é de terra,
isto é visto com certo “ preconceito”, mas mesmo assim não deixam
de cuidar desta parte externa da casa, “...não é muito limpo porque
crio galinha, pato, ganso, cachorro, gato, agora choveu tá uma lama
só, mas quando não, tá tudo limpinho, eu varro!!!”
Todos os quintais têm plantas: roseiras, boldo, alecrim, feijão
de vagem, pé de banana, sabugueiro, caju, ameixa, chuchu, pé de
maçã, amora, comigo-ninguém-pode.
Há plantas ornamentais (flores), curativas (chás) ou para ali-
mentação (feijão, café, chuchu etc.). São plantas usadas para cuidar,
seja em nível estético, como as rosas, para dar um aspecto mais boni-
to ao jardim e a casa; ou ao cuidado curativo como os chás.
Nesta parte externa da casa, o cuidar é dividido com os fami-
liares “...tem um pé de rosa, mas minha mãe é quem cuida”, assim
como o cuidado com o lixo “... Se eu não desço, o meu marido desce
o lixo”, “... eu peço pra eles (filhos) me ajudarem a recolher o lixo...”
O lixo é recolhido em sacolas de supermercado, ou em sacos
plásticos apropriados e o lixeiro passa nas ruas em dias intercalados.
Em algumas casas o lixo é separado e usado como “esterco”
para as plantas (ex. cascas de banana e pó de café).
Grande parte das ruas são asfaltadas, dispõem de saneamento
básico, com ausência de arborização. Interessante que ao perguntar
sobre arborização na sua rua, não conseguiram verbalizar mas trans-
feriram imediatamente para a casa, o quintal e o jardim. “...Na mi-
nha casa tem uma grande árvore!!!”
Existe o serviço de coleta de lixo e o projeto catabagulho,1
mas mesmo assim ele é jogado no meio da rua ou em terrenos bal-
1
Projeto da Prefeitura que tem o objetivo de recolher lixos como sofás ve-
lhos, armários, restos de construção etc.
Qualidade de vida: uma construção a partir da vivência das mulheres 197

dios “...muita gente não liga para limpar jogando lixo no meio da
rua...”
O cuidar está dentro da casa e não no meio da rua “...da frente
da minha casa eu cuido...”
O relacionamento com os vizinhos se limita a cumprimentos,
fato este “relacionado” à questão do medo de que possam haver fuxicos
e “diz que me disse”!, “...evito fuxico”. “...Só me relaciono quando
posso pois trabalho!...”. Explicam esta falta de sociabilidade de vizi-
nhança pelo pouco tempo que têm devido ao trabalho fora de casa.
No bairro não existem praças ou festas características, reve-
lando ausência de uma cultura específica à região; às vezes algumas
festas de aniversário. “...às vezes um aniversário murcho...”
Conseguem perceber que a falta de lazer está relacionada à
realidade socioeconômica “...não tem nada, é vila de pobre, pessoa
que luta com a vida...”; há aparentemente uma acomodação com
esta ausência.
Existem instituições públicas como escolas municipais, esta-
duais, creches, mas a maioria das entrevistadas desconhece o nome
da instituição.
Muitas moram perto do rio ou de córrego, vendo neles uma
possibilidade de depósito de lixo, ou esgoto.
Uma moradora, que reside no local há trinta anos, compara o
rio de ontem com o rio de hoje. “...Antigamente, ele era maravilho-
so! Era cristalino, dava para beber água e lavar a louça, hoje é córrego
podre, até cheira mal...”
Devido a grande urbanização da região existem poucas árvo-
res e matas.
As mulheres mais velhas consideram a mata bonita e impor-
tante. “...tem uma chácara que é puro mato, que é de uma firma, que
é cercado pro povo não invadir, eu acho bonito!”
As mulheres mais jovens associam a existência da mata à vio-
lência, não a consideram importante e acreditam que quando ela di-
minui é o sinal da chegada do progresso no bairro. “...tem matinha
que já foi mato mesmo e agora está aberto, diminuiu o mato, ficou
melhor...”, “...no fundo de casa tem uma mata e apareceu um homem
morto estes dias...”
198 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Há grande quantidade de comércio na região acompanhando


a acentuada urbanização.
O bairro tem grande quantidade de lixo nas ruas, “...o povo
joga muita coisa na rua, sofá, TV, colchão etc.”
Tem uma grande dificuldade em cuidar do bairro; em relação
ao lado externo da casa, só conseguem cuidar no máximo da sua rua.
Quando se pede para caracterizarem como é o lixo existente no bair-
ro acabam falando do lixo da sua rua e não do bairro “...o povo joga
muito lixo na rua...”
Consideram que a responsabilidade pelo cuidar do bairro é da
Prefeitura “...tem o pessoal da prefeitura que todo o dia limpa ali...”
Sobre a relação casa x rua, aquilo que acontece na casa em
termos culturais ou afetivos não lhes parece exercer uma influência
sobre a rua.
Quando existe uma percepção de influência, estas estão divi-
didas em: a) positivas – quando percebem que ao cuidarem de suas
casas podem influenciar aqueles que as vêem fazendo “...eu limpo a
calçada, acabo influenciando o outro a limpar...”, como também a
influência que podem causar pelo bom relacionamento que mantêm
em casa. “...fala que nossa casa não tem xingo, é tudo quieto...”, e o
respeito e admiração que possam ter das pessoas “...eles gostam de
mim!”; b) negativas – relacionadas aos comentários e aos fuxicos fei-
tos: “... Se a gente briga em casa as pessoas saem falando...” Há uma
visão de que o que se passa dentro de casa não é bom que saia para a
rua, reforçando um padrão cultural (de distinção entre os dois es-
paços).
Mas consideram que o que acontece na rua exerce uma in-
fluência nas relações estabelecidas na casa.
Consideram pontos positivos a troca de conhecimento, a apren-
dizagem “...com o benzimento me ensinam plantas, chás”, e que po-
dem difundir um comportamento modelo “...vêem a rua limpa, vão
ter mais capricho em casa...”
Quanto aos aspectos negativos referem-se à violência, o lixo, o
alcoolismo “... o lixo trazendo sujeira para casa...”, “...abriram um bar
de bebida que é só confusão, os bares afetam meus irmãos...”, “...A
violência... a gente orienta os filhos para não entrar nessa...”
Qualidade de vida: uma construção a partir da vivência das mulheres 199

Acreditam que assim como cuidam da casa, cuidam da rua e


do bairro. Pois acham que ao fazer sua parte limpando suas calçadas,
como limpam suas casas, estão fazendo sua parte de cuidar do bairro.
“...da minha calçada eu cuido...”, “...procuro limpar minha frente...”,
cuido da minha calçada e do meu quintal...”
Algumas já tiveram algumas participações para melhoria do
local onde vivem tais como comissões, abaixo-assinados, ou mutirões.
“...já fiz até comissão...”, “...juntamos para arrumar a rua...”, “...já
assinei abaixo-assinado...”.
Muitas acreditam que a rua não faz parte de sua responsabili-
dade, “...eu vou cuidar da rua eu não sou fiscal, a rua é a rua, fica pra
lá, tem gente que passa lá e nem vê...”. Esta visão assemelha-se à dos
que cuidam da sua própria calçada, é um cuidar que só acontece de
um jeito isolado, cada um fazendo o que acredita que precisa ser fei-
to, mas isoladamente.
Quanto ao que precisa melhorar consideram que: a) dentro da
casa precisa haver emprego para melhorar as condições de vida; b) a
rua precisa de asfalto e esgoto; c) o bairro precisa de posto de saúde,
creche, delegacia, escola, farmácia, açougue, ônibus, banco, telefone
público, praça, sacolão2 e carrocinha,3 sendo que os mais votados são
a creche, a praça e a escola, respectivamente.
Consideram que não existe o que pessoalmente podem fazer, a
mudança no bairro depende das autoridades e não deles moradores
“...depende do pessoal que manda...”, “...meu alcance não dá...”, não
consideram que o poder esteja com elas, para mudar e transformar a
realidade, o cuidado pela rua e o bairro é da Prefeitura e só poderiam
fazer alguma coisa se tivessem dinheiro, “...se eu tivesse condições,
eu faria...”, “...se eu tivesse dinheiro eu ajudaria as pessoas...”; consi-
deram que os abaixo-assinados são inúteis: “...já fizeram abaixo-assi-
nado e não resolveram nada...”. Colocam a ação em conjunto como
algo muito distante “...união do bairro inteiro...”, “...se os vizinhos se
unissem mais, o bairro seria melhor...”. Desqualificam suas ações “não
têm forças para conseguir mudar a realidade”, desvalorizam não só o

2
Espécie de supermercado popular.
3
Carrocinha são veículos da Prefeitura para apreensão de cachorros sem
dono.
200 Igualdade de oportunidades para as mulheres

lugar onde moram, mas também consideram os moradores incapazes:


“...a gente espera pelo prefeito, a gente que é pobre não pode morar
em bairro bom, eu gostaria de morar no Maringá, lá são mais alertados,
a gente que é pobre não gosta do bairro da gente, se a gente não tem
condições de morar bem em um lugar, tem de lutar para o lugar ficar
bem, tem muita violência...”
Percebi com a pesquisa que as mulheres, ao assumirem o cui-
dar da casa, estão demonstrando a importância desta ação para a
manutenção da qualidade de vida do grupo familiar e, na medida que
transmitem para a família e vizinhança a forma como acreditam que
deva ser esse cuidar, sensibilizam os demais: por ex., na medida que
uma lava a calçada a outra também o faz e essa ação vai se multipli-
cando.
Mas para que esta sensibilização ocorra, faz-se necessária a cons-
cientização de uma nova divisão de papéis (mulheres, homens, fi-
lhos, filhas) já que o cuidar foi caracterizado como sendo responsabi-
lidade das mulheres.
As casas são simples, pequenas, o entorno (quintal) muitas
vezes é pequeno, mal-estruturado com declives acentuados dificul-
tando a convivência e o lazer nestes espaços.
Vejo como um grande problema a influência que recebem da
mídia sobre o que é ter uma casa ideal, o estilo da decoração dos mó-
veis, fazendo com que não valorizem o que possuem, criando dificulda-
des em perceber a forma como estabelecem a relação com a casa.
Percebem os problemas existentes: lixo, falta de esgoto, falta
de asfalto, assim como falta de árvores, a poluição do rio e do córrego.
Ainda assim, o bairro é visto como em constante progresso.
A vizinhança mantem contato, a solidariedade desponta quan-
do existe um problema vivido em conjunto, como a necessidade da
construção de uma canalização de esgoto.
Quanto ao bairro, consideram que possui muitos problemas e
associam isto ao fato de ser um local de pessoas pobres. Têm a cons-
ciência da realidade da forma como bem descreveu Rolnik quanto à
segregação do espaço público que se transforma em terra de ninguém.
Não acreditam que haja há alguma chance de modificar essa
realidade, primeiro porque imaginam que o poder pertence somente
Qualidade de vida: uma construção a partir da vivência das mulheres 201

aos políticos, e segundo, porque desconhecem o seu próprio poder de


cuidar.
Observou-se um outro fator relacionado com a origem de ou-
tros estados: resulta um sentimento de não pertencer àquele lugar
expresso da seguinte forma: por que vou cuidar daquilo que não é
meu?
No espaço privado existe a preocupação com o cuidar, ao pas-
so que não existe com o espaço público.
No entanto, quando se desenvolve uma sensibilização para a
necessidade do cuidar do público = rua, e do bairro, “as coisas acon-
tecem”, o resultado aparece.
Acredito que seja possível um trabalho de sensibilização das
mulheres e homens para que possam cuidar do local onde moram,
construindo uma melhor qualidade de vida.

Conclusão
A melhoria da qualidade de vida resulta do desenvolvimento
sustentável articulado entre o ser humano e o meio onde ele vive.
Isso se dá por intermédio de uma integração dos espaços públi-
cos e privados.
Hoje a realidade é de uma agonia planetária, como diz Morin
(1993).
Os problemas são tantos: violência, desemprego, fome, doen-
ças, que atingem ambos os espaços (público x privado), e se torna
difícil pensar se haverá alguma qualidade de vida futuramente.
Mas, de acordo com Guatarri (1995), a integração do meio
ambiente, das relações sociais e da subjetividade humana podem res-
gatar e transformar essa agonia.
As mulheres, por estarem sensibilizadas com o cuidar da casa,
têm tido essa responsabilidade pelo cuidar, entronizada, e podem levá-
la para a rua e para as relações que se estabelecem com o meio am-
biente. Mas estas ações devem ser compartilhadas por homens e
mulheres, jovens sem discriminação de gênero.
Após a análise dos dados, propus uma reunião com as entre-
vistadas. Este se tornou o primeiro momento de sensibilização. Pro-
202 Igualdade de oportunidades para as mulheres

pus em seguida a montagem, em conjunto, de um plano de ação para


sensibilizar familiares e vizinhança.

Referências bibliográficas
GUATARRI, F. (1995) As três ecologias. 5. ed. Trad. Maria Cristina F.
Bittencourt. Campinas: Papiras.
IGUALDADE. (1992) Revista da Procuradoria Geral do Estado de São
Paulo, 41 (supl.), junho.
LAVINAS, L. (1997) Gênero, cidadania e políticas urbanas. In: RIBEI-
RO, L. C. de Q. e SANTOS Jr., O. A. Globalização, fragmentação e
reforma urbana. 2. ed. Rio de Janeiro: BCD, União de Editoras S.
A., p. 169-88.
MATTA, R. da (1985) A casa e a rua: espaço, cidadania, mulher e
morte no Brasil”. São Paulo: Brasiliense.
MORIN, E.; KERN. A. (1993) “A agonia planetária”. Terra Pátria. Co-
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PHILIPPI Jr. (1982) Saneamento do meio. São Paulo: Fundacentro, p.
3-4. Introdução.
PINTO, C. R. J. (1992) Movimentos sociais: espaços privilegiados da
mulher enquanto sujeito político. In: COSTA, A. O. et BRUSCHINI,
(Org.) Uma questão de gênero. Rio de Janeiro: Rosa os Tempos.
ROLNIK, R. (1997) Planejamento urbano nos anos 90: novas perspec-
tivas para velhos temas. In: RIBEIRO, L. C. de Q. e SANTOS Jr., O.
A. Globalização, fragmentação e reforma urbana. 2. ed. Rio de
Janeiro: BCD, União de Editoras S. A., p. 351-72.
VIEZZER, M. et al. (1990) Col. Relações de Gênero na Educação Am-
biental. In: TRAJBER, Raquel (Org.). Avaliando a educação am-
biental no Brasil. 2. ed. São Paulo: Gaia, p. 138-52.
Qualidade de vida: uma construção a partir da vivência das mulheres 203

5 CAPÍTULO
Para enfrentar doenças
sexualmente transmissíveis
Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 205

AIDS E GÊNERO: TREINAMENTO PARA FORMAÇÃO


DE AGENTES MULTIPLICADORES DE INFORMAÇÃO
EM PREVENÇÃO EM DST/AIDS

Maria José Basaglia


Walkiria da Silva Zachêu

Apresentação
O presente trabalho relata uma ação positiva resultante do
Curso de Formação de Agentes de Igualdade de Oportunidades para
as Mulheres, da Universidade de São Paulo.
Trabalhamos no Ambulatório de Infectologia e Centro de
Orientação e Apoio Sorológico – COAS, do Programa de DST/AIDS,
no município de Mauá, área da região metropolitana do estado de
São Paulo.
Optamos por fazer um trabalho em conjunto porque entende-
mos que nossas formações profissionais, embora distintas, são com-
plementares na abordagem das questões de gênero. Além disso, a
eleição do tema foi condicionada pela área onde atuamos e, devido
às complexidades existentes, um trabalho em parceria otimizaria os
resultados.
A princípio pensávamos trabalhar as questões de gênero com
as mulheres já infectadas pelo HIV, matriculadas no Ambulatório
de Infectologia. Identificávamos duas áreas de intervenção: a pri-
meira, a precária situação econômica dessas mulheres. A segunda,
o fato de que, após um período traumático de diagnóstico e início
de tratamento, algumas mulheres começavam a refazer a vida afeti-
va elegendo, contudo, homens com perfil semelhante aos parceiros
anteriores com os quais mantinham relações que resultaram na in-
fecção pelo vírus da AIDS.
206 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Pretendíamos realizar com elas um trabalho não só de discus-


são da desigualdade social, mas também voltado para a possibilidade
de uma atividade cooperativa para geração de renda. Entretanto, no
decorrer do curso, despertamos para o fato de que poderíamos con-
tribuir de maneira mais significativa para a igualdade de oportunida-
des às mulheres, se conseguíssemos desencadear uma discussão sobre
a desigualdade social da mulher em nível municipal.
Procuramos as lideranças dos movimentos de mulheres da ci-
dade, pensando em organizar forças para uma ação conjunta. Embo-
ra o relato que ouvimos tenha sido comovente e confirmador da luta
que as mulheres de Mauá vêm desenvolvendo desde a década de
1960, por melhores condições de vida e justiça social, percebemos
que o momento atual é de desagregação e conflitos políticos e ideoló-
gicos entre os vários segmentos do movimento de mulheres. Unir
estas facções demandaria um tempo, que pensávamos, não ser com-
patível com a duração do curso.
Foi então que, conversando com a coordenadora da área da mu-
lher, na Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social de Mauá,
encontramos uma alternativa de trabalho que resultaria em uma par-
ceria eficiente para atingir tanto os nossos objetivos quanto os daquela
Coordenadoria, de colocar o maior número possível de mulheres em
melhores condições de igualdade de oportunidades para se protegerem
da AIDS e também se firmarem como cidadãs ativas na sociedade.
Este trabalho, na verdade, foi um exercício contínuo de “apro-
priação da realidade”, pois a cada um/a dos/as envolvidos/as resulta-
va uma sensibilização, um despertar, que nos fez refletir e reagir, seja
no âmbito profissional, seja no pessoal.
Os textos e as oficinas programados foram sendo modificados,
conforme cada seminário do curso nos modificava. O resultado final,
como toda apropriação, tem um pouco de euforia, um bocado de tra-
balho e muita esperança.

A feminização da AIDS
“...Estar excluído(a) da sociedade não é estar fora da sociedade,
é muito mais grave do que isto. Significa estar dentro da sociedade
destituído(a) do bem social, sem acesso à riqueza e à proteção comuns
Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 207

aos cidadãos(ãs) ...porque não existe uma condição de igualdade


que permita fazer opções de organizações sociais alternativas ao modelo
dominante, com condições de vida e bem-estar asseguradas.” 1

O aumento alarmante do número de mulheres infectadas pelo


vírus da AIDS está mais condicionado a fatores socioculturais do que
a características biológicas da infecção, o mesmo ocorrendo com as
demais doenças sexualmente transmissíveis.
As campanhas educativas realizadas pelo governo brasileiro
não têm atingido a mulher comum, isto é, aquela que não tem múlti-
plos parceiros e não usa drogas. Em quase duas décadas de epidemia,
só 2 campanhas foram específicas para esta população e apenas re-
centemente. A primeira tinha como tema “Aliança no dedo não pro-
tege contra a AIDS” e a segunda, “Tratamento para HIV/AIDS no
mundo”.
Esta ausência de campanhas destinadas às mulheres deve-se
ao modo como a epidemia foi descoberta e identificada. O fato de os
primeiros casos serem comuns a determinados grupos de pessoas criou
no imaginário popular e científico, nos primeiros anos, o conceito de
“grupos de risco” e isso deixou uma parcela da população exposta ao
vírus, sem orientação. Acrescente-se a isto o fato de que na socieda-
de brasileira ainda predominam valores masculinos.
O trabalho de conscientização das mulheres quanto aos riscos
de infecção pelo vírus da AIDS e por outras DSTs tem sido realizado,
na maioria das vezes, por organizações não-governamentais, grupos
feministas e mulheres que desenvolvem atividades comunitárias li-
gadas aos movimentos de saúde.
Olhar a feminização da epidemia de AIDS pela perspectiva de
gênero torna possível compreender por que as mulheres encontram
tanta dificuldade em adotar medidas preventivas.
Os mesmos valores que tornam natural o salário feminino infe-
rior ao do homem justificam o comportamento sexual masculino, quer

1
ÁVILA, Maria Betânia. Direitos reprodutivos, exclusão social e AIDS. In:
I Seminário direitos reprodutivos, exclusão social e AIDS. São Paulo,
janeiro de 1998.
208 Igualdade de oportunidades para as mulheres

na manutenção de várias parceiras, quer na recusa de usar preserva-


tivo.
Segundo Denise Martin (1995), questões importantes estão
envolvidas nas dificuldades da prevenção da doença entre o público
feminino. “Os obstáculos são de várias ordens: a dificuldade da mu-
lher exigir do parceiro o uso da camisinha; o não questionamento
sobre o comportamento do parceiro; a crença na capacidade das
mulheres de conhecerem seus parceiros; a importância da fidelidade
e da confiança; o fato de as mulheres já usarem outro método de
contracepção; o questionamento do comportamento do companhei-
ro poder levar ao abuso verbal, violência ou perda do parceiro; a de-
pendência financeira do parceiro; a crença de que a camisinha reduz
o prazer sexual; o tabu de falar sobre sexo; o fato de a mulher pedir
para usar poder significar uma condenação de seu próprio comporta-
mento; o não-uso da camisinha significar o desejo de uma relação
estável; a associação do uso da camisinha com comportamentos
desviantes e imorais”.
Para que as mulheres integrem comportamentos de autopro-
teção da saúde em suas vidas, precisam, primeiro, se reconhecer como
pessoas-cidadãs, com direitos inalienáveis. Só assim deixarão as tare-
fas domésticas para ouvir uma notícia, uma propaganda ou algo pare-
cido, reconhecendo que aquele discurso é para elas. Só assim terão a
iniciativa de oferecer o preservativo masculino; de colocar o preser-
vativo feminino ou de dizer “não” quando não conhecerem a condi-
ção sorológica do parceiro ou ele recusar o sexo seguro, sem que isso
as faça sentir vergonha.
De modo geral, o uso do preservativo masculino ou feminino é
problemático tanto para homens quanto para mulheres, independen-
temente da idade ou classe social. Essa dificuldade está mais ligada a
preconceitos do que a características concretas do material. Confor-
me relato colhido por Denise Martin (1995): “O risco de infecção
era para a mulher solteira, para a prostituta, para o homossexual.
Não para a mulher casada. Eu achava que a mulher casada estaria
longe disso. Que não poderia acontecer um caso de AIDS entre uma
mulher casada. Uma mulher que tinha o seu esposo, que tinha um só
relacionamento. Eu achava que a AIDS aconteceria com mulheres
de vários parceiros. E para homens de várias parceiras, para homos-
Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 209

sexuais, não para a mulher casada, não para a esposa, não para aque-
la que estava em casa. Mas sim para os outros na rua. E é ao contrá-
rio, a AIDS também acontece para a gente que é dona de casa. Como
aconteceu comigo.”
O pequeno condon de látex desencadeia inúmeras reações,
sensações, sentimentos, subjacentes não só no momento do sexo, mas
também em outros momentos e situações de vida. O passar dos anos
e os trabalhos de educação em saúde tornaram os preservativos um
elemento natural na cultura dos mais diversos povos. A discussão
dos usos dos preservativos é importante, na medida em que a via de
infecção das mulheres pelo vírus da AIDS é a sexual, o que remete
diretamente para as questões de gênero que perpassam a relação se-
xual.

1. Características do município de Mauá


Segundo dados do IBGE, de 1996, o município de Mauá pos-
suia aproximadamente 362 mil habitantes, sendo a 11ª cidade do
estado de São Paulo em número de habitantes. A economia local
está baseada no comércio e indústria. O trem é a principal via de
acesso à cidade.
O perfil de renda da população mauaense é baixo. Em 1996,
72,35% ganhava até 5 salários mínimos, sendo que, dessa parcela,
21,62% ganhava até um salário mínimo. Apenas 7,65% ganhava mais
de 10 salários mínimos. O resultado dessa distribuição era uma renda
média per capita de 1,02 salário mínimo.
A ocupação desregrada do território gerou uma cidade repleta
de problemas. O Plano Diretor2 de Mauá, realizado em 1997, apre-
sentava o perfil de uma cidade deficitária em infra-estrutura urbana e
equipamentos públicos, com problemas habitacionais e fundiários
gravíssimos, proporcionando um desequilíbrio ambiental alarmante.

2
O Plano Diretor é um plano de desenvolvimento, previsto pela Constitui-
ção Federal, obrigatório para todas as cidades com mais de 20.000 habi-
tantes. É o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão
urbana.
210 Igualdade de oportunidades para as mulheres

O processo de industrialização do Sudeste brasileiro acelerou


o crescimento de Mauá. A política de desenvolvimento econômico
concentrada no Sudeste do país veio desacompanhada das políticas
de desenvolvimento social e ambiental.
No campo da saúde, Mauá conta com um Hospital de Clíni-
cas, 22 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e três Ambulatórios de
Especialidades, incluindo Saúde Mental e Infectologia.

2. A situação atual da mulher e a AIDS em Mauá


Em 1981, o Brasil diagnosticava o primeiro caso de AIDS em
um paciente do sexo masculino e, em 1983, o primeiro caso em uma
mulher. Era um período no qual as pessoas associavam AIDS à morte e
o risco de contaminação aos “grupos de risco”, ou seja, homossexuais
masculinos, profissionais do sexo e usuários de drogas injetáveis.
Em meados da década de 1980, o município de Mauá passou a
oferecer o atendimento aos pacientes infectados pelo HIV, por meio
do Ambulatório de Especialidades.
No início da década de 1990, o serviço público passou a distri-
buir, através dos serviços de referência das Secretarias de Saúde, o
AZT, primeiro medicamento específico no tratamento da AIDS.
No último trimestre de 1995, o Programa Estadual de DST/
AIDS identificou a principal preocupação da época, ou seja, a veloci-
dade do crescimento da epidemia entre as mulheres no Brasil e no
mundo. Apontou as questões fundamentais envolvidas nas relações
entre as mulheres e os homens nas sociedades contemporâneas, inti-
mamente ligadas aos modos de transmissão do HIV entre as mulhe-
res e sem perspectiva de solução a curto prazo.
O Boletim Epidemiológico Estadual de 1997 aponta que em
1984 a relação entre homens e mulheres com AIDS era de 37 para 1,
respectivamente. Em 1997, a relação já estava de 3 para 1.
Em 1997, verificou-se no estado de São Paulo que a AIDS era
a segunda causa de morte entre as mulheres de 15 a 49 anos. Nesta
ocasião, a ONU relatava que em nenhum país do mundo as mulheres
tinham as mesmas condições de vida que os homens.
O aumento dos casos de AIDS entre as mulheres tem influenci-
ado diretamente os dados epidemiológicos da AIDS no Brasil. Algu-
Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 211

mas das campanhas educativas passaram a ter um enfoque para a mu-


lher, até então não tão “prestigiadas”. Uma mostra disso foi a campa-
nha “Quebrando o silêncio”, uma proposta para que se estabeleça um
diálogo quanto ao risco da AIDS, entre o casal heterossexual.
Em agosto de 1998, o Ministério da Saúde divulgou, no Bole-
tim Epidemiológico de AIDS, que 75% dos casos de mulheres com
AIDS foram notificados entre 1993 e agosto de 1998.
Em Mauá, constata-se que a relação entre homens e mulheres
em 1998 foi de 2 para 1, podendo atingir a igualdade até o final de
1999.
A Organização Mundial de Saúde informou em maio de 1999
que a AIDS foi a doença infecciosa mais letal do mundo em 1998,
superando a tuberculose. Na África, a AIDS foi a principal causa de
morte, sendo responsável pelo falecimento de 2 milhões de pessoas.
Atualmente, o Brasil é um dos poucos países do mundo a for-
necer, nos serviços de saúde pública, a medicação específica para tra-
tar os pacientes com AIDS, ou seja, os anti-retrovirais, além de ofe-
recer exames laboratoriais específicos, CD e carga viral.
Até 1995, a Prefeitura Municipal de Mauá comprava os pre-
servativos masculinos necessários para distribuir às mulheres que fre-
qüentavam os grupos de planejamento familiar ou as consultas de
ginecologia. Foi nesta época que o Ambulatório DST/AIDS passou a
fornecer preservativos aos seus usuários. Simultaneamente, foi fir-
mado um acordo entre o Programa Estadual de DST/AIDS e a Pre-
feitura Municipal de Mauá no qual o Estado passou a se responsabi-
lizar pelo fornecimento integral dos preservativos consumidos neste
Programa. Passou-se então a contemplar todos os clientes até então
excluídos, nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), ou seja, adolescen-
tes e pré-adolescentes, mulheres que muitas vezes não tinham um
vínculo com a UBS, homens e trabalhadores do sexo (travestis, garo-
tas e garotos de programa). As cotas foram definidas segundo pesqui-
sa local, após seis meses de implantação do serviço, de acordo com o
perfil de cada grupo, sendo 16 preservativos para adultos e 100 pre-
servativos para profissionais do sexo. Adolescentes levavam 11 uni-
dades.
Atualmente a Prefeitura Municipal de Mauá enfrenta uma séria
crise econômica, refletindo assim em todas ações das Secretarias. A re-
212 Igualdade de oportunidades para as mulheres

gião vive a perda do poder aquisitivo. Os habitantes passaram a pro-


curar em maior número os serviços públicos. As 22 UBS estão des-
guarnecidas de vários medicamentos, sendo insuficiente a quantida-
de de alguns métodos contraceptivos. A cota dos preservativos
masculinos fornecidos atualmente pelo Governo do Estado vem sen-
do reduzida desde novembro de 1998. Esta redução e mesmo a falta
do preservativos interfere no trabalho que vinha sendo realizado, so-
bretudo junto às mulheres. Assim, as mulheres, após superar as difi-
culdades próprias quanto ao preservativo, precisando utilizar “habili-
dades” para convencer os parceiros a usá-los, (por exemplo: “...o
médico mandou suspender o comprimido e usar a camisinha”), vol-
tam à situação anterior de desproteção, pois não têm como adquirir o
preservativo não fornecido pela UBS.
As mulheres atendidas no Centro de Orientação e Apoio
Sorológico (COAS) que buscam fazer o exame de HIV, em geral, in-
formam desconhecer a real fidelidade do parceiro, ou ter tido relação
com pessoas de sorologia desconhecida, sem preservativo. Os argu-
mentos apresentados para o exame são: curiosidade; porque o médico
pediu; deve ser feito como rotina para “prevenir” AIDS, entre outros.
Já no Ambulatório de Infectologia, onde o casal ou um dos
dois está infectado pelo HIV ou outra doença sexualmente transmis-
sível, as mulheres relatam que não usam o preservativo porque: “com
camisinha ele não consegue; tira o prazer”; “ele não acredita que eu
tenho o vírus porque não estou doente”; “ele acredita no poder de
Deus e que ele não vai pegar nada”. Elas não acreditam na contami-
nação, pois encontram-se “saudáveis”, o que justifica não usar o pre-
servativo. Deve-se também considerar a alienação encontrada em
alguns guetos religiosos que afirmam curar as pessoas com AIDS, por
meio da fé.
Agora, ainda que não verbalizem claramente sua desconfiança
quanto ao comportamento extraconjugal do parceiro, ou não tenham
coragem de assumir um posicionamento frente ao comportamento
dele, elas já buscam realizar o teste. Muitas seguirão sem modificar
suas vidas; outras, contudo, a partir do teste, buscarão o diálogo ou a
ruptura quando ele não for possível.
Tudo o que elas precisam é encontrar pessoas disponíveis para
orientá-las com informações corretas e adequadas, que escutem suas
preocupações e seus medos; que respeitem seu ritmo de vida, as apóiem
e as encaminhem para os serviços necessários.
Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 213

3. O projeto: treinamento para formação de agentes


multiplicadores de informação em prevenção em
DST/AIDS
Frente a esta realidade, foi feita parceria entre a Secretaria de
Saúde, através do Programa Municipal de DST/AIDS e a Secretaria
da Criança, Família e Bem-Estar Social, através da Coordenadoria da
Mulher, para treinar monitoras e lideranças de atividades comunitá-
rias, sobre como prevenir DST/AIDS, sensibilizando-as sobre a
feminização da epidemia.
Esse treinamento consiste numa ação positiva em prol da igual-
dade de oportunidades para as mulheres e essas monitoras são pessoas
que têm acesso a um grande número de mulheres/ano, no município
de Mauá.
Espera-se que elas discutam posteriormente, nos grupos de mu-
lheres nos quais atuam, o que significa cidadania plena, levando não só
à adoção de práticas seguras quanto às DST/AIDS, mas também a um
novo referencial de relacionamento das mulheres consigo mesmas, com
seus parceiros, suas famílias e com a sociedade como um todo.
O público-alvo para este projeto é a mulher de periferia que não
cultiva o hábito de diálogo com o companheiro, em geral religiosa,
com baixa escolaridade e baixo poder aquisitivo.

3.1. Instituições envolvidas no projeto


• COORDENADORIA DA MULHER
É o órgão da Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social
do município, responsável pela elaboração e implementação do Pro-
grama da Mulher e tem como objetivo “dar resposta eficaz aos proble-
mas sociais que afetam especificamente à população feminina do mu-
nicípio”.
A Coordenadoria da Mulher prioriza algumas áreas, como o com-
bate à violência contra a mulher; a saúde preventiva da mulher; a ge-
ração de emprego e renda (atividades comunitárias, que se referem a
cursos de tricô, crochê, corte e costura, manicure, cabeleireiro e bar-
beiro); iniciativas comunitárias; articulações intermunicipais (consór-
cio regional); eventos comemorativos e de mobilização; recreação e
lazer.
214 Igualdade de oportunidades para as mulheres

No que se refere à Saúde Preventiva, prioriza a formação e a


informação; a produção de remédios caseiros; a alimentação alterna-
tiva; corpo e sexualidade; orientações para gestantes; AIDS.

• PROGRAMA DE DST/AIDS
Está inserido na Secretaria de Saúde do município e tem como
objetivo o controle e prevenção das DST/AIDS. Suas principais ações
são realizadas no COAS (Centro de Orientação e Apoio Sorológico)
e no Ambulatório de Infectologia, com o apoio das Unidades Básicas
de Saúde – UBS e do Hospital de Clínicas do município.
O Ambulatório de Infectologia atende pacientes com procura
espontânea ou encaminhados por banco de sangue, pronto-socorro,
UBS, hospitais e outros serviços de infectologia, que já tenham um
diagnóstico confirmado ou necessitando de confirmação. Embora
atenda às várias doenças infecto-contagiosas e às DSTs, a maior de-
manda do Ambulatório é constituída por casos de HIV/AIDS.
O “COAS – Beija Flor” oferece à comunidade em geral acon-
selhamento sobre DST/AIDS, estimulando práticas preventivas no
uso de drogas e sexo seguro. Oferece diagnóstico sorológico para HIV
e sífilis, de forma segura, anônima e voluntária. O COAS é mantido
por uma parceria entre o Ministério da Saúde, a Secretaria Estadual
de Saúde e a Prefeitura de Mauá.

• PAPEL DA PSICÓLOGA NO TREINAMENTO


As mulheres que atuarão como multiplicadoras na comunida-
de deverão ter consciência do seu papel social. O treinamento dessas
líderes poderá ter continuidade com os/as profissionais do Ambula-
tório, por meio da supervisão das atividades desenvolvidas posterior-
mente por elas junto ao seu grupo social.
Este treinamento é fundamental para minimizar o aumento do
número de casos de AIDS, em mulheres e crianças (transmissão ver-
tical) principalmente, além de propiciar a oportunidade de diálogo
sobre sexo seguro, redução de danos, sexualidade etc.: temas delica-
dos e envoltos em tabus e preconceitos.
Através das atividades desenvolvidas em grupo, as participan-
tes, numa relação dialética entre o sujeito e o objeto, estabelecerão
Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 215

uma relação cheia de alternativas, de obstáculos, de emoções; uma


relação com a história pessoal de cada uma, possibilitando uma apro-
priação ativa da realidade.
Esta apropriação integra uma experiência nova, um estilo pró-
prio de aprender. A ampliação da consciência poderá possibilitar o
surgimento de um novo comportamento.
No processo grupal verificar-se-ão as influências sociais e cul-
turais, historicamente localizadas, sobre o comportamento das pes-
soas.
A reconstituição do papel da mulher será trabalhada paulati-
namente nos encontros; contudo, sabemos que o processo afetivo,
reflexivo e informativo será insuficiente para “garantir” uma mudan-
ça de hábito. O processo grupal poderá alicerçar o processo interno
de mudança e vice-versa.
A possibilidade do risco da infecção das DSTs para o ser hu-
mano deverá ser trabalhada, possibilitando uma conexão do eu com
a realidade, gerando assim uma possível redução dos riscos de infec-
ção. Espera-se envolver aspectos relacionados à auto-estima, talvez
gerando condições para melhorar a qualidade de vida.
Sabemos que as oficinas poderão gerar um desconforto e um
desajuste psicológico, levando as participantes a reverem seus con-
ceitos e preconceitos. Porém, o ambiente no qual estão inseridas po-
derá influenciá-las significativamente no sentido de que mantenham
os velhos padrões.
O psicólogo atuará no processo de ampliação da consciência,
na melhoria da auto-estima das participantes, levando-as a assimilar,
num nível simbólico, em outros momentos num enfoque mais con-
creto e numa relação consistente com o “self”, os fatores que colo-
cam em risco a saúde das pessoas.

• PAPEL DA ASSISTENTE SOCIAL NO TREINAMENTO


O Serviço Social é uma profissão que surgiu no início do sécu-
lo XIX, com o objetivo de trabalhar com pessoas que ficavam fora do
sistema social, o que naquela época significava que eram pessoas que
não haviam se adequado ao então recente sistema capitalista de pro-
dução e organização social.
216 Igualdade de oportunidades para as mulheres

É uma profissão que foi sofrendo influência das modificações


ocorridas na estrutura de organização socioeconômica mundial, mas
que, de modo geral, sempre atuou junto aos excluídos, ou em vias de
exclusão; às vezes para mantê-los adequados à estrutura social, ou-
tras vezes para ajudá-los na compreensão e transformação desta mes-
ma estrutura.
José Paulo Neto, no livro Cotidiano: conhecimento e crítica,
afirma que “...as atividades desenvolvidas pelo Serviço Social se tra-
duzem em mediações de 2 níveis: 1) a passagem da exclusão, do não
uso ou usufruto de bens e serviços da sociedade, para a inclusão e
usufruto; 2) a apreensão em nível da consciência, das relações e de-
terminações existentes entre o destino singular, sentido e vivido por
cada um e o destino da classe social a que pertencer. Esta apreensão
faz a passagem do singular para o coletivo.”
Assim, na prevenção das DST/AIDS, o Assistente Social tra-
balha não só para levar as pessoas a uma situação de acesso às infor-
mações e compreensão delas, mas também à compreensão da posi-
ção social de cada uma e de como esta posição pode influenciar neste
acesso às informações. Age também no sentido de contribuir para a
reflexão sobre quais fatores se coadunam para facilitar ou não a ado-
ção e negociação de medidas preventivas e autocuidados frente às
doenças.
Trabalha com grupos sociais para a transposição da leitura e
apropriação da realidade para ações concretas de organização e
mobilização de forças para implantar, garantir ou difundir os direitos
sociais.

3.2. Plano de ação


As monitoras das atividades comunitárias e as lideranças dos
movimentos nos bairros têm em geral habilidades de comunicação já
desenvolvidas, uma vez que realizam o trabalho de ensinar ou de or-
ganizar e passar informações. Dessa forma, é necessário apenas cana-
lizar esta habilidade de comunicação para a prevenção de DST/AIDS.
Para isso, foi planejada a realização de oficinas semanais, de duas
horas de duração cada, num período de um mês, de maneira a não
afastar as participantes, muitas vezes, de suas atividades.
Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 217

Optou-se por oficinas por ser um recurso de resultado alta-


mente positivo, pois permite a participação ativa, a troca de expe-
riências e a construção coletiva sobre o tema abordado.
As cartilhas “Mulher e AIDS: sexo e prazer sem medo” 3 e
“Mulher, corpo, mente e alma: um programa de saúde mental para
mulher, por mulheres” 4 serviram como referência para o formato fi-
nal das oficinas.
As atividades foram estruturadas de modo a se partir sempre
do conhecimento das participantes sobre o tema, levantado por meio
de diferentes recursos e materiais. O repasse de informação sobre o
funcionamento biopsicossocial das DST/AIDS e sobre a organização
dos serviços públicos para atenção a estes problemas, bem como a
cartilha final para as participantes, tinham como objetivo instrumen-
talizá-las com informações concretas e úteis na hora de encaminhar
adequadamente o grupo com o qual trabalharão.
Uma preocupação fundamental foi criar espaços para se discu-
tir a situação de exclusão e desigualdade em que vivem a maior parte
das mulheres e como isso resulta em riscos para a sua saúde.

• DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES


Foram previstas e realizadas 4 oficinas, seguindo o esquema
abaixo:
1º Dia: Apresentação das profissionais e da proposta de trabalho.
Construção das regras do grupo.
Apresentação das participantes, do trabalho que realizam e do
conhecimento prévio que têm sobre o tema.
Levantamento das expectativas.
Apresentação da Estrutura dos Serviços de Saúde de Referên-
cia para DST/AIDS (COAS, Ambulatório de Infectologia, Hospital-
Dia, Hospital Nardini e Rede Básica).

3
BARBOSA, Regina Maria. Sexo e prazer sem medo (1994).
4
IEHMANN, Carolyn. Mulher, corpo, mente e alma: um programa de saúde
mental para mulher, por mulheres (s. d.).
218 Igualdade de oportunidades para as mulheres

2º Dia: Conhecendo o corpo: a percepção do “dentro” e do “fora”; as


doenças que não se vêem ou não se sentem.
Introdução à abordagem das Doenças Sexualmente Trans-
missíveis, incluindo hepatite e HPV.

3º Dia: O que é AIDS, formas de transmissão e prevenção, sintoma-


tologia, tratamento e últimas descobertas científicas.
A pauperização e feminização da epidemia. Discussão sobre
gênero e vulnerabilidade. Alcoolismo e drogas como fatores de risco.
Campanhas preventivas. Promover a discussão sobre as cam-
panhas até os dias de hoje. Auto-estima, sexo seguro e cidadania.
Papel do governo e dos agentes multiplicadores.

4º Dia: A importância dos agentes multiplicadores na comunidade.


Avaliação do treinamento.
Proposta de as monitoras darem continuidade a este trabalho
de orientação nos seus grupos, com a assessoria da equipe do Ambu-
latório de Infectologia.

3.3. Avaliação do treinamento


O número de mulheres presentes nos 4 encontros deste trei-
namento foi: 32, 27, 28 e 31.
Ao final dos encontros as participantes recebiam uma cédula,
na qual assinalavam sua opinião sobre os trabalhos, escolhendo entre
bom, regular e ruim.
Os resultados destas avaliações foram homogêneos no sentido
de que, a cada encontro, a maioria considerou o trabalho bom, en-
quanto duas das participantes assinalaram regular.
No quarto dia, foi distribuída uma avaliação mais detalhada,
com o objetivo de detectar o grau em que as participantes absorve-
ram as informações e como viam a possibilidade de assumirem, em
seus grupos e comunidades, o papel de agentes multiplicadoras de
informação sobre prevenção de DST/AIDS.
Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 219

3.3.1. Avaliação feita pelas participantes


3.3.1.1. Perfil das participantes:
3.3.1.1.1. Atividade exercida

Atividade Número
Monitora de atividade co- 19
munitária
Liderança comunitária 06
Outro 02
Não respondeu 04
Total 31

3.3.1.1.2. Faixa etária

Idade Número
20 II 29 02
30 II 39 05
40 II 49 14
50 II 59 05
60 II 69 03
Não respondeu 02
Total 31
3.3.2. Grau de absorção de informação
3.3.2.1. O que é AIDS e quais são suas formas de transmissão.
! 18 participantes mencionaram que a AIDS é uma doença ou
síndrome transmitida por um vírus, sem cura e com tratamento.
! 12 participantes não definiram AIDS, mas souberam citar as for-
mas de infecção.
! 1 participante não definiu AIDS, nem citou as formas de trans-
missão, mas respondeu que “é uma doença transmitida quando
não se usa camisinha”.
! 30 participantes citaram as formas de infecção, sendo a sexual e
o sangue contaminado as mais lembradas. Nenhuma delas citou
a transmissão vertical.
220 Igualdade de oportunidades para as mulheres

3.3.2.2. Sistema de referência para diagnóstico e tratamento


de DST/AIDS
! 20 participantes demonstraram ter compreendido a hierarquia
dos serviços de saúde, sabendo distinguir entre os que fazem ape-
nas o teste para sífilis e AIDS dos que tratam os portadores de
DST e de AIDS.
! 8 participantes responderam trocando os lugares e 3 demonstra-
ram não ter compreendido o sistema de referência, ou não esta-
vam presentes no dia desta discussão.

3.3.3. Questões de vulnerabilidade, relacionadas à epidemia


de AIDS e às DST
! 8 participantes demonstraram não ter absorvido os conteúdos da
discussão sobre o tema, apresentando definições limitadas ao ní-
vel do indivíduo para questões como exclusão e desigualdade so-
cial.
! 23 participantes responderam enfatizando os aspectos econômi-
cos e a falta de informação, por desinteresse individual, pela difi-
culdade de acesso a ela ou pela sua veiculação de forma inade-
quada, como agravantes para a instalação da AIDS e das DST.
! A palavra “informação” apareceu em 23 respostas, sendo que em
outras 6 apareceu na forma de falta de orientação ou de conheci-
mento.

3.3.4. Pontos positivos e negativos do treinamento


3.3.4.1. Pontos positivos
! Em 22 das respostas, a oportunidade de aprendizagem e aquisição de
informação apareceram como pontos positivos, seja no sentido de
aplicarem o que receberam na vida pessoal ou no trabalho que fa-
zem, ajudando e informando outras pessoas.
! 3 participantes mencionaram a didática utilizada com facilitadora e
de fácil entendimento.
! 5 citaram como ponto positivo as novas amizades que fizeram.
! 3 não responderam a questão.
Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 221

! 3 gostaram do treinamento sem mencionar pontos positivos ou ne-


gativos.

3.3.4.2. Pontos negativos


! 3 participantes não responderam à questão.
! 22 não mencionaram pontos negativos.
! As 6 participantes que o fizeram relacionaram os seguintes fatores
como negativos:
– Dúvida quanto à possibilidade de se continuar o trabalho;
– Dificuldade em levar este trabalho a lugares mais carentes;
– Número de encontros insuficientes;
– Horário da manhã difícil para quem trabalha à noite (3 encon-
tros iniciaram-se às 8h30min);
– Falta de material didático e atendimento médico por parte do
governo.

3.3.5. Possibilidade de multiplicação de informação


3.3.5.1. Sobre as características de um multiplicador
! 11 participantes responderam como se considerassem “multi-
plicador” a pessoa que transmite o vírus e/ou uma DST.
! 20 participantes mencionaram as seguintes características:
– Formar grupos em comunidades e escolas para divulgar o as-
sunto;
– Explicar, principalmente para os companheiros/maridos;
– Conhecer o assunto;
– Ser sincero nas respostas;
– Saber ouvir;
– Aproveitar para orientar as pessoas sempre que houver opor-
tunidade;
– Divulgar medidas de prevenção;
– Ajudar a todos a terem uma saúde melhor;
222 Igualdade de oportunidades para as mulheres

– Ter ética, ser discreto e guardar segredo;


– Estar aberto para as pessoas;
– Contribuir para uma situação de igualdade entre homens e mu-
lheres;
– Ser amigo e compreensivo;
– Não julgar;
– Saber indicar os locais de tratamento;
– Ter material disponível (material educativo);
– Ter interesse em ajudar as pessoas.

3.3.5.2 Sobre se o treinamento foi suficiente para abordarem a


prevenção às DST/AIDS em seus grupos e comunidades
! 2 monitoras não gostariam de abordar o assunto em seus grupos
por não sentirem-se preparadas e deixaram observações que gos-
tariam de serem convidadas para outros treinamentos ou que
outros profissionais do Programa de DST/AIDS fossem a seus
grupos.
! 1 participante não respondeu à questão.
! 8 responderam que sentem-se preparadas, mas gostariam de ter
uma supervisão, enquanto 20, apesar de sentirem-se preparadas,
gostariam de ter uma outra pessoa para ajudar a abordar o assun-
to.

3.3.6. Comentários e sugestões


! 13 participantes sugeriram a continuidade dos encontros para
aprofundar o assunto ou abordar outros temas.
! Outras 13 sugeriram:
– Levar este trabalho para as escolas a fim de orientar os adoles-
centes;
– Fazer um trabalho com os homens;
– Atingir as donas de casa;
– Fazer reuniões nos bairros nos fins de semana, para atingir mais
pessoas;
Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 223

– Reunir os grupos das monitoras de uma mesma região para


palestras;
– Contar nos grupos com as profissionais que coordenaram o trei-
namento.
! 4 participantes não responderam, enquanto outras 4 elogiaram a
iniciativa do treinamento.

4. Avaliação das organizadoras


As participantes, coletivamente, percebem que as mulheres
que freqüentam seus grupos ainda estão “muito presas” aos seus ma-
ridos e à vida doméstica. Aquelas mulheres têm visão limitada da
participação no grupo, referindo como perda de tempo qualquer dis-
cussão que não esteja diretamente ligada ao tricô, à costura ou ao
curso que fazem.
Algumas monitoras, ao contarem em seus grupos que estavam
participando do treinamento, foram questionadas sobre a utilidade e
validade do mesmo, uma vez que não é referente ao curso. Elas tam-
bém temem ser alvo de difamação e tidas como “muito avançadas”
pelas mulheres que, por motivos religiosos ou culturais, pensam que
tudo que envolve corpo, sexo e sexualidade é pecado.
Comentaram que muitas mulheres deixam de freqüentar os
cursos por imposição dos maridos, que não vêem validade neles, e
temem que os mesmos saibam que falam de sexo.
Quando organizam atividade extra curso, são sempre as mes-
mas mulheres que participam, sendo que estas já são diferenciadas
em nível de participação, autocuidado e auto-estima.
As participantes acreditam que só um trabalho com os ho-
mens poderá permitir que as mulheres consigam se proteger das DST/
AIDS.
Poucas foram as participantes que ressaltaram a falta de traba-
lho com os homens como um motivo da pouca participação deles,
referindo que eles participam ativamente quando convidados.
De modo geral, predominou uma idéia de homens ruins, natu-
ralmente infiéis e cerceadores da vida da mulher, e uma imagem da
224 Igualdade de oportunidades para as mulheres

mulher como naturalmente submissa aos maridos ou, quando mais


velhas, cerceadoras das mulheres mais jovens.
Assim, foi possível perceber que:
• As monitoras de atividades comunitárias e as lideranças de
bairros, embora sejam mulheres diferenciadas, ainda não haviam des-
pertado explicitamente para a questão de gênero.
• Mesmo aquelas mais sensíveis para esta questão revelam, nas
entrelinhas de seus discursos, insegurança em assumir um papel dife-
rente do tradicionalmente esperado das mulheres.
• Estas mulheres foram sensibilizadas para a proposta de serem
agentes multiplicadoras de informação para prevenção de DST/AIDS,
mas ainda estão receosas em assumir esta tarefa sozinhas, em seus
grupos e bairros, necessitando mais um tempo de supervisão.
Da parte da Coordenadoria da Mulher o resultado foi além do
esperado, pois conseguiu, através deste treinamento, introduzir a dis-
cussão sobre gênero dentro das atividades comunitárias que, até en-
tão, priorizava apenas o conteúdo prático dos cursos de costura, pin-
tura, manicure etc.
Da parte do Programa Municipal de DST/AIDS, o resultado
também foi satisfatório, pois criou-se um vínculo para se trabalhar a
prevenção em pelo menos 25 grupos, que atingem 1000 mulheres/
ano, sem contar as pessoas a que estas mulheres terão acesso, em
suas famílias e grupo social. A reunião que ficou agendada para os
próximos 45 dias é o indício da continuidade dos trabalhos, que ago-
ra poderão ser incrementados com a parceria com uma ONG que
trabalha com educação em saúde.
Como ação positiva para a igualdade de oportunidades para as
mulheres, foi um primeiro passo de uma série de ações, considerando
tudo o que pode ser feito no município, nesta e em outras parcerias.

5. Considerações finais
Quando iniciamos o curso de “Formação de Agentes de Igual-
dade de Oportunidades”, buscávamos apenas ampliar nossos recur-
sos profissionais para trabalhar de uma maneira mais eficiente com as
Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 225

mulheres portadoras de HIV/AIDS matriculadas no Ambulatório de


Infectologia.
Os textos e documentos apresentados pelo curso, a participa-
ção dos/as professores/as convidados/as e, sobretudo, as colocações
da professora coordenadora, vieram mudar significativamente nossa
posição frente à questão de gênero. Olhávamos a situação de desi-
gualdade entre homens e mulheres como alguém que, sentado em
uma sala, olha o mundo pela janela. A perspectiva de uma realidade
diferente, simbolizada pela luz que entra e o horizonte vislumbrado
desde os contornos da janela, já nos impulsionava a um trabalho nes-
ta área. Entretanto, desde o princípio, o curso nos fez levantar e sair
para a sacada, de onde o horizonte é visto sem os limites da janela,
onde as perspectivas de ação se ampliam.
Foi assim que saímos para um trabalho preventivo, formando
as monitoras para serem agentes multiplicadores de informação para
prevenção de DST/AIDS, com a perspectiva delas atingirem 1000
mulheres/ano.
Também iniciamos uma oficina de sexualidade, que será repe-
tida a cada mês, com novos grupos, para usuárias da Unidade Básica
de Saúde Central e já elaboramos a programação de outra oficina,
mais específica, para mulheres soropositivas.
Enviaremos cópia dos documentos da União Européia e Con-
selho Nacional da Condição Feminina (Brasil), estudados no curso,
para o Secretário Municipal de Saúde, para a Coordenadoria da Mu-
lher, da Secretaria de Bem-Estar Social do Município e para a asses-
soria do prefeito, com carta explicativa sobre o curso e sobre o mate-
rial.
No próximo ano, acontecerão as eleições municipais e preten-
demos enviar o mesmo material aos partidos políticos da cidade, para
que incluam a questão da igualdade de oportunidades para as mulhe-
res nos programas de seus candidatos.
Ainda não abdicamos da idéia de reunir os vários movimentos
de mulheres da cidade. Talvez a luta contra a feminização da epide-
mia de AIDS seja o primeiro passo para juntar estas forças.
As mesmas mudanças ocorridas no âmbito profissional pude-
mos perceber em nossa vida pessoal. Melhoramos nossa auto-estima.
226 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Claramente, assertivamente, não queremos ser Macabeas, a perso-


nagem do livro “A hora da Estrela”, de Clarice Lispector, e trabalha-
remos para outras mulheres não o serem.

Referências bibliográficas
AYRES, José R. de C. M. (1997) Vulnerabilidade e AIDS: para uma
resposta social à epidemia. In: Boletim Epidemiológico do Pro-
grama de DST/AIDS da Secretaria de Saúde do Estado de São
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Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 227

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228 Igualdade de oportunidades para as mulheres

UNIÃO EUROPÉIA. Relatório Intercalar da Comissão sobre ações e acom-


panhamento da comunicação. “Integrar a igualdade de oportunida-
des entre homens e mulheres no conjunto das políticas e das ações
comunitárias”. COM. (96) 67 final, de 21 de fevereiro de 1996.

Anexo
Em reunião realizada com a equipe da Coordena-
doria da Mulher, foi possível conhecer a história dos mo-
vimentos de mulheres da cidade ao longo dos anos e o
trabalho realizado por aquela Coordenadoria; tendo sido
propostos três grupos para se desenvolver um trabalho:
1) MOVA – Movimento de Alfabetização, com-
posto de 50 a 60 pessoas de ambos os sexos. A experiên-
cia poderia ser repassada aos outros grupos do MOVA
distribuídos pela cidade no horário noturno.
2) Mães de creche. Por meio de acordo a ser fir-
mado junto a Secretaria Municipal de Educação, seria
solicitado um dia para promover a reunião com as mães.
3) Oficina para Monitoras, Lideranças dos Movi-
mentos de Mulheres e Membros da Coordenadoria da
Mulher. Prevista a presença de aproximadamente 30 mu-
lheres nas oficinas entre monitoras e lideranças.
Junto com a coordenadora do Programa Munici-
pal de DST/AIDS foram analisados os prós e os contras
de cada grupo.
1) MOVA
Pró: grupo misto.
Contra: atuação em apenas um MOVA em ho-
rário noturno, atingindo poucas pessoas.

2) Mães de creche
Pró: reafirmar o elo entre as Secretarias de Edu-
cação, Família e Saúde. Atingir as mães no horário de
aula dos filhos.
Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 229

Contra: seria o encontro no qual não se poderia ga-


rantir a presença pontual de todas e por todo o tempo pro-
posto, além de ser o único grupo para poucas participantes.

3) Oficina para formação de agentes multiplicado-


res
Pró: formação de monitores que atuam constan-
temente junto à população, prevendo-se mais de 1000
pessoas a serem atingidas de forma indireta apenas no
primeiro ano após a formação.
Contra: grupo formado apenas por mulheres e so-
mente ao término da Oficina é que seria firmado um
contrato para supervisão com as monitoras que tives-
sem interesse no trabalho. Não sendo assim, garantida a
adesão de todas as freqüentadoras do grupo.

Grupo 1 – O grupo deverá explicar o que é AIDS e como funciona o


processo de infecção no organismo.

AIDS É SIDA. SÍNDROME DA (conjunto de sintomas ou doenças


que ocorrem ao mesmo tempo)
IMUNO (referente ao sistema imunológico, parte do organismo que
nos protege das doenças)
DEFICIÊNCIA (que fica deficitário, não funciona)
ADQUIRIDA (porque se “pega” de fora para dentro do organismo)
VÍRUS SE LIGA AO LINFÓCITO (célula de defesa)
ENTRA NO LINFÓCITO E SE REPRODUZ
MATA O LINFÓCITO QUANDO SAI
PARA ATACAR OUTRAS CÉLULAS.

O TEMPO QUE O VÍRUS LEVA PARA DESTRUIR O SISTEMA


DE DEFESA DO ORGANISMO VARIA DE PESSOA PARA PES-
SOA.
230 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Funcionamento das oficinas. Segue-se, aproximadamente, a di-


nâmica de funcionamento de cada oficina.

• 1º Encontro
A. Apresentação das profissionais e da proposta de treinamento, res-
saltando os números que mostram o aumento da epidemia entre as
mulheres, sobretudo em Mauá, por meio de transparências apresen-
tadas em retroprojetor.
B. Apresentação das participantes. Cada uma receberá um crachá
onde deverá escrever seu nome.
C. Construção das regras do grupo: o grupo será convidado a listar as
regras que nortearão os trabalhos, cuidando-se que apareçam:
– Não julgar;
– Não censurar os próprios pensamentos;
– Respeitar as diferenças;
– Ninguém é obrigado a falar.
O cartaz ficará afixado em local visível durante os encontros.
D. Iniciando a discussão sobre Mulher e DST/AIDS. Em 5 subgrupos,
as mulheres discutem o tema “O que as pessoas pensam sobre DST/
AIDS” e apresentam o resultado das discussões com o seguinte mate-
rial:
Grupos de 1 a 3 – cartolina, canetas hidrográficas, lápis de
colorir, revistas para recortar, tesoura e cola.
Grupo 4 – cartolina e um pincel atômico.
Grupo 5 – recebe apenas instruções verbais e será o último a
expor seu trabalho.
Pretende-se motivar o grupo a analisar o processo de trabalho dos
grupos com paralelo para a situação de desigualdade e exclusão em
que vive parte da população feminina.
E. Avaliação do dia.

• 2º Encontro
A. Retomar a avaliação do dia anterior.
B. Conhecendo as DST:
Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 231

Dinâmica 1: distribuir uma folha preparada com o dois cor-


pos desenhados, um masculino e outro feminino, para cada partici-
pante. Solicitar que desenhem os órgãos reprodutores. Quando to-
das terminarem, solicitar que marquem neste desenho os locais onde
se instalam as doenças sexualmente transmissíveis. Quando todas
terminarem, solicitar que marquem nos desenhos as zonas erógenas.
Dinâmica 2: divididas em 3 subgrupos, segundo a cor das
flores desenhadas nos crachás, as participantes deverão as seguin-
tes tarefas:
Grupo 1: listar em uma cartolina as DST’s que conhecem.
Grupo 2: listar em uma cartolina os sintomas das DST’s.
Grupo 3: listar em uma cartolina as dificuldades para o tra-
tamento e erradicação das DST’s.
Cada grupo apresentará seu trabalho, sendo feita as correções
necessárias, pelas coordenadoras e pelas demais participantes. Tra-
tando-se de incluir Hepatite e HPV, caso não sejam citados.
Ao final do painel, fechar a discussão com a dificuldade de se
trabalhar doenças localizadas exatamente em pontos erógenos e os
fatores culturais que interferem nesta abordagem.

C. Avaliação do dia:

3º Encontro
A. Retomar a avaliação do dia.
B. Conhecendo o HIV e a AIDS: divididas em 3 subgrupos, segundo
o tipo de flores desenhadas nos crachás, as participantes deverão cum-
prir as seguintes tarefas:
Grupo 1: definir AIDS e as formas de transmissão. Este grupo
receberá material informativo e a prancha II para visualizar o
processo de infecção e explicá-lo para o grupo maior. Se possí-
vel, haverá cópias da prancha II para todas as participantes.

Grupo 2: deverá trabalhar as formas de prevenção da infec-


ção pelo HIV, quanto a sexo, sangue e seringas contaminadas,
explicando, inclusive, o uso dos preservativos masculino e fe-
minino que receberão para demonstrar.
232 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Grupo 3:que será o primeiro a apresentar seu trabalho, deve-


rá discutir as diferenças entre grupo de risco, situação de risco
e o conceito de vulnerabilidade. Este grupo receberá um texto,
curto, sobre vulnerabilidade.
As coordenadoras farão as correções necessárias após cada apre-
sentação.

C – Avaliação do dia

4º Encontro
A. Retomar a avaliação do dia anterior.
B. O papel do agente multiplicador: divididas em 5 subgrupos, segun-
do os números dos crachás, as participantes receberão as pranchas 7 e
8 (1 por grupo) e deverão criar uma estória que conte a rede de trans-
missão do HIV ou de uma DST. Quando os grupos terminarem, solici-
tar que apontem quem, naquela rede, poderia ter impedido a transmis-
são. Cada grupo apresentará o resultado de seu trabalho. As
coordenadoras e as demais participantes apontarão as falhas quanto a
transmissão, preconceitos quanto aos grupos ou pessoas; também será
discutida a ação do agente multiplicador como fator importante na
prevenção das doenças.
C. Divididas em subgrupos por afinidades, de 4 pessoas, as participan-
tes deverão discutir o seguinte tema: “Como eu vejo o papel do monitor
na prevenção de DST/AIDS na minha região? No meu trabalho junto
à população, quais facilidades e quais dificuldades eu teria para realizar
estas orientações?” Após a apresentação dos grupos, discutir a propos-
ta de continuidade dos trabalhos, através da assessoria para aquelas
que quiserem realizar oficinas nos grupos dos quais são monitoras.
D. Avaliação do treinamento

Cartaz exposto em vários locais convidando a população a participar


do programa:
Aids e gênero: treinamento para formação de agentes multiplicadores... 233

A
Secretaria da Criança, Família e Bem-estar Social e a Secretaria de Saúde
de Mauá
Através da Coordenadoria da Mulher e do Programa de DST/AIDS

Convidam você para participar da


I Oficina de Prevenção às DST/AIDS

Você sabia?

1.Que em l983 diagnosticaram a primeira mulher com AIDS no


Brasil?
2.Que hoje, entre os brasileiros que vivem com AIDS, 52 % são
mulheres?
3.Que 8 entre 10 mulheres que vivem com AIDS tem de 20 a 44
anos? Lembrando que nesta época da vida é que a mulher mais
trabalha e pode ter filhos.
4.Que caso a mulher tenha o vírus da AIDS ela poderá passar o
vírus para o bebê na gestação?
5.Que em Mauá das pessoas que fazem tratamento por terem o ví-
rus da AIDS, 40,4% são mulheres?
6.Que quando uma pessoa tem uma doença sexualmente
transmissível ela tem mais risco de pegar o vírus da AIDS?

Junte-se a nós neste importante momento de prevenção às


doenças sexualmente transmissíveis e AIDS, em nossa cidade, onde
juntos encontraremos formas de diminuir o avanço destas doenças
entre a nossa população.

Maiores informações:
Coordenadoria da Mulher de Mauá
Fone: 450-l999 PARTICIPE
Comunicação social: um “espaço mulher” no rádio 235

6 CAPÍTULO
Gênero, mídia e política
Comunicação social: um “espaço mulher” no rádio 237

COMUNICAÇÃO SOCIAL:
UM “ESPAÇO MULHER” NO RÁDIO

Cláudia de Almeida Goulart Lopes

1. Introdução
O rádio surgiu da necessidade de se emitir mensagens seguras e
rápidas entre duas pessoas em pontos distantes. Mais tarde, foi inven-
tado o aparelho de transmissão de programação variada que, até hoje,
apesar do advento da televisão e da internet, atinge milhões de pessoas
em todo o mundo.
Um aparelho de rádio é fácil de ser transportado, o que possibi-
lita que ele seja levado a toda parte e esteja presente no cotidiano de
milhões de pessoas em todo o Brasil. Em casa, donas de casa e adoles-
centes ouvem os mais diferentes programas, sem interromper suas ati-
vidades diárias. Na rua, nas horas de congestionamento, é ele o veículo
de comunicação de todas as horas.
Há programas dos mais diferentes tipos: musicais, informativos
sobre temas de cultura, fofocas sobre a vida de artistas, noticiários,
transmissão de notícias de parentes distantes...
A linguagem utilizada pelas emissoras de rádio é a coloquial,
pois é um meio de comunicação que conta apenas com a audição. Isto
significa que o som deve suprir a falta de imagem. Daí a importância de
que a linguagem seja ao mesmo tempo nítida e rica em informações.
O rádio dá oportunidade do indivíduo exercer outra atividade
ao mesmo tempo em que está ouvindo. Por exemplo, pode trabalhar,
fazer exercícios, arrumar a casa enquanto está ouvindo o rádio.
Outro fator importante é a rapidez com que a informação é trans-
mitida.
Das rádios existentes atualmente, em torno de cinqüenta no
estado de São Paulo, nenhuma contém programas voltados exclusiva-
238 Igualdade de oportunidades para as mulheres

mente à mulher numa perspectiva de transformação das relações desi-


guais entre homens e mulheres. Isto é, apesar da grande quantidade de
programas desenhados para a mulher e que trazem receitas, dicas sobre
aparência, fofocas da vida de figuras conhecidas, há uma carência de
programas que tenham como alvo principal a educação da mulher quan-
to à necessidade de construção de relações igualitárias de gênero.

2. Proposta
Com base nisso, surgiu a idéia do ESPAÇO MULHER, que
consiste em programa voltado para a mulher, trazendo assuntos do
seu interesse, abordando temas atuais e polêmicos que ao mesmo tem-
po atuem como esclarecedores dos direitos da mulher enquanto di-
reitos humanos.
O ESPAÇO MULHER será veiculado primeiramente em rá-
dios comunitárias, antes de se tentar atingir as emissoras comerciais.
Não queremos atingir apenas o grupo formador de opinião,
mas a população feminina como um todo, dando oportunidade à po-
pulação feminina de expor seus pontos de vista, esclarecendo suas
dúvidas, por meio de cartas, telefonemas, fax, e-mails enviados para
o programa. As respostas serão respondidas diariamente por especia-
listas convidados(as) dentro do ESPAÇO MULHER.
Pretende-se abordar temas variados como saúde; direitos hu-
manos, civis, políticos etc.; sexualidade; meio ambiente; mercado de
trabalho; acesso à educação entre outros.
Além disso, o programa também terá uma parte cultural, com
poemas, contos, resenhas de livros, novelas, sempre ligados ao temas
debatidos, fazendo com que a ouvinte reflita sobre o assunto, relacio-
nando-o ao seu cotidiano, criando relações proveitosas com histórias
reais.
Essa parte cultural também estará aberta a receber contribui-
ções das ouvintes, a serem utilizadas de acordo com o tema do pro-
grama.
O programa estará voltado para mulheres de diferentes faixas
etárias, considerando suas especificidades e propondo um diálogo entre
elas. Como educar meninas e meninos de forma mais igualitária pos-
sível? Quais os problemas da mulher adolescente? E da mulher adul-
ta e da idosa?
Comunicação social: um “espaço mulher” no rádio 239

3. O programa “ESPAÇO MULHER”


Tempo de duração: 15 minutos
Período: de segunda-feira à sexta-feira
Público-alvo: mulheres de diferentes faixas etárias

3.1. Esquema do programa


Abertura: vinheta do programa
(Duração: 10 segundos)

Apresentação: locutor(a) apresenta os(as) convidados(as) e o


tema abordado
(Duração: 20 segundos)

Bloco Cultural: leitura de poemas, contos, resenhas, novelas etc.


(Duração: 5 minutos)

Debate: convidado(a) debate o tema abordado no dia


(Duração: 5 minutos)

Música: apresentação das músicas que servirão de fundo musi-


cal até a vinheta de fechamento do programa (todas de compositoras
ou cantadas por mulheres e com o tema “mulher”).
(Duração: 10 segundos)

Respostas: convidados(as) respondem a perguntas enviadas ao


programa.
(Duração: 4 minutos)

Apresentação do próximo programa: temas e convidados(as)


do próximo programa
(Duração: 10 segundos)

Fechamento: vinheta
(Duração 10 segundos)
Conselho estadual da condição feminina – CECF: possibilidade de... 241

CONSELHO ESTADUAL DA CONDIÇÃO FEMININA –


CECF: POSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO
NAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Maria Aparecida de Laia

1. Introdução
O CECF representa um marco na história dos movimentos fe-
mininos-feministas, tendo sido o primeiro a se organizar no Brasil e
servindo de ponto de referência para a criação de outros importantes
órgãos congêneres, a exemplo do Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher, sediado em Brasília.
Historicamente, uma das funções do CECF tem sido a de for-
mular políticas públicas voltadas para as mulheres.
Neste sentido, em relação às mulheres, vários Conselhos Esta-
duais e Municipais têm sido formados, com a finalidade de conhecer
as condições de vida das mulheres e intervir para modificá-las.
O estudo da determinação social da condição feminina neces-
sariamente tem de passar pela compreensão da importância da mu-
lher na sociedade. Essa compreensão, nos últimos anos, vem sendo
embasada pelas relações sociais de gênero, compreendido como sexo
socialmente construído. Assim, nessa concepção, as condições da vida
da mulher seriam determinadas, entre outros fatores, pela sua rela-
ção social com o homem, historicamente desenvolvida numa condi-
ção de subalternidade social explicada pelas mais diversas formas,
inclusive pela divisão social do trabalho. Essa divisão subjugou a
mulher, determinando-lhe as tarefas de âmbito doméstico, restrin-
gindo em muito o espaço público que lhe é destinado.
No Brasil, a mulher tem desempenhado estes papéis em uma
condição de dupla subalternidade – social e de gênero –, dado que a
242 Igualdade de oportunidades para as mulheres

maioria da população feminina ocupa os baixos níveis na hierarquia


social.
A superação desta condição pode se dar, coletivamente, num
processo de reflexão sobre a similaridade das questões da mulher,
ampliando a sua condição crítica no sentido de compreendê-las para
visualizar alternativas de transformação.
O CECF, ao longo de seus 15 anos de existência, tem investi-
do na luta em defesa dos direitos da mulher, estimulando e contribu-
indo para a formação de lideranças femininas, combatendo as desi-
gualdades, injustiças e violências. O CECF tem também como
finalidade o estudo das questões de gênero e a intervenção, quando
necessária, nas políticas públicas desenvolvidas pelas diferentes Se-
cretarias de Estado. Neste sentido, é necessário conhecer o conteúdo
e a forma de atuação das políticas públicas traçadas pelas Secretarias
da Saúde, do Trabalho e da Segurança, com a finalidade de detectar
as possibilidades de intervenção no processo de transformação das
condições de vida das mulheres paulistas.

2. Justificativa
O movimento de mulheres ressurgiu no Brasil em meados da
década de 1970, no bojo das lutas empreendidas pela sociedade civil
pela democracia e pelo fim da ditadura militar.
Nasceu marcado pelo engajamento nas questões políticas e so-
ciais do país, mobilizando-se em campanhas pela anistia aos presos
políticos, contra a tortura, contra a carestia, por mais creches, entre
outros.
O pensamento feminista introduz-se no Brasil a partir do con-
tato de mulheres exiladas com os movimentos feministas da Europa e
dos EUA, trazendo para o Brasil a crítica à desigualdade de gênero.
Temas como sexualidade e violência doméstica foram introduzidos
na pauta das questões político-sociais.
As contradições de gênero apontadas pelas feministas foram
apropriadas e recriadas pelas mulheres das classes populares, produ-
zindo, cada vez mais, o entrelaçamento entre questões de gênero e
outros problemas gerais.
Conselho estadual da condição feminina – CECF: possibilidade de... 243

Disto decorre que, ao longo do tempo, os Encontros Femi-


nistas passaram cada vez mais a incorporar demandas específicas de
mulheres pertencentes a diferentes segmentos sociais.
Embora todo esse processo não tenha ocorrido sem contradi-
ções, ao longo dos últimos 20 anos constituíram-se organizações de
mulheres em todo território nacional, tendo como principais ban-
deiras: o combate à violência contra a mulher; a luta pela igualdade
no mercado de trabalho; direito à creche; descriminalização do abor-
to; regulamentação do emprego doméstico; paridade de direitos tra-
balhistas e previdenciários entre trabalhadores(as) rurais e urba-
nos(as); igualdade legal no âmbito da família; combate ao racismo;
implantação do Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher
– PAISM.
Desses processos de mobilização e organização das mulheres
surgiram várias conquistas em espaços institucionais, como as De-
legacias de Defesa da Mulher, os Serviços de Atendimento a Mu-
lheres Vítimas de Violência; os Centros de Estudos de Relações de
Gênero instalados nas principais universidades do país, os Conse-
lhos da Condição Feminina instituídos nas instâncias municipal,
estadual e federal, órgãos governamentais encarregados do desen-
volvimento de políticas públicas para a mulher.
Porém, é por meio da análise das conquistas obtidas pelas
mulheres na Constituição de 1988 que se tem uma dimensão mais
global da luta travada pelo movimento de mulheres pela igualdade
de direitos e oportunidades no Brasil. O movimento de mulheres
conseguiu incorporar ao novo texto constitucional 80% de suas rei-
vindicações.
No entanto, se de um lado a conquista de direitos constitu-
cionais representa um avanço importante na luta das mulheres, a
tradição brasileira de incompatibilidade entre lei e prática social
aponta para a necessidade de que se aumentem os esforços de mo-
bilização e organização das mulheres pela defesa dos direitos ardua-
mente conquistados.
Reconhecer especificidades étnico-raciais, de gênero, de ida-
de, não é conferir-lhes um aspecto segregacionista, ou mesmo
paternalista. É, sim, dar-lhes maior visibilidade e transparência, ele-
244 Igualdade de oportunidades para as mulheres

mentos sem os quais será impossível alcançar-se uma condição de


inclusão social.
Qualquer programa que vise alcançar um mínimo de justiça
social como meio de reparar a desigualdade social, econômica e polí-
tica da população feminina no Brasil deve levar em consideração sua
diversidade e especificidade.
O IBGE em diferentes amostragens e pesquisas revela as desi-
gualdades na vida das mulheres, em especial no que se refere à edu-
cação, saúde, mercado de trabalho e violência.
A cidadania fica prejudicada face às desigualdades motivadas
pela condição social de gênero.
É importante frisar que a cidadania se constrói com consciên-
cia de direitos e também de deveres de todos; consciência do indiví-
duo sobre a sua responsabilidade para com os demais. Consciência
das instituições governamentais e não-governamentais que atuam em
diferentes frentes, da urgência na implementação de políticas públi-
cas que reconheçam e contemplem a questão de gênero na busca da
igualdade de oportunidades.

3. Objetivos

3.1. Objetivo geral


Analisar e avaliar, na perspectiva de gênero, os programas e
projetos apresentados pelas Secretarias da Saúde, Trabalho e Segu-
rança Pública e seus impactos nas mulheres.

3.2. Objetivos específicos e metas


• Introduzir nessas análises o conceito de gênero;
• Desencadear o debate e reflexão sobre gênero;
• Contribuir para o desenvolvimento de uma futura revisão dos pla-
nos e programas das Secretarias envolvidas;
• Promover a intercomplementaridade entre o Conselho Estadual
da Condição Feminina e as Secretarias, visando um planejamen-
to na perspectiva de gênero.
Conselho estadual da condição feminina – CECF: possibilidade de... 245

4. Público-alvo
• Coordenadores(as) de planejamento das Secretarias envolvidas.
5. Metodologia
Será elaborado um questionário, a ser respondido pelos(as)
Coordenadores(as), no qual se buscará saber se o planejamento le-
vou em consideração a perspectiva de gênero.
Com base no resultado dos questionários, serão analisados os
programas e projetos das Secretarias envolvidas, de forma a levantar
até que ponto levam ou levaram em consideração a perspectiva de
gênero.
A partir dessa análise, serão realizados 3 oficinas com os(as)
planejadores(as), a fim de discutir a introdução da perspectiva de
gênero no planejamento e seu impacto na população.
As oficinas serão formadas por 3 módulos:
I. Módulo Conceitual
II. Módulo Intervenção
III. Módulo Proposição
No primeiro módulo as atividades privilegiarão o conhecimento
entre beneficiários(as) e técnicos(as). Este módulo I buscará com-
preender a visão dos(as) planejadores(as) no que se refere a seus va-
lores culturais sobre a relação entre mulheres e homens na socie-
dade.
O módulo II será interveniente. A partir de temas e de propos-
tas nos programas das Secretarias e da visão exposta no módulo ante-
rior, buscará transmitir aos(às) técnicos(as) a visão de gênero e sua
aplicação no planejamento.
O módulo III é propositivo e objetiva de maneira mais direta a
capacitação dos(as) técnicos(as) para o exercício da função de
multiplicadores(as) de informação sobre a perspectiva de gênero nas
políticas públicas.
Os módulos serão desenvolvidos por meio de atividades estru-
turadas em informação – formação, que pretendem não só informar,
mas também criar vínculos que garantam a comunicação permanen-
te entre os(as) técnicos(as) e o CECF na elaboração de políticas pú-
246 Igualdade de oportunidades para as mulheres

blicas que levem em consideração a perspectiva de gênero, multipli-


cando pessoas com informação em gênero dentro das Secretarias.
Durante o transcurso de cada módulo os(as) beneficiários(as)
serão responsáveis pela elaboração de programas que incorporem a
perspectiva de gênero em suas respectivas Secretarias.
Participação política da mulher: uma proposta de (re)construção... 247

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DA MULHER:


UMA PROPOSTA DE (RE)CONSTRUÇÃO
DO ESPAÇO PÚBLICO

Tânia Suely A. M. Brabo

O problema
Participação da mulher no processo de elaboração do Progra-
ma Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, na cidade de Marília
– SP, iniciativa do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de
Marília (NUDHUC), ligado à Universidade Estadual Paulista –
campus de Marília.

Introdução
O Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania de Marília1 foi
formado em novembro de 1996, a partir das discussões que ocorre-
ram durante a VI Jornada Pedagógica da Unesp de Marília “Educa-

1
Os objetivos do NUDHUC são: zelar pelas garantias dos Direitos Humanos
e da Cidadania, denunciando e repudiando, por todos os meios permitidos
por lei, toda e qualquer infrigência ao conteúdo da Declaração Universal
dos Direitos do Homem; opinar e, quando solicitado, orientar as ações dos
Poderes Públicos ou entidades privadas que envolvam questões ligadas aos
direitos da cidadania, em sentido amplo; acionar os Poderes Públicos no
sentido de garantir o exercício pleno e livre dos Direitos Humanos e Cidada-
nia, quando tomar conhecimento de alguma violação por parte dos agentes
públicos; promover, de todas as formas, a defesa dos Direitos Humanos, da
cidadania, da participação popular democrática, do Estado de Direito e das
Instituições Democráticas. Estruturado como fórum permanente de deba-
tes, o espírito norteador do NUDHUC ressalta a ação e a reflexão, e, media-
do pelo trabalho coletivo, tem como perspectiva a idéia de que “a cidadania
ativa requer estudo e transformação da realidade local”.
248 Igualdade de oportunidades para as mulheres

ção pela Paz”, em 1995, que contou com a participação do ganhador


do Prêmio Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel. Nesse evento já se
colocava a necessidade de se discutir os problemas sociais brasileiros
relacionados à efetivação dos direitos humanos e o resgate da cida-
dania. Após esse encontro, alguns professores, alunos e membros da
comunidade local permaneceram motivados com a perspectiva de
constituir uma instância que aglutinasse as suas preocupações e aju-
dasse a construir as soluções para a superação dos problemas de vio-
lação de direitos ocorridos na comunidade local e regional.
O Núcleo constituiu-se reunindo as qualidades do trabalho teó-
rico de pesquisa, utilizando-se de todo o potencial da Universidade e
da capacidade de intervir diretamente sobre a realidade social que as
entidades civis e os grupos sociais possuem. Atualmente, é formado
por 23 membros, sendo 7 homens e 16 mulheres, de diferentes áreas
profissionais e de atuação. Em comemoração aos 50 anos da Declara-
ção Universal dos Direitos do Homem, assumiu o compromisso de,
junto à população local e entidades governamentais e não-governa-
mentais, elaborar o Programa de Direitos Humanos e Cidadania de
Marília no decorrer do ano de 1999. Assim, 9 áreas temáticas foram
estabelecidas para as reflexões, entre elas Minorias e Discriminações
que contemplariam questões relativas à mulher, negro, idosos, porta-
dores de necessidades especiais, homossexuais e outros grupos. Estava
constituído, assim, um espaço para se refletir criticamente e estimular
o debate sobre os problemas vivenciados pelas mulheres no município.
O que motivou esta ação foi a observação de que, embora hou-
vesse ampla participação da mulher em diversos setores no municí-
pio de Marília (mercado de trabalho, trabalho voluntário/filantrópi-
co, sindicatos, conselhos, escolas, nas universidades etc.), não havia
um espaço amplo de reflexão crítica sobre a questão de gênero.2 Tal
fato chamou a atenção porque, em estudo anterior,3 observou-se que
o município teve um momento significativo de mobilização, na década

2
Apenas a partir de 1996, com a criação do Núcleo de Direitos Humanos e
Cidadania de Marília, ligado à Unesp-Campus de Marília-SP, a questão de
gênero volta a ser contemplada. Em 1997, foi criado o Núcleo de Pesquisa:
Educação e Questões de Gênero, também na mesma Universidade.
3
Tese de mestrado, defendida em 1997, na Unesp-Campus de Marília. Tí-
tulo: Cidadania da Mulher Professora.
Participação política da mulher: uma proposta de (re)construção... 249

de 1980, desenvolvido por um grupo pioneiro de mulheres, que, arti-


culado com o Conselho da Condição Feminina do Estado de São Paulo,
trouxe à tona temas relativos à questão de gênero.
Por meio da mobilização deste grupo, criou-se em Marília, em
1987, o Conselho Municipal da Condição Feminina; conseguiu-se a
instalação de creches e da Delegacia de Defesa da Mulher, pelo poder
de interlocução com o governo local da época, em consonância com o
Governo estadual, ambos do PMDB, maior partido de oposição na-
quele momento. Também houve a participação na I Jornada do Comi-
tê das Nações Unidas do Brasil contra a Discriminação à Mulher
(CEDAW) em São Paulo, em 1987, desenvolvendo-se na cidade vá-
rias ações com o objetivo de incentivar a participação das mulheres na
política, estimulando-as a refletir sobre seus direitos. Dentre as ações
desenvolvidas, cabe registrar ainda a criação do programa “Rádio Mu-
lher”, o qual trazia os acontecimentos e discussões relativas à Consti-
tuinte e à política nacional, entre outros assuntos relativos a saúde,
trabalho, necessidade de creches, carestia e outros problemas que afe-
tavam a vida das mulheres brasileiras.
Conforme Blay: “É preciso recordar que S. Paulo foi o modelo
de um processo que se difundiu pelo Brasil através da criação de Con-
selhos Estaduais (Paraná, Minas) ou Municipais (mais de 20 pelo Bra-
sil afora, inclusive capitais como Recife, Curitiba, Salvador)” (1987,
p. 44).
Cabe registrar aqui a maturidade política do movimento femi-
nista do Estado de São Paulo, que, além de inaugurar uma nova forma
de fazer política baseada na interlocução com o Estado, empreendeu
uma comunicação positiva com os movimentos feministas em nível
municipal. Um exemplo de tal sintonia foi o debate realizado nas Esco-
las Públicas Paulistas em 1986, atendendo à recomendação do Conse-
lho Nacional dos Direitos da Mulher, sobre o papel da mulher na so-
ciedade. Tal processo, coordenado pela Assessoria Técnica de
Planejamento e Controle Educacional (ATPCE), no Estado de São
Paulo, contou com a participação efetiva das Escolas Estaduais do
município de Marília.
Ocorre que, a partir daquele momento, embora os/as partici-
pantes do Debate tivessem colocado a necessidade de continuidade da
iniciativa, então inovadora, e contando com a publicação “Debate – O
papel da mulher na sociedade”, resultante do processo desenvolvido
250 Igualdade de oportunidades para as mulheres

nas escolas, com sugestões de bibliografia, atividades e textos, não houve


continuidade desse processo e nenhuma iniciativa que contemplasse a
questão de gênero nas escolas públicas no município. É importante
salientar que as mulheres representavam e representam a maioria no
magistério do ensino fundamental da rede pública, inclusive na cate-
goria de especialistas (direção, coordenação e supervisão).
Vale destacar que, dentre as 3.113 escolas que participaram
do debate acima citado, a Divisão Regional de Ensino (antiga DRE)
de Marília destacou-se por apresentar o maior percentual de envio
do relatório síntese do debate empreendido nas escolas (83,1%), como
pode ser observado na tabela e no gráfico a seguir.

Tabela – Porcentagem de escolas por DRE, da CEI, que enviaram o


relatório
CEI ENVIARAM TOTAL DE %
DRE RELATÓRIO (NO) ESCOLAS (N) (NO/N)
ARAÇATUBA 83 169 49,1
BAURU 68 197 34,5
CAMPINAS 502 850 59,1
LITORAL 110 216 50,9
MARÍLIA 206 248 83,1
PRES. PRUDENTE 206 266 77,4
DRE RIB. PRETO 354 475 74,5
S. J. RIO PRETO 243 324 75,0
SOROCABA 177 312 56,7
V. DO PARAÍBA 154 325 47,4
VALE DO RIBEIRA 60 92 65,2
Fonte: Mulher e Educação-Debate, 1987, p. 17.

Gráfico – Percentagem de escolas por DRE,


da CEI, que entregaram o relatório
Percentagem 90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
A B C LI M P R SJ S V V
DRES da CEI R A A A P P O P R
Fonte: Mulher e Educação-Debate, 1987, p. 17.
Participação política da mulher: uma proposta de (re)construção... 251

As escolas reconheceram o valor de reflexões deste tipo, como


pode ser atestado pelo que foi dito por representante de uma escola
da capital, referindo-se à importância do evento: “Louvamos a ini-
ciativa da Secretaria de Estado da Educação, em proporcionar aos
alunos esta parada na escola para refletir sobre a questão da mulher.
É a primeira vez na história da Educação que tal fato ocorre. Sentimo-
nos às vezes despreparados para essa prática democrática, mas sabe-
mos que só dessas dificuldades é que poderemos traçar tantas outras
discussões importantes para que o aluno seja colocado no mundo em
que vive com uma visão mais crítica. Essa iniciativa cumpre seu pri-
meiro objetivo, que é o da tomada de consciência de discriminação
da mulher” (EEPG Oswaldo Cruz-DRE, cap. 2-5 DE, 1987, p. 19).
Mesmo fora das escolas não houve continuidade do debate e o
recém-criado Conselho da Condição Feminina local teve suas ativi-
dades encerradas.
Um dos fatores que contribuiu para esse retrocesso do proces-
so que se iniciava e que desestimulou a participação no Conselho foi
que, num primeiro momento, de grande mobilização nacional em fa-
vor da redemocratização do país, o movimento feminista contou com
o apoio do poder executivo local,4 do PMDB.
No segundo momento, o governo que o sucedeu, embora tam-
bém do PMDB, não teve a mesma postura democrática, mostrando-
se, inclusive, contra a participação popular nos Conselhos. Com a
resistência do poder executivo local em acatar as reivindicações do
Conselho da Condição Feminina recém-criado, houve a paralisação
das atividades deste.5

4
Prefeito atual em segundo mandato, reeleito nas eleições municipais de
1996.
5
Conforme entrevista com as participantes e fundadoras do Conselho da
Condição Feminina de Marília. Este fato é explicado por vários autores
que estudaram as dificuldades para que o processo de democratização se
efetive em todas as instâncias da sociedade, entre eles Blay (1991), Pinto
(1992), Pitanguy (1999), Linhares (1999), especificamente com relação
ao movimento feminista. Ainda, Dagnino (1994), Kowarick (1991),
Jaguaribe (1969), Bobbio (s.d.), Boaventura (1997), entre outros, com re-
lação à democracia em geral.
252 Igualdade de oportunidades para as mulheres

As dificuldades encontradas pelo movimento feminista local


desde a década de 1980 e a ausência de debates críticos e projetos
efetivos que estimulassem a participação político-partidária leva-
ram aparentemente à ausência da mulher na arena política. Mesmo
com a Lei das Cotas,6 que determina uma porcentagem (30% atual-
mente) de candidaturas femininas, não houve reflexão ou debate
expressivo com a sociedade em geral sobre a questão da mulher,
ficando este restrito aos partidos. Assim, nas últimas eleições muni-
cipais de 1996, apenas uma mulher, tendo como base política a Igreja
Universal, conseguiu eleger-se vereadora. Outra candidata, do Par-
tido dos Trabalhadores, com uma história de luta política na cida-
de, na área da Educação (Diretora Escolar), no Sindicato dos Pro-
fessores – Apeoesp (membro atuante), na Universidade (docente)
e também no partido, embora tivesse obtido 645 votos, não conse-
guiu se eleger devido às regras eleitorais.7
A inserção da mulher na política partidária é uma problema
mundial, ocorrendo mesmo nos países mais desenvolvidos. No caso
brasileiro, as dificuldades são maiores devido a vários fatores que não
serão analisados neste trabalho. A título de exemplo, o quadro a se-
guir mostra a atual conformação no Estado de São Paulo:

6
Lei 9.100/95 – Parágrafo 3 do Artigo 11: obriga os partidos políticos a
inscreverem 20% de mulheres em suas chapas proporcionais. O objetivo
da lei é aumentar a participação política das mulheres na sociedade (Fon-
te: Mulheres sem medo do poder: chegou a nossa vez. Cartilha para as
mulheres candidatas a vereadoras – 1996).
7
De acordo com o depoimento da ex-candidata, naquela eleição alguns
candidatos de outros partidos conseguiram se eleger com apenas 320 votos
aproximadamente.
Participação política da mulher: uma proposta de (re)construção... 253

Estado de São Paulo


HOMENS MULHERES
Deputados Federais – 1999/2003
70 4 suplente)
4 (1 (1 suplente)
Deputados Estaduais-1999/2003
94 (1 de94Marília)
(1 de Marília) 7
Municípios
Câmara Municipal de São Paulo-Capital-1996/2000
53 7
Câmara Municipal de Marília-1996/2000
21 1

Fonte: Registros da Assembléia Legislativa de São Paulo e da Câmara Munici-


pal de Marília –1999.

Em meados da década de 1990, observaram-se algumas inicia-


tivas emanadas do Conselho Estadual da Condição Feminina visan-
do fortalecer o papel dos Conselhos nos municípios, enquanto me-
diadores entre a Sociedade Civil e o Estado.8
No caso de Marília, foi (re)criado em 1996, pela Lei Municipal
nº 4.216, de 12 de setembro de 1996, o Conselho Municipal dos Di-
reitos da Mulher do município, modificado pela Lei no 4.695, de 10
de setembro de 1999, tornando-se um órgão vinculado diretamente
ao Gabinete do Prefeito.
Dentre as medidas propostas para esta revitalização do Conse-
lho, novamente foi levantada a necessidade do desenvolvimento de
uma proposta de educação de gênero. Mas a proposta não foi coloca-
da em prática no município.9 Inicialmente, as atividades do novo

8
Em 9.10.1997, é realizado em Marília o 1º Encontro do Conselho Estadual
da Condição Feminina com o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher
de Marília e, em 15.12.1998, o 1º Seminário dos Conselhos Estaduais de
Cidadania, em São Paulo.
9
Neste projeto, do Conselho Estadual da Condição Feminina, foi enviado às
Delegacias de Defesa da Mulher material pedagógico referente a uma edu-
cação não-sexista, mas, este, no município, até o momento não foi desenvol-
vido. Com a adoção dos Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1997, abor-
dada como Tema Transversal, a questão de gênero passa a ser colocada na
254 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Conselho ficaram restritas às comemorações do Dia Internacional da


Mulher em parceria com a Secretaria do Bem-Estar Social. Em 1999
e 2000, foram desenvolvidas atividades autônomas, contemplando a
questão da violência, do abuso sexual e reflexões com delegadas das
Delegacias de Defesa das Mulheres da região.

Justificativa
Pelos motivos arrolados de forma resumida acima, pretendeu-
se observar se a criação de um espaço público não-governamental
que discutisse os problemas gerais do município, entre eles a questão
de gênero, seria um fato novo positivo no âmbito local.
A década da mulher, declarada pela Organização das Nações
Unidas, para os anos 70/80, possibilitou um amplo debate e uma cam-
panha política efetiva das feministas, imprescindíveis à cidadania da
mulher.
Ao questionar as decisões do poder, os movimentos de mulhe-
res saíram do âmbito doméstico e passaram a lutar por uma nova
ordem de prioridades nos investimentos públicos. Do espaço domés-
tico, as mulheres passaram a agir contra as decisões do Poder. Por-
tanto, sua ação orientou-se para a construção de um novo espaço
público do qual elas também fizessem parte. Questionaram as omis-
sões dos sindicatos, das associações de classe, a discriminação difun-
dida pela imprensa e ensino, buscando alterações profundas dentro
da estrutura sindical, da organização político-partidária e das pró-
prias leis que regem os direitos civis (BLAY, 1992).
Conforme anteriormente colocado, no Estado de São Paulo, o
movimento feminista estabeleceu uma interlocução positiva com o
Governo Montoro, do PMDB, processo este que levou à institucio-
nalização do movimento, não sem resistência de seus setores mais
radicais, que não viam com bons olhos essa ligação com o Estado.

educação em nível nacional. Posteriormente, em 1999, a Associação dos


Professores das Escolas Públicas Paulistas (Apeoesp), em comemoração ao
Dia Internacional da Mulher, envia às Escolas da Rede Estadual de Ensino
um encarte com propostas de atividades para reflexão sobre a questão de
gênero, repetindo a atividade no Dia Internacional da Mulher de 2000.
Participação política da mulher: uma proposta de (re)construção... 255

Assim, foi criado, em 1983, o Conselho Estadual da Condição


Feminina. Mais tarde, foram criados o Conselho Nacional dos Direi-
tos da Mulher e os Conselhos Municipais, desenvolvendo políticas e
programas de ação voltados à integração plena da mulher na socie-
dade.
Conforme Caldeira (1987): “(...) se politiza lo privado, se
reconoce una experiencia hasta entonces silenciada y, por esta via,
se abre la posibilidad de cambio” (1987, p. 119).
Na mesma direção, Brito (1995) argumenta que as mulheres
brasileiras, na última década, das mais diversas formas, ligadas ou
não a instituições políticas, por meio de seus movimentos e ações,
têm se afirmado como atores, sujeitos sociais, que insistem em ser
reconhecidos, não só na vida pública, mas principalmente na vida
diária. Conforme a autora, “esta situação não é exclusivamente bra-
sileira. Pelo contrário, a presença feminina nos processos de mu-
dança sociopolítica em países como Argentina, Uruguai, Chile, Peru,
Bolívia, Nicarágua, e outros mais, tem se evidenciado de forma sig-
nificativa merecendo estudos e reflexões mais detidas” (1995, p.
75).
A participação política intensa na década de 1980, aparente-
mente não foi a mesma nos anos 90,10 quando observou-se um retrai-
mento da maior parte dos movimentos sociais,11 fato este explicado
por Pinto (1992), Pitanguy (1999), Linhares (1997), no que se refere
ao Conselho Nacional dos Direitos da Mulher quando de sua institu-
cionalização. Segundo Pinto (1992), este foi criado porque havia de-
mandas radicais advindas da sociedade civil articuladas nos discur-

10
É preciso considerar o que Nicolau (1996) apregoa: “(...) a segunda expe-
riência de democracia competitiva – o período pós-1985 – foi pouquíssimo
examinada (...)” (Introdução do livro: Multipartidarismo e democracia). O
autor se refere a partidos políticos, mas, a nosso ver, observa-se essa lacuna
também quanto aos movimentos sociais, os Conselhos de Direitos etc.
11
Cardoso (1994) chama a primeira fase dos movimentos sociais no Brasil
(década de 70 e início da década de 80) de “a emergência heróica dos
movimentos”. Na segunda fase, houve a institucionalização da participa-
ção dos movimentos e a relação desses movimentos com o Estado (nos
primeiros anos da década de 80). (CARDOSO, 1994, p. 81. In: DAGNINO,
1994).
256 Igualdade de oportunidades para as mulheres

sos dos movimentos que, aos olhos de um Estado dirigido por forças
conservadoras, ameaçavam a “paz social”. Criavam espaços de po-
der, transformando as relações cotidianas, colocando-se de forma nova
em relação aos partidos políticos e ao próprio Estado, que, por ser
conservador, resistia a estas demandas sem, no entanto, poder igno-
rá-las (PINTO, 1992).
A afirmação da autora tem similaridade com as dificuldades
impostas ao Conselho da Condição Feminina no município estuda-
do, conforme anteriormente colocado. Tais dificuldades perduram
até a atualidade em alguns casos, podendo-se perguntar qual a cida-
dania “concedida”12 às mulheres.
Astelarra (1994) argumenta que: “(...) Por un lado, la demo-
cracia parece consolidarse (...). Por outro, sin embargo, esta
consolidación aparece acompañada por una crisis de la política en su
dimensión de creadora de proyetos coletivos que motiven y movilicen
a la población. Esta crisis se há traducido en un desinterés por la
política, en un alejamiento de la ciudadanía de las organizaciones
políticas y en una extrema burocratización de las instituciones del
Estado que aparecen como lejanas y poco vinculadas a los problemas
cotidianos” (1994, p. 9).13

12
Sales analisa as raízes da desigualdade social da política brasileira, traçan-
do um retrato da construção da nossa cidadania, tratada como cidadania
concedida. Aborda as raízes dessa cultura da dádiva, expressão política de
nossa desigualdade social, mediante a relação de mando/subserviência cuja
manifestação primeira se deu no âmbito do grande domínio territorial que
configurou a sociedade brasileira nos primeiros séculos de sua formação. A
dádiva vem substituir os direitos básicos de cidadania, estes não nos foram
outorgados pelo liberalismo que aqui aportou na passagem do século (SALES,
1994).
13
A partir de 80, não só a América Latina ansiava pela volta à democracia,
mas também países da África, temos como marco as mudanças no Leste
Europeu (queda do muro de Berlim, União Soviética), a queda das ditadu-
ras militares chilena, peruana, argentina e brasileira, inclusive reaparecem
os movimentos sociais de várias formas, reivindicando identidades sociais
nos Estados autoritários. Conforme Brito (1995), a presença feminina nos
processos de mudança sociopolítica em países como Argentina, Uruguai,
Chile, Peru, Bolívia, Nicarágua, e outros foi significativa.
Participação política da mulher: uma proposta de (re)construção... 257

Como conseqüência, ao não ver seus direitos básicos garanti-


dos e, assim, não se sentir “sujeito de direito”, a mulher manifesta o
desprezo pela cidadania coletiva, pela política, e surge uma visão
distorcida sobre “direitos humanos”, bem como um desencanto so-
bre “participação”. Estamos, então, vivendo num círculo vicioso que
demanda a criação de espaços públicos efetivos de participação polí-
tica, nos quais as pessoas possam realmente opinar e interferir na
administração pública para que possa ser desconstruído.14
Com as mudanças em curso na sociedade globalizada, surgem
muitos problemas que dificultam a inclusão de amplos setores da so-
ciedade, que vão desde os totalmente desfiliados (CASTEL, 1998), de
direitos básicos, nos quais se incluem todos (homens, mulheres, ne-
gros, idosos etc.), às questões específicas de cada um desses setores
minoritários.15
Finalizando, Astelarra (1994) argumenta que existem aspec-
tos de reorganização da política que podem contribuir para desfazer a
apatia que caracteriza este fim de milênio. A experiência do movi-
mento feminista pode ser muito útil nessa reorganização, pois, com a
democracia houve a possibilidade de as mulheres entrarem na arena
pública. Entretanto, conseguindo o direito à participação, é necessá-
rio que as mulheres não percam sua identidade e, sim, que exijam
que suas experiências tenham o valor político que merecem. Duran-
te as últimas décadas, elas desenvolveram muitas formas de organi-
zação, institucionais e alternativas, que podem servir de modelo para
a proposta de novas formas de fazer política. Além do mais, o Estado

A expressão “transição democrática” foi imediatamente absorvida como


forma única e necessária de existência social (que não estava bem: pobreza
crescente, desnível de renda). Havia, então, dois espectros naquele mo-
mento:
1º – para muitos já era um ganho se ter a democracia como forma de go-
verno;
2º – novas forças políticas; participação popular junto ao Estado, aparece-
ram como proposta para o Brasil.
14
A respeito ver: Chaui (1992), Oliveira (1998), Bobbio (s. d.) entre outros.
15
A conotação minoritários refere-se aos setores que, embora quantitativa-
mente representem amplos setores, no acesso ao poder e aos direitos cons-
tituem minorias.
258 Igualdade de oportunidades para as mulheres

tem utilizado tal experiência no desenvolvimento de políticas públi-


cas com o auxílio das ONGs, de serviços personalizados das mulhe-
res, que têm elementos suficientes de análise e de prática capazes de
contribuir para um projeto de política que recupere a voz perdida e a
cidadania.
Pelas discussões apresentadas, conclui-se que, hoje, é essencial
a alternativa de formação de um espaço público onde se possa ter a
liberdade de falar, escutar, ser ouvido, ou seja, negociar na esfera públi-
ca (RANCIÈRE; HABERMAS, 1984). É preciso salvaguardar o “direito de
tutela”, que vai garantir os direitos dos mais fracos, a responsabilidade
social que caminha junto com a política do Bem-Estar Social (MAR-
SHAL, 1967), pois, segundo Habermas (1984), a democracia só pode
existir quando houver uma esfera pública, entre público e Estado.
Pode-se afirmar que a idéia de sociedade e de coletividade se
dá no espaço público em que o exercício da cidadania acontece; a
idéia de política está ligada à idéia de “atores demandando direitos”;
e os “direitos” só serão garantidos se houver mobilização e articula-
ção dos sujeitos, cidadãos e cidadãs, no espaço público. As pessoas,
ao se sentirem “sujeito público”, vão reivindicar a coisa pública (é
isto que vai levar à democracia no plano municipal; os sujeitos, orga-
nizados e participantes, vão cobrar o Estado de Bem-Estar Social).16
Hoje, é imperativo conhecer os direitos e expressá-los no es-
paço público, pois esta é uma das formas de dar visibilidade às mu-
lheres, em particular, e às minorias sociais em geral. O ponto crucial
é fazer emergir uma política que favoreça a participação coletiva.
Este espaço público inaugurado pelas mulheres, durante a dé-
cada de 1980, embora extinto por um período no município e reto-

16
Boaventura propõe como forma de participação civil no governo local, in-
clusive o orçamento participativo. Segundo o autor, é necessário: “(...) que
se altere radicalmente a lógica da fiscalidade. A nova articulação entre a
política da igualdade e a política da identidade exige que a solidariedade
fiscal seja mais concreta e individualizada. Fixados os níveis gerais de tribu-
tação, em nível nacional, e por mecanismos que representem democracia
representativa e a democracia participativa, o elenco dos objetivos financiáveis
pela despesa pública, aos cidadãos e às famílias deve ser dada a opção de, por
meio de referendo, decidir onde e em que proporção devem ser gastos os
seus impostos (BOAVENTURA, 1995, p. 51).
Participação política da mulher: uma proposta de (re)construção... 259

mado no momento atual, no âmbito estadual e nacional, passou por


uma redefinição e ampliação de ações, conforme Pitanguy (1999),
corroborando com a argumentação feita: “Ao longo das últimas dé-
cadas, a negociação tem sido um dos principais instrumentos de ação
política do feminismo. Negociar implica, antes de qualquer coisa, ser
reconhecido como interlocutor pelo outro, seja o governo, os parti-
dos, o parlamento ou outros movimentos sociais. Daí a importância
fundamental de alcançar visibilidade e legitimidade” (p. 19).
Uma proposta para os movimentos sociais, na atualidade, se-
ria através do caminho da política, apesar do esforço de desconstrução,
conseqüência da política orientada pela nova ordem mundial e pelo
desenvolvimento das tecnologias.17 Se, por um lado, o momento atual
tem aspectos negativos, por outro, traz a possibilidade de recriação e
ampliação da potencialidade de ação do movimento feminista.18
Tendo como parâmetro as argumentações dos autores citados,
pensou-se, então, em estimular e observar a participação das mulhe-
res em âmbito municipal no processo de elaboração do Programa de
Direitos Humanos do Município, coordenado pelo Núcleo de Direi-
tos Humanos e Cidadania de Marília, no decorrer do ano de 1999.

17
Segundo Kowarick (1999), na atualidade vive-se as conseqüências de um
processo iniciado na década de 70, que é a crise da sociedade salarial, que
traz: aumento do desemprego, precarização do trabalho, desmonte do Esta-
do de Bem-Estar Social (na Inglaterra), perda de poder de força das organi-
zações (sindicatos), desraizamento social (entra em crise uma sociabilidade
básica entre família, vizinhos, parentes, entre comunidade de bairros etc.),
apresentando efeitos no relacionamento das pessoas, violência de rua etc.,
agravando o processo de exclusão social. No Brasil, o fenômeno é de outra
natureza, se nos outros países há proteção social, aqui nunca houve, tornan-
do-se mais grave e com maiores conseqüências (anotações pessoais durante
o curso: Democracia, Política e Sociedade: Teoria e Realidade).
18
No momento, é possível um movimento maior pela facilidade de comunica-
ção global, como a Marcha Mundial de Mulheres – 2000, contra a violência
e a pobreza, iniciado no Canadá, que estendeu-se como proposta do movi-
mento feminista mundial iniciado no dia 8 de março, estendendo as ativida-
des até outubro de 2000. Hoje, são 4.500 grupos de 155 países trabalhando,
em nível local e nacional, a fim de coletar assinaturas para o abaixo-assinado
da marcha e em campanha de sensibilização de mulheres e homens sobre as
reivindicações nacionais e mundiais (Folha Feminista, 2000).
260 Igualdade de oportunidades para as mulheres

Objetivos
• Criar um espaço público de reflexão sobre Direitos Humanos e
Cidadania no qual a questão de gênero seja contemplada;
• Estimular a participação política da mulher no município;
• Criar um espaço público de discussão acerca de gênero, inserin-
do-o no debate sobre os problemas gerais que afetam o município;
• Articular setores fundamentais como: Conselhos, Secretarias, Co-
munidades de Bairro, Escolas, Partidos Políticos, Câmara Muni-
cipal entre outros, enfatizando a necessidade da participação da
sociedade civil e do debate acerca de gênero;
• Discutir as questões essenciais que devem ser contempladas no
Programa Municipal de Direitos Humanos e Cidadania quando
de sua elaboração, resultado de propostas concretas encaminha-
das pelos vários segmentos envolvidos no processo.

Metodologia
A subcomissão encarregada da temática “Minorias e Discrimi-
nações”,19 estabeleceu, a partir de 24.3.1999, uma metodologia de
Pesquisa Participante,20 com o objetivo de garantir o conhecimento e

19
Foram estabelecidas nove áreas temáticas prioritárias para reflexão e elabo-
ração de propostas para o Programa Municipal de Direitos Humanos e Cida-
dania: Educação; Segurança Pública; Justiça e Sistema Prisional; Meio Am-
biente; Saúde; Comunicação e Cultura; Criança e Adolescente; Minorias e
Discriminação; Emprego e Geração de Renda; Infra-estrutura Urbana.
20
Segundo Hall (1981), apud Demo (p. 121), “a PP é descrita de modo mais
comum como uma atividade integrada que combina investigação social,
trabalho educacional e ação”, procurando combinar “o problema da parti-
cipação com o da pesquisa, acentuando (...) o compromisso político mais
do que o compromisso com a pesquisa. Mas existe consciência da realida-
de, o que pode ser visto, por exemplo, na idéia de ‘transferir poder ao povo
através do processo de conhecimento’. (...)Ao mesmo tempo, a PP signifi-
ca a repulsa contra a manipulação das comunidades, buscando produzir o
saber através da análise coletiva (...). Assim, criar saber popular é um dos
objetivos da PP, porque acredita-se que o domínio do saber é uma fonte de
poder, o que colaboraria no projeto de transformação social ” (DEMO,
p. 122, In: BRANDÃO, C. R. (Org.). Repensando a pesquisa participante).
Participação política da mulher: uma proposta de (re)construção... 261

a sensibilização dos segmentos participantes com relação às questões


de Direitos Humanos e Cidadania, possibilitando que esses segmen-
tos assumam o papel de multiplicadores na comunidade. A ação deve
ser desenvolvida por meio de:
• Estudo e reflexão sobre Direitos Humanos e Cidadania;
• Reflexão sobre a realidade atual e sobre a necessidade de partici-
pação dos cidadãos e cidadãs;
• Divulgação da história do Núcleo de Direitos Humanos e Cidada-
nia de Marília – NUDHUC, de seus objetivos e das atividades de-
senvolvidas;
• Leitura, debate e reflexão sobre os Programas Nacional e Estadual
de Direitos Humanos;
• Pesquisa dos projetos e ações já desenvolvidos no município;
• Debate e encaminhamento das questões essenciais que deveriam
ser contempladas no Programa de Direitos Humanos e Cidadania
para o município de Marília, resultado de propostas concretas pau-
tadas no cotidiano das ações dos segmentos participantes e de
material elaborado pela subcomissão.

Desenvolvimento do projeto
A primeira atividade foi uma reunião para definição coletiva
da metodologia de trabalho e cronograma das atividades a serem de-
senvolvidas no decorrer do processo. A partir deste momento, ocor-
reram:
• Reuniões periódicas semanais da subcomissão encarregada de coor-
denar os trabalhos referentes às Minorias Sociais para estudo e
encaminhamento do processo.
• Reuniões mensais com os segmentos envolvidos, com os seguintes
objetivos:
• Levantar as ações desenvolvidas no município de Marília pelos
segmentos e pela subcomissão por meio de contatos telefônicos,
entrevistas, visitas, participação em reuniões dos grupos.
• Estudo e sintetização do material referente às propostas e ações
encaminhadas pelos grupos após reflexão entre seus pares.
262 Igualdade de oportunidades para as mulheres

• Realização de duas reuniões de estudos com os segmentos partici-


pantes, sobre “Questões Conceituais de Minorias” e sobre a “De-
claração de Salamanca – Educação inclusiva diante da deficiência
humana”.
• As atividades desenvolvidas em comemoração ao Dia Internacio-
nal da Mulher-99, na Unesp – Marília, consistiram nas primeiras
reflexões sobre a cidadania da mulher na atualidade, ocorrendo
Mesas Redondas que refletiram sobre: saúde/AIDS; direitos da
mulher da 3a idade; mulher e política; mulher infratora; liderança
da mulher na comunidade; mulher no movimento dos Sem-Terra.
Houve, também, exposição de obras de mulheres, que retrataram
a mulher por meio da pintura; a mulher na poesia e, ainda, a foto-
grafia da mulher negra.
• Fóruns gerais envolvendo todas as áreas temáticas e demais parti-
cipantes do processo, tanto para estudo em conjunto quanto para
avaliação da realidade local e encaminhamento do processo.
Pela dificuldade em se discutir mais profundamente questões
específicas de cada setor, ficou estabelecido que a subcomissão iria
participar das reuniões dos grupos além das reuniões gerais. Assim,
foram feitas:
• Palestras sobre DH e Cidadania, específicas a cada setor social,
contando com a participação em reuniões e palestras em várias
instituições: Grupos de Convívio de 3ª Idade; Conselho dos Direi-
tos da Mulher; Conselho Municipal da Pessoa Portadora de Ne-
cessidades Especiais; Conselho Municipal do Idoso; Conselho
Municipal do Negro; Comissão da Mulher Advogada-OAB-
Seccional de Marília; creches. Em todos os segmentos, a questão
de gênero era colocada dentro dos problemas específicos destes
(mulher idosa, mulher negra, mulher portadora de necessidades
especiais etc.).
Houve preocupação da subcomissão em participar dos even-
tos realizados pelos outros eixos temáticos para articulação e enca-
minhamentos conjuntos, procurando sempre envolver representan-
tes da educação estadual, municipal e da Associação dos Professores
do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), com o objetivo
de levar o debate às escolas e às outras áreas temáticas.
Participação política da mulher: uma proposta de (re)construção... 263

• Após elencar todas as ações que já eram desenvolvidas no municí-


pio, observou-se que havia uma Lei Municipai de 1993, sem
efetivação até o momento, que aprovava a criação de uma Casa-
Abrigo para vítimas de violência doméstica. Mesmo contando com
um Hospital da Mulher, criado com o apoio do Governo do Esta-
do em 1999, e com um Projeto de Lei que contemplava atendi-
mento às mulheres vítimas de estupro, ainda hoje elas não têm
atendimento na cidade. São encaminhadas a Campinas, única ci-
dade com hospital que desenvolve esse tipo de trabalho.
• Foi feita reprodução de material para estudo de todas as ações que
diziam respeito ao município a fim de que todos os grupos opinas-
sem e apresentassem propostas, fazendo um contraponto com o
Programa Estadual de Direitos Humanos e Cidadania, num deba-
te coletivo.
• Para dar maior visibilidade ao processo, houve elaboração de re-
portagens para jornais, rádio e TV.
Como resultado do amplo debate, as seguintes propostas fo-
ram elaboradas pelos setores envolvidos e, posteriormente, sintetiza-
das de acordo com o que compete ao município:
• Fortalecer e apoiar o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher,
como órgão deliberativo, fiscalizador e executor de políticas relati-
vas aos direitos da mulher.
• Viabilizar projetos que articulem uma atuação interdisciplinar na
áreas de apoio à infância, à adolescência e à mulher de Marília,
conforme a Lei Municipal 4.446/98.
• Implantar o Projeto “Combate à Violência”, do Plano Municipal
de Assistência Social, para o ano 2000, destinado à criação de um
centro multiprofissional para atendimento e encaminhamento da
mulher, criança/adolescente, vitimizados pela violência.
• Viabilizar projetos de apoio à vítima de estupro, atendendo à Lei
Estadual nº 10.291 de 7.4.1999.
• Garantir atendimento em creches e berçários para filhos de mães
trabalhadoras (inclusive no período de recesso escolar).
• Divulgar a Lei nº 4.324/97, que impõe a estabelecimentos públi-
cos ou privados do município sanções administrativas para atos
264 Igualdade de oportunidades para as mulheres

discriminatórios, vexatórios ou atentatórios contra a mulher no


mercado de trabalho, na área urbana.
• Divulgar na esfera municipal os documentos internacionais, na-
cionais e estaduais de proteção dos direitos das mulheres ratifica-
dos pelo Brasil, implementando-os no que concerne ao âmbito
municipal.
• Desenvolver e divulgar pesquisas no município sobre violência e
discriminação contra a mulher, considerando os aspectos de clas-
se, raça e etnia, buscando estratégias de proteção e promoção dos
direitos da mulher.
• Apoiar projetos que tenham como objetivo a defesa dos direitos
da mulher chefe de família, bem como favorecer sua plena inser-
ção na vida socioeconômica, política e cultural do município.

Segmentos participantes do processo


Número de pessoas envolvidas: aproximadamente 400
Conselho Municipal de Assistência Social e Secretaria do Bem-Estar
Social, Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, PSDB, PT, PC
do B, Delegacia de Ensino de Marília, Delegacia de Polícia de Defesa
da Mulher, Conselho Municipal da Pessoa Portadora de Deficiência,
Conselho Municipal do Idoso, Conselho Municipal do Negro, Cen-
tro de Ciência e Cultura-Unesp, Grupo de Educadores Negros de
Marília, Secretaria Municipal de Educação, Câmara Municipal de
Marília, Instituto de Educação “Saber Crescer”, Grupo Capoeira-
Guerreiros liberdade, Ordem dos Advogados do Brasil-Seccional de
Marília e Comissão da Mulher Advogada, 3ª Idade Nova Marília,
ITRA – Instituto Teológico Rainha dos Apóstolos, SESI – Serviço
Social da Indústria, Grupo de 3ª Idade S. Miguel, AMAR-Associa-
ção Mariliense dos Renais Crônicos, EBADEF-Entidade Beneficen-
te de Busca e Amparo aos Direitos Garantidos e Assegurados por Lei
dos Encarcerados e seus Familiares, E. E. Gabriel Monteiro da Silva,
AADF-Associação de Apoio ao Deficiente Físico de Marília, Conse-
lho da Mulher Empresária de Marília, Associação das Senhoras de
Rotarianos-Casa da Amizade, APEOESP, APAE, EMEI Monteiro
Lobato, 3ª Idade Poliesportivo Papelamar, AMAHER-Associação
Mariliense dos Anêmicos Hereditários, APADAC – Associação dos
Participação política da mulher: uma proposta de (re)construção... 265

Pais e Amigos dos Deficientes da Áudio Comunicação, COE – Centro


de Orientação Educacional, Secretaria Municipal de Esportes, Se-
cretaria de Agricultura e Meio Ambiente, Secretaria de Planejamen-
to, SAMA – Associação dos Aposentados de Marília, Fórum de De-
fesa da Criança e Adolescente, Grupo da 3ª Idade, Secretaria
Municipal de Saúde, Grupos 3ª Idade: Saúde e Alegria, Patronato,
Grupo do SESI-Cantinho da Amizade, Fundo Social de Solidarieda-
de, Força Sindical, Associação dos Deficientes Visuais de Marília.

Considerações finais
Conforme anteriormente afirmado, a idéia de sociedade e de
coletividade se dá no espaço público em que o exercício da cidadania
acontece. A concepção de política deve referir-se hoje a “atores de-
mandando direitos”; e os “direitos” só serão garantidos se houver
mobilização e articulação dos sujeitos, cidadãos e cidadãs, no espaço
público.
Com as mudanças em curso na sociedade globalizada, viven-
ciamos a exclusão de direitos básicos de amplos setores da sociedade,
nos quais se incluem todos (homens, mulheres, negros, idosos etc.),
o que demanda uma administração pública voltada para o social em
todos os níveis, nacional, estadual e municipal.
Conforme Haggard (1995),21 os atores políticos (presidentes,
seus ministros, parlamentares, governadores, prefeitos e vereadores),
e suas bases, representam os principais canais por meio dos quais as
pressões dos grupos de interesse transformam-se em políticas e em
reforma institucional. Para ele, na atualidade, reforma do Estado não
é apenas uma questão de eficiência, mas também de participação
democrática.
Relembrando Astelarra (1994), a consolidação democrática
aparece acompanhada por uma crise da política em sua dimensão de
criadora de projetos coletivos que motivem e mobilizem as pessoas.
Essa crise gerou um desinteresse pela política e pela cidadania, que
parecem desvinculadas dos problemas do cotidiano.
Todos esses fatores discutidos, presentes não só no âmbito mu-
nicipal, contribuíram para a desmobilização do movimento feminista
no município estudado logo após sua institucionalização, o que moti-
266 Igualdade de oportunidades para as mulheres

vou o desenvolvimento desta ação. Esta pode ser considerada positi-


va pelos motivos que a seguir colocaremos nestas considerações fi-
nais.
Ao finalizar o processo de elaboração do programa Municipal
de Direitos Humanos-Marília (SP), constatou-se que, dos grupos con-
vidados, os que menos participaram foram: o Conselho Municipal
dos Direitos da Mulher, Conselho da Mulher Empresária, vereadores
e esposas (apenas uma, do PFL e presidente da Associação da Senho-
ra dos Rotarianos participou no dia dedicado às questões da mulher;
dos vinte e um vereadores no município, apenas três participaram,
do PT, PC do B e PL), Supervisoras Escolares (deixando de partici-
par quando houve a indicação de uma nova Dirigente de Ensino,
feita pelo Governo Covas), a única vereadora sempre convidada nunca
participou nem mandou representante, o Conselho do Negro (pro-
vavelmente pelas divergências político-partidárias com outro grupo
participante, o Grupo de Educadores Negros, observadas na primeira
reunião, a única da qual a presidenta do Conselho Municipal do Negro
participou) e a Secretaria do Bem-Estar Social. Os setores que efeti-
va e ativamente participaram foram os diversos grupos de Terceira
Idade, a representante do PT e da Secretaria Municipal da Educa-
ção.
Merece destaque o fato de que todas e todos mostraram-se
satisfeitos por participar, avaliaram positivamente o processo e, ao
final, estavam motivados para sua continuidade. Uma das partici-
pantes, a representante do vereador do PT, contribuiu de forma
significativa, inclusive na consecução do material utilizado para
reflexão e estudo. Numa das últimas reuniões, quis agradecer emo-
cionada a chance de expressar suas idéias e de participar. Na opor-
tunidade, contou sua história de vida, de menina órfã criada numa
creche, que estudava e trabalhava mantendo seus irmãos com o
apoio do partido. Segundo ela, nessa experiência vivida no ano de
1999, havia aprendido muito junto ao grupo, que, pelo fato de ser
heterogêneo, possibilitou o intercâmbio de experiências e diferen-
tes formas de busca de soluções para os problemas vivenciados. Pe-
las avaliações finais, observou-se que houve um envolvimento po-
sitivo de todos(as) os(as) integrantes e uma sensibilização sobre os
problemas do município.
Participação política da mulher: uma proposta de (re)construção... 267

No dia dedicado especificamente à discussão sobre a situação


da mulher não houve a participação de nenhuma representante do
Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (elas a fizeram separa-
damente), mas sim de representantes de escolas (diretoras), da
Apeoesp, do Conselho Municipal do Idoso e de outros grupos de 3ª
Idade; da Presidenta em exercício e da posterior já eleita da Associa-
ção das Senhoras dos Rotarianos, bem como de membros da Asso-
ciação; da Presidente do Conselho dos Deficientes Físicos; do repre-
sentante da Associação dos Hemofílicos; da representante do
Conselho da Mulher Empresária e outras mulheres que não tinham
vínculo com nenhuma instituição. As questões levantadas e debati-
das pelo grupo após leitura da parte referente à mulher no Programa
Estadual de Direitos Humanos foram as seguintes: mudança da De-
legacia de Defesa da Mulher (DDM) para local mais centralizado,
mais visível e de fácil acesso; solicitação junto ao Governo do Estado
de maior apoio tanto de recursos humanos quanto materiais para as
DDMs; solicitação de ações concretas do Conselho Municipal dos
Direitos da Mulher; necessidade de educação sexual nas escolas; ne-
cessidade de criação da Casa-Abrigo e de efetivação de atendimento
às vítimas de violência; combate à pobreza da qual as mulheres são as
maiores vítimas; aumento de vagas e no número de creches para as
filhas e filhos das trabalhadoras, com atendimento inclusive no pe-
ríodo de recesso escolar, entre outros problemas que afetam princi-
palmente as mulheres pobres no município.
O debate mostrou clareza e sensibilidade quanto aos proble-
mas da mulher em geral e, particularmente, no município, levando a
perceber a falta de vontade política para resolvê-los. Ficou claro, tam-
bém, que as pessoas desconheciam as leis em favor dos direitos das
mulheres em vigor no município.
Vale ressaltar, ainda, que embora não houvesse participação
intensa das Instituições diretamente ligadas à mulher, tanto na Área
Temática Minorias e Discriminação, quanto nas outras (Educação,
Segurança e Sistema Prisional, Saúde, Meio Ambiente etc.), a maio-
ria dos participantes em todo o processo eram mulheres. O trabalho
desenvolvido pelas Áreas Temáticas foram quase que exclusivamen-
te coordenados por mulheres. O Núcleo de Direitos Humanos e Ci-
dadania de Marília, além de ter membros permanentes em sua maio-
268 Igualdade de oportunidades para as mulheres

ria mulheres, é coordenado por mulheres. Isso revela que a ação foi
positiva tanto do ponto de vista da participação política quanto do
envolvimento e sensibilização de diferentes instituições coordenadas
por mulheres e para mulheres.

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Ficha técnica

Mancha 10,5 x 18,5 cm


Formato 14 x 21 cm
Tipologia Garamond 3 12 e Bangkok 12
Papel miolo: pólen soft 80 g/m2
capa: Cartão supremo 250g/m2
Impressão da capa Quadricromia
Impressão e acabamento GRÁFICA PROVO
Número de páginas 272
Tiragem 1.000 exemplares

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