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MANUEL BANDEIRA, A CINZA DAS HORAS

Poemas escolhidos EPGRAFE Sou bem-nascido. Menino, Fui, como os demais, feliz. Depois, veio o mau destino E fez de mim o que quis. Veio o mau gnio da vida, Rompeu em meu corao, Levou tudo de vencida, Rugia e como um furaco, Turbou, partiu, abateu, Queimou sem razo nem d Ah, que dor! Magoado e s, - S! - meu corao ardeu: Ardeu em gritos dementes Na sua paixo sombria... E dessas horas ardentes Ficou esta cinza fria. - Esta pouca cinza fria. 1917. DESENCANTO Eu fao versos como quem chora De desalento. . . de desencanto. . . Fecha o meu livro, se por agora No tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso sangue. Volpia ardente. . . Tristeza esparsa... remorso vo... Di-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do corao. E nestes versos de angstia rouca, Assim dos lbios a vida corre, Deixando um acre sabor na boca. - Eu fao versos como quem morre. Terespolis, 1912. CREPSCULO DE OUTONO O crepsculo cai, manso como uma bno. Dir-se- que o rio chora a priso de seu leito... As grandes mos da sombra evanglicas pensam As feridas que a vida abriu em cada peito. O outono amarelece e despoja os larios. Um corvo passa e grasna, e deixa esparso no ar O terror augural de encantos e feitios. As flores morrem. Toda a relva entra a murchar. Os pinheiros porm viam, e sero breve Todo o verde que a vista espairecendo vejas, Mais negros sobre a alvura innime da neve, Altos e espirituais como flechas de igrejas. Um sino plange. A sua voz ritma o murmrio Do rio, e isso parece a voz da solido. E essa voz enche o vale... o horizonte purpreo... Consoladora como um divino perdo. O sol fundiu a neve. A folhagem vermelha Reponta. Apenas h, nos barrancos retortos, Flocos, que a luz do poente exttica semelha A um rebanho infeliz de cordeirinhos mortos.

A sombra casa os sons numa grave harmonia. E tamanha esperana e uma to grande paz Avultam do claro que cinge a serrania, Como se houvesse aurora e o mar cantando atrs. Clavadel, 1913

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