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DOSSIÊ

EDUCAÇÃO BÁSICA:
DESAFIOS, REALIDADES E PERSPECTIVAS
Volume II | Número 2 (Ed. Especial)

Organizadores:
Rubens Lacerda de SÁ
Elkerlane Martins de Araújo MORAES
Lucimar Pinheiro da Silva SAMPAIO
Eduardo Dias da SILVA
APRESENTAÇÃO

Não é uma tarefa fácil falar da e sobre a Educação Básica. É sabido


de todos os que se envolvem com ela que os desafios são incontáveis
e que a realidade que se vive nesse universo é bem distante do que
se perspectiva. Entretanto, quais educa-dores, nunca desistimos de
nossos esforços por domar, atenuar ou educar as dores que afligem
imensas porções da sociedade contemporânea. É com esta meta em
mente que apresentamos ao escrutínio dos leitores este dossiê.
Almejamos contribuir com o trabalho docente ao oferecer textos
que se relacionam diretamente com um viés crítico e prático.
As ideias apresentadas nos textos selecionados para compor
esta obra provêm de docentes-pesquisadores de diferentes regiões
do Brasil, de expressão nacional e internacional, cujo objetivo é
subsidiar e alimentar as discussões que vêm sendo travadas na
sociedade brasileira, nesse início do século XXI, sobre as diretrizes
filosóficas e metodológicas em torno de uma práxis educativa
crítico-reflexiva.
Abrimos o dossiê com Diego Pinto de Sousa que
entrevista o linguista e catedrático Kanavillil Rajagopalan para
discutir, sob o prisma da filosofia da linguagem, a crise que se
consubstancia e envolve de modo dicotômico tanto a educação
básica quanto o ensino superior. Em seguida, o trio Eduardo Silva,
Elisângela Santos e Veridiane Arrebolla valem-se dos gêneros
discursivos, sob um prisma bakhtiniano, para aliar os princípios de
uma sequência didática, de uma atividade permanente e de um
projeto didático como ferramenta de ensino-aprendizagem.
Gasperim Ramalho de Souza e José Adriano de Barros buscam
em seu texto apresentar os contrapontos entre os documentos
oficiais e o que realmente ocorre na sala de aula de duas escolas
públicas paulistanas no que tange à (uma) educação especial que se
arroga inclusiva.
Para Lucimar Sampaio e Glícia Aleixo há uma relação

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(im)provável entre os pressupostos da teoria dos multiletramentos,
a química e a gasolina — é só lendo para saber como elas provocam
essa reação conducente à aulas significativas. Aliar a compreensão e
produção filosófica com a tecnologia, em especial àquelas que se
aliam às metodologias ativas, é o que se propõem em seu texto os
pesquisadores Rubens Lacerda de Sá e Fulvio Fusaro Caratin.
Aos amantes da literatura é um prazer falar sobre ela; vive-la,
aprender de/com ela e ser induzido a agir dialogicamente por causa
dela é o mote central do texto dos literatos Moisés Amorim e
Viviane Rasga Aires ao apresentar a literatura sob um viés crítico.
Movendo-se em direção à conclusão dos trabalhos neste
dossiê, incluímos o texto dos docentes Gabriel Nascimento,
Ivelton Silva e Jândela Tamashiro em que discorrem acerca da
necessidade de urgente ressignificação de conceitos e barreiras
atitudinais que estereotipam discursivamente a surdez como fator
incapacitante. E, por fim, optamos por fechar esta coletânea com
uma resenha, a cargo de Rubens Lacerda de Sá, de uma obra
seminal para o ensino-aprendizagem de línguas sob uma perspectiva
crítica.
Nosso desejo é que esta obra possa proporcionar ao leitor
novos olhares para as temáticas aqui abordadas e que esses nos
conduzam por rotas mais amenas em nossa tarefa de educar-dores.

Rubens Lacerda de SÁ
Elkerlane Martins de Araújo MORAES
Lucimar Pinheiro da Silva SAMPAIO
Eduardo Dias da SILVA
(Orgs.)

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 2


EDITORES DIAGRAMAÇÃO E
Eduardo Dias da Silva NORMATIZAÇÃO
(UnB-PósLit/ FORPROLL-CNPq) Lucca de R. N. Tartaglia
Lucca de R. N. Tartaglia (UFRJ/FORPROLL-CNPq)
(UFRJ/FORPROLL-CNPq)
Renato de Oliveira Dering (Uni- CONSELHO EDITORIAL
ANHANGUERA/FORPROLL-CNPq) Confira a lista clicando AQUI.

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SUMÁRIO*

Vol. II (2018) – Nº 01

01
Para além do horizonte da crise: Diálogos
com Kanavillil Rajagopalan

Diego Pinto de SOUSA


Kanavillil RAJAGOPALAN

02 Sequência didática, atividade permanente e


projeto didático como gêneros discursivos: o
que são e como usá-las no ensino e na
aprendizagem na educação básica/técnica

Eduardo Dias SILVA


Elisângela Xavier P. SANTOS
Veridiane C. M. ARREBOLLA

03
Educação especial e inclusiva: Dos docu-
mentos oficiais à realidade nas Escolas
Públicas

Gasperim Ramalho de SOUZA


José Adriano de BARROS

* Todo o conteúdo contido nos textos é de responsabilidade integral de


seus autores e foram cedidos para publicação, conforme as condições da
revista. Sendo assim, emitem a ideia de seus autores e não da Revista
Forproll ou do Grupo FORPROLL/CNPq.

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04
Multiletramentos e gasolina: Combustíveis
para uma aula de química significativa

Lucimar Pinheiro da Silva SAMPAIO


Glícia Alves ALEIXO

05
O (re)fazer filosófico ativo e autônomo: Pela
valorização e difusão de saber(es)

Rubens Lacerda de SÁ
Fulvio Fusaro CARATIN

06
O ensino de literatura: Vivências,
aprendizagens e ações

Moisés Carlos AMORIM


Viviane Barbosa Rasga AIRES

07
Não tenho formação para isso: As questões
da língua e as práticas discursivas de
professores de surdos em escolas inclusivas

Gabriel S. NASCIMENTO
Ivelton S. SILVA
Jândela C. G. S. TAMASHIRO

08
Língua estrangeira e formação cidadã: Por
entre discursos e práticas
Rubens Lacerda de SÁ

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 4


PARA ALÉM DO HORIZONTE DA
CRISE: DIÁLOGOS COM
KANAVILLIL RAJAGOPALAN1
Diego Pinto de SOUSA2
Kanavillil RAJAGOPALAN 3

RESUMO: Em meio a crises diversificadas e tarefas desafiadoras, a educação


pública brasileira segue sua sina cambaleando, pendularmente, entre sucessos e
retrocessos. Compõem essa miscelânea de fatores o abismo entre teoria e prática,
a distância entre educação básica e ensino superior, bem como as dificuldades na
implementação de políticas públicas e linguísticas na tarefa de resolver tais
dilemas. É neste (e para este) horizonte de crise, em particular o horizonte da
educação básica, que ouvimos, em forma de entrevista, a voz de Kanavillil
Rajagopalan, Professor Titular (aposentado/colaborador) da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP). Sua dialógica e singular voz ressignifica a
crise apontando caminhos para um novo horizonte.

PALAVRAS-CHAVE: Educação básica; Ensino Superior; Crise.

INTRODUÇÃO
"O problema não é a corrupção ...
O problema é o colonialismo mental"
(adapt. Roberto Mangabeira Unger)

Por mais predicados pessimistas que carregue, a palavra crise


pode sintetizar o percurso histórico, bem como o atual momento da

1 Agradeço as contribuições pertinentes e decisivas dos pesquisadores


Rubens Lacerda de Sá (IFSP) e Eduardo Dias da Silva (UnB).
2 Doutorando em Linguística na Universidade Estadual de Campinas

(UNICAMP). Membro do Grupo Interdisciplinar em Estudos de


Linguagem (GIEL/CNPq). Docente da Rede Estadual de Ensino do
Estado de Mato Grosso (SEDUC/MT).
E-mail: diegopsousa@hotmail.com.
3 Professor Titular, aposentado-colaborador, na área de Semântica e

Pragmática das Línguas Naturais da Universidade Estadual de Campinas


(UNICAMP) e Pesquisador 1-A do CNPq.
E-mail: rajagopalan@uol.com.br

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educação brasileira. Sua etimologia indica um lugar de travessia,
momento de mudanças em que avanços, dificuldades e desafios são
equivalentes e, por vezes, concomitantes (HOUAISS, 2009). A
mesma educação básica, marcada secularmente como não inclusiva
e ineficaz até em comparação a outras gestões educacionais da
América Latina, conseguiu, entre o crepúsculo do século passado e
os primeiros decênios do Século XXI, expandir significativamente
o acesso (sonhado desde o manifesto dos pioneiros na década de
1930) entre crianças e jovens brasileiros. O crescimento também se
refere aos saltos expressivos do Ensino Superior nos últimos anos.
(ABRUCIO; SIMIELLI, 2015).
Os dados, apesar de não dizerem “tudo”, didatizam a crise:
se, por uma lado, em 2013 “[...] 93,6% das crianças e jovens entre
quatro e 17 anos estavam matriculados e frequentando a escola [...]”
(ABRUCIO; SIMIELLI, 2015, pp. 18, 19),por outro lado, é preciso
considerar que alarmantes “[...] 29% dos alunos concluíram o nono
ano com o aprendizado adequado em português e 16% em
matemática.” Saliente-se que os percentuais são comprovados e se
intensificam no Ensino Médio em matemática “[...] 9% dos alunos
concluíram o terceiro ano do Ensino Médio com o conhecimento
adequado – em português, foram 27% dos alunos.” (idem, ibidem).
Confesso que de minha experiência recente como docente,
e longa como aluno da educação pública, posso afirmar que a escola,
apesar de suas mazelas segue, na estirpe da crise e em alguns
aspectos, relevante e transformadora. Não há dúvida, todavia, que
também tenho sido motivado a celebrar avanços mínimos, pois a
mesma escola continua seu trabalho em favor do status quo. Haja
vista que neste ambiente político-social de genocídios (cognitivos e
culturais) abarcado por gerações de crianças e adolescentes
circundados pela fome, desestruturação familiar, pela diversidade de
violências e abusos, (“apenas”) ler e escrever com dignidade são
saltos radicais e significativos, o que inclui, infelizmente, o Ensino
Médio.
É dessa região instável e inquietável que decidimos
ouvir/dialogar, sobre questões relevantes para a educação pública,

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com a singular e alteritária voz de Kanavillil Rajagopalan. Professor
Titular (aposentado/colaborador) da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP), que possui um percurso importante na
história dos estudos de linguagem em nosso país. De sua voz crítica
e desterritorializada ouve-se a sugestão de rupturas e quebra de
paradigmas como saída ao encontro da luz ao fim do túnel.
A raiz etimológica da palavra crise também se relaciona à
terminologia médica e ao ideário dos estudos econômicos,
indicando, respectivamente: “[...] o momento que define a evolução
de uma doença para a cura ou para a morte,” a “[...] fase de transição
entre um surto de prosperidade e outro de depressão, ou vice-
versa.” (HOUAISS, 2009). Quem sabe, em diálogo com
Rajagopalan, os abismos e desafios vivenciados hoje na crise da
educação brasileira apontem o advento de uma política educacional
emancipadora, o (re)encontro entre prática e teoria e a quebra de
verticalidades em busca de um horizonte (em crises).

ENTREVISTA

D. Sousa – Professor Rajagopalan, como o senhor percebe o abismo


entre a educação básica e a superior, em relação à teoria e à prática e vice-
versa? Como explicar a continuidade desse abismo diante de centenas,
até milhares, de pesquisas (mestrados, doutorados e afins) em inúmeros
programas de Pós-Graduação no Brasil afora e que arrogam exitosas
propostas das mais diversas soluções que raramente chegam ao chão da
fábrica?

K. Rajagopalan – Os dois abismos de que você fala são


igualmente problemáticos e nocivos. O primeiro é um
verdadeiro escândalo. No fundo no fundo, tem a ver com
verticalização do saber e, o que é pior ainda, a verticalização
dos detentores do saber abstrato. Isto é, há uma crença
amplamente compartilhada de que, quanto mais se
especializa, quanto mais se adquire conhecimento teórico

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sobre um determinado assunto, mais se ascende numa espécie
de, digamos,“escala” do saber.
No campo da educação, isso leva a uma espécie de
elitização dos “níveis” mais elevados, eternizada em termos
de “ensino superior” (e, por tabela, os demais níveis seriam
inferiores — com toda a carga negativa associada). A
metáfora de ascensão e descida está, no entanto, totalmente
equivocada. Prova disso está no emprego da expressão
“aprofundar”, que também se usa para se referir ao mesmo
fenômeno. Ou seja, uma das duas: ou sobe, ou desce! Se
aprofundar é uma questão de descer, se o conhecimento mais
apurado está nas profundezas do saber, o tal de “ensino
superior” deve ser entendido como algo superficial e, quem
sabe, substituído por um termo oposto, isto é, “ensino
inferior”!
Daí uma outra idéia, igualmente equivocada, de que
qualquer um pode se sair bem envolvendo-se no ensino
básico (que, pela mesma lógica, supostamente exigiria menos
preparo por parte do professor, ao contrário dos níveis ditos
“superiores”). Não é por acaso que um país como a Finlândia,
tido como modelar em matéria de educação pública, trata em
pé de igualdade TODOS os seus professores (em TODOS os
níveis) — a começar pela remuneração que é destinada a cada
um. O modelo educacional que é seguido nesses países
reconhece que o trabalho de um professor de ensino básico
ou primário é tão importante e desafiador quanto o de um
colega seu em qualquer outro nível — sendo a única diferença
o tipo de desafio que cada um enfrenta (depende de fatores
como a idade dos aprendizes, o desenvolvimento intelectual,
as peculiaridades e as condições emocionais dos aprendizes, e
por aí vai). Assim como a remuneração, as cobranças relativas
à pesquisa e a participação em eventos acadêmicos para troca
de experiências etc. também são equiparadas. Os professores
de ensino primário e básico têm carreiras paralelas às de
qualquer outro professor, inclusive qualificação constante em

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programas de mestrado e doutorado, etc. Eu pessoalmente
tive a grata surpresa e a oportunidade de participar com duas
professoras de escola primária na cidade de Turku, Finlândia,
há alguns anos, num grupo de trabalho, como parte de um
evento científico.
Quanto à dicotomia “teoria/prática”, também
estamos diante de alguns preconceitos fortemente arraigados
em nossa sociedade. Existe, por exemplo, uma ideia, errônea
a meu ver, porém também amplamente divulgada, de que o
trabalho feito com o cérebro é superior ao trabalho feito
braçalmente. Tem a ver com a mesma valorização do trabalho
cerebral que leva alguém a acreditar que o dito “ensino
superior” é superior em todos os sentidos dessa palavra.
Afinal, a diferença remeter-se-ia, de acordo com a lógica que
rege esse pensamento, ao fator que distingue o ser humano
dos demais seres vivos do reino animal — o uso de
inteligência avançada! O problema é que isso se traduz
frequentemente em um desprezo a qualquer tipo de trabalho
que exige menos cérebro e mais músculo. Não falta muito
para se chegar à conclusão apressada de que toda vez que se
distancia do trabalho cerebral em sua quintessência, menos
“nobre” se transforma o esforço empenhado.
Assim, valoriza-se em demasia a reflexão teórica em
detrimento de qualquer canalização de tal esforço para fins
práticos. O falecido filósofo francês Jacques Derrida se
recorria à oposição “engenheiro/bricoleur” para lançar luz
sobre a questão de teoria vs. prática. Ao contrário do
engenheiro que sabe dos princípios por trás das coisas, é o
bricoleur que conseguia resolver os problemas na medida em
que eles vão surgindo a toda hora. O mundo precisa de
pessoas capacitadas para resolver os problemas do dia a dia,
tanto quanto outros que abstratamente pensam sobre as
coisas. A vida real é cheia de problemas que exigem muito
mais o espírito de bricolagem do que o do inventor de
engenhos!

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D. Sousa – Diante dos desafios que se apresentam e da realidade
evidente, como o senhor vislumbra as perspectivas da Educação Básica
em/nessa relação com a superior para o séc. XXI?

K. Rajagopalan – Ao analisar a valoração demasiada do


ensino superior e da reflexão teórica, eu já acenei para o que
entendo que há de comum entre as duas crenças.
Evidentemente, uma solução para os dois males terá que advir
de uma mudança drástica na nossa mentalidade em relação a
essa crença. Até que isso ocorra, infelizmente não vejo como
sair do atoleiro. Até os meados do século XX, a Finlândia era
tida como um país do “terceiro mundo”, com um PIB igual
ao dos países mais pobres da África e da Ásia. Tudo mudou a
partir de uma decisão de se investir na educação básica. Os
países asiáticos como Japão e, mais recentemente, Coréia são
outros exemplos dignos de serem seguidos. Ou seja, tem-se
luz no fim do túnel, sim. O que falta é a conscientização dos
nossos governantes e a vontade e determinação de caminhar
em rumo certo.
Não sou, nem de longe, um especialista no assunto de
educação. Mas, duvido que haja algum país no mundo que
tenha alcançado altos índices de progresso social e de
crescimento econômico, sem que antes tivesse cuidado da
educação básica do seu povo. A educação superior é, sem
dúvida, de importância incontestável, mas é a educação básica
que serve de alicerce de uma nação avançada em todos os
sentidos. Quem pensa que um país conseguirá avançar
concentrando-se apenas no ensino superior está
redondamente enganado. Investimento no ensino superior e
pesquisa de ponta pode se redundar em resultados concretos
e mais palpáveis, mas os desdobramentos dos investimentos
feitos na educação básica costumam aparecer com mais
demora, porém são de grande alcance na sociedade como um
todo e, sem sombra de dúvida, mais duradouros.

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D. Sousa – No artigo Política linguística: do que é que se trata, afinal?
(2013), o senhor traz à baila a distinção entre as várias definições do
termo, causando com isso alguns ruídos interpretativos por parte de
pesquisadores da linguagem. Considerando sua máxima: “A questão
linguística é muito mais uma questão política”, quais caminhos práticos
e metodológicos podem ser seguidos para que o termo “linguística”, em
Política Linguística, deixe de ser adjetivo e passe a ter valor de
substantivo, em se tratando de políticas públicas de Estado no Brasil
voltadas para a Educação Básica, principalmente, pública e inclusiva
para todos?

K. Rajagopalan – Você identificou muito bem a questão


central que ressaltei naquele artigo. Sempre acreditei que a
Política Linguística é muito mais política do que linguística
(como, aliás, revelaria uma simples análise do sintagma
nominal, no qual o vocábulo “política” é o núcleo, sendo que
a palavra “linguística” tem apenas a função de modificador).
Ou seja, ao contrário do que você diz, “o termo linguística em
Política Linguística” não necessita ser induzido a fim de que,
em suas palavras, “deixe de ser adjetivo e passe a ter valor de
substantivo”. ELE JÁ O É. Conforme já assinalei naquele
artigo que você menciona, o que muitas vezes tende a nos
confundir é o fato de que a palavra “linguística” já ganhou o
status de nome de uma disciplina acadêmica e, por
conseguinte, passou a ser um substantivo, além de reter sua
função de um adjetivo (significando “relativo à língua”). A
questão toda salta aos olhos quando levarmos em conta como
línguas como alemão ou inglês expressam a ideia de política
linguística — a palavra “linguística” (com seu duplo sentido)
cede seu lugar para língua em expressões como Sprachpolitik
(alemão) e Language Politics (inglês) — o que demonstra
claramente que o que está no foco é a língua, não a linguística.
O que é lamentável é que até mesmo alguns linguistas se
deixaram enganar por esse simples descuido.

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Mas, mais importante do que a compreensão correta
de classe gramatical do termo “linguística” é encarar todas as
consequências dessa “descoberta” singela. Pois, enquanto
uma questão política, tudo o que está em discussão deve se
dar no âmbito de “pólis” — isto é, cabe ao cidadão comum
(categoria que se refere a TODOS nós, inclusive linguistas)
ter a última palavra sobre qualquer decisão que venha a ter
que ser tomada a respeito do planejamento, da promoção, da
normatização, do ensino etc. da(s) língua(s) envolvida(s). Ou
seja, o linguista terá que dividir o palco com qualquer outro
cidadão, sendo a cidadania o único critério para decidir quem
tem e quem não tem o direito de se manifestar sobre a política
linguística a ser concebida e implementada num país. Dito de
outra forma, na questão de política linguística, o linguista tem
todo o direito e dever de participar — porém, não na
qualidade de alguém que tenha voz privilegiada, mas na
qualidade de um cidadão como qualquer outro. Sei que
quando afirmo isso, muita gente se sente incomodado (dando
origem aos “ruídos interpretativos” de que você fala); mas,
basta lembrar que não estamos discutindo a língua enquanto
um objeto de estudo científico, mas sim, enquanto símbolo
de uma nação (com todas as suas conotações emocionais etc.)
— no mesmo patamar de outros símbolos nacionais como
bandeira, hino e assim por diante.

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BEYOND THE CRISIS HORIZON: A CONVERSATION


WITH KANAVILLIL RAJAGOPALAN

ABSTRACT: Amidst a diversified crisis and challenging tasks, Brazilian public


education continues to falter, swinging between successes and setbacks. These
factors mingle the gap between theory and practice, the distance between basic
schooling and higher education, as well as the difficulties in implementing public
and linguistic policies so as to solve such dilemmas. Kanavillil Rajagopalan, Full
Professor (retired/collaborator) of the State University of Campinas
(UNICAMP), works out in this (and for this) horizon of crisis, in particular the

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one of basic schooling. His dialogical and singular voice re-signifies the crisis
pointing the way to a new horizon.

KEYWORDS: Basic schooling, Higher education, Crisis.

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REFERÊNCIAS

ABRUCIO; F.; SIMIELLI, L. Contexto da Educação Brasileira:


Trajetória recente, Situação atual e Perspectivas sociopolíticas. In:
Cenários Transformadores para a Educação Básica no Brasil.
Instituto Reos, 2015.

HOUAISS. Dicionário eletrônico Houaiss da língua


portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.

RAJAGOPALAN, K. Política linguística: do que é que se trata,


afinal? In: NICOLAIDES, C.; SILVA, K. A.; TILIO, R.; ROCHA,
C. H. (Orgs.). Política e políticas linguísticas. Campinas, SP:
Pontes Editores, 2013, pp.19-42.

______. Por uma linguística crítica: Linguagem, Identidade e a


Questão Ética. . São Paulo: Parábola, 2003.

______. Repensar o papel da Linguística Aplicada. In: MOITA


LOPES (Org). Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar.
São Paulo: Parábola Editorial, 2006, pp. 149-167.

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SEQUÊNCIA DIDÁTICA,
ATIVIDADE PERMANENTE E
PROJETO DIDÁTICO COMO
GÊNEROS DISCURSIVOS: O QUE
SÃO E COMO USÁ-LAS NO
ENSINO E NA APRENDIZAGEM
NA EDUCAÇÃO
BÁSICA/TÉCNICA?

Eduardo Dias da SILVA1


Elisângela Xavier Pereira dos SANTOS2
Veridiane Christine Mendes ARREBOLLA3

RESUMO: Para organizar o processo ensino-aprendizagem na Educação básica


e técnica públicas, é preciso ponderar a maneira mais adequada para se fazer a
gestão do tempo e das habilidades requeridas, considerando, para isso, as
modalidades organizativas (sequência didática, atividade permanente e projeto
didático) potencializadoras do processo ensino-aprendizagem dentro do
ambiente escolar, vistas, neste estudo, na proposta de gêneros discursivos de
acordo com Bakhtin e seu Círculo. Visando alcançar os objetivos propostos, foi
elaborada uma pesquisa qualitativa documental, a fim de propiciar maior
familiaridade com o referencial das modalidades organizativas enquanto gêneros

1 Doutorando em Literatura e Mestre em Linguística Aplicada pela


Universidade de Brasília (UnB). Pesquisador do Grupo Interdisciplinar em
Estudos de Linguagem (GIEL/CNPq) e FORPROLL/CNPq. Docente
na Educação Básica da Secretaria de Estado de Educação do Distrito
Federal (SEEDF) E-mail: edu_france2004@yahoo.fr
2 Especialista em Educação: Tecnologia Assistiva, Educação Inclusiva e

Orientação Educacional (FESL) e Bacharel em Ciências da Computação


(UNISANTA). Docente no Centro Estadual de Educação Tecnológica
Paula Souza (CEETEPS). E-mail: elisangela.santos91@etec.sp.gov.br
3 Especialista em Psicopedagogia Institucional (FESL) e Bacharel em

Administração (FAITA). Docente no Centro Estadual de Educação


Tecnológica Paula Souza (CEETEPS).
E-mail: vera.arrebolla@hotmail.com

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discursivos, fornecendo maior visibilidade à temática. Por meio desse trabalho,
foi possível ponderar sobre alguns aspectos que envolvem a definição das
modalidades organizativas para o ensino-aprendizagem de alunos como caminho
para novas reflexões sobre o fazer pedagógico dos professores na Educação
básica e técnica públicas, destinando-se às práticas emancipatórias do alunado que
se quer partícipe socialmente.

PALAVRAS-CHAVE: Sequência didática; Atividade permanente; Projeto


didático; Educação Básica; Educação técnica

INTRODUÇÃO

Em se tratando de ensino e aprendizagem na Educação básica ou


técnica não existem soluções mágicas, tendo em vista que a maioria
das soluções efetivas passa por planejamento, trabalho e (re)ajustes.
Diversificar atividades no cotidiano escolar, para propiciar a
interação dos alunos4 com diferentes textos orais e escritos; utilizar
modos de organização (situações didáticas em grande grupo,
pequenos grupos, duplas, atividades individuais); distribuir os
diferentes tipos de atividades de forma equilibrada e progressiva,
contemplando ações como: reflexão, sistematização e consolidação
dos direitos de aprendizagem, são os desafios da sociedade atual e
os ambientes escolares não se excluem dela, segundo Sá; Silva;
Guedes (2018), Ferreira; Albuquerque (2012), Cruz; Manzoni; Silva
(2012), Nery (2006), Martins (2001) dentre outros.
Tem-se, assim, professores e alunos inscritos nesta
sociedade que, de acordo com Tavares (2010), está

[...] caracterizada pela descontinuidade, por um


processo permanente de rupturas e de novas
configurações. Essas múltiplas configurações
produzem divisões e antagonismos sociais que
demandam que o sujeito ocupe diferentes

4 Os termos aluno, aprendente, estudante e sujeito são utilizados


indiscriminadamente e sem distinção neste artigo, como pertencentes ao
mesmo eixo de significação – aquele que aprende – como identidade
social, política, ideológica (res)significada no tempo e no espaço
socialmente caracterizado.

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posições e que sua identidade sofra contínuos
ajustes e reformulações (2010, p. 34).

Importante mencionar que esses atores sociais estão


inseridos na sociedade atual alcunhada de modernidade líquida,
segundo Bauman (2001), na qual alguns elementos são diluídos,
deixando simplesmente de existir, sendo necessário recorrer a
fragmentos, fatos e cacos da história para dar sentido à materialidade
do fazer pedagógico e à representação do ensino-aprendizagem na
interação social mediada pela linguagem nos ambientes escolares.
Partimos de uma concepção de linguagem como interação
(VYGOTSKY, 2009; MARCUSCHI, 2002; 2008), o que possibilita
articular as várias áreas do conhecimento, pois consideramos o ser
humano um ser de linguagem, uma vez que a linguagem constitui o
sujeito em seu contexto. De acordo com Vygotsky (2009), a
linguagem encontra sua origem na necessidade de comunicação
social das pessoas, através das relações interpessoais (relações do
sujeito com o meio e com o outro) e intrapessoais (internalização
das relações no plano individual). É nesse processo que o ser
humano se constitui e se apropria dos gêneros discursivos
mediados, no ambiente escolar, pelas modalidades organizativas,
pois,

na medida em que produzem enunciados, os


sujeitos se baseiam em formas-padrão
relativamente estáveis que se constituem sócio-
historicamente, de acordo com as práticas
comunicativas e interacionais em que estão
inseridos. A estas formas-padrão intrinsecamente
relacionadas à vida sociocultural denominamos
gêneros discursivos, por meio dos quais se realizam
todos os textos. Deste modo, não há
comunicação sem os gêneros discursivos, não
importando a estrutura discursiva (SILVA, 2014,
p. 25, grifos do autor).

Sendo assim, para caracterizar os gêneros discursivos,


importam mais os aspectos comunicativos e funcionais que os

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aspectos linguísticos e estruturais, como elucidado por Silva (2014;
2016; 2017). Os gêneros não se limitam a formas linguísticas: mais
do que estruturas à disposição dos sujeitos, os gêneros, conforme
explica Marcuschi (2008, p. 20), “são entidades sócio-discursivas e
formas de ação social incontornáveis em qualquer situação
discursiva”.
A multiplicidade de gêneros discursivos é plausível por sua
própria natureza. Como acontecem de acordo com as necessidades
que se apresentam em cada esfera de atividade humana e tendo-se
em vista que essas esferas também são bastante diversificadas,
apresentando necessidades igualmente diversas, é natural que tenha
surgido uma grande variedade de gêneros, segundo Silva (2014,
2015a; 2016). Toda esta explanação é plausível para dizer que
consideramos, neste estudo, sequência didática, atividade
permanente e projeto didático como pertencentes aos gêneros
discursivos, que comportam o escrito e o dito, e são modalidades de
uso da língua.
Visando alcançar os objetivos propostos, o presente artigo,
elaborado a partir de uma pesquisa qualitativa documental
(MARCONI; LAKATOS, 2010; GIL, 2002; CHIZZOTTI, 2006),
insere-se na tendência transdisciplinar que vem marcando as
pesquisas em Educação, Literatura e Linguística (Aplicada), nos
últimos anos, considerando que “a transdisciplinaridade diz respeito
ao estudo de um objeto de uma mesma e única disciplina por várias
disciplinas ao mesmo tempo”, como elucidado por Vieira (2009, p.
08). Dessa forma, o estudo do objeto sairia enriquecido pelo
cruzamento entre as diversas disciplinas e o conhecimento desse
objeto em sua própria área seria aprofundado.
Ainda sobre esse tema, de acordo com Leffa (2006, p. 15), a
transdisciplinaridade, numa adaptação livre da terminologia de
Nicolescu (1999; 2000), seria “o estágio final de uma visão
evolucionista de ciência que começa com a disciplinaridade, evolui
para a multidisciplinaridade, daí para a interdisciplinaridade, e,
finalmente para a transdisciplinaridade”.

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Contudo, segundos esses autores, não podemos explicar a
transdisciplinaridade como se fosse linear, decorrente dos conceitos
supracitados, pois estaríamos ocorrendo em um reducionismo
desnecessário, tendo em vista também que “a transdisciplinaridade
pode ser entendida como aquela que está entre, através e além de
qualquer disciplina sendo que seus pilares estão alicerçados em
múltiplos níveis de realidade, na lógica do meio e na complexidade
que orienta a pesquisa [documental]”, de acordo com Pereira (2013,
p. 23). Sendo assim, “para as pesquisas documentais, a realidade é
compreendida como fluente e contraditória, e os processos de
investigação são vistos como dependentes das concepções, valores
e objetivos do pesquisador”, como defende Chizzotti (2006) apud
Silva (2015a, p. 2).
Assim, por meio desta pesquisa documental, desejamos
apontar a importância de se fornecerem oportunidades para que os
professores da Educação básica e técnica possam conhecer,
identificar, refletir e discutir suas ações baseados nas propostas de
sequência didática (CRISTÓVÃO, 2009; DOLZ; SCHNEUWLY,
2004; DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004), atividade
permanente (LERNER, 2002; NERY, 2006) e projeto didático
(LEAL, 2004; MOURA; BARBOSA, 2006; HELM; BENEKEE,
2005), inseridos na definição de gêneros discursivos proposta por
Bakhtin e seu Círculo (BAKHTIN, 2010; 2011, BAKHTIN;
VOLOCHINOV, 1992). E não se pretende, em hipótese alguma,
exaurir todas as possibilidades de pesquisa que envolve os
construtos supracitados seja na área da Educação, na Linguística
(Aplicada), na Literatura, dentre outras.

ATIVIDADE PERMANENTE

O ambiente escolar na Educação básica e técnica se faz do


processo de ensinar com base nas expectativas de aprendizagem dos
alunos em cada disciplina. Falta saber como colocar tudo isso em
prática no cotidiano das salas de aula, segundo Andrade; Guimarães
(2009). Tendo isso em mente, Lerner (2002) classificou as atividades

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do ambiente escolar em três grandes blocos - atividades permanentes,
sequências didáticas e projetos didáticos -, que também são conhecidos
como modalidades organizativas do ambiente escolar.
Como em um jogo de quebra-cabeças, planejar o uso das
modalidades organizativas ao longo do ano escolar exige dos
professores uma visão global do processo de ensinar e capacidade
de projetar cenários e encadear situações de aprendizagem, pois as
modalidades organizativas, segundo Lerner (2002), são módulos
complementares que podem ser interligados ou usados
separadamente, em montagens que possam levar em consideração
as habilidades e os objetivos a serem trabalhados no decorrer dos
períodos letivos.
As atividades permanentes são essenciais, segundo Nery
(2006), para a aprendizagem dos alunos, devendo ser realizadas
regularmente; por não estarem vinculadas a um projeto, possuem
mais flexibilidade e autonomia. A oferta regular de atividades
permanentes diversificadas, no ambiente escolar, em um mesmo
tempo e espaço é uma oportunidade de propiciar aos alunos o ato
da escolha, haja vista que se desencadeará num

trabalho regular, diário, semanal ou quinzenal que


objetiva uma familiaridade maior com um gênero
textual[discursivo] 5 , um assunto/tema de uma
área curricular, de modo que os estudantes
tenham a oportunidade de conhecer diferentes
maneiras de ler, de brincar, de produzir textos, de
fazer arte, etc. Tenham, ainda a oportunidade de

5 Os gêneros textuais/discursivos são fenômenos históricos,


profundamente vinculados à vida cultural e social. Fruto de trabalho
coletivo, os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades
comunicativas do dia-a-dia. São entidades sócio-discursivas e formas de
ação social incontornáveis em qualquer situação comunicativa. Partimos
do pressuposto básico de que é impossível se comunicar verbalmente,
tanto na escrita quanto oralmente, a não ser por algum gênero, assim como
é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum
texto/discurso. Em outros termos, partimos da ideia de que a
comunicação só é possível por algum gênero textual/discursivo, segundo
Marcuschi (2002; 2008), Bakhtin (2010; 2011) e Bronckart (1993; 1999).

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falar sobre o lido/vivido com outros, numa
verdadeira comunidade. (NERY, 2006, p. 112)

Para a efetivação das atividades permanentes no ambiente


escolar de forma regular, diária, semanal ou quinzenal, devemos
considerar os seguintes aspectos, de acordo com Bräkling,

a) o princípio de organização do currículo 6 em


espiral — pois os alunos precisam ter contato
com os conteúdos em diferentes momentos do
processo de aprendizado, de maneira a dele se
apropriarem melhor —; b) a natureza de cada
conteúdo e suas necessidades de abordagem; c) a
necessidade de haver uma seleção dos conteúdos
em função do tempo de que se dispõe para
ensinar e das expectativas de aprendizagem
colocadas para os alunos. (2008, p. 01)

Contudo, o tratamento do currículo, na contemporaneidade,


pressupõe, segundo Sacristán (1998; 2000), que se leve em
consideração sua problemática a partir da reflexão sobre: i) que
perspectiva se pretende alcançar; ii) o que ensinar; iii) por que
ensinar; iv) para quem são os objetivos; v) quem possui o melhor
acesso às formas legitimadoras de conhecimento; vi) que processos
atingem e alteram as fragmentações até que se chegue à prática
pedagógica; vii) como se transmite a cultura escolar; viii) como os
conteúdos podem ser inter-relacionados; ix) com quais
recursos/materiais metodológicos; x) como organizar os grupos de
trabalho; xi) o tempo e o espaço; xiii) como saber o êxito ou não e
as consequências sobre este na avaliação dominante; xiv) de que
modo é possível transformar a prática escolar relacionada aos temas.
Os enfoques sobre a concepção de currículo também são
plurais: ideológicas, sociológicas, antropológicas, econômicas etc.
Sacristán (1998), por exemplo, vê no currículo uma forma de ter

6 O termo currículo, neste artigo, é compreendido como sendo um


instrumento aberto, em que os conhecimentos dialogam entre si,
buscando estimular a pesquisa, a inovação, a utilização de recursos e
práticas pedagógicas mais criativas, flexíveis e humanizadas.

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acesso ao conhecimento, e que por isso não se pode esgotar seu
significado em algo estático, mas por meio das condições em que se
realiza e se converte em uma maneira particular de entrar em
contato com a cultura dos alunos e dos professores.
O referido autor salienta que

as funções que o currículo cumpre como


expressão do projeto de cultura e socialização são
realizadas através de seus conteúdos, de seu
formato e das práticas que cria em torno de si.
Tudo isso se produz ao mesmo tempo:
conteúdos (culturais, intelectuais e formativos),
códigos pedagógicos e ações práticas através dos
quais se expressam e modelam conteúdos e
formas (SACRISTÁN, 1998, p. 16).

Além disso, o currículo expressa também o equilíbrio de


interesses e forças que permeiam o sistema educativo em
determinado momento ou ocasião e, por intermédio dele, realizam-
se as finalidades da educação básica e técnica públicas no ensino
normatizado de suas múltiplas disciplinas.
Realizar atividades permanentes não significa fazer sempre
a mesma coisa. A proposta deve ser empregada com regularidade
durante o ano letivo, ciclo ou semestre e oferecer novos desafios,
rodas de leitura, elaboração e apresentação de maquetes, construção
e aplicação de planejamento de vendas, leitura de poemas, dentre
muitas outras possibilidades, por exemplo. Os alunos selecionam,
de própria escolha (em casa, na biblioteca, com ou sem auxílio dos
professores), livros, textos, assuntos, temas, gibis para ler e
analisarem em dias e horários predeterminados. São leitores
influenciando leitores, leitores partilhando leituras, segundo Nery
(2006).
Todas as atividades permanentes, sejam elas em grande
grupo, pequenos grupos, duplas, individuais contribuem, de forma
direta ou indireta, para a construção da identidade e o
desenvolvimento da autonomia, de acordo com Nery (2006), Lerner
(2002) e Bräkling (2008), uma vez que são competências que

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perpassam todas as vivências dos alunos na aprendizagem da
Educação básica e técnica.

SEQUÊNCIA DIDÁTICA

Sem que haja um produto, como nos projetos didáticos, as


sequências didáticas pressupõem um trabalho pedagógico
organizado e estruturado pelo professor da Educação básica e
técnica em uma determinada ordem, durante um determinado
período, que pode variar de dias a semanas, criando-se, assim, uma
modalidade de aprendizagem mais orgânica. Os planos de aula, em
geral, seguem essa organização didática e várias sequências podem
ser trabalhadas durante o ano, de acordo com o planejado ou com
as necessidades dos alunos, segundo Cristóvão (2009).
Uma forma de promover o desenvolvimento das
capacidades de linguagem dos alunos é a realização de sequências
didáticas. Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) definem uma
sequência didática como “um conjunto de atividades escolares
organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual
ou escrito” (p. 82). Este tipo de modalidade organizativa tem como
finalidade ajudar os alunos a dominar melhor um determinado
assunto/tema, levando-os a escrever e a pensarem de uma maneira
mais adequada em uma situação específica, pois

as sequências didáticas, certamente, possibilitam


práticas de leitura, de escrita, [...]. E são elas, a
nosso ver, as responsáveis por um projeto
pedagógico completo e eficaz com o gênero
[textual], (re)colocando-o no seu lugar original e
reconhecendo seu valor sócio-histórico,
estabelecendo metas e objetivos claros a serem
alcançados nos diferentes módulos de estudo
(leitura, produção escrita e circulação). Para
tanto, é necessário que os professores criem
condições para que os aprendentes possam
apropriar-se das características discursivas e
linguísticas desse gênero em situações de
comunicação real (SILVA, 2016, p. 117).

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Por isso, o ideal é que o trabalho escolar seja desenvolvido
com um gênero que o aluno “não domina ou o faz de maneira
insuficiente; sobretudo aqueles dificilmente acessíveis,
espontaneamente, pela maioria dos alunos” (DOLZ; NOVERRAZ;
SCHNEUWLY, 2004, p. 82). As sequências didáticas servem, então,
como uma forma de dar acesso aos alunos a práticas de linguagem
consideradas novas ou dificilmente domináveis. O esquema a seguir
(Figura 1) representa a estrutura de base de uma sequência didática:

Figura 1
Esquema da sequência didática

Fonte: Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 98)

Conforme a proposta de Dolz; Noverraz; Schneuwly (2004),


uma sequência didática compreende quatro fases: apresentação da
situação, a primeira produção, os módulos e a produção final. Na
fase de apresentação da situação, a tarefa de expressão escrita que
os alunos devem realizar é descrita detalhadamente. Em seguida,
acontece a produção inicial: os alunos elaboram os primeiros textos,
escritos ou não, conforme o gênero trabalhado, a partir das
orientações recebidas na apresentação da situação.
Ressaltamos que os professores da Educação básica e
técnica precisam conhecer os gêneros textuais, tanto orais quanto
escritos, que se pretende ensinar, e conheçam também o nível de
aprendizagem que os alunos já têm desses gêneros. Isso é necessário
para que a sequência didática seja organizada de tal maneira que não
fique fácil - o que desestimularia os alunos, porque não
encontrariam desafios -nem difícil demais, o que também poderia

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desestimulá-los a iniciar o trabalho e envolverem-se com as tarefas
sugeridas, segundo Schneuwly e Dolz (1999). Outra necessidade
desse tipo de trabalho é a realização de atividades em duplas e
grupos, para que os alunos possam trocar conhecimentos e auxiliar
uns aos outros.
A maioria das habilidades e das competências exigem tempo
para aprender. Por isso, a sequência didática é a modalidade
organizativa mais presente nos planejamentos escolares, conforme
Schneuwly; Dolz (1999; 2004). Escolher as habilidades e
competências mais importantes, organizando as séries, ciclos,
semestres e níveis a fim de garantir a continuidade durante o ano
letivo, deve ser considerado nas sequências didáticas, de acordo com
Cristóvão (2009). Contudo, o número de tarefas de cada sequência
é variado, assim como o tempo de duração (ambos dependem do
objetivo e da resposta dos alunos às propostas).

PROJETO DIDÁTICO

Projeto didático é um tipo de organização e planejamento


do tempo e dos conteúdos que envolve uma situação-problema. Seu
objetivo é articular propósitos didáticos (o que os alunos devem
aprender) e propósitos sociais (o trabalho tem um produto final, como
um livro ou uma exposição, que serão apreciados por alguém, por
exemplo). Além de dar um sentido mais amplo às práticas escolares,
o projeto evita a fragmentação dos conteúdos e torna o alunado
corresponsável pela própria aprendizagem, de acordo com Helm e
Benekee (2005), Martins (2001) e Moura e Barbosa (2006). Nas
palavras de Nery (2006),

essa modalidade de organização do trabalho


pedagógico prevê um produto final cujo
planejamento tem objetivos claros,
dimensionamento do tempo, divisão de tarefas e,
por fim, a avaliação final em função do que se
pretendia. O projeto é um trabalho articulado em
que as crianças usam de forma interativa as

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quatro atividades linguísticas básicas —
falar/ouvir, escrever/ler —, a partir de muitos e
variados gêneros textuais, nas várias áreas do
conhecimento, tendo em vista uma situação
didática que pode ser mais significativa para elas.
(NERY, 2006, p. 119).

O projeto didático, geralmente, apresenta um problema a ser


resolvido, produto que se deseja alcançar (jornal escolar, produção
de livro, de exposição, criação de blogs, de feiras, produtos e serviço
e etc.), e pressupõe ainda um acompanhamento coletivo de todo o
processo por parte dos professores e alunos, segundo Leal (2004),
prevendo os momentos de planejamento e de discussão em grupo e
os de trabalhos individuais. Colocar justificativas, aprendizagens e
habilidades desejadas, etapas do desenvolvimento, produção,
maneiras de divulgar o produto final, duração e avaliação final,
devem também estar nítidos no projeto, como elucidam Leal e
Albuquerque (2005).
Os projetos didáticos podem ser planejados e organizados
de inúmeras formas, porém algumas ações são fundamentais,
conforme listadas por Cruz, Manzoni e Silva (2012):

1. Tema: delimitar e conhecer bem o assunto que


será estudado e pesquisá-lo previamente. 2.
Objetivos: escolher uma meta de aprendizagem
principal e outras secundárias que atendam às
necessidades de aprendizagem. 3. Conteúdos: ter
clareza do que as crianças conhecem e
desconhecem sobre o tema e o conteúdo do
trabalho. 4. Tempo estimado: construir um
cronograma com prazos para cada atividade,
delimitando a duração total do trabalho. 5.
Material necessário: selecionar previamente os
recursos e materiais que serão usados, como sites
e livros de consulta. 6. Apresentação da
proposta: deixar claro para a sala os objetivos
sociais do trabalho e quais os próximos passos. 7.
Planejamento das etapas: relacionar uma etapa à
outra, em uma complexidade crescente. 8.
Encaminhamentos: antecipar quais serão as

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perguntas que você fará para encaminhar a
atividade. 9. Agrupamentos: prever quais
momentos serão em grupo, em duplas e
individuais. 10. Versões provisórias: revisar o que
a garotada fez e pedir novas versões do trabalho.
11. Produto final: escolher um produto final forte
para dar visibilidade aos processos de
aprendizagem e aos conteúdos aprendidos. 12.
Avaliação: prever os critérios de avaliação e
registrar a participação de cada um ao longo do
trabalho. (CRUZ; MANZONI; SILVA, 2012, pp.
17-18).

A duração do projeto didático é variada, podendo ocupar


dois meses ou mais, por exemplo. Por isso, o ideal é propor um ou
dois projetos ao longo do ano letivo, desenvolvendo o conjunto das
atividades do projeto sem abandonar as atividades permanentes e as
sequências didáticas para o ensino e a aprendizagem na Educação
básica e técnica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O professor na contemporaneidade, ao dominar o


conhecimento sobre as modalidades organizativas do ensinar na
Educação básica e técnica, pode fazer inferências que julgar
significativas e proporcionar, aos alunos, momentos de motivação
nas tarefas do cotidiano do ambiente escolar, tendo em mente que
“é necessário se atentar para que o contexto de ensino-
aprendizagem apresentado por este trabalho se relacione,
sobretudo, ao caráter humano do processo de ensinar e aprender,
complexo por excelência”, como elucidado por Silva (2014, p. 97).
Esperamos que este trabalho sirva como contribuição aos
debates sobre o uso adequado das modalidades organizativas na
Educação básica e técnica para o ensino interdisciplinar e seus
desdobramentos institucionais e sociais, pois, de acordo com Silva,

a sociedade do conhecimento exige uma


avaliação permanente, em processo interativo,

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baseando-se na avaliação para a melhoria em vez
dessa como controle punitivo. Ela estimula uma
sócio-conexão interativa que pode viabilizar a
inclusão social, valorizando o conhecimento e
“resgatando os direitos sociais” dos alunos
(2015b, p. 98, grifos do autor)

A discussão em torno das definições e aplicações das


modalidades organizativas não se esgota com o lançamento de
propostas educacionais e algumas iniciativas governamentais no
sentido de dotar as escolas de mecanismos que favoreçam a prática
de sequências didáticas, atividades permanentes e projetos didáticos,
conforme Brasil (2006; 2012).
Entendemos que esta pesquisa documental pode servir
como subsídio para possíveis projetos na área de Educação e para
planejamentos de ensino e aprendizagem na Educação básica e
técnica que incluam adaptações curriculares e estratégias que
privilegiem os saberes e as capacidades dos alunos. Além disso,
contemplem abordagens mais democráticas, pautadas no direito
universal à Educação e à Cidadania e no respeito às diferenças.
Esperamos, assim, que este trabalho motive pesquisas futuras que
venham a aprofundar o tema e trazer à tona novas discussões e
novas descobertas.

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DIDACTIC SEQUENCE, PERMANENT ACTIVITY AND


DIDACTIC PROJECT AS DISCURSIVE GENRES: WHAT
ARE THEY AND HOW TO USE THEM IN TEACHING AND
LEARNING IN BASIC/TECHNICAL EDUCATION?

ABSTRACT: In order to organize the teaching-learning process in public basic


and technical education, it is necessary to consider the most appropriate way to
manage the time and skills required in this scenario. For this, the organizational
modalities (didactic sequence, permanent activity and project didactic) of the
teaching-learning process within the school environment were approached in this
study in the proposal of discursive genres according to Bakhtin and his Circle,
which represented our intention in this research. Aiming to reach the proposed
objectives, a qualitative documentary research was elaborated, aiming to provide

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greater familiarity with the referential of organizational modalities as discursive
genres, providing greater visibility to the theme. Through this work, it was
possible to consider some of the many aspects that involve the definition of the
organizational modalities for the teaching-learning of students as a way for new
reflections on the pedagogical doing of the teachers in Public basic education and
technical, destined to the emancipatory practices of the student who wants to
participate socially.

KEYWORDS: Didactic sequence, Permanent activity, Didactic project, Basic


education, Technical education.

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EDUCAÇÃO ESPECIAL E
INCLUSIVA: DOS DOCUMENTOS
OFICIAIS À REALIDADE NAS
ESCOLAS PÚBLICAS

Gasperim Ramalho de SOUZA1


José Adriano de BARROS2

RESUMO: Neste estudo, apresentamos uma reflexão sobre o contexto de


inclusão de alunos com deficiência em duas escolas públicas de São Paulo,
levando em conta os diversos documentos que norteiam esse ensino. Para tanto,
essa pesquisa qualitativa foi realizada por meio de revisão bibliográfica e análise
de questionários aplicados a professores. Os dados analisados evidenciaram uma
grande discrepância entre a legislação e as condições reais para realização da
educação especial e inclusiva, apontando a necessidade de se repensar estratégias
que possam garantir que o aluno não seja simplesmente integrado, mas sim,
incluído no ambiente escolar.

PALAVRAS-CHAVE: Inclusão, Educação pública, Legislação.

INTRODUÇÃO

A discussão acerca do que significa uma educação especial e


inclusiva tem despertado a atenção de muitos pesquisadores em
todo o mundo, considerando que a educação ainda é um direito de
todo cidadão. Uma educação de qualidade para todos se configura,
não apenas em receber o aluno com deficiência em uma sala regular
de ensino, mas sim, inseri-lo de maneira efetiva, aceitando suas

1 Doutorando em Estudos de Linguagens no Centro Federal e


Tecnológico de Minas Gerais (CEFET/MG). Membro do Grupo
Interdisciplinar em Estudos de Linguagem (GIEL/CNPq). Professor
Assistente do Departamento de Estudos da Linguagem na Universidade
Federal de Lavras (DEL/UFLA). E-mail: gasperim.souza@del.ufla.br
2 Mestrando em Ciências Educacionais na Universidad Autônoma de

Asunción (UAA). Docente no Centro Estadual de Educação Tecnológica


Paula Souza (CEETEPS). E-mail: adrianobarros2006@hotmail.com

35 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


diferenças, possibilitando seu desenvolvimento social, político e
pedagógico, alinhando esses aspectos a uma proposta pedagógica.
Dessa forma, conforme veremos a seguir, muitas propostas têm
sido apresentadas através de legislação oficial que tentam nortear o
processo de inclusão social e educacional do aluno com deficiência.
Apresentaremos, a seguir, um breve panorama histórico da
educação especial e inclusiva, visando entender as perspectivas do
processo ensino e aprendizagem trazido pelos referidos
documentos.

BREVE PANORAMA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL


E INCLUSIVA NO BRASIL: DILEMAS ANTIGOS

No Brasil, o primeiro marco da educação especial aconteceu


na época do império em 1854, quando um jovem cego (José Álvares
de Azevedo) educou a filha de um médico da família imperial. Após
esse feito, foi criado o Imperial Instituto dos Meninos Cegos que,
em 1891, passou a se chamar Instituo Benjamim Constant – IBC.
Ainda no período imperial, precisamente no ano de 1857, foi criado
o instituto dos surdos-mudos, instituição voltada apenas para
pessoas com essa deficiência. Somente após a Proclamação da
República, a educação especial ganhou destaque no que diz respeito
à deficiência mental. Uma vez que era vista como problemas
orgânicos, relacionados à criminalidade, surgiram várias instituições
voltadas para essa área, em número bem superior às demais
deficiências.
A história da educação especial no Brasil pode ser dividida
em dois momentos distintos: primeiro, o Brasil imperial, em que
pessoas com deficiências mais acentuadas eram segregadas nas
instituições, impossibilitadas do convívio social, pois acreditava-se
que essas pessoas causavam riscos a outras, e as demais, com um
grau de deficiência menor, conviviam com suas famílias sem muito
destaque na sociedade. O segundo momento foi marcado pela
necessidade da escolarização desses deficientes. Nesse momento a
sociedade passou a vê-los como indivíduos, só que, devido às suas

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 36


limitações, não podiam conviver com os demais no mesmo espaço,
surgindo, assim, as instituições privadas e as salas especiais. Nesse
sentido, Freitas, Soraia Napoleão apud Rodrigues relata que:

percorrendo os diferentes períodos da história


universal, desde os mais remotos tempos,
evidenciam-se teorias e práticas segregadoras,
inclusive quanto ao acesso ao saber. Poucos
podiam participar dos espaços sociais nos quais
se produziam e transmitiam conhecimento (2006
p. 162).

No Brasil, a inserção de pessoas com deficiência na escola


regular de ensino foi citada pela primeira vez na antiga Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 4.024/1961, a
qual deixa claro a importância de inserir todos os alunos, na medida
do possível, com ou sem deficiência, no processo educativo. Logo
após, a Lei 5.692/1971 altera a LDB de 1961, a qual sugere
“tratamento especial” para os alunos com deficiência física e mental,
entretanto não apresenta organização de um sistema educacional de
ensino e acaba reforçando o encaminhamento para as salas
especiais. Durante esse período, permaneceu a concepção de
“políticas especiais”, não se configurando, através dessas leis, a
universalização da educação.
A inclusão do aluno com deficiência em uma sala regular de
ensino torna-se obrigatório após a elaboração da Constituição
Federal de 1988 que, em seus artigos 205, 206 e 208, define que a
educação é um direito de todos, garante o desenvolvimento e
igualdade de condições de acesso e permanência na escola
preferencialmente na rede regular de ensino.

A LEGISLAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL E


INCLUSIVA EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO:
NOVAS PERSPECTIVAS

37 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


Um dos principais desdobramentos da globalização na
década de 90, além das grandes transformações tecnológicas,
políticas, e econômicas, foi a ênfase dada à necessidade de se pensar
as questões de cidadania, justiça social e igualdade no acesso à
educação no mundo todo (SUAREZ-OROZCO; QIN-
HILLIARD, 2004). O entendimento do que é cidadania e
diversidade trouxe a necessidade de se voltar a atenção,
especialmente nessa década, para a ideia de Educação Inclusiva
(STAINBACK; STAINBACK, 1995; MANTOAN, 2003).
Corroborando essa ideia, temos a Declaração de Salamanca,
elaborada na Conferência Mundial sobre Educação Especial, em
Salamanca, na Espanha, em 1994, com o objetivo de fornecer
diretrizes básicas para a formulação e reforma de políticas e sistemas
educacionais de acordo com o movimento de inclusão social e
educacional. (UNESCO, 1994; MITTLER, 2003). Essa perspectiva
de inclusão perpassa todas as áreas do conhecimento, uma vez que
é direito do aluno com deficiência, assim como os demais, ter acesso
à educação pública de qualidade, assegurado pela LDB 9394/96 e
pela Política Nacional de Educação especial, (BRASIL, 1994).
Obviamente, a inclusão exige um processo de reforma e de
reestrutura das escolas e de práticas docentes. Segundo Mantoan e
Pietro (2006, p.16), “fazer valer o direito à educação para todos não
se limita a cumprir a lei e aplicá-la sumariamente às situações
discriminadoras”. A escola deverá estar preparada para receber
pessoas com deficiência, contudo, esse preparo se refere muito mais
a uma nova forma de se pensar a importância do acolhimento às
diferenças e suas potencialidades do que uma qualificação utópica
ou “preparação “ que nunca chegará, conforme problematiza Skliar
(2006, p. 31)

Afirma-se que a escola e os professores não estão


preparados para receber os “estranhos”, os
“anormais”, nas aulas. Não é verdade. Parece-me
que ainda não existe um consenso sobre o que
signifique “estar preparado” e, muito menos,
acerca de como deveria pensar a formação

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 38


quanto às políticas de inclusão propostas em todo
o mundo.

Para Ferreira (2006, p.2), “o educador deve, além de


proporcionar o acesso à educação desses estudantes, combater
barreiras que possam provocar a exclusão educacional destes”. É
preciso aceitar suas diferenças e proporcionar-lhes condições e
oportunidades de desenvolvimento educacional e social,
valorizando e respeitando o tempo de aprendizagem de cada um.
Todavia, é preciso destacar a importância de aperfeiçoar as práticas
pedagógicas, a fim de que o aluno não seja excluído e, com isso,
sinta-se desestimulado a continuar na escola. Mantoan e Pietro
(2006) ratificam isso ao citar:

A formação continuada do professor deve ser um


compromisso dos sistemas de ensino
comprometidos com a qualidade de ensino que,
nessa perspectiva, devem assegurar que sejam
aptos a elaborar novas propostas e práticas de
ensino para responder às características de seus
alunos (p. 57).

A instituição escolar precisa de grandes reformulações e


apoio da sociedade na qual estão inseridas, e o papel do professor
continua sendo essencial para a mediação do processo ensino e
aprendizagem. Ainda considerando as perspectivas para a escola,
Mitler define que “trata-se de um processo de reforma e de
reestruturação das escolas como um todo, com o objetivo de
assegurar que todos os alunos possam ter acesso a todas as gamas
de oportunidades educacionais e sociais oferecidas pela escola”
(2003, p 12). Embora as mudanças no espaço físico sejam de suma
importância, não podemos esquecer que a mudança significativa
está na prática docente, uma vez que será através do acolhimento
que esses alunos conseguirão permanecer na escola e adquirir
conhecimento significativo que fará a diferença na sua vida social.
É necessário valorizar as diferenças e preparar os professores para

39 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


enfrentar os desafios de uma escola inclusiva. Diante do exposto,
Goffman (1988)

relata que avaliamos que o despreparo e a falta de


conhecimentos estão diretamente relacionados
com a formação ou capacitação recebida. Além
disso, podemos afirmar que existe um grande
descrédito sobre a capacidade do aluno especial
se desenvolver e agir de forma autônoma (p. 35).

Os educadores podem estar acostumados a uma rotina


prática e temem os desafios de uma escola inclusiva, pois se sentem
despreparados em receber educandos com diferentes tipos de
deficiência em sua sala de aula. Lima (2002, p.122) confirma isso
quando diz que “muitos dos futuros professores sentem-se
inseguros e ansiosos diante da possibilidade de receber uma criança
com necessidades especiais na sala de aula”. Rodrigues (2003, p.2)
afirma que “a formação deficitária traz sérias consequências à
efetivação do princípio inclusivo, pois este pressupõe custos e
rearranjos posteriores que poderiam ser evitados”.
O professor da educação inclusiva precisa ser preparado
para lidar com as particularidades e o tempo de aprendizagem de
cada um. Como sugere Alencar (2006, p.4), é necessário auxiliar o
aluno para que ele possa alcançar plenamente seus talentos e
habilidades. Nesse caso, os cursos de formação continuada tornam-
se indispensáveis, pois será através dessa preparação que os
educadores poderão aperfeiçoar suas práticas pedagógicas e
assegurar uma aprendizagem significativa em todos os níveis de
aprendizagem.

Ainda há muitas barreiras a serem ultrapassadas


para que a educação inclusiva seja de fato e de
direito, uma conquista da educação brasileira.
Embora esteja crescendo o número de matrículas
desses alunos nas escolas comuns, estas precisam
se mobilizar mais no sentido de compatibilizar
suas intenções inclusivas com suas propostas de

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 40


trabalho pedagógico e com o aprimoramento de
todos os alunos (MANTOAN, 2008, p. 26).

Logo, a matrícula não é garantia de inclusão na escola, ou


seja, a instituição deverá reconhecer que o aluno pode aprender e
com isso é imprescindível oferecer oportunidades de
desenvolvimento de suas capacidades. Sendo assim, entende-se que
se não houver uma mudança de atitudes dentro da instituição
escolar, como na sociedade, pouco resolverá investir em recursos,
implantação de cursos e formações, organização do currículo e
adequação do espaço.

O importante não é só capacitar o professor, mas


também toda equipe de funcionários desta escola,
já que o indivíduo não estará apenas dentro de
sala de aula. [...] Alguém tem por obrigação
treinar estes profissionais. Não adiante cobrar
sem dar subsídios suficientes para uma boa
adaptação deste indivíduo na escola. Esta
preparação, com todos os profissionais serve
para promover o progresso no sentido do
estabelecimento de escolas inclusivas (ALVES,
2009, p. 45-46).

Assim como a escola, a família é uma parte importante no


processo de aprendizagem desses alunos. Os pais sentem-se
inseguros em matricular seus filhos em uma sala regular de ensino,
pois temem o preconceito dos demais. Contudo, observa-se que a
maioria desses pais não compreendem ou desconhecem a legislação
que assegura os direitos de seus filhos. Os responsáveis precisam
acreditar na capacidade de aprendizagem dos seus filhos e além de
tudo confiar que existem escolas que podem acolhê-los sem que eles
sofram qualquer tipo de preconceito ou exclusão por parte da
instituição ou de outros alunos.

DA INTEGRAÇÃO À INCLUSÃO ESCOLAR


NA ESCOLA PÚBLICA

41 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


É necessário destacar a diferença entre integração e inclusão.
A integração do aluno com deficiência está voltada para a parte da
socialização, que se refere à mudança de comportamento da pessoa
com deficiência, de maneira que ela possa se identificar com os
demais cidadãos para, daí, ser inserida nas instituições escolares, ou
seja, suas diferenças são postas de lado e não, administradas.
Segundo Sassaki (1997, p. 32), no modelo integrativo “a sociedade
em geral ficava de braços cruzados e aceitava receber os portadores
de deficiência desde que eles fossem capazes de moldar-se aos tipos
de serviços que ela lhes oferecia; isso acontecia inclusive na escola”.
No modelo de integração nega-se as diferenças, tendo em vista que
o deficiente é inserido na sala de aula como qualquer outro, sem
considerar as dificuldades que terá no processo de aprendizagem.
A inclusão exige transformações profundas, pois não existe
mais divisão entre sala especial e regular; não se esconde as
diferenças, o ensino é um único para todos. Essa prática envolve a
estrutura da escola e o preparo dos professores diante da diversidade
e reais situações das necessidades dos alunos, para que se ofereça
um atendimento individual, visando o seu integral desenvolvimento
e inserção da comunidade como parte indispensável no processo de
inclusão. Incluir significa abrir as portas da escola para todos que
estão fora dela, sem distinção. Garantir a inclusão é aperfeiçoar
políticas pedagógicas inclusivas para atender alunos com deficiência
e possibilitar desenvolvimento significativo de desenvolvimento.

Vale sempre enfatizar que a inclusão de


indivíduos com necessidades educacionais
especiais na rede regular de ensino não se consiste
apenas na sua permanência junto aos demais
alunos, nem na negação dos serviços
especializados àqueles que deles necessitem. Ao
contrário, implica uma reorganização do sistema
educacional, o que acarreta a revisão de antigas
concepções e paradigmas educacionais na busca
de se possibilitar desenvolvimento cognitivo,
cultural e social desses alunos, respeitando suas
diferenças e atendendo às suas necessidades
(GLAT & NOGUEIRA, 2002, p. 26).

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 42


Uma educação de qualidade precisa ser garantida nos
espaços escolares e não-escolares, visando à formação integral do
cidadão para que ele possa fazer valer os demais direitos. Dessa
maneira, aposta-se na união entre escola e sociedade, na luta pela
igualdade de todos e de uma sociedade não excludente.

METODOLOGIA E ANÁLISES

Essa pesquisa caracteriza-se como qualitativa, considerando


sua natureza interpretativista, sem generalizações, interdisciplinar e
multifacetada, permitindo que os dados guiem a análise e permitam
futuras indagações e interpretações (DENZIN; LINCOLN, 2006).
Com essa perspectiva, foi realizada uma revisão
bibliográfica, visando maior compreensão do panorama da
educação especial e inclusiva no país, seguida de análise documental
e aplicação de questionários para professores que atuam em duas
escolas estaduais nos municípios de São Vicente e Cananéia no
estado de São Paulo.
A coleta de dados ocorreu nos meses de março a maio de
2014, contando com a participação de 15 docentes que lecionam em
8 turmas do ensino fundamental. Essas escolas atendem alunos com
Deficiência Intelectual, Mental e Múltipla. O atendimento
diferenciado acontece em contraturno, em um posto de saúde
localizado próximo às escolas.
Apresentaremos, a seguir, uma síntese das informações
obtidas pelo questionário aplicado e algumas reflexões baseadas em
referencial teórico sobre a condição docente e discente no contexto
de inclusão investigado.
Primeiramente, vale nos atentarmos que 97 alunos com
deficiência são atendidos nas escolas, onde apresentam o laudo no
ato da matrícula, independente da deficiência. O gráfico1 mostra a
distribuição desses alunos por turno.

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Sabe-se que os ideais educacionais da contemporaneidade
defendem que a educação é um direito de todos, sem distinção, e
esses direitos são assegurados através da Constituição e em outros
documentos fundamentais para a garantia do acesso à educação, o
que inclui os alunos com deficiência. A exemplo disso, os alunos
com deficiência são citados no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), especificamente em seu artigo 54 da Lei de
Diretrizes e Bases (LDB), Capítulo V, nas Diretrizes Nacionais para
a Educação Especial na Educação Básica instituídas pelo conselho
de Educação Nacional em 2001 e na Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, apresentada pela
Secretaria Nacional de Educação Especial do Ministério da
Educação em 2008. Porém, a reflexão sobre essas legislações em
meio aos profissionais do magistério ainda é incomum, pois 96%
desconhecem a legislação.
As respostas dos questionários evidenciaram as dificuldades
enfrentadas pelas escolas no sentido de oferecer recursos
educacionais diferenciados no contraturno dos estudantes,
especialmente nos turnos vespertino e noturno, visto que, como o

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 44


atendimento especializado acontece em local diferente da escola,
esses alunos se deparam, muitas vezes, com a falta de profissionais,
nesses horários, nos postos de saúde. Além disso, não existe uma
equipe multiprofissional que atenda às escolas estaduais da diretoria.
Alguns profissionais dessa equipe multiprofissional, como
assistentes sociais, psicólogos, bem como o conselho tutelar fazem
parte de redes e órgãos (como por exemplo o Centro de Referência
e Assistência Social- CRAS) que não atendem às solicitações das
escolas investigadas, dado o volume de trabalho já existente nesses
contextos.
Infelizmente, sem a devida articulação da escola com a
equipe multiprofissional, reforça-se a ideia equivocada de que o
professor é o único responsável pela real inclusão do aluno no
ambiente escolar. A própria escola por si só, ainda que tivesse um
corpo docente qualificado para atuar na perspectiva da educação
especial e inclusiva, não conseguiria promover a inclusão sem o que
Lima chama de “coletivo de adultos”.

(...) a inclusão não é responsabilidade somente do


regente da turma em que os alunos são inseridos.
Na verdade, é o coletivo da escola que constitui
uma rede real de suporte para os casos de
inclusão. E, geralmente, só com a participação
total ou parcial do coletivo de adultos, na escola,
é que podem efetivar as mudanças necessárias na
apropriação e uso dos espaços, na organização do
tempo, na formação de um contexto de
desenvolvimento adequado para os alunos de
inclusão (2005, p. 03).

Assim, a responsabilidade da inclusão envolve todos da


escola por meio da formação de um coletivo de adultos que integra
educadores, profissionais de outras áreas e a própria família do
aluno. Mas existe uma questão a ser tratada ainda: a sala de recursos
e o preparo da própria escola e de seu corpo docente, tal como
preconiza o decreto Nª 7611 /2011, que dispõe sobre o atendimento
especializado.

45 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


Conforme vemos nos gráficos 2 e 3, a maior parte das
escolas não é atendida pela sala de recursos vista, talvez por ela se
encontrar distante da escola. A sala de recursos multifuncionais é
um dos principais mecanismos para a efetivação do Atendimento
Educacional Especializado. De acordo com o Documento
Orientador de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais,
em seu artigo 5º:

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 46


O AEE é realizado, prioritariamente, nas salas de
recursos multifuncionais da própria escola ou em
outra de ensino regular, no turno inverso da
escolarização, não sendo substitutivo às classes
comuns, podendo ser realizado, em centro de
atendimento educacional especializado de uma
instituição especializada da rede pública ou de
instituição especializada comunitárias,
confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos,
conveniadas com a secretaria de educação ou
órgão equivalente dos estados, do Distrito
Federal ou dos município. (BRASIL, 2011, p. 5).

Embora a sala de recursos multifuncionais não tenha que ser


exclusivamente na própria instituição de ensino onde o aluno com
deficiência estuda, ela precisa ser em um local credenciado pela
Secretaria de Educação para que possa “acompanhar a organização
e oferta do atendimento educacional especializado pela escola”
(BRASIL, 2011, p.10), o que não se verifica, nesse caso estudado,
visto que a utilização por parte dos alunos com deficiência tem sido
mínima.
Em uma das diretorias, 5 salas de recursos atendem 86
escolas e a distância entre as escolas chegam a ser 120km em média,
o que dificulta o acesso de educadores e alunos. De acordo com as
orientações sobre uma escola inclusiva, sabemos que as adaptações
curriculares e recursos didático-pedagógicos adaptados, aplicados a
alunos com limitações diferentes, promovem a efetividade da
qualidade no processo inclusivo. Recomenda-se que o aluno
frequente a salas regulares e, na mesma escola, receba apoio
específico (UNESCO,1994).
Ainda de acordo com os dados coletados, ficaram em
evidência outras dificuldades enfrentadas pelos docentes conforme
vemos no gráfico 4.

47 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


A falta de conhecimento sobre como ensinar o aluno com
deficiência ainda representa um dos principais obstáculos à
educação inclusiva nas escolas. Quando perguntados sobre quais
estratégias didático-pedagógicos utilizavam, os professores
afirmaram que desconheciam tais estratégias e agiam
“intuitivamente”. Essa ação intuitiva nos fez indagar sobre o grau
de segurança desses professores sobre suas estratégias, bem como a
existência de um profissional que os pudesse orientar em sua prática
docente. Curiosamente, mesmo sem acesso a uma supervisão ou
(coordenação) técnica específica, 96% dos professores afirmaram
que as ações pedagógicas oferecidas ao aluno são “boas”; vê-se,
então, que apesar de não saberem como desenvolver ações
pedagógicas específicas, avaliam-nas bem, surgindo, assim, um
paradoxo, já que 90% dos entrevistados declararam não as
direcionar às necessidades do aluno.
Não há dúvida que o acesso aos recursos didático-
metodólgicos, levando em conta as especificidades de cada
deficiência, resultem em efeitos importantes na educação especial,
facilitando o desenvolvimento das habilidades sociais e cognitivas

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do aluno (CERQUEIRA E FERREIRA, 2000). Carneiro, nos
aponta o seguinte:

em caso dos alunos com deficiência, cada


característica específica de aprendizagem deve ser
considerada, passando por ações práticas na
realização da aula, buscando metodologias,
estratégias e recursos condizentes com as
necessidades individuais, culminando em uma
avaliação formativa que considere a evolução de
cada um (2012, p. 89).

No entanto, como observamos durante a pesquisa, e já


comentado através do gráfico 3, poucas escolas têm acesso à sala de
recursos. Como há poucas salas existentes, torna-se difícil para o
professor ter contato com novas estratégias de ensino e
aprendizagem, bem como materiais adaptados para o aluno com
deficiência, contando com o auxílio do professor de apoio que atua
nesse espaço. No caso de alunos surdos, já se encontra os
intérpretes, embora com algumas dificuldades que ficaram
perceptíveis durante as visitas. Foi notório que alguns profissionais
ainda não tinham alta proficiência na língua de sinais, apesar de
serem contratados pela diretoria de ensino e possuírem em seu
currículo o número de horas de estudo adequado para desempenhar
a função. Diante do cenário acima, compreende-se que:

A formação do professor não se constrói por


acumulação (de cursos, de conhecimentos e
técnicas), mas sim através de um trabalho de
reflexibilidade crítica sobre práticas e de
(re)construção permanente de uma identidade
pessoal. Por isso é tão importante investir e dar
estatuto ao saber da experiência (NÓVOA, 1995,
p. 25).

Ainda se percebe que deve haver modificações nas ações da


gestão escolar para que se torne realmente participativa, democrática
e inclusiva, seja nos sistemas de ensino, seja nas escolas, envolvendo

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várias instâncias dos sistemas administrativos escolar (SAGE, 1999).
Dessa forma, é importante salientar que:

O diretor deve ser o principal revigorador do


comportamento do professor que demonstra
pensamentos e ações cooperativas a serviço da
inclusão. É comum que os professores temam
inovação e assumam riscos que sejam encarados
de forma negativa e com desconfiança pelos
pares que estão aferrados aos modelos
tradicionais. O diretor é de fundamental
importância na superação dessas barreiras
previsíveis e pode fazê-lo através de palavras e
ações adequadas que reforçam o apoio aos
professores (SAGE, 1999, p. 138).

Diante do exposto, constata-se que é necessária uma


mudança que não se limite à infraestrutura da escola, para que o
aluno seja realmente incluso na instituição de ensino e possa exercer,
de maneira plena, a cidadania, enquanto estiver nela.

Por tudo isso, a inclusão é produto de uma


educação plural, democrática e transgressora. Ela
provoca uma crise escolar, ou melhor, uma crise
de identidade institucional, que, por sua vez,
abala a identidade dos professores e faz com que
seja ressignificada a identidade do aluno. O aluno
da escola inclusiva é outro sujeito, que não tem
uma identidade fixada em modelos ideais,
permanentes, essenciais. (MANTOAN, 2003, p.
16)

Carvalho (2005) considera que a escola deva atender não


apenas alunos específicos, mas sim todos os estudantes, e que, além
disso, é preciso compreender que somos todos diferentes. Portanto,
a escola inclusiva deve acolher as necessidades da demanda,
tomando consciência da diversidade de alunos e suas
particularidades. Duk (2005) declara que educar para a diversidade
é moldar a escola à clientela diversa que nela chega, evidenciando na

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 50


sala de aula a amostra de nosso país, formado pelos mais diferentes
tipos de pessoas, classes e níveis sociais, dentre outras classificações.
Considerando que todos fazem parte deste processo
inacabado, os gestores e professores devem buscar informações e
ajuda no Núcleo de Apoio Especializado – CAPE; centro, hoje
denominado núcleo, que iniciou os trabalhos como CAP-DV
(Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento ao Deficiente
Visual). O trabalho desse centro envolve 91 Diretorias de Ensino,
mas multiplica suas ações por meio de supervisores e Assistentes
Técnicos dos Núcleos Pedagógicos que, obviamente, não
conseguem atender ao número da demanda, pois desenvolvem
diversos projetos ao mesmo tempo.
Muitas fragilidades ficaram visíveis com esta pesquisa. Para
se ter um exemplo, o professor que deseja alguma informação
específica do polo precisa se locomover até São Paulo, fora de seu
horário de trabalho. Embora possam procurar o núcleo diretamente
por e-mail ou telefone para esse atendimento, 95% dos
entrevistados desconhecem tal recurso. Em outro exemplo sobre as
lacunas observadas, ao serem perguntados sobre o conhecimento
de documentos importantes sobre a educação especial e inclusiva,
verificou-se que a Declaração de Salamanca, Direitos Humanos e a
própria Constituição Nacional ainda são desconhecidos por muitos
professores e gestores escolares.
Diante disso, vale salientar que aqueles que alegam ter
algum conhecimento sobre as técnicas do processo inclusivo e
aplicação dos recursos-didáticos firmaram que a falta de
conhecimento por parte da comunidade escolar dificulta a realização
de um trabalho interdisciplinar e coletivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inclusão de alunos com deficiência na escola pública ainda


constitui um grande desafio para a educação na atualidade. Muitas
leis, decretos e documentos oficiais estão sendo redigidos para
garantir o direito de todos a uma educação de qualidade e o

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reconhecimento e respeito às diferenças. Contudo, a discrepância
entre esses documentos e a realidade é persistente.
Conforme os resultados dessa pesquisa, as concepções
pedagógicas dos professores e diretores apontam para uma
integração dos alunos com deficiência ao invés de sua efetiva
inclusão. Nesse cenário, o olhar da comunidade escolar sobre a
educação inclusiva deve ser um olhar de inquietações e mudanças,
sem estigmatizações, que venha a assinalar a necessidade de
transformação no sistema educacional, no sentido de considerar os
indivíduos, suas histórias, concepções, percepções, crenças,
experiências e trajetórias pessoais.
Os dados desse estudo comprovam que a maioria dos
professores apresentaram, em suas opiniões, discursos e
comportamentos, um grande descrédito no desenvolvimento e na
aprendizagem dos alunos com deficiência, por se sentirem
desprovidos de formação especifica para ensiná-los. Nesse sentido,
a formação continuada passa a ser uma questão central para a
implantação da escola inclusiva.
Acima de tudo, faz-se necessário a predisposição do
educador para perceber o aluno como ser cognoscente e se perceber
como peça fundamental no desenvolvimento desse estudante, de
forma a responsabilizar-se pelas mudanças que urgem serem
realizadas no processo educacional. Portanto, para garantir um
espaço permanente de informação/formação no cotidiano da
escola, é necessário uma revisita constante à legislação e aos direitos
que ela confere, promovendo o confronto entre o ideal e o real, para
que não haja apenas uma integração do aluno na instituição.
A educação inclusiva ainda exige muitas adaptações que
foquem na formação de recursos humanos, materiais, estruturais,
financeiros e pedagógicas, induzindo a uma mudança de postura da
sociedade para garantia da acessibilidade a todos.
A exclusão escolar ainda é fato e a aplicabilidade das leis e
documentos oficiais sempre estarão fadados ao fracasso, caso não
haja uma parceria com a família e toda a sociedade, exigindo o
cumprimento e disponibilidade de todos os recursos previstos nas

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 52


legislações vigentes. O cumprimento de leis, o processo de
transformação político-pedagógico da escola, assim como o
entendimento da legitimidade das diferenças como ser humano vêm
ocorrendo lentamente e não podemos impor aos nossos alunos os
prejuízos da morosidade.

-----------------------------------------------------------------------------------

SPECIAL AND INCLUSIVE EDUCATION: FROM THE


DOCUMENTS TO THE REALITY OF PUBLIC SCHOOLS

ABSTRACT: In this study, we present a reflection on the context of inclusion


of students with disabilities in two public schools in São Paulo, taking into
account the various documents, which guide this teaching. In order to do so, this
qualitative research has been carried out through literature review and application
of questionnaires applied to public teachers. The data analyzed have showed a
great discrepancy between the legislation and the actual conditions for realization
of the special and inclusive education, pointing out the need to rethink strategies,
which can ensure that the student may not be simply integrated to the classroom.
Rather, he should be fully included in the school environment.

KEYWORDS: Inclusion, Public schools, Legislation.

-----------------------------------------------------------------------------------

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MULTILETRAMENTOS E
GASOLINA: COMBUSTÍVEIS
PARA UMA AULA DE QUÍMICA
SIGNIFICATIVA

Lucimar Pinheiro da Silva SAMPAIO1


Glicia Alves ALEIXO2

RESUMO: Pensar na prática de sala de aula e como ela pode ser significativa
para o estudante é um desafio para o educador, que convive diariamente com as
inovações do mundo moderno que ainda não adentraram os muros da escola. A
sala de aula e as condições de ensino pouco inovam diante da modernidade que a
tecnologia trouxe e democratizou a informação e a comunicação. Nesse contexto
de percepção sobre a dificuldade de avanços no processo de
ensino/aprendizagem na educação formal, este artigo parte de uma experiência
realizada numa aula de Química do Ensino Médio, para levantar reflexões sobre
a importância do multiletramento enquanto metodologia de ensino que priorize
a significação na aprendizagem, autonomia do estudante e práticas inovadoras.

PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem, Química, Multiletramento.

INTRODUÇÃO

A cada ano o ensino torna-se mais desafiante quando se trata


da busca pela aprendizagem na educação formal. O educador
precisa investir em formas que motivem os estudantes a manterem-
se focados nas aulas das mais diversas áreas de conhecimento,

1 Doutoranda em Literatura e Mestre em Educação pela Universidade de


Brasília (UnB). Membro do Grupo Interdisciplinar em Estudos de
Linguagem (GIEL/CNPq). Docente na Educação Básica da Secretaria de
Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF) E-mail:
lucimarsampaio@gmail.com
2 Mestranda em Química pela Universidade Estadual Paulista (UNESP).

Bacharel em Química pela Universidade Ibirapuera (UNIB). Docente no


Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS).
E-mail: glicia.maria@hotmail.com

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principalmente por conta do acesso facilitado à informação que os
avanços tecnológicos proporcionaram.
Formas diversificadas de ensinar e aprender podem e devem
contribuir para uma educação mais voltada à realidade do estudante
e, consequentemente, tornar atrativa a esse sujeito que não se
adequa mais a um sistema de ensino engessado em teorias que não
demonstram a sua aplicabilidade no cotidiano.
É nessa perspectiva que o ensino deve caminhar para ter um
reflexo positivo na sociedade atual e na que está por vir, pois o
conhecimento precisa ser significativo para quem aprende, e isso é
possível à medida que o estudante perceba a realidade em sua volta
com a qual “pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade
e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e com seu trabalho
e pode criar um mundo próprio: seu e suas circunstâncias”.
(FREIRE, 1979, p.30).
Sendo assim, percebe-se que há grandes desafios para quem
ensina e quem aprende no contexto atual, mas são esses desafios
que motivam educadores a atuarem com novas propostas,
independente do componente curricular. No caso do ensino da
Química, não seria diferente e o que se vê é que, embora a química
esteja presente no cotidiano de todo ser humano, a escola, muitas
vezes, não consegue demonstrar ao aluno a aplicabilidade prática
dos conceitos abordados em sala.
No entanto, a química está em todo o universo e se
apresenta de diversas formas, com seus feitos e benefícios presentes
na humanidade antes mesmo de ser estudada como ciência. Embora
nos cerque em todos os momentos da vida, interna e externamente,
muitas vezes não há conhecimento de como isso ocorre, pois, na
sua grandeza, é mais fácil acreditar que ela é feita de fórmulas,
nomes e reações que estão longe de serem alcançados e
compreendidos em seu funcionamento.
Pensando nisso, este artigo parte de um experimento de uma
aula de Química, realizado com turmas do terceiro ano do Ensino
Médio da Escola Técnica de Itanhaém, que teve como pressuposto
analisar a composição da gasolina, a fim de que os estudantes

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explorassem a qualidade do produto e o que essa condição
acarretaria na vida útil do automóvel.
Para demonstrar o impacto desse experimento no cotidiano
e observar como esse entrelaçamento entre prática e teoria é
importante para o desenvolvimento deste estudante, enquanto
cidadão, as etapas do experimento, sua aplicabilidade e resultados
foram observados numa perspectiva do multiletramento, o qual
acredita que a educação precisa estar vinculada ao contexto do
aprendente, de forma que estimule a autonomia deste estudante e se
desenvolva como uma aprendizagem significativa.

MULTILETRAMENTO

Quando um educador observa o ambiente em que trabalha,


reconhece as ferramentas disponíveis, conhece os estudantes e seus
contextos (histórico, social e cultural) e tem a real percepção dos
objetivos que pretende alcançar em suas aulas, os resultados obtidos
são mais eficientes dentro da prática de ensino que visa o
letramento.
Nesse processo, em que se vislumbra a aprendizagem
significativa, o foco não está somente no conteúdo que será
ministrado, mas em todo o contexto que envolverá esta atividade,
considerando que vivemos num país diverso, com especificidades
que precisam ser respeitadas e valorizadas.
Sendo assim, este olhar da escola para a realidade do
estudante é fundamental na era digital em que vivemos. Atrelar a
realidade aos conteúdos, além de tornar o ensino mais prazeroso,
proporciona maior significação para o que está sendo desenvolvido
em sala. Para isso, é preciso descortinar os conteúdos e adequá-los
a uma perspectiva de letramentos diversos, para que todos os
estudantes se sintam envolvidos na ação educativa.

Decorar conteúdos que nada significam para sua


vida não contribui para que os alunos se tornem
cidadãos conscientes e capazes de atuar

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criticamente e reflexivamente na sociedade. É
necessário construir aprendizagens que estejam
em consonância com as questões sociais que
marcam cada momento histórico, cuja
assimilação é considerada essencial para que
possam exercer seus direitos e deveres.
(BORTONE, 2012, p. 193)

Partindo do princípio de transformar a prática de ensino


engessada, que ainda está repleta de fórmulas descontextualizadas e
repetições desvinculadas do contexto prático e cotidiano da vida, o
educador, muitas vezes, sente-se desafiado, pois a cada momento
precisa estar em busca de alternativas que aliem esta prática às
condições pedagógicas que o seu ambiente de trabalho proporciona.
Esse desafio não deve ser visto pelo educador como um trabalho a
mais, tendo em vista que muitas vezes já lida com condições
adversas para alcançar os objetivos propostos da aula, mas sim,
como uma mudança de posicionamento em que reveja suas práticas
e consiga transformá-las em algo mais dinâmico e producente.

Quando se propõe uma transformação didática,


é necessário levar em conta a natureza da
instituição que realizará e as pressões e restrições
que lhe são inerentes, derivadas da função social
que lhe foi atribuída. É necessário prever como
articular a proposta que se tenta levar à prática
com as necessidades e com as pressões próprias
da instituição. (LERNER, 2002, p. 55)

Com a multiplicidade de percepções que a proposta de


ensino com base no letramento possui, o multiletramento traz à
tona a capacidade de o processo de aprendizagem surgir a partir de
diversas semioses, tendo em vista que o multiletramento favorece a
pluralidade de ações educativas dentro de um mesmo objetivo, e de
percepções que o educador e o estudante terão em todas as etapas
de desenvolvimento destas ações. Para tanto, também é
fundamental reconhecer e valorizar os conhecimentos prévios que
os estudantes já trazem consigo para enriquecer esse momento e

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considerar, de forma reflexiva, outras diferentes possibilidades de
ensino.
Num momento em que a comunicação está mais acessível,
não cabe mais uma só visão dos fatos, na qual o professor é detentor
das leis e faz a sua transmissão sem ouvir o outro. É necessário
considerar que “aquele que apreende a enunciação de outrem, não
é um ser mudo, privado de palavras, mas ao contrário, um ser cheio
de palavras interiores” (BAKHTIN, 2006, p.154). Esta concepção
dialógica coaduna com aspectos importantes sobre os
multiletramentos que Rojo explicita:

(a) eles são interativos; mas que isso,


colaborativos; (b) eles fraturam e transgridem as
relações de poder estabelecidas, em especial as
relações de propriedade (das máquinas, das
ferramentas, das ideias, dos textos [verbais ou
não]); c) eles são híbridos, fronteiriços, mestiços
(de linguagens, modos, mídias e culturas) (2012,
p. 23)

Verifica-se, dessa forma, que a prática do multiletramento é


possível em qualquer ambiente de ensino e, consequentemente, em
qualquer componente curricular. O que irá fazer com que aconteça
essa prática é a proposta pedagógica da instituição, ou mesmo do
educador, que se permite rever metodologias de ensino
consideradas ultrapassadas e não motivam os estudantes a buscar o
conhecimento de forma prazerosa.
Rojo (2012) enfatiza que o Brasil já tem uma dinâmica de
ensino que favorece às práticas do multiletramento, inclusive
percebe que muitos professores já aderiram, embora seja preciso
ultrapassar muitos desafios como a formação e valorização de
professores ou reorganização do planejamento escolar. Desse
modo, há uma tendência muito forte do país em abraçar as
concepções traçadas pelo grupo de pesquisadores dos letramentos -

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Grupo de Nova Londres3 – que apontaram direcionamentos para
que o multiletramento aconteça, tais quais:

- prática situada;
- instrução aberta;
- enquadramento crítico;
- prática transformada.

Em síntese, é preciso traçar objetivos de aprendizagens que


vinculem o contexto cultural social e histórico do estudante, com
ações e recursos que ultrapassem a esfera quadro e giz, já que
estamos bem situados na era digital, e que proporcionem a
criticidade de todos os sujeitos envolvidos no processo de ensino.
Dessa forma, teremos uma prática inovadora, como propõe os
direcionamentos do multiletramento e estaremos num ambiente que
prima sempre pela inovação, acompanhando as evoluções pelas
quais a sociedade passa e, muitas vezes, não entram nas escolas.

GASOLINA BOA OU RUIM? COMO IDENTIFICAR?

Muitas discussões são feitas sobre o que ensinar em Química


para alunos do ensino médio, mesmo com os conteúdos já
direcionados nos livros didáticos, PCN e na Base Nacional Comum
Curricular. Mesmo assim, é comum pensar que a aula prática, com
ou sem laboratórios, por sua vez, deve variar de escola para escola,
pois a realidade da unidade de ensino e da clientela é extremamente
heterogênea e deve ser considerada como pré-requisito na
preparação desse tipo de aula.
O estudo rudimentar da química era chamado inicialmente
de Alquimia. Depois de alguns anos, recebeu a denominação de
Química, momento em que laboratórios já não eram nas residências

3Grupo de pesquisadores que defendeu a necessidade de uma pedagogia


de multiletramentos por meio um manifesto realizado durante um
colóquio, no ano de 1996 na cidade de Nova Londres – Connecticut
(EUA).

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e equipamentos eram encontrados facilmente em cozinhas,
banheiros e garagem, tendo em vista que os reagentes poderiam ser
qualquer coisa, como, por exemplo, a urina usada por Friedrich
Wöhle para a síntese da ureia.

No final do século XIX e início do século XX,


começaram a ser desenvolvidos inseticidas
orgânicos sintéticos. O marco para o
desenvolvimento de compostos orgânicos
sintéticos foi a transformação do composto
inorgânico cianato de amônio em ureia, que é um
composto nitrogenado presente na urina, e sua
síntese foi efetuada pelo químico alemão
Friedrich Wöhler em 1828. Acreditava-se,
naquela época, que compostos orgânicos não
poderiam ser sintetizados em laboratório, sendo
produzidos apenas por organismos vivos.
(BRAIBANTE & ZAPPE, 2012, p. 11)

Agora, em pleno século XXI, mesmo numa era totalmente


tecnológica, em que dispomos de laboratórios e equipamentos
como o espectrofotômetro, que mede a quantidade de radicação, ou
pHmetro, utilizado para medição de pH, é certo que reações
químicas continuam ocorrendo independente do meio.
Geralmente, os alunos do 1º ano do ensino médio vinculam
o ensino de química sempre às aulas práticas, com atividades rápidas
que envolvam assuntos corriqueiros e as mais belas reações, que
saltem aos olhos, como as mudanças de coloração ou explosões, que
mais se assimilem a números artísticos de mágica.
Mas sabemos que não é assim, principalmente quando se
lida com instituições que passam por realidades de muitas
adversidades, com aulas previstas em laboratórios que não ocorrem
por questões administrativas, como falta de professor ou
contratação de professores eventuais para suprir carências, que não
necessariamente são da área, muitas vezes com pouca formação e
menores salários, desmotivando o profissional e,
consequentemente, alterando o desempenho do estudante. Além
disso, faltam os próprios laboratórios, fator que para muitos

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educadores da disciplina é suficiente para aniquilar o sonho do aluno
de conhecer a química na sua forma mais impressionante, tal qual o
estudante gostaria.
Quando chegam ao 3º ano de ensino médio, a situação se
mostra pior, pois muitos desses estudantes já internalizam a
realidade triste arrastada pelos dois primeiros anos e, com as
preocupações voltadas para vestibulares, mercado de trabalho e os
desafios da vida como um todo, começam a questionar o porquê de
estudar Química.
Entretanto, nem sempre o laboratório é fator determinante
para que o experimento aconteça. Embora a aula que foi proposta
para este estudo tenha ocorrido em espaço apropriado, pois a
instituição possui laboratório de química, a sugestão dessa prática
poderia ocorrer num local próximo a uma pia com água corrente,
com equipamentos adaptados - como copos de vidro, colheres de
metal, balança caseira, mantendo os cuidados e normas inerentes a
um experimento de laboratório.

Desde que a aprendizagem é um processo


idiossincrático do aluno (e ele deve ser informado
disso para se sentir responsável pelo seu próprio
processo), nós, professores, não podemos
garantir a aprendizagem do aluno, mas sim,
devemos, pois esta é a nossa função social, criar
as condições para facilitar a ocorrência da
aprendizagem significativa em nossos alunos.
(1992, p. 18)

Dessa forma, respeitando os contextos, a atividade proposta


surgiu da necessidade de diminuir ou eliminar esse fosso entre
prática e teoria nas aulas de Química, proporcionando uma
aprendizagem significativa para o estudante e cumprindo as bases
tecnológicas propostas pelo Centro Paula Souza, instituição onde
ocorreu a referida aula prática.
Na ocasião dessa atividade, verificou-se que os alunos do
terceiro ano somavam poucas horas de práticas de química em
laboratório em todo o Ensino Médio; no entanto, a instituição já

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fomentava, em seu planejamento anual, que acontecesse ao menos
uma prática por mês que tivesse ligação com a teoria abordada e
atendesse à necessidade dos formandos, proporcionando-lhes aulas
em que pudessem desenvolver o raciocínio crítico para a formação
cidadã.
A aula prática desenvolvida consistiu na análise de gasolina,
com base na revenda disponível em postos de combustível
localizados nas proximidades da escola. A ANP (Agência Nacional
de Petróleo) recomenda que a gasolina pode conter 26 a 28% de
etanol em sua composição, tendo em vista que volumes maiores que
esses são considerados combustíveis adulterados. Um dos objetivos
era demonstrar que a análise da composição da gasolina é
importante e viável de acontecer enquanto experimento em
laboratório escolar, levando os estudantes a questionar sobre a
importância da qualidade do produto para o consumidor, pois está
relacionada diretamente à vida útil do automóvel.
Determinar o teor do etanol na gasolina comum é um
experimento relativamente simples e, mesmo com a volatilidade e
inflamabilidade parcialmente elevada da substância, é possível
realizar a atividade de maneira segura por meio da extração com
água, resultando em uma mistura heterogênea e bifásica.
Os objetivos didáticos iniciais consistiam em ensinar aos
alunos como determinar o teor de álcool na gasolina, bem como
manusear, de forma segura e correta, instrumentos de medidas para
separação de líquidos de diferentes densidades, de observação das
relações e propriedades físicas (como densidade, solubilidade,
volatilidade) e de qualificação e quantificação de substâncias.
O procedimento baseou-se em 4 práticas simples:

1. uso da balança: atividade em que se avaliou habilidades


como o ato de ligar corretamente o instrumento,
verificar mostrador, montar adequadamente e pesar o
componente químico que, no caso, tratava-se do cloreto
de sódio.

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2. preparação da amostra: etapa em que os alunos
utilizaram os componentes químicos do experimento e
instrumentos do laboratório para preparar a amostra e
analisar resultados.
3. cálculos: o conteúdo trabalhado em sala foi aplicado na
prática realizada. Foram utilizadas equações para realizar
cálculos que envolveram as amostras, a fim de extrair
resultados que os levaram ao objetivo da atividade.
4. separação das substâncias por densidade: nesta última
etapa, com utilização de instrumentos apropriados,
manuseio correto dos componentes químicos, cálculos
aplicados na aula prática, os alunos fizeram observação
dos resultados, participando de todo o processo até
chegar a conclusões sobre todo o experimento.

Com a finalização do experimento, quando todos voltaram


à situação formal em sala de aula, observou-se que, mesmo com a
facilidade de acesso à informação que a tecnologia proporciona, a
prática de ensino no laboratório faz a diferença na aprendizagem do
estudante. Nessa vertente, Schnetzler relata:

…ao se propor um novo modelo de ensino,


deve-se explicitar efetivamente as concepções de
aluno, de aprendizagem e de conhecimento que
estão subjacentes ao modelo. Além disso, as
atividades propostas aos alunos, a organização do
conteúdo, as interações em sala de aula e os
procedimentos de avaliação adotados devem ser
examinados em termos de coerência com aquelas
concepções. Caso contrário, corre-se o risco de
colocar em prática procedimentos de ensino
cujos efeitos serão diferentes dos inicialmente
pretendidos ou, ainda, de serem inadequados
para propiciar a ocorrência de aprendizagem
significativa. (1992, p.17)

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Interessante ressaltar que quando essa atividade foi
realizada, o país passava por uma greve nacional de caminhoneiros
e havia alguns casos relatados pela mídia de gasolina adulterada em
postos de combustíveis. Esse contexto foi explorado na realização
da aula, para reforçar o entendimento e a importância do conteúdo,
vinculando-o ao cotidiano do aluno.
Para compreender melhor o interesse dos alunos por aulas
práticas e se houve o alcance da significação de aprendizagem
almejada com a proposta, foi realizado um questionário com
perguntas objetivas e escalonadas, por meio de formulário da
plataforma Google, com oito perguntas sobre a prática
desenvolvida. As perguntas foram respondidas por 40 alunos, que
tiveram a oportunidade de avaliar a atividade em questão e a atuação
que tiveram no desenvolvimento da proposta.
Com o questionário foi possível perceber que a aceitação da
prática foi muito boa, tendo em vista que, numa escala de 1 a 10,
sendo que 10 equivaleria a “Gostei Muito”, 70% dos estudantes
avaliaram entre 9 e 10. Neste quesito, as demais avaliações se
dividiram na faixa 7 e 8, com exceção de um estudante que marcou
1.
A receptividade à atividade expressa no questionário
também foi bastante perceptível durante a prática. A avaliação que
fizeram coaduna com a atuação que tiveram no laboratório, tendo
em vista o modo como participaram, o interesse demonstrado, o
cuidado e principalmente a satisfação em estar naquele ambiente.
Para muitos foi um momento marcante, e as demonstrações deste
sentimento vinham em relatos da satisfação em colocar o jaleco,
tocar em algumas vidrarias, como o funil de separação, tirar fotos
do passo a passo da atividade e conhecer a dinâmica da ciência.
Além disso, houve vários relatos sobre o prazer de, em casa, contar
para os pais que tiveram uma aula diversificada e se sentiram como
se estivessem numa realidade de séries de TV, como MacGyver ou
Breaking Bad.
Questionados sobre o nível de dificuldade da aula, também
numa escala de 1 a 10, sendo 10 muito difícil, observou-se que

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tiveram facilidade em desenvolver o que foi proposto. 50% dos
estudantes ficaram entre os níveis 2 e 3 e os demais tiveram
respostas muito pulverizadas entre níveis 1, 4 e 5; sendo assim,
conclui-se que não houve dificuldade na realização do que foi
solicitado. Embora soubessem dos riscos na utilização dos
componentes químicos, dos cuidados que se deve ter com
equipamentos e a responsabilidade que envolve a aula prática em
um laboratório de Química, eles questionaram a quase ausência de
aulas práticas naquele ambiente.
Foi importante verificar, por meio de outras respostas, que
consideraram importante ter aulas no laboratório e que eles
reconheceram significação na aprendizagem prática. Essas questões
ficaram perceptíveis, pois 90% dos entrevistados avaliaram que a
atividade prática teve relação com o cotidiano e 68% consideraram
que esse método de ensino é muito útil na realização de vestibulares
ou ENEM.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Elevar o nível das aulas de Química depende também da


melhora no entendimento dos alunos sobre o que é este
componente. É notório, que muito do problema atual com relação
ao baixo rendimento ou à falta de empatia com o conteúdo é
resultante da falta de conhecimento sobre a disciplina, bem como a
utilização de metodologias que privilegiam o estudo por meio de
fórmulas e conceitos.
A prática de multiletramentos, enquanto metodologia que
possibilita compreender e avaliar todo o processo de ensino, foi
fundamental para desenvolver a atividade no laboratório e perceber
como é importante observar os contextos para alcançar os objetivos
na aprendizagem.
Avaliando o que a instituição poderia proporcionar,
administrativa e pedagogicamente, e entendendo as necessidades
que os estudantes apresentavam, foi possível traçar um
planejamento de ensino que, para o contexto da escola naquela

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ocasião, fez-se inovador. Concluiu-se, então, que a inovação, nesse
contexto, não requereu inventar novas técnicas, mas sim utilizar
novas metodologias dentro do que já havia disponível,
proporcionando ao aluno novos olhares e novas percepções dentro
do que lhe seria útil aprender para a vida.
Vê-se, dessa forma, que se mais práticas fossem realizadas,
mesmo utilizando poucos materiais, ou até mesmo em ambientes
que não fossem laboratórios próprios e equipados conforme o ideal,
os estudantes estariam mais próximos de um ensino que
contemplasse essa contemporaneidade de saberes, com dinâmicas
mais apropriadas e atrativas a esse aluno da era tecnológica.
Nesse sentido, é preciso que o educador repense alguns
padrões ultrapassados de comportamento, para que o estudante da
escola pública, onde residem as maiores adversidades de ensino, seja
capaz de se tornar um cidadão bem informado, autônomo e crítico.
Os resultados obtidos, os comentários pessoais sobre a
relevância da aula prática, e até mesmo a ansiedade que sentiam para
realizar uma próxima aula no laboratório reforçaram a ideia de que
é importante proporcionar diferentes metodologias que estimulem
o prazer pela busca do conhecimento e o multiletramento pode ser
um caminho favorável na trajetória dessa busca.

-----------------------------------------------------------------------------------

MULTILITERACIES AND GASOLINE:


FUEL FOR A SIGNIFICATIVE CHEMISTRY LESSON

ABSTRACT: Thinking about classroom practice and how it can be meaningful


to the student is a challenge to the educator, who lives daily with the innovations
of the modern world that have not yet entered the walls of the school. The
classroom and teaching conditions innovate little before the modernity that
technology has brought and democratized information and communication. In
this context of perception about the difficulty of advances in the teaching /
learning process in formal education, this article starts from an experiment carried
out in a High School Chemistry class to raise reflections about the importance of
multiliteracies as a teaching methodology that prioritizes significance in learning,
student autonomy and innovative practices.

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KEYWORDS: Learning, Chemistry, Multiliteracies.

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REFERÊNCIAS

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71 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 72
O (RE)FAZER FILOSÓFICO ATIVO
E AUTÔNOMO: PELA
VALORIZAÇÃO E DIFUSÃO DE
SABER(ES)

Rubens Lacerda de SÁ1


Fulvio Fusaro CARATIN2

RESUMO: Aliar o ensino de Filosofia às tecnologias de informação e


comunicação por meio do emprego de metodologias ativas de ensino-
aprendizagem pode soar como uma tarefa árdua. Não obstante, é justamente
disso que trata este artigo. Objetivamos considerar as orientações que regem o
ensino de Filosofia na educação básica pública, em nível médio e de bases
tecnológicas e alinhavá-las com a tecnologia e uma proposta metodológica ativa.
Isso será demonstrado pela apresentação de uma sequência didática e(m) uma
atividade realizada com um grupo de alunos de uma unidade técnica de ensino
cuja meta era promover o aprendizado reflexivo, crítico, colaborativo e
conducente à autonomia.

PALAVRAS-CHAVE: Metodologias ativas, Prática docente, Promoção da


autonomia.

INTRODUÇÃO
Temet nosce (lat.)
Gnōthi seauton (gr.)

Ousa conhecer e conhece-te a ti mesmo, pois o sábio sabe

1 Doutorando em Linguística Aplicada na Universidade Estadual de


Campinas (UNICAMP), Mestre em Linguística na Universidade de
Brasília (UnB). Líder do Grupo Interdisciplinar em Estudos de Linguagem
(GIEL/CNPq). Docente no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e
Pesquisador Associado do Centro Latino-Americano de Estudos em
Cultura (CLAEC). E-mail: rubens.ladesa@gmail.com
2 Mestre em Educação pela Universidad Europea del Atlántico (UEA).

Docente no Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza


(CEETEPS) e na Faculdade Alfa América (ALFA). Coordenador da
Escola Técnica de Música e Dança Ivanildo Rebouças da Silva (ETMD).
E-mail: fulvio.fusaro@gmail.com

73 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


que nada sabe.
Abrimos este texto com uma referência a Sócrates quando
este buscava a sabedoria e foi ao encontro de sibila — o oráculo, a
mulher detentora do profetizar. Desse encontro, Sócrates conclui
que seria somente através da filosofia, qual amiga da sabedoria, do
grego philo + sophía, que o ser humano poderia libertar-se das
amarras da sociedade.
Essa mesma proposta é encontrada no filme Matrix (1999),
pois o personagem Neo precisa vencer o poder da Matrix ilusória
que escraviza as mentes humanas e as impede de compreender a
realidade circundante, pois controla seus pensamentos, sentimentos
e comportamento. O nome do protagonista na trilogia, Neo,
significa novo ou renovado. Quando usado para adjetivar alguém se
refere ao “jovem na força e no ardor da juventude” — com sua ânsia
pelo conhecimento, pela sabedoria.
É precisamente com essa essência que apresentamos o
axioma central deste texto, a saber, o cíclico fazer (e viver) filosófico
que objetiva promover protagonismo e autonomia no alunado. Essa
postura filosófica propiciará a valorização e a difusão de saberes
múltiplos. É, pois, apropriado que essa seja uma das metas a serem
perseguidas na educação básica visto que, ao lidar com jovens —
com Neos, há que alimentar sua sede de conhecimento e de aquisição
de sabedoria. Entretanto, isso somente será possível ao se adotar a
postura socrática, de busca pelo conhecimento embora se reconheça
limitado.
É debruçado nessa temática que apresentaremos os
fundamentos que subjazem o ensino-aprendizagem de filosofia na
educação básica. Em seguida, faremos um breve relato e análise de
uma experiência prática vivida por um grupo de alunos da educação
básica tecnológica em uma escola da rede pública do Estado de São
Paulo.

BREVES APONTAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS

A Filosofia, e seu ensino na educação básica com todas as

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suas particularidades e peculiaridades, contempla duas dimensões.
A primeira é teórica, onde são apresentados aspectos da história da
Filosofia. A segunda é a dimensão de reflexão permanente sobre a
prática ou o momento em que o ensino deve ser contextualizado e
trazido ao cotidiano do estudante, atribuindo significado ao que foi
estudado na história da Filosofia. Portanto, temos uma mão dupla
nesse caminho: estudar a história e refletir com ela sobre questões
cotidianas. Esse viés duplo é concretizado na medida em que o
docente de Filosofia não transmite apenas conhecimento, mas
problematiza a relação com o conhecimento, abre diversas
possibilidades para o pensar e, como não dizer, para o viver.
As afirmações supramencionadas são sustentadas pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Filosofia (PCN/Filosofia)
que apontam à dimensão da reconstrução racional, ligada ao estudo
da história da Filosofia, e à dimensão crítica, vinculada a reflexão
sobre a forma de agir e perceber-se no mundo (BRASIL, 2000, pp.
48-49). Além dos PCN/Filosofia, as Orientações Curriculares
Nacionais de Filosofia (OCN/Filosofia) indicam o que é específico
no ensino dessa matéria no educação básica:

[…] especificamente à Filosofia a capacidade de


análise, de reconstrução racional e de crítica, a
partir da compreensão de que tomar posições
diante de textos propostos de qualquer tipo
(tanto textos filosóficos quanto textos não
filosóficos e formações discursivas não
explicitadas em textos) e emitir opiniões acerca
deles é um dos pressupostos indispensáveis para
o exercício da cidadania (BRASIL, 2008, p. 26).

Depreende-se daí que o aluno deve desenvolver as


competências de leitura, escrita e reflexão argumentativa de caráter
filosófico. É nosso entendimento que esse desenvolvimento pode
ser logrado de modo mais sereno por meio da aplicação de
metodologias ativas de ensino-aprendizagem conforme preconizam
Valente (2014), Fang (2017), Sá (2018) e Moran & Bacich (2018).
Estas podem contribuir para que o alunado conheça a história da

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Filosofia, seus pressupostos teóricos e ao mesmo tempo seja
engajado no (re)fazer filosófico. Sua aplicação, especificamente
nesse componente curricular, atenta à maneira peculiar como a
disciplina inicia seu desenvolvimento na Grécia Antiga, pela
maiêutica socrática3, cujo legado aponta à vocação da Filosofia em
questionar as verdades universais oriundas da ciência, do senso
comum e da religião.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN), em seu artigo 35 (BRASIL, 1996), indica que uma das
finalidades da educação em nível médio é a formação para a
cidadania. Conforme estabelece a Resolução nº 4 do Conselho
Nacional de Educação (BRASIL, 2006), a Filosofia, enquanto
componente curricular obrigatório, contempla esse objetivo mais
específico.
Se compreendermos que a cidadania é um exercício e não
uma pura reflexão, então, a Filosofia não deve ser um componente
somente teórico, voltado para a transmissão da história da filosofia,
mas, antes, deve ter como meta principal o envolvimento com a
formação de cidadãos que buscam em si mesmo um sentido mais
prático para seu viver. Isso é conseguido, por exemplo, pela escrita
argumentativa, vinculada à análise crítica da atividade, do
conhecimento humano e dos grandes temas que envolvem o
universo do aluno, porém, sem abandonar aquilo que lhe é
específico.
Desde Sócrates, a vocação da Filosofia é fazer com que o
jovem saia de sua acomodação intelectual rompendo com a
aceitação passiva de que as coisas são como são, sem que haja
explicação razoável, clara e distinta. É inerente à Filosofia despertar
o questionamento no jovem e levá-lo a pensar sobre suas ações
cotidianas.
Nosso entendimento é que a utilização de uma prática
pedagógica dessa monta deva requerer o problematizar, o relacionar

3Método proposto por Sócrates, na Grécia Antiga, que induz o homem a


colocar em dúvida seu próprio conhecimento para, em seguida, construir
novos conceitos o que equivale a um parto de ideias.

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a teoria e a prática e o ato dialógico constante com o cotidiano.
Nesse sentido, a Filosofia contribui à saída da passividade e da
simples memorização conteudista e estagnante que transformam e
formatam o saber e a compreensão epistêmica em atitude acrítica
sem a percepção da realidade social.
Nesse sentido, compreendemos que as metodologias ativas
podem possibilitar esse salto da passividade à atividade e contribuir
na construção do cidadão e no despertar da crítica. Desse modo, a
Filosofia servirá para iluminar a reflexão sobre o modo de vida,
sobre como deve ser a melhor forma de condução das decisões
pessoais, e transformará o modus operandi social e estudantil a partir
de um paradigma ético.
Para que o encontro entre indivíduo e sociedade aconteça
de maneira livre e autêntica e contribua para a ressignificação da
experiência do aluno, tanto na maneira que compreende o mundo
como em seu posicionamento frente a este, é necessário uma
educação emancipadora, desvinculada de quaisquer amarras teóricas
e políticas. Para Sá (2011, p. 83) “o ensino de Filosofia deve ser
emancipatório, para além da objetividade política, devendo priorizar
a dimensão individual do ser humano: a subjetividade do eu
relacionando-se com o mundo”, ou seja, deve auxiliar o jovem, no
caso em pauta, a compreender o sentido de sua própria experiência
existencial, situando-a em relação ao sentido da existência humana
geral.
Sá (2011, pp. 83-84) também aponta para alguns dos
principais objetivos do ensino de Filosofia, a saber, i) contribuir para
a formação da consciência crítica; ii) desvendar formas de opressão
e dominação presentes na sociedade; e, iii) identificar ideologias e
formas de alienação. Para alcançá-los, o docente não pode se
concentrar apenas na história da Filosofia e na apresentação de seus
conceitos e doutrinas. Antes, porém, é preciso que se criem métodos
e meios para que o processo de ensino-aprendizagem seja
significativo e que possibilite o domínio dos procedimentos
reflexivos e sua aplicação ao contexto social em que o aluno está
inserido. Esse docente deve servir, então, como mediador entre o

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conhecimento filosófico e sua aplicação prática no cotidiano cujo
fito é preservar a manutenção das identidades e as alteridades.
No que diz respeito ao uso de metodologias ativas aliadas à
tecnologia de informação e comunicação, John Dewey (1958)
defendia uma educação baseada em atividades práticas e centrada na
resolução de problemas. Assumia que toda experiência educativa
deveria sustentar-se na vivência cotidiana do aluno e que o processo
de educação não se dá de forma espontânea, mas sim através da
orientação e do estímulo do docente. Dessa forma, para Dewey
(1959a), a sala de aula deveria constituir-se como um ambiente de
ação reflexiva, transformando a formação teórica inicial em uma
racionalidade prática a partir das diferentes contribuições dos
discentes.
Freire (2000) aponta para o ensino baseado na resolução de
problemas e na superação de desafios com o fito de melhorar a
aprendizagem, na medida em que o conhecimento novo é
construído sobre experiências prévias do indivíduo, possibilitando a
contextualização desse conhecimento e o desenvolvimento de
autonomia.
Nessa mesma linha de pensamento, Abreu (2009) destaca
que as metodologias ativas de ensino devem fazer com que o foco
central da aula migre do ensinar para o aprender. Isso requer que o
aluno participe de forma mais efetiva no processo de aprendizagem.
Torna-se um sujeito ativo, realizando leituras, pesquisas,
comparações, observações, organizando e interpretando dados,
criando e confirmando hipóteses, estabelecendo relações entre
prática e teoria, planejando e executando projetos de pesquisa.
Berbel (2011) também defende que a aliança entre as
metodologias ativas e as tecnologias de informação e comunicação
contribuem para o desenvolvimento da autonomia discente em
detrimento de um sistema de notas, estímulo à competição,
ameaças, a aplicação de punições e a resultante conversão do
alunado em meros reprodutores passivos.
Moran (2013) salienta a construção individual antecedente a
grupal. Também aborda a questão de relatos de experiência e a

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Aprendizagem Baseada na Investigação (ABIn) que pressupõe que
o processo de aprendizagem se dá na investigação de problemas e
no caminhar para sua compreensão e solução que perpassa o senso
comum. Esse mesmo autor sugere ainda o uso do brainstorm como
estratégia ativa, pois este propicia ao aluno a possibilidade de
expressão de suas ideias, o desenvolvimento da capacidade de
ouvir/ler os outros, a produção de argumentos para a defesa de seu
ponto de vista e a publicação do artigo ou defesa oral de seu trabalho
protagonista e ativo.
Por outro lado, José Moran ecoa um alerta a respeito da
relevância do ativismo metodológico como mola propulsora para a
autonomia do alunado, ao dizer que:

Escolas deficientes em integrar o digital no


currículo são escolas incompletas, pois
escamoteiam umas das dimensões básicas na qual
os humanos vivem no século XXI, ou seja,
conectados, em rede, navegando
competentemente entre mundos antes separados,
hoje híbridos, em que a sinergia de processos não
distingue fronteiras físico-digitais ‘realidade’
presencial-digital-virtual. […] é absurdo educar
de costas para um mundo conectado, educar para
uma vida bucólica, sustentável e progressista
baseada só em tempos e encontros presenciais e
atividades analógicas (2018, p. 11).

Isso posto, procedemos a relatar a experiência didática


vivenciada.

RELATO DE EXPERIÊNCIA E(M) UMA SEQUÊNCIA


DIDÁTICA

A partir do que foi sucintamente discorrido, dos objetivos


da educação e do ensino-aprendizagem de Filosofia na educação
básica pública, em nível médio e de bases tecnológicas, acreditamos
que a utilização de tecnologias aliadas às metodologias ativas podem
contribuir para o desenvolvimento integral do cidadão, de suas

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habilidades e das competências necessárias para o viver no mundo
contemporâneo.
Com isso mente, apresentamos a seguir alguns dados
relacionados a um trabalho realizado em uma escola de educação
básica, pública, de nível médio e de bases tecnológicas localizada na
baixada Santista, interior de São Paulo (CARATIN, 2017, s/p).
Iniciaram-se as atividades, em sala de aula, com a
apresentação da metodologia de ensino, de todas as etapas que
seriam desenvolvidas ao longo do bimestre e das formas de
avaliação. Após firmado o contrato com os alunos e compreendido
o percurso metodológico, procedeu-se a apresentação do tema
Estética e de suas implicações no cotidiano.
Essa apresentação foi realizada em aula expositiva dialogada,
inspirada na maiêutica socrática. O docente buscou a composição
de conceitos iniciais por meio de perguntas e respostas que, por sua
vez, engendravam outras perguntas. O docente mediava a
participação dos alunos e acrescentava pitadas do conhecimento
específico que muitas vezes estava ausente no debate inicial. Essa
forma de apresentação do tema, peculiar à filosofia, baseia-se no
processo dialético que busca valorizar as experiências trazidas pelos
jovens em tela, fazendo com que a reflexão teórica da Estética seja
ancorada na vivência prática e no contexto em que determinado ator
social está inserido.
Passada a apresentação do tema e da forma de trabalho, a
etapa seguinte foi realizada no laboratório de informática e/ou a
partir dos aparelhos smartphone dos alunos. Para tanto, foi criada
uma sala de aula virtual na plataforma Google Classroom cuja meta,
conforme salienta Sá (2018, s/p), é “possibilitar a motivação, a
colaboração, a criatividade e o pensamento crítico com vistas a um
aprendizado significativo”. Nesta plataforma foram postadas oito
questões a serem respondidas segundo o entendimento inicial de
cada aluno.

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Figura 1
Questões introdutórias

Fonte: elaborada pelos autores (2018)

As questões propostas foram:

1) Arte aproxima-se da imitação, da realidade ou da


expressão da realidade?
2) A beleza está na autenticidade da arte?
3) A arte é esteticamente superior à natureza ou vice e versa?
4) O julgamento estético é subjetivo ou objetivo?
5) Como diferenciar o lindo, o feio e o cômico?
6) Como atribuir valor à arte?
7) Qual a relação entre o belo, o bom (ética) e a verdadeira
(metafísica)?
8) O que é interpretar uma obra de arte?

O objetivo dessa atividade foi permitir que o aluno


expressasse livremente suas ideias e concepções sobre questões
estéticas. Uma vez propiciado esse foro de discussão, cada discente
pode exercer sua criatividade, construir uma rica diversidade de
respostas para cada uma das questões apresentadas e expor
diferentes argumentos, muitas vezes até contraditórios, sobre o
tema em questão.

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Na continuidade do trabalho os alunos foram divididos em
grupos e a cada um dos grupos foi atribuída uma das questões acima
mencionadas. O objetivo era promover uma sessão de pesquisa
sobre o tema em tela. Em seguida, utilizando a ferramenta Google
Docs e a escrita colaborativa 4 , no laboratório de informática da
escola, cada grupo deveria organizar todas as respostas atribuídas
pelos colegas à questão, itinizando a diversidade de opiniões e de
argumentos utilizados com o fito de defender o ponto de vista
particular de cada um de seus colegas.

Figura 2
Tela do Google Classroom

Fonte: elaborada pelos autores (2018)

Após essas duas atividades iniciais, os alunos teriam dois


encontros presenciais para refletir sobre o tema em consideração.
Em sala de aula, o docente pode apresentar, na forma de painel,
algumas concepções estéticas da História da Filosofia, dentre elas a
de Platão (427-347 a.C.), Hume (1711-1776), Kant (1724-1804) e

4Ferramenta que possibilita que o texto seja escrito colaborativamente por


várias pessoas.

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Hegel (1770-1831). Em seguida, foi promovida a leitura do material
já produzido pelos alunos e a orientação de como o trabalho seria
conduzido a partir daquele estágio. Na sequência, foi apresentada
aos grupos, no laboratório de informática, uma relação de filósofos
que, de alguma maneira, abordam os temas envolvidos e recorrentes
nas discussões presenciais ou virtuais.
Tabela 1
Obras sugeridas para pesquisa

• A dialética do esclarecimento (Adorno e Horkheimer)


• Aesthetic value (Alan Goldman)
• Aesthetica: a doutrina do conhecimento sensível (Alexander
Baungarten)
• Iniciação a estética (Ariano Suassuna)
• Poética (Aristóteles)
• O tratado da natureza humana (David Hume)
• Tratado sobre o belo e Ensaios sobre a pintura (Diderot)
• Uma investigação filosófica: a origem de ideias do sublime e
do belo (Edmund Burke)
• Arte e Ilusão, Meditações sobre um cavalinho de pau e A
imagem e o olho (Gombrich)
• Linguagens da arte (Goodman)
• Cursos de estética (Hegel)
• Arte como experiência (John Dewey)
• Crítica da faculdade do juízo (Kant)
• O banquete (Mário de Andrade)
• Problemas da Filosofia da Crítica (Monroe Beardsley)
• Origens da tragédia (Nietzsche)
• Philosophies of arts (Peter Kivy)
• Hípias maior, O banquete, Íon e Fedro (Platão)
• Metafísica do belo (Schopenhauer)
• A obra de arte na era de sua reprodutividade técnica (Walter
Benjamin)
• Cultura e valor (Wittgenstein)

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Nessa etapa do desenvolvimento da atividade, todos os
grupos pesquisaram os autores sugeridos acima, ou outros que
julgassem igualmente pertinentes, com o fim de elaborar, com o
suporte e orientação do docente, um catálogo virtual com hyperlinks
para os textos originais, artigos, vídeos, etc. Esse material serviria
para ajudar as turmas a comporem um referencial epistemológico
que seria usado para compreender a questão em pauta e subsidiar o
posicionamento teórico adotado pelos grupos no que tange ao
problema estético em voga.
Após essa fase, procedeu-se à escolha dos autores a serem
utilizados e, depois de um contato inicial com essa literatura, à
leitura dos textos escolhidos. A última etapa, realizada no
laboratório de informática, tinha por objetivo dar início a escrita
colaborativa de um artigo de opinião sobre o tema.
Para essa última etapa, foi disponibilizada, na sala de aula
virtual, um texto com as explicações a respeito da estrutura de um
artigo de opinião e algumas regras básicas vinculadas às normas da
ABNT. A tarefa de cada grupo era iniciar a escrita do artigo de
opinião em sala de aula e concluí-lo virtualmente.
Para que os grupos pudessem amadurecer as ideias e
escrever os artigos, foram retomadas as discussões e os diálogos em
sala de aula. Esses foram baseados em “A obra de arte na era de sua
reprodutibilidade técnica” (Walter Benjamin), e “A origem da
tragédia” (Nietzsche). A conclusão da atividade de produção seria a
entrega do artigo que se seguiria por uma breve exposição e defesa
da opinião de cada grupo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A utilização do método ativo propiciou a construção


colaborativa de conhecimento a partir de saberes previamente
identificados e tendo o docente atuado apenas como facilitador e
mediador do processo de ensino-aprendizagem. Destarte, a
sequência didática em tela converge com o pensamento de Almeida
e Valente (2012, p. 60) quando esses dizem que a aliança entre as

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tecnologias de informação e comunicação e os princípios
relacionados à aplicação de metodologias ativas é profícua, pois
propicia a “reconfiguração da prática pedagógica, a abertura e
plasticidade do currículo, o exercício da coautoria, a [expansão] da
fronteira espaço-temporal, e a superação da prescrição de
conteúdos”.
Freire (2015) corrobora o acima acrescentando que a
interação é a chave do processo educativo a fim de conduzir o ator
social pelos trilhos da autonomia. Sobre isso, Souza, Iglesias e Pazin-
Filho (2014) indicam que o desenvolvimento de habilidades
atitudinais como, por exemplo, o respeito ao outro, o
compartilhamento de singularidades, a capacidade de negociação, a
argumentação e defesa de ideias, o ouvir e o esperar para ser ouvido
conduzem, progressivamente à maturidade, enquanto cidadão, e à
autonomia.
Na sequência didática relatada o docente partiu de uma
atividade prática que trouxe à luz o conhecimento prévio, as
vivências dos alunos e seu contato com (possíveis) diferentes
manifestações artísticas. Em seguida, à medida que o referencial
epistemológico era construído, o alunado foi ajudado a organizar
racionalmente seu conhecimento e formatá-lo de modo a poder
argumentar e defender seu posicionamento sobre o tema.
Isso posto, podemos afirmar que o aprendizado é
concretizado a partir da possibilidade de realizar conexões entre um
determinado objeto, conceito ou ideia e uma dada situação prática.
O papel do docente, nesse caso, é orientar os estudantes nesse
processo de construção de conexões entre o pensamento reflexivo,
estético e filosófico e sua experiência cotidiana.
Ao mesmo tempo em que se faz necessária uma mudança
na postura do aluno, o docente também deve abandonar a prática
de mero transmissor de conhecimento para assumir uma postura de
gestor, orientador de caminhos e mediador. Associada a essa
mudança, cabe ao docente propiciar uma reorganização didática de
sua aula, de modo a abandonar o modelo clássico e conduzir o aluno
por rotas de aprendizado mais aprazíveis.

85 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


Uma palavra sobre o processo avaliativo: este foi realizado
de forma processual e formativa. Avaliou-se a participação do aluno
na plataforma, suas postagens e interação com os demais colegas,
sua contribuição na escrita dos textos colaborativos, realizados no
Google Docs, seu envolvimento nas atividades realizadas em sala de
aula e, por fim, a produção escrita do artigo de opinião com sua
apresentação e arguição oral.
A perspectiva apontada neste artigo, aliada à experiência
didática apresentada, trazem à baila a necessidade de mudanças no
paradigma didático-pedagógico para o ensino de Filosofia. É
premente o abandono de modelos clássicos e de caráter conteudista,
reprodutor, passivo e acrítico. Na contemporaneidade, a Filosofia
precisa ser abordada de modo reflexivo, investigativo e crítico,
tornando o alunado ativo, protagonista e colaborador de seu
processo de aprendizagem. Assim, formaremos cidadãos
participativos.

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THE ACTIVE AND AUTONOMOUS PHILOSOPHICAL


RE-DOING: TARGETING AT THE VALORISATION OF
KNOWLEDGE FOSTERING

ABSTRACT: Allying the teaching of Philosophy to information and


communication technologies through the use of active teaching-learning
methodologies can sound like an arduous task. Nevertheless, that is precisely what
this article is about. We aim at considering the guidelines that govern the teaching
of Philosophy in a technological secondary public basic education and align them
with technology in an active methodological proposal. This will be demonstrated
by the presentation of a didactic sequence in an activity carried out by a group of
students from a technical school whose goal was to promote a reflective, critical,
collaborative learning conducive to autonomy.

KEYWORDS: Active methodologies, Teaching practice, Autonomy fostering.

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REFERÊNCIAS

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Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 86


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Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 88


O ENSINO DE LITERATURA:
VIVÊNCIAS, APRENDIZAGENS
E AÇÕES

Moisés Carlos AMORIM1


Viviane Barbosa Rasga AIRES2

RESUMO: Esse trabalho desenvolve uma reflexão nas aulas de literatura,


partindo de ações que ocorreram com turmas do Ensino Médio Integrado na
Escola Técnica Estadual de Itanhaém/SP (Centro Paula Souza). Tais ações
possibilitaram o enlace entre obra e realidade, que se redimensionam a cada
leitura, cujo valor está nesse todo orgânico em que o ético se internaliza no
estético, segundo Bakhtin (2011). Desse ponto de vista, organizou-se a prática
pedagógica, centrada na criticidade do sujeito e no compartilhamento da palavra
com os estudantes. Assim, a participação nos projetos demonstra que a literatura
desperta a sensibilidade, potencializando novas experiências: valores coletivos de
cidadania.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura e realidade social, Crítica sociológica,


Projetos de leitura e escrita, Ações pedagógicas, Ético e estético.

INTRODUÇÃO

O ensino de literatura, como experiência crítica e


fundamental para despertar a sensibilidade, compreende um
trabalho gradativo em sala de aula, que se consolida, sobretudo, por
meio do uso de inúmeras linguagens e da participação ativa dos

1Mestre em Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade Federal


de Mato Grosso (ECCO-UFMT). Membro do Grupo Interdisciplinar em
Estudos de Linguagem (GIEL/CNPq). Docente da Rede Estadual de
Educação de Mato Grosso (SEDUC/MT).
E-mail: moisercarmorim@hotmail.com
2 Especialista em Docência do Ensino Superior na Faculdade de

Tecnologia Álvares de Azevedo (FAATESP) e Bacharel em Letras pela


Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Docente no Centro
Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (CEETEPS) e na
Faculdade de Tecnologia São Vicente (FATEF).
E-mail: viviane.rasga@yahoo.com.br

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alunos como leitores e produtores de sentido.
Compreender a atividade literária, constitutivamente
humana, que se integra no todo social orgânico, é pensar que toda e
qualquer atividade artística relaciona-se com uma época, com uma
sociedade, através da “invenção” da linguagem.
Mais do que formar leitores ou futuras mãos de obra para o
mercado de trabalho, a escola forma cidadãos e, como sugere os
Parâmetros Curriculares Nacionais, protagonistas de sua história,
que devem participar da sua realidade, com autonomia de
pensamento, exercitando assim a cidadania. E, por meio da
literatura, acredita-se que a cidadania, pois a obra ultrapassa o
contexto histórico em que foi produzida, seja plenamente
desenvolvida, haja vista que outros campos dos saberes se
coadunam ao texto literário: filosofia, história, geografia, psicologia,
política etc. Por isso:

É preciso, assim, dessacralizar a criação literária,


destacando a sua dimensão histórico-sociológica
e rejeitando a perspectiva idealista que vê a
literatura ou mesmo a arte como um todo, como
uma esfera da atividade humana completamente
autônoma em relação às condições materiais de
sua produção. Não se trata de negar a existência
do talento individual, ou do gênio criador, mas
sim de considerá-la parte da dinâmica social e,
portanto, passível de ser analisada racionalmente.
(FACINA, 2004, p. 10).

Em verdade, a obra não precisa ser tão somente analisada,


mas sim vivenciada, reconhecida, admirada, pois no ambiente
escolar toda obra pode culminar paixões, reflexões, espantos,
conhecimentos, e cabe ao professor fazer uso dos textos literários
para ir além da mera análise estilística e formal.
O ensino de literatura que privilegia ultrapassar os limites
científicos, como fez o professor John Keating no filme Sociedade dos
Poetas Mortos (1989), coloca a vida no primeiro plano, sempre em
contraposição aos absurdos da sociedade, algumas vezes em

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diálogo, para, segundo Theodor Adorno (2012), apontar os valores
da falsa consciência. Volochínov afirma que:

A palavra na vida, com toda evidência, não se


centra em si mesma. Surge da situação
extraverbal da vida e conserva com ela o vínculo
mais estreito. E mais, a vida completa
diretamente a palavra, que não pode ser separada
da vida sem que perca seu sentido. (2013, p. 77).

Uma obra de arte, portanto, não se desvincula da realidade;


ao contrário, o ético (a vida) e o estético (arte) são instâncias
peculiares do ser humano. O estético, sob essa ótica, formula-se a
partir do ético, configurando-se nele: (est)ético. Desta maneira,
pode-se acrescentar que a literatura não constrói um mundo novo,
como se crê ou se afirma em certos livros de crítica literária, mas
uma consciência questionadora, cheia de sonhos reais, que se
constitui na e pela linguagem, segundo Mikhail Bakhtin (2011).
Embora façamos uma reflexão, baseada em teóricos das
mais diversas áreas, o principal responsável pelo trabalho
pedagógico em sala de aula, sem dúvida, é o professor, que indaga,
experimenta, pensa e repensa a construção de saberes, inovando
(renovando) os métodos de ensino. Esse artigo pretende refletir
acerca do trabalho pedagógico realizado no Centro Paula Souza –
CEETEPS, na área de literatura, valorizando, sobretudo, a
participação dos estudantes no processo de aprendizagem.
Foram desenvolvidos ações e projetos com diversas turmas
do Ensino Médio Integrado aos Cursos Técnicos de Administração,
Informática para Internet e Meio Ambiente, sob a orientação da
professora de Língua Portuguesa e Literatura Viviane Rasga. A
perspectiva crítica de ensino de Literatura, em que as questões da
realidade são levantadas, permeia todo o processo pedagógico, bem
como os projetos desenvolvidos junto aos estudantes. Assim,
diversas atividades - como o trabalho planejado do professor, as
rodas de conversa, o ato de ler e escrever, as apresentações cênicas
etc.- tornaram-se ingredientes fulcrais para a transformação do

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sujeito e para o aprimoramento do ser social.

A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA NA SALA DE AULA

Ser professor de Língua Portuguesa e de Literatura na


educação básica tem seus desafios, pois a todo momento é
necessário estar em contato com as produções culturais do passado
e do presente, constituídas pela multiplicidade de linguagens,
contextos, ideologias etc. E, além dessa formação contínua, é
necessário também compreender as metodologias de ensino,
ressignificando as propostas de aprendizagem no processo de
desenvolvimento da leitura e da escrita. Ler/escrever são atividades
interligadas, que se relacionam de forma objetiva.
Ao inserir o estudante no mundo da leitura,
consequentemente o professor o insere no mundo da expressão,
cujo sentido, aqui, está generalizado, pois há vários modos de
expressão usando as linguagens. A literatura, neste sentido, por ser,
na ótica bakhtiniana, oriunda do mundo social e constituída no
mundo cultural, organiza planos de expressões em que a linguagem
é experienciada até o limite, numa inteireza (in)acabada
(BAKHTIN, 2011).
No ato da leitura, o leitor aciona os conhecimentos
linguísticos, textuais e enciclopédicos (mundo), pois “[...] durante o
processo [...] faz uso dos conhecimentos prévios que possui” (DE
PIETRI, 2009, p. 18). E, assim, ao mesmo tempo que realiza tal
atividade, também a ela responde, haja vista que todo ato
enunciativo, entre locutor e interlocutor ou vice-versa, é carregado
do ato responsivo, das relações de linguagem. Tantos os gêneros
primários quanto os gêneros secundários possuem, de forma
contundente, “[...] a riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso,
pois são infinitas as possibilidades da multiforme atividade humana
[...]” (BAKHTIN, 2011, p. 262).
Além de ativar os conhecimentos linguísticos, ao fazer a
leitura, uma gama de questões cotidianas, que se interligam à
realidade, se apresenta peculiarmente através da linguagem, de

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modo que o leitor reflita, ampliando seu repertório acerca do mundo
e sua visão crítica. As várias produções no campo da literatura
redimensionam a escrita, bem como a leitura:

Aqui é de especial importância atentar para a


diferença essencial entre os gêneros discursivos
primários (simples) e secundários (complexos) –
não se trata de uma diferença funcional. Os
gêneros discursivos secundários (complexos –
romances, dramas, pesquisas científicas de toda
espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc.)
surgem nas condições de um convívio cultural
mais complexo e relativamente muito
desenvolvido e organizado (predominantemente
o escrito) – artístico, científico, sociopolítico, etc.
No processo de sua formação eles incorporam e
reelaboram diversos gêneros primários (simples),
que se formaram nas condições da comunicação
discursiva imediata. (BAKHTIN, 2011, p. 263).

Um gênero como um romance, como uma peça de teatro


ou como um poema etc., se consolida na máxima relação com os
gêneros simples. Por isso, embora sejam ficcionais, têm laços diretos
com a vida, os enunciados linguísticos, materialmente percebidos
nas obras literárias, que estão na fronteira entre a vida e o aspecto
verbal: “onde a arte acaba, começa a realidade” (BAKHTIN, 2011,
p. 11).
Mas qual é a posição limite entre ambas? Theodor Adorno
reconhece que a literatura, ou melhor, que a obra de arte
desestrutura a falsa consciência cuja ideologia se consolidou nas
malhas da sociedade capitalista. “Obras de arte têm sua grandeza
unicamente em deixarem falar aquilo que a ideologia esconde [...]”
(ADORNO, 2012, p. 68). Pode-se refletir, então, que tais obras,
utilizadas no processo de aprendizagem, promovem indagações
acerca da sociedade. E desarticulam, por meio da linguagem, o
aparato da “consciência” estabelecida.
Nesse sentido, trabalhar a literatura em sala de aula é
possibilitar a formação crítica do sujeito, que, ao mesmo tempo,

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exprime valores consolidados e, logo em seguida, questiona-os,
vivenciando a linguagem na sua potência infinita. Esses
questionamentos são dirigidos pelo professor, que aponta as
condições sociais e humanas em que vivem os indivíduos, por meio
da pragmática da existência. Certamente, os estudantes observam o
todo social e enxergam as contradições ali existentes. Caso não
enxerguem, é necessário que a literatura exponha tais contradições:
por isso a escolha da obra torna-se determinante.
Escolher as obras – contos, peças de teatro, crônicas,
poemas, romances – como dito acima, é fundamental, haja vista que
a recepção dos textos pelos estudantes, com temáticas e
problematizações referentes à sua realidade, colabora para fazer
com que se interessem pela literatura. Todo o fascínio da obra
literária não está nela mesma, de certa maneira. O trabalho
planejado, que o professor realiza antes e durante as aulas, através
de leituras, reflexões etc., buscando contornar as problemáticas que
possam emergir no processo pedagógico, é demasiado importante.
Como responsável nesse processo, as escolhas e as direções
buscadas pelo docente terão impacto no cotidiano escolar.
Um objeto artístico possui a abertura da significação: e isso
deve ser explorado no trabalho pedagógico – a formação crítica do
leitor, a profunda relação entre arte e vida – que, sem dúvida, amplia
a sensibilidade e a consciência. O (in)acabamento semântico coloca
o estudante como agente do texto, o qual elabora sentidos acerca do
material:

No fundo, a forma torna-se esteticamente válida


na medida em que pode ser vista e compreendida
segundo multíplices perspectivas, manifestando
riqueza de aspectos e ressonâncias, sem jamais
deixar de ser ela própria [...]. Neste sentido,
portanto, uma obra de arte, forma acabada e
fechada em sua perfeição de organismo
perfeitamente calibrado, é também aberta, isto é,
passível de mil interpretações diferentes, sem que
isso redunde em alteração de sua irreproduzível
singularidade. (ECO, 2013, p. 40).

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Por isso, a obra literária é uma obra aberta,
constitutivamente acabada enquanto material linguístico e inacabada
enquanto possibilidade de significação: vir a ser possível.
Certamente, a utopia da linguagem, a infinita possibilidade de uso
linguístico, na literatura, seduz os leitores; para Roland Barthes
(2015), o texto de fruição (artístico) causa prazer, envolve na teia
pela sua complexa totalidade, que sempre é inacabada.
“Cada fruição é, assim, uma “interpretação e uma
execução”, pois em cada fruição a obra revive dentro de uma
perspectiva original [...]” (ECO, 2013, p. 40): o leitor, neste caso,
integra como aquele que ressignifica a obra, vivencia ao máximo o
seu ato discursivo, pois em cada leitura não se esgota a possibilidade
do sentido. Em sala de aula, demonstrar essa abertura como
elemento da arte e propor atividades de participação contínua, em
que os estudantes possam expor suas opiniões, seus pontos de vista,
fundamentam o trabalho pedagógico. A leitura, como formação
crítica do sujeito, quando planejada sistematicamente, possibilita um
ambiente de interação, aprendizagem e reflexão.
O texto literário abarca os domínios do ético e do estético,
do social e do individual, da razão e da emoção, porque o seu
comprometimento com a vida, não espelhando os fatos que
sucedem nela igual um espelho projetado, reacende a fagulha da
linguagem, que acontece no real. Para Volochínov, membro do
Círculo de Bakhtin, “[...] o poeta [...] não escolhe suas palavras de
um dicionário, mas do contexto da vida no qual as palavras se
sedimentam e se impregnam de valorações [...]” (VOLOCHÍNOV,
2013, p. 88).
Vida e arte, nesse sentido, se aproximam, estreitando as suas
fronteiras e, muitas vezes, possuem ligações imprevisíveis. Mas a
arte, por mais utópica que a sua força imaginativa seja, pertence às
esferas da realidade em que existe a atuação humana: as situações de
níveis sociais, as questões comuns de cada comunidade, os
problemas ou as alegrias íntimas aprofundam-se na linguagem
indireta/aberta, para se ampliar como experiência única,

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valorosamente objetiva, peculiarmente subjetiva. Assim, o trabalho
em sala de aula permite a relação entre texto e leitor (autor, professor
e aluno), entre leitor e leitores, numa teia infindável de construção
de pensamentos singulares, de produções infinitas.

EXPERIÊNCIAS PEDAGÓGICAS: O ENSINO DE


LITERATURA

As aulas de literatura precisam ir além de meras informações


transmitidas sobre contextos históricos, características estilísticas de
escolas literárias e de seus respectivos autores. É preciso pensar o
trabalho com os textos literários de forma que propiciem discussões
e reflexões acerca de temas relevantes do cotidiano do leitor. Deste
modo, utilizando as obras literárias como mecanismos por meio de
denúncias nelas contidas, para o entendimento de problemas sociais
presentes até a atualidade, estão pautadas algumas das práticas
pedagógicas empregadas com as turmas de discentes do Ensino
Médio integrado aos cursos técnicos de Administração, Informática
para Internet e Meio Ambiente da Escola Técnica Estadual de
Itanhaém-SP (Centro Paula Souza).
Atividades em que os alunos se expressam nos textos
poéticos ou nos textos narrativos, através da leitura performática,
aponta aquilo que Theodor Adorno (2012) reflete acerca da lírica e
da sociedade, entendidas aqui como experiências que se convergem.
Em sala de aula, como pode ser vista na fotografia 1 do anexo,
valorizou-se tal experiência:

Em protesto contra ela [contra a existência - grifo


nosso], o poema enuncia um sonho de um
mundo em que essa situação seria diferente. A
idiossincrasia do espírito lírico contra a
prepotência das coisas é uma forma de reação à
coisificação do mundo, à dominação das
mercadorias sobre os homens, que se propagou
desde o início da Era Moderna e que, desde a
Revolução Industrial, desdobrou-se em força
dominante da vida. (ADORNO, 2012, p. 69).

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A arte literária redimensiona as problemáticas sociais,
constituindo-se das insuficiências da vida. Ao se deparar com tais
insuficiências, tanto na vida quanto na arte, o leitor desenvolve a
sensibilidade para essas questões. Os projetos que condicionam o
conhecimento de inúmeras linguagens, considerando a literatura
uma esfera de atuação humana, foram trabalhados no Centro Paula
Souza-SP nas turmas já mencionadas.
Uma das ações realizadas foi o projeto intitulado “Dia do
Escritor” (Fotografia 2). Trata-se de uma ação cujo objetivo
principal foi incentivar a leitura de livros que não constam em listas
obrigatórias de vestibulares ou que não fazem parte do conteúdo
programático a ser desenvolvido ao longo dos três anos. A
finalidade é propiciar ao leitor o contato com diversos tipos e
gêneros textuais, ampliando, assim, o seu repertório literário,
tornando-o mais crítico e conhecedor dos problemas sociais que o
circundam. Sendo assim, foi delimitado que as obras selecionadas
precisariam apresentar temáticas sociais para posterior debate em
sala de aula.
Para a realização do projeto, foi utilizada a pesquisa
bibliográfica realizada com aproximadamente trezentos e sessenta
alunos nos laboratórios de informática da UE, sobre o acervo da
biblioteca da escola, tendo o auxílio das professoras que participam
do projeto “Biblioteca Ativa”. Houve reuniões com as classes
envolvidas para votação da escolha do escritor e dos textos que
seriam utilizados em sala. Além disso, foram organizados ensaios
preparatórios, reuniões com o corpo docente participante, com a
equipe gestora e com os responsáveis dos alunos.
A apresentação final do projeto, que foi aberta à
comunidade escolar, consistiu na montagem de salas temáticas com
apresentações diferenciadas sobre cada autor indicado. Utilizaram-
se diferentes linguagens artísticas para tal, como peças teatrais,
dança, canto, produção de cordel, de realidade virtual (com uso de
óculos 3D sobre o cenário de uma das obras envolvidas) e até um
vídeo com entrevista do autor, obtido pelo contato estabelecido

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entre os integrantes do grupo e o escritor norte-americano, no qual
transmitia um recado personalizado divulgando sua obra.
Cada participante do projeto ficou incumbido de tomar
notas sobre as apresentações visitadas, quanto às temáticas e sua
relevância social, pois a linguagem – cotidiana e artística – se
consolidaria nessa relação enunciativa – teia de comunicação e
respostas humanas:

A arte também é eminentemente social. O meio


social extra-artístico, a influenciar a arte desde o
exterior, encontra nela uma resposta imediata e
interna. Na arte, o que não é alheio atua sobre o
alheio, e uma formação influencia sobre outra. O
estético, ou mesmo o jurídico, ou o cognitivo, são
tão somente uma variedade do social.
(VOLOCHÍNOV, 2013, p. 74).

Os temas apontados foram abordados e discutidos


amplamente em sala de aula. Além do debate, concretizou-se
também a produção de textos para o Concurso Anual de Redação
da Unidade de Ensino. Assim, as habilidades de leitura, oralidade e
produção escrita foram contempladas e desenvolvidas ao longo do
desenvolvimento do trabalho com os textos.
Percebe-se, nessas experiências pedagógicas, que o
estudante, além de adquirir os conhecimentos culturais,
participando ativamente do processo de aprendizagem, também se
exprime e se afirma enquanto um sujeito constituído historicamente
pela língua(gem), pois, segundo Bakhtin, “[...] a língua passa a
integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam), é
igualmente através de enunciados concretos que a vida entra na
língua.” (BAKHTIN, 2011, p. 265).
Ao final, como forma de expor o trabalho realizado, foi
montado no pátio um grande painel com os resultados obtidos,
fazendo com que os indivíduos, além de ampliarem o seu baú de
leitura, pudessem compreender o papel social da literatura: fazer
refletir e agir sobre si e sobre o meio em que vivem, despertando
sujeitos que possam utilizar as variadas linguagens.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse artigo teve a pretensão de refletir acerca da prática


docente no ensino de literatura, sob o viés da análise sociológica.
Essa análise corresponde somente ao recorte Escola Técnica
Estadual de Itanhaém-SP (Centro Paula Souza), disciplina Língua
Portuguesa/Literatura; no entanto, algumas indagações, talvez,
possam ser direcionadas, mesmo que de forma não completa, a
outros recortes em que diversos professores atuam. Sabe-se que
cada recorte espacial, humano e histórico possui uma característica
própria que, se analisado, pode apresentar resultados distintos dos
quais foram expostos aqui.
Desde o início do trabalho, houve, entre o Grupo
Interdisciplinar em Estudos de Linguagem – GIEL e alguns
professores do Centro Paula Souza, o diálogo entre todos os
envolvidos por meio de reunião via Skype. Em seguida, após se
conhecerem, dividiu-se em duplas, coadunando as áreas de
conhecimento ou mesmo os interesses de pesquisa.
A maneira como foi construído o texto, na participação
conjunta, apresenta as vozes reflexivas de cada professor-
pesquisador acerca do trabalho pedagógico e do ensino de
Literatura. Vozes de profissionais que acreditam no ensino público,
embora se consolidem cada qual numa realidade específica, com
problemáticas distintas umas das outras. Dessa convergência e
divergência de opiniões, leituras e análises, esse artigo se constituiu,
privilegiando um aparato crítico, que trata a obra de arte em relação
imanente com a vida, já que para, Bakhtin (2011), nenhuma
inspiração que ignore a vida é verdadeira inspiração.
Tal pensamento também permeou as salas envolvidas do
Centro Paula Souza – SP, haja vista que os estudantes participaram
do processo de aprendizagem, como expectador e protagonista. Ler
e questionar as obras literárias distanciadas da realidade colabora
para alienação da consciência: como assegura Volochínov (2013), o
poeta escolhe as palavras do contexto da vida, não do dicionário; o

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grande valor da literatura está nessa configuração interna, orgânica,
em que o estético se consagra no ético – a vida está na literatura.
Os projetos que visam sistematizar o trabalho de
leitura/escrita por meio das artes de uma forma geral são
importantes no ambiente escolar, quando planejadas, debatidas,
repensadas, visando a integração do sujeito com a realidade
circundante. Por isso, as etapas de realização conduzem para os
objetivos que, de acordo com a perspectiva crítica, desenvolvem
leitores que protagonizam a sua história, expressando-se tanto do
ponto de vista ético quanto estético. É necessário que mais
pesquisas sejam feitas em todo país, nas diferentes localidades,
configurações sociais e políticas, para que a multiplicidade de
experiências ressignifique o trabalho pedagógico, inspirando novas
metodologias, novas práticas e novos olhares.

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LA ENSEÑANZA DE LA LITERATURA:
SUS VIVENCIAS, APRENDIZAJE Y ACCIONES

RESUMEN: Este trabajo desarrolla una reflexión en las clases de literatura, a


partir de acciones que ocurrieron con grupos de las Secundarias de la Escuela
Técnica Estatal de Itanhaém-SP (Centro Paula Souza). Tales acciones hicieron
posible el enlace entre obra y realidad, que se redimensionan a cada lectura, cuyo
valor está en el todo orgánico en que lo ético se internaliza en lo estético, según
Bakhtin (2011). Desde ese punto de vista, se organizó la práctica pedagógica,
centrada en la crítica del sujeto, y en la oportunidad de los estudiantes hablar. Así,
la participación en los proyectos demuestra que la literatura despierta la
sensibilidad, potencializando nuevas experiencias: valores colectivos de la
ciudadanía.

PALABRAS CLAVE: Literatura y realidad social, Crítica sociológica, Proyectos


de lectura y escrita; Acciones pedagógicas; Ético y estético.

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REFERÊNCIAS

ADORNO, T. Notas de literatura I. Tradução e apresentação de


Jorge M. B. de Almeida. São Paulo: Editora 34, 2012.

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 100


_____. Teoria Estética. São Paulo: Arte & Comunicação, 2012.

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Prefácio à edição


francesa Tzvetan Todorov; Introdução e tradução do russo Paulo
Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

BARTHES, R. O prazer do texto. Tradução J. Guinsburg. São


Paulo: Perspectiva, 2015.

DE PIETRI, É. Práticas de leitura e elementos para a atuação


docente. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2009.

ECO, U. Obra aberta: forma e indeterminação nas poéticas


contemporâneas. Tradução Giovanni Cutolo. São Paulo:
Perspectiva, 2013.

FACINA, A. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários:


Introdução crítica a uma poética sociológica. Tradutoras Sheila
Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Contexto,
2012.

WIER, P. Sociedade dos poetas mortos. Produção Steven Haft.


Intérprete: Robin Williams. Música: Maurice Jarre. Produzido por
Buena Vista Home Entertainment; Touchstone Home
Entertainment. DVD (129 min), Wisdescreen, son, color, NTSC,
1989.

VOLOCHÍNOV, V. A construção da enunciação e outros


ensaios. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013.

101 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


ANEXOS

Fotografia 1

Uma releitura dos problemas sociais nordestinos


por meio do estudo da literatura de cordel

Fonte: Rasga (2017)

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 102


Fotografia 2

A modernidade da obra “Incidente em Antares”


e as críticas sociais que perduram até hoje

Fonte: Rasga (2017)

103 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


Fotografia 3

“Alice no País das Maravilhas”: uma análise crítica dos


problemas sociais encontrados no cenário brasileiro atual

Fonte: Rasga (2017)

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 104


Fotografia 4

“Alice no País das Maravilhas”: uma análise crítica dos


problemas sociais encontrados no cenário brasileiro atual

Fonte: Rasga (2017)

105 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 106
“NÃO TENHO FORMAÇÃO PARA
ISSO”: AS QUESTÕES DA LÍNGUA
E AS PRÁTICAS DISCURSIVAS DE
PROFESSORES DE SURDOS EM
ESCOLAS INCLUSIVAS

Gabriel Silva NASCIMENTO1


Ivelton Soares da SILVA2
Jândela Cristiana G. S. TAMASHIRO3

RESUMO: Com o advento das novas políticas educacionais inclusivas e ações


afirmativas, o número de alunos público alvo da Educação Especial torna-se cada
vez mais significativo. Dentre eles, surdos e deficientes auditivos têm centralizado
as discussões acerca da língua de instrução para a educação de surdos a partir de
movimentos políticos que visam o fortalecimento da Libras e a oferta da Língua
Portuguesa escrita como segunda língua. Nesse contexto, tencionamos discutir
possíveis relações entre os discursos produzidos por professores de surdos em
escolas inclusivas, e a formação de professores no que tange a lidar com
metodologias que contemplem aspectos visuais consonantes com a Língua de
Sinais. Para isso, assumimos uma abordagem qualitativa de cunho bibliográfico
em um diálogo com autores que discutem a educação de surdos e outros que
discutem formação de professores, considerando ainda o lugar da Libras nos
cursos de licenciatura. A partir disso é possível concluir que embora o domínio
da Libras contribua para as relações de ensino-aprendizagem, o pensar
metodológico implica nas condições de trabalho, na eliminação de barreiras
atitudinais oriundas do estigma da surdez como fator incapacitante, possibilitando
novos olhares sobre a educação inclusiva.

PALAVRAS-CHAVE: Surdez, Formação de professores, Inclusão, LIBRAS.

1 Mestrando em Educação na Universidade Federal do Espírito Santo


(UFES) e Especialista em Educação Inclusiva pela Universidade Cândido
Mendes (UCAM). Docente no Instituto Federal de São Paulo (IFSP).
E-mail: tilgabriel@gmail.com
2 Mestre em Física Aplicada pela Universidade Federal Rural de

Pernambuco (UFRPE). Docente da Secretaria de Estado da Educação da


Paraíba (SEE/PB). E-mail: iveltonsilva@hotmail.com
3 Mestre em Ensino de Ciências e Matemática pelo Instituto Federal de

Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP). Pedagoga e


coordenadora de apoio ao ensino do Instituto Federal de São Paulo.
E-mail: jandelacristiani@ifsp.edu.br

107 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


O LUGAR DO SUJEITO SURDO NAS
POLÍTICAS DE INCLUSÃO

Pensar a educação como um direito de todos, tem


fundamentado as novas políticas de educação, sobretudo na
perspectiva inclusiva nas duas últimas décadas no Brasil. Toma-se
como princípio que a diversidade de alunos presente no contexto
educacional possibilitaria, através da convivência, naturalizar os
processos de interação entre pessoas com e sem deficiência
minando o preconceito e os receios de lidar com aquilo que desvia
dos pressupostos de normalidade estabelecidos socialmente.
Em se tratando da comunidade surda brasileira, é possível
observar, especialmente a partir do reconhecimento legal da Libras
como “forma natural de comunicação e expressão dos surdos”
(BRASIL, 2002) movimentos em prol do fortalecimento, uso e
difusão da língua de sinais, bem como práticas e metodologias
bilíngues que contemplem a especificidade dos surdos somadas a
mecanismos de acessibilidade linguística.
Para discutir essas questões é preciso situar a perspectiva que
se assume em relação a surdez e consequentemente as implicações
dessa perspectiva na educação de surdos. Skliar (1997) nos aponta
duas concepções que norteiam a educação de surdos, a clínica e a
sócio antropológica.
Na visão clínica, a surdez é tomada como uma falha
biológica sob a qual esforços na esfera da saúde serão empregados
visando a sua reparação, de modo que o sujeito surdo se aproxime
do padrão de normalidade ouvinte e prevalecendo a oralização da
língua nacional.
A visão sócio antropológica, por sua vez assume a surdez
como diferença através da qual o sujeito surdo se constitui
pautando-se em uma língua espaço-visual que por sua vez possibilita
diferentes formas de se organizar socialmente e de produção
cultural. Nesse sentido a Língua de Sinais assumiria o lugar de língua
materna e a língua oral nacional a segunda língua ou língua adicional
(QUADROS, 2004).

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 108


Ambas as perspectivas orientaram diferentes formas de
conceber a educação de surdos em diferentes momentos históricos,
seja na defesa do ensino pela língua oral associada a questão de
normalização do sujeito surdo ou mesmo pela língua de sinais na
consolidação da surdez como diferença linguística e cultural.
Ao pensarmos a inclusão de surdos nas diversas etapas e
modalidades de ensino, os dispositivos legais direcionam para uma
concepção da surdez como diferença linguística e cultural, ainda que
não promovam especificamente discussões acerca de práticas
bilíngues que envolvam a aprendizagem dos surdos dentro de suas
especificidades.
Além disso, é preciso considerar que historicamente o Brasil
traz enraizado, políticas monolíngues nas quais o Português se
estabeleceu como língua hegemônica, inclusive legalmente, através
de mecanismos de combate a línguas nativas e estrangeiras
(QUADROS & CAMPELO, 2010).
Essas raízes históricas sustentam, em certo ponto, a
resistência em relação a consolidação de uma segunda língua oficial
nacional, ainda que esta seja reconhecida legalmente e esteja em uso
social paralelamente à Língua Portuguesa.
Nesse sentido, a própria noção de “bilíngue” quando
direcionada aos surdos se apresenta ainda de modo nublado, pois
para a grande maioria da população a Libras é vista como um código
simplificado pautado em mímica e pantomima restrita à
comunicação entre os surdos e às produções escritas deles
frequentemente apontadas como falhas, incompreensíveis ou
desprovidas de lógica (BERNARDINO, 2009).
Assim, o desconhecimento quanto a complexidade
linguística da língua de sinais e de sua estrutura faz com que ela seja
popularmente alocada em uma posição inferior, instaurando um
terreno de constante tensão em que a Libras, por vezes, é tida
meramente como um caminho para aprendizagem da Língua
Portuguesa escrita e oralizada. Nesse aspecto a própria legislação
pontua que “A Libras não poderá substituir a Língua Portuguesa
escrita” (BRASIL, 2002).

109 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


Essas questões corroboram para que os surdos nos espaços
inclusivos assumam posições semelhantes à de estrangeiros, mesmo
em seu próprio país, pois lidam continuamente com uma língua que
não lhes é natural em termos de produção e comunicação, ao passo
que a sua língua natural não está em livre circulação nas escolas.
Fernandes (2012) nos esclarece que a maioria dos surdos são
filhos de pais ouvintes e normalmente têm acesso a língua de sinais
tardiamente. Isso significa que mesmo no contexto familiar a
comunicação ocorre de forma limitada, pautada em gestos
combinados e no esforço contínuo para ler os lábios.
Na maioria dos casos, estes surdos ao atingirem a idade de
escolarização frequentam salas com ouvintes, em escolas que
empregam metodologias que se pautam na Língua Portuguesa como
língua de instrução, ou seja, por meio de um canal oral e auditivo
que é estranho aos surdos, o que provoca naturalmente atrasos na
aquisição de conhecimentos básicos, baixo domínio da língua escrita
e impacta nas relações cotidianas da escola.
Como fator resultante, a perspectiva da surdez como fator
incapacitante acaba se sobrepondo a perspectiva da diferença em
função do baixo desempenho dos alunos surdos. Dessa forma,
ambas as perspectivas coexistem nas escolas inclusivas em constante
disputa.
Embora os dispositivos legais estabeleçam como
obrigatoriedade a presença de tradutores e intérpretes como política
de acessibilidade, a inserção desse profissional, nos anos iniciais da
educação básica, acaba por se tornar contra produtiva, uma vez que
os surdos não apresentam ainda fluência na Língua de Sinais. Desse
modo, frequentemente esse profissional acaba por assumir a
responsabilidade de ensinar a língua, ao invés de executar o papel de
mediação comunicativa bilíngue e bicultural no contexto escolar.
(FERNANDES, 2012).
No que diz respeito aos professores, o decreto 5.262
(BRASIL, 2005) não somente regulamenta a lei que reconhece a
Libras como também dispõe acerca da formação de tradutores e
intérpretes de Libras, professores de Libras e estabelece a

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 110


obrigatoriedade da Língua de Sinais como disciplina no curriculum
dos cursos de Licenciatura e Fonoaudiologia.
Tal obrigatoriedade, em tese, possibilitaria aos professores
um contato inicial com a Libras e discussões acerca das
especificidades da surdez, de modo que se inteire sobre esse campo
para pensar metodologias que contemplem as questões visuais
inerentes aos surdos, bem como estratégias de comunicação direta
ou mediada por tradutores e intérpretes.
A Libras, como disciplina nesses cursos, varia quanto a carga
horária entre 40 e 80 horas. Ao assumirmos que se trata de uma
língua, entende-se que o tempo destinado não é suficiente para que
se adquira a fluência para comunicação. Deste modo, os professores
se veem então divididos entre trabalhar as questões teóricas e
metodológicas para educação de surdos e possibilitar efetivamente
o conhecimento mínimo para comunicação em Libras.
Para além desse constante desafio teórico/prático em um
tempo criticamente limitado, nem todos os professores formados
têm ou terão a oportunidade de lecionar em turmas com alunos
surdos. A ausência de discussões mais profundas ao longo da
graduação e o afastamento da Libras e das discussões acerca da
relação surdo-ouvinte após a conclusão do curso faz com que o raso
conhecimento adquirido seja em grande parte esquecido. Assim,
quando esses professores eventualmente se deparam com alunos
surdos, a máxima “eu não tenho/tive formação para isso” torna-se
comum.
Não raramente, a responsabilidade da formação para os
surdos tende a ser sutilmente delegada aos tradutores e intérpretes
ou professores de atendimento educacional especializado, que são
supostamente os profissionais que tiveram formação específica para
ensinar aos alunos que não ouvem.
Considerando essas questões, tencionamos discutir às
implicações da língua na educação de surdos e na formação de
professores, isto é, de que modo tais discursos poderiam em algum
ponto se constituírem como práticas de resistência, blindando o
professor da possibilidade dinâmica de produzir saberes que

111 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


contemplem a ambos surdos e ouvintes em um espaço
compartilhado em que as duas línguas e culturas coexistem.

CAMINHOS FORMATIVOS: O PROFISSIONAL


E O HUMANO

Tardif (2012) afirma que a experiência nova proporciona aos


professores, progressivamente, ressignificações em relação ao
contexto de trabalho. Esses novos saberes ultrapassam a mera
formação profissional, incidem nas relações humanas com
atravessamentos sobre a própria ética e o modo de se conduzir em
sala de aula.
A presença de um aluno surdo, possibilita essa tomada de
consciência em relação aos diferentes elementos que fundamentam
o exercício docente. Pensar novos modos de se conduzir enquanto
sujeito no contexto de uma sala de aula inclusiva excede a
necessidade e capacidade de aprender uma nova língua, abrange
responsabilidade de se entender como mediador de conhecimento
de modo irrestrito.
Nesse ponto, a despeito dos benefícios de se apropriar de
uma segunda língua, a tarefa se coloca para além da questão
linguística e cultural, está na possibilidade de entender o sujeito
surdo como um aluno que percebe a informação por meio de um
canal visual.
Não se trata de negar a busca pelo apoio de profissionais
especializados, mas assumir o protagonismo a partir da
compreensão da surdez como fator que irá orientar formas outras
de aprendizagem. Destarte a barreira linguística perde sua força à
medida que o professor passa a elaborar as aulas considerando a
presença de um aluno que não ouve.
Essa empreitada, em certo ponto, se associa diretamente a
compreensão da língua de sinais como potência para produção de
conhecimentos, ainda que mediada pela presença de um intérprete,
isto é, visualizar a organização espacial e visual da Libras pode

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 112


fornecer pistas para reelaborar o conteúdo, a didática e a
metodologia através da qual que se pretende trabalhar.
Nesse seguimento, uma das queixas mais comuns
observadas é a dificuldade em conciliar a organização de uma aula
focada no sujeito surdo, quando as condições de trabalho mal
permitem que se organize a mesma aula para os ouvintes.
É aqui, que a questão atitudinal assume mais importância do
que o discurso estritamente linguístico. Pensar a inserção de
recursos visuais, esquemas, discussões e planejamentos coletivos
com os intérpretes e professores de apoio, tópicos, formas de
avaliação de aprendizagem independentes da produção escrita e um
diálogo mais aberto beneficiaria surdos e ouvintes da mesma forma.
Voltando a atenção para as questões atitudinais, seria preciso
iniciar um processo de reflexão autocrítica. Até que ponto o
argumento que resguarda o professor por meio do discurso “não
tenho formação para isso” se ancora na noção de formação em termos
de exposição e domínio de conteúdo deixando de lado a formação
nos aspectos humanos? Quais os caminhos e cuidados o professor
deverá tomar para que a informação chegue aos alunos?
As respostas são inúmeras e demandariam, cada uma,
pesquisas mais aprofundadas envolvendo desde questões mais
simples como: posicionamento do professor enquanto fala; tempo
de espera de resposta em aulas interpretadas simultaneamente para
a Libras; relação dialógica com os alunos surdos assim como o faz
com os ouvintes; possibilidade de avaliações mediadas ou
diretamente em Libras até questões mais complexas como
elaboração de glossários técnicos, produção de materiais bilíngues
em parcerias com os tradutores e pesquisas dentro dos eixos
curriculares do curso.
Considerando essas questões, seria ainda pertinente afirmar
que a ausência de formação específica para lidar com surdo seria o
fator preponderante em salas de aula inclusivas com alunos surdos?
De acordo com Carvalho e Gil Perez os cursos de formação
devem enfatizar não somente os conteúdos que o professor teria
que ensinar; mas, também; familiarizar o professor com o processo

113 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


de raciocínio que subjaz à construção dos conhecimentos; ajudar os
futuros professores a expressar seu pensamento com clareza;
permitir conhecer as dificuldades previsíveis que os alunos
encontrarão ao estudar tais matérias, identificar caminhos possíveis
de aprendizagem (CARVALHO e GIL PEREZ, 2011, p. 71).
Torna-se professor aquele que reconhece a importância das
discussões das questões globais da educação, como as finalidades e
as consequências do ponto de vista social e pessoal, a racionalidade
dos métodos e do currículo e a relação entre essas questões e a sua
prática de sala de aula.

A REFLEXÃO COMO PARTE ESSENCIAL


DA FORMAÇÃO

Empreitar-se por terrenos pouco explorados na perspectiva


da inclusão de surdos certamente agrega ainda mais desafios para a
atuação dos professores em escolas inclusivas. A questão da
diferença e suas implicações demanda que o docente se recolha de
modo cauteloso, investigue as possibilidades e exercite o potencial
criativo que será sua ferramenta de trabalho.
O uso de recursos pedagógicos, tecnologias e a Libras
arrogam-se como diferentes chaves para um número indefinido de
portas, cada qual com caminhos possíveis para uma aprendizagem
mais ativa, dinâmica e inclusiva.
Permitir-se aprender uma Língua de Sinais, por sua vez, abre
um novo leque de estratégias comunicativas e impacta diretamente
nas relações aluno-professor. A presença de um tradutor e
intérprete, por si só ressignifica as trocas de experiência, permitindo
novos laços.
Apesar de sua importância para os surdos, é urgente se
pensar os outros fatores que influenciam e abalizam as práticas
pedagógicas. A surdez, na perspectiva sócio-antropológica, afasta o
estigma de condição incapacitante e exprime um modo de ser e se
constituir por meio da língua de sinais.

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 114


Ainda que as grades curriculares das licenciaturas abarquem
o eixo comum, o eixo específico e a formação humana e crítica, o
tempo reduzido, direcionado ao estudo da Libras e surdez em
cursos de graduação, não se mostra suficiente para a compreensão
efetiva da noção de língua e aspectos visuais atrelados na produção
de cultura e relações entre os pares surdos e ouvintes.
Antes de pensar a formação específica para que se possa
lecionar em salas inclusivas com surdos, é necessário refletir sobre
a própria prática pedagógica e captar nas nuances do dia a dia em
sala, possibilidades de alcançar os surdos concomitantemente. Cada
sujeito tem suas próprias especificidades de aprendizagem, com os
surdos não é diferente.
A partir dessas discussões, vislumbramos possibilidades
outras de os professores se organizarem, enquanto professores de
surdos, valendo-se de estratégias que visam minar as barreiras
atitudinais e reforçar a Libras como língua natural através da qual o
ser surdo se constitui.

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“I HAVE NO SPECIFIC FORMATION”: LANGUAGE


ISSUES AND DISCURSIVE PRACTICES OF TEACHERS
FOR THE DEAF IN INCLUSIVE SCHOOLS

ABSTRACT: In the advent of new inclusive education policies and affirmative


actions, the number of students embraced by the Special Education is
meaningfully growing more and more. Among them, deaf and hard of hearing
people have centered the discussions about the language of instruction towards
the education for the deaf, starting from political movements that aims to
strengthen Libras as well as offer the written Portuguese as a second language. In
this context, we intend along this paper to discuss the possible relations between
the discourses produced by teachers for the deaf inside inclusive schools and their
formation when it comes to deal with methodologies that include visual aspects
consonant to the sign language. In order to do that, we assume a bibliographical
and qualitative perspective through a dialogue with authors that discuss deaf
education and others that discuss teachers’ formation, also considering the
relevance of Libras inside the degree courses. From here onwards, it is possible
to conclude that although the Libras mastery contributes to the relations between
teaching and learning, the methodological brainwork implies directly on the work

115 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


conditions set and efforts to eliminate behavior barriers resulting from the stigma
that states deafness as a handicap. Therefore, this work contributes to the advent
of new perspectives about inclusive education.

KEYWORDS: Deafness, Teacher education, Inclusion, LIBRAS.

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REFERÊNCIAS

BRASIL, 2002. Lei de nº 10.436 de 24 de abril de 2002. Dispõe


sobre a Língua Brasileira de Sinais. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Leis/2002/L10436.htm

BRASIL. Decreto nº 5626 de 22 de dezembro de 2005.


Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ccivil/_Ato2004-
2006/2005/Decreto/D5626.htm

CARVALHO, A. M. P.; GIL P. D. Formação de professores de


ciências tendências e inovações. 10.ed. São Paulo: Cortez, 2011.

LANE, H. A máscara da benevolência: A comunidade surda


amordaçada. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.

QUADROS, R. M.; CAMPELLO, A. R. A constituição política,


social e cultural da Língua Brasileira de Sinais – Libras. In:
Educação de Surdos: Políticas, Língua de Sinais, Comunidade e
Cultura Surda. VIEIRA-MACHADO, M. C (Org.). Santa Cruz do
Sul. Edunisc, 2010.

SACKS, O. Vendo vozes: Uma viagem ao mundo dos surdos.


Editora Companhia de Letras, 1989.

SKLIAR, C. Um olhar sobre a diferença. Porto Alegre: Mediação,


1999.

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 116


LÍNGUA ESTRANGEIRA E
FORMAÇÃO CIDADÃ: POR
ENTRE DISCURSOS
E PRÁTICAS 1

Resenhado por Rubens Lacerda de SÁ2

Cláudia Hilsdorf Rocha e Ruberval Franco Maciel são dois


pesquisadores comprometidos com o ensino de línguas e suas
interfaces. Suas pesquisas oferecem contribuições valiosas para os
estudos acadêmico-científicos nesse campo. Nesta obra, buscam
contribuir para o preenchimento de uma lacuna que existe entre a
formação de professores e sua prática pedagógica no ensino de
línguas no contexto educacional em nosso país. Está organizada em
oito capítulos que desenham os caminhos investigativos diversos
sobre o ensino de línguas e formação docente.
No capítulo um, Língua Estrangeira, Formação Cidadã e
Tecnologia: Ensino e Pesquisa como Participação Democrática,
problematizam a educação brasileira e salientam que, embora esse
assunto assuma primazia nas agendas públicas e ocupe diversos
campos investigativos em diferentes perspectivas teórico-
metodológicas, o debate carece tanto de aprofundamento como de
interface entre políticas públicas, currículo, tecnologias
educacionais, formação inicial e contínua, dentre outros. Para os

1
ROCHA, C. H.; MACIEL, R. F. Língua estrangeira e formação
cidadã: Por entre discursos e práticas. Campinas, SP: Pontes Editores,
2013.
2 Doutorando em Linguística Aplicada na Universidade Estadual de

Campinas (UNICAMP), Mestre em Linguística na Universidade de


Brasília (UnB). Líder do Grupo Interdisciplinar em Estudos de Linguagem
(GIEL/CNPq). Docente no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e
Pesquisador Associado do Centro Latino-Americano de Estudos em
Cultura (CLAEC). E-mail: rubens.ladesa@gmail.com

117 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


autores, é preciso compreender e considerar as perspectivas crítica,
de Apple (2010), e a pós-colonial, de Pennycook (2007), além de
atentar para os mecanismos de controle e domínio preconizados em
Foucault (2009). Também alertam sobre o perigo do efeito do
prescritivismo e autoritarismo e os desafios de romper com tais
paradigmas que circulam no processo educativo.
Alinhados a Kumaravadivelu (2006) e Moita Lopes (2013),
Rocha e Maciel reforçam a necessidade de esboço de novas políticas
linguísticas que deem voz aos excluídos e marginalizados, a partir da
valorização da diversidade e da heterogeneidade linguística. Para
eles, olhar o mundo e as pesquisas linguísticas pelo viés da pós-
modernidade (VATTIMO, 2007; BAUMAN, 1999; GIDDENS,
2005; NUNES, 2005) pode cooperar para o entendimento e a
interpretação dos contextos, validando os múltiplos saberes da
contemporaneidade, pois formar sujeitos críticos e cidadãos
letrados pressupõe problematizar a luta por uma sociedade mais
justa e participativa no mundo globalizado.
No capítulo dois, Crítica e Letramentos Críticos: Reflexões
Preliminares de Walkyria Monte Mór, a pesquisadora subscreve-se
em reflexões preliminares e apresenta o letramento crítico como
anseio dos programas de formação educacional e caminho de
renovação na prática da crítica de várias instâncias didático-
pedagógica-acadêmicas das escolas e universidades, bem como os
desencontros de sentido do termo. A partir dos dados do Instituto
Paulo Montenegro, do INEP e da FGV a autora ressalta que, no
mundo globalizado e com a presença marcante da tecnologia digital,
os resultados das pesquisas que medem as capacidades leitoras dos
alunos apontam para a urgência de se (re)significar a questão entre
ser crítico e o desenvolvimento crítico, assunto que necessita ser
debatido nas instituições que ensinam línguas estrangeira e materna.
Em harmonia com as concepções de Gikandi (2005),
Barthes (1999), Vattimo (1990) e Temple (2005), dentre outros, a
pesquisadora apresenta ao leitor que novas frentes interpretativas
surgem e desestabilizam o “já dado” ampliando a compreensão de
que ser crítico e o desenvolvimento crítico são termos dados

Revista FORPROLL – ISBN: 2526-7507 | 118


historicamente e que a “ruptura desse círculo desestabiliza as
certezas e sentidos” (p. 39), reafirmando que o exercício de reflexão
promove o letramento crítico, os novos letramentos, e os
multiletramentos. Sendo assim, ampliar o espectro de análise do
termo e reconhecer os pluriletramentos é essencial para aceder e
reconhecer-se no mundo globalizado.
No capítulo três, Repensando a Abordagem Comunicativa:
Multiletramentos em uma Abordagem Consciente e
Conscientizadora, Rogério Tilio, nos fala a respeito da abordagem
comunicativa como a metodologia mais eficiente, para o ensino de
Língua Inglesa, já vista dessa maneira há mais de 30 anos. No
entanto, é proposta uma reflexão crítica acerca dela no que diz
respeito a sua eficiência na contemporaneidade, uma vez que esta
pode não ser suficiente para atender às necessidades do aprendiz.
Nesse sentido, chegamos ao conceito de multiletramentos,
“especialmente o de letramento crítico, segundo o qual os
aprendizes precisam ser empoderados para usar a língua(gem) de
maneira crítica e responsável, conscientes do seu papel no mundo
globalizado e preparado para agir nele” (p. 51).
Segundo o autor, a abordagem comunicativa adota, hoje em
dia, o conceito segundo o qual “permite que o professor utilize um
conjunto de metodologias da forma que julgue pertinente aos seus
objetivos pedagógicos” (p. 52), apesar de não haver uma total
ruptura com os métodos anteriores. Para ele, a linguagem e a
aprendizagem devem ser vistas numa perspectiva sociointeracional,
baseadas em situações de uso real da língua estrangeira, cujo acesso
“pode permitir maior inclusão social no mundo globalizado” (p. 56),
como base na construção do conhecimento do sistema linguístico,
do conhecimento da organização dos discursos da língua e do
conhecimento de mundo. O que vai ser ensinado aos alunos deve
partir, assim, de um conhecimento pré-existente, dentro de suas
realidades e possibilidades, e, para isso, “é preciso selecionar temas
relevantes e includentes, de cunho social” (p. 60), sendo privilegiada
a interação por meio de oportunidades de uso da língua.

119 | 2018 – vol. II, nº 02 / Edição especial


No quarto capítulo, Abordagem Comunicativa, Pedagogia
Crítica e Letramento Crítico – Farinhas do Mesmo Saco?, Clarissa
Menezes Jordão afirma que as teorias do letramento surgiram no
Brasil bem recentemente, haja vista que, de acordo com Soares
(2004), o termo passou a incorporar o nosso léxico a partir da
década de 1980. Essas teorias apresentam as abordagens para o
ensino do letramento como prática social destacando que se trata de
abordagens semelhantes, mas com pressupostos bastante diferentes.
Dessa forma, por meio da diferenciação entre (1) língua e
sujeito, (2) conhecimento e aprendizagem e (3) concepção da função
da educação na sociedade, os autores diferenciam as abordagens de
ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras: abordagem
comunicativa (AC), pedagogia crítica (PC) e letramento crítico (LC),
com uma ênfase maior a este último.
Ao se reportarem à concepção de língua e significado,
Jordão (2013, p. 72) afirma que, na AC, “a língua é entendida como
um meio de comunicação”, ao passo que, na PC, ela “é percebida
funcionando como um código, ou seja, isolada de questões políticas
e discursivas” voltada para a comunicação. No LC, por sua vez, nas
palavras da autora (2013, p. 73) “a língua é discurso, espaço de
construção de sentidos e representação de sujeitos e do mundo”.
Esses sentidos são construídos sempre no texto, pois envolvem
questões políticas, culturais, sociais e interpretativas, as quais são
sempre ideológicas.
Em seguida a autora discorre sobre a relação entre
conhecimento, criticidade e aprendizagem e a função da educação a
partir das perspectivas adotadas pela AC, PC e pelo LC (p. 78-81).
Conclui destacando que, apesar de ser vista há bastante tempo como
a abordagem mais adequada para o ensino de Língua Estrangeira, a
AC tem alguns aspectos a serem repensados e trabalhados, segundo
a perspectiva do Letramento Crítico (LC). Este último, concebe a
língua como um espaço de construção de sentidos e representação
de sujeitos e do mundo e dá conta de uma série de situações não
consideradas pelas outras duas, sobretudo em uma época com
características sociais bastante distintas. Nessa direção, não basta

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apenas saber comunicar-se em uma língua estrangeira, é necessário
saber construir sentidos de acordo com a necessidade comunicativa.
O capítulo cinco, Aspectos Culturais e Formação Cidadã
em um Livro Didático de Inglês para Crianças, Guilherme Jotto
Kawachi e Ana Paula Lima apontam que a Língua Inglesa tem sido
considerada como língua global, frequentemente utilizada na
Internet, no mundo acadêmico e nas relações comerciais. Nesse
sentido, o inglês deixa de ser uma língua estrangeira (LE) e passa a
ser tratada como língua franca, ou seja, como uma língua de
natureza híbrida, em constante transformação, que pertence a todos
que a falam (RAJAGOPALAN, 2009). O status do inglês como
língua franca tem trazido diversas implicações para o processo de
ensino-aprendizagem. Os autores destacam que Gimenez, Calvo e
El Kadri (2011) apontam para a necessidade de ressignificação dos
motivos para se aprender inglês, de incorporar outras variedades
dessa língua que não sejam as faladas nos países em que é língua
materna, de se ampliar as temáticas trazidas para a sala de aula e da
conscientização acerca do papel do inglês como língua de
comunicação internacional.
Os autores afirmam que não há como promover uma
separação entre língua e cultura (BOLOGNINI, 1998) e que ensinar
língua deveria significar, também, orientar o estudante para a
percepção de diferenças culturais. Assim, o ensino de línguas não
está isento de cultura/interculturalidade, seja na abordagem do
professor, na orientação teórico/metodológica do curso ou,
principalmente, no material pedagógico. Este capítulo traz a análise
do livro didático Join Us, publicado pela editora Cambridge em
2006. Após análise desse livro didático, os pesquisadores salientam
que, mais uma vez, grupos minoritários e suas práticas culturais
foram desconsideradas, cedendo espaço para ilustrações da cultura
dominante. Segundo eles, o livro didático não promove
oportunidades para o desenvolvimento da competência linguístico-
comunicativa conjuntamente à formação social, cultural e cidadã do
estudante. Embora haja algum foco em características culturais há
certa fragmentação entre linguagem e cultura. Por essa razão,

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passam a uma consideração mais aprofundada de como deve ser
visto e analisado o livro didático para o ensino de língua inglesa
aliado às concepções dos multiletramentos e do letramento crítico.
Influências das Práticas de Espiritualidade no Ensino e
Pesquisa de Línguas: Uma Emergência na Linguística Aplicada de
Nara Hiroko Takaki dá título ao capítulo seis, em que a autora
apresenta que um dos benefícios da pós-modernidade e pós-crítica
nos estudos e pesquisas sobre linguagem e sociedade seria o
reconhecimento de que há temáticas emergentes no ensino e
pesquisas sobre línguas e cidadania neste século. Uma delas diz
respeito às espiritualidades, sob a premissa de que elas são práticas
sociais, entre os usuários de diversas línguas e que numa sociedade
de autorias compartilhadas, tais práticas vêm influenciando as
identificações cosmopolitas daqueles que trafegam por dimensões
em que o geográfico e o virtual tendem a se diluir cada vez mais.
A autora salienta, ancorada em Canagarajah e Wong (2009),
que tem havido a emergência de diversas práticas sociais de
espiritualidade no mundo, traspassadas pela linguagem, e que não
são abordadas pelas teorias estruturalistas, racionais e positivistas.
Nessas, as renegociações de saberes requerem o encontro de
diferentes perspectivas e posicionamentos a partir de reflexões mais
críticas. Importante, nessa perspectiva, seria o entendimento de
como o ensino de inglês está relacionado à hegemonia Anglo-Cristã
e como isso tem influenciado as identificações e sentido dos
aprendizes, professores, pesquisadores e educadores que se
preocupam com o fato de que os conflitos políticos, militares e
pedagógicos no mundo estão fortemente relacionados à arrogância
religiosa, racial e cultural entre o eu e o outro (KUBOTA, 2013).
O objetivo do artigo é lembrar aos seus leitores o princípio
da não violência (GANDHI, 1953) nas discussões que possam ser
produzidas quando o assunto crucial é complexidade nas escolhas
informadas. Essa premissa pode ser alternativa para se construir
uma plataforma dialógica que evite generalizações dentro do interior
de uma comunidade de práticas socioculturais. A autora evidencia
que, numa sociedade em que as práticas de espiritualidade se

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tornaram lugares de ativismo não somente religiosos, mas também
políticos, parece ser interessante seguir a orientação de Freire, ou
seja, “lutar pacientemente ou impacientemente paciente” (FREIRE,
2005, p. 270). Isso ocorre porque diferentes formas de linguagem e
de construção de sentido promovem a necessidade de constantes
questionamentos de nossos pressupostos e teorias.
O título do capitulo sete, “God Save Korea!” – A
Construção do Sentido no Terceiro Espaço: Reflexões Sobre a
Dinâmica Espacial dos Transletramentos”, de Camila Lawson
Scheifer, é bastante curioso, pois apresenta no movimento
transdisciplinar a concepção do espaço e sua relação com as
questões sociais e históricas da atualidade. Dado que diferentes
cientistas sociais enfatizam a relação entre o tecido social moderno
e seus efeitos, a autora destaca que os espaços discursivos são
“múltiplos, variados e sobrepostos” (p. 136), dada a
multiculturalidade da sociedade impulsionada pela
convergência/acesso a uma diversidade midiática significativa. A
autora mostra hoje, que o indivíduo assume o papel ora de leitor ora
de telespectador ora de internauta. Tal multiplicidade de ação
contribui para a disseminação de conhecimentos a uma escala sem
precedentes. Essa acarreta, inclusive, na desconstrução e
reconstrução de novos sentidos.
Diante do exposto, não é possível desconsiderar a
complexidade dos fluxos culturais e o trânsito dos atores sociais por
entre distintos sistemas de mídia e multissemióticos que nos
remetem ao conceito de transletramentos na acepção ampla do
termo proposto por Thomas, et al. (2007). A autora chama a atenção
para a importância de se rejeitar a noção cartesiana de estrutura
social que leva as práticas pedagógicas a uma configuração binária e
dicotômica e que rechaça os atores/agentes sociais como seres
midiáticos, consumidores e produtores de semioses.
Ao considerar a visão de espaço proposta por pesquisadores
modernos (SOJA, 1993; KOSTOGRIZ, 2002 e LEFEBVRE,
1991), concluímos que, na visão da autora, impera a necessidade de
se superar concepções estáticas e legitimar “espaços semióticos-

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culturais” (p. 142), uma vez que o espaço discursivo-social não é
homogêneo e livre de embates e conflitos. Tal noção de espaço é
oportuna, pois os transletramentos são situados, emergem de
diferentes tipos de interações que infiltram, desarticulam e deslocam
a vida local (BUZATO, 2007). Ao concluir, a autora alerta para a
importância da discussão sobre novas maneiras de se pensar o
espaço como limiar pedagógico para que “a partir desse
entendimento possamos pensar em pedagogias e currículos que
funcionem a favor dos seus espaços de vida, e não contra eles” (p.
146)
Joel Windle, titula o capítulo oito como “From Binti to the
Goodall Institute: English as a Second Language (ESL) and Literacy
Pedagogy for Refugee-background Students” em que argumenta a
favor do alinhamento das teorias de letramento crítico com
abordagens instrumentais no ensino de LE. Embora alguns
pesquisadores sejam contrários a esta posição, seu artigo põe por
terra tal conceito equivocado. Para comprovar seu argumento, o
autor narra um experimento de ensino de ESL numa instituição
australiana a um grupo de refugiados africanos.
Nesse experimento aborda a conhecida falta de acesso ao
sistema educacional com que se deparam os refugiados, as marcas
agudas provenientes de sua condição, o rompimento da estrutura
familiar imediata e secundária, quer pela separação quer pela perda,
a política segregacionista que, por vezes, se veem à mercê, a
desatenção à cobertura das necessidades básicas do ser humano, as
dificuldades financeiras, os procedimentos burocráticos e a falta de
perspectiva no que tange à saúde, abrigo, educação, alimentação e
trabalho.
Acrescido a isso, o autor destaca que alguns pesquisadores
apresentam dados que salientam, entre outras coisas, a baixa
frequência às aulas de LE, os altos índices de evasão, o
desconhecimento da rotina escolar, a ausência de habilidades
metacognitivas e de estratégias de aprendizagem que pressupõe o
ensino de LE e a incompreensão dos aspectos culturais e sociais da
terra anfitriã. Todo o cenário descrito no quadro acima constituiria,

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por si só, um impeditivo para qualquer tentativa bem-sucedida de
aprendizagem de um idioma tipologicamente distante do materno,
conforme salienta o autor (p. 152, 153).
Para Freebody e Luke (2003), alguns refugiados não
possuem os letramentos mínimos para que possam assumir papéis
pró-ativos nas esferas discursivas em que circulam nem para
participar da (des)construção e produção de semioses necessárias
para o trânsito na sociedade moderna. Evidentemente, essa falta
afeta profundamente o acesso e a permanência na escola por parte
dos refugiados. O objetivo do estudo proposto neste capítulo é
conduzir os alunos refugiados a um domínio fluente da língua-alvo
e que baste para permitir-lhes acesso aos bens da sociedade em que
estão inseridos. Para tanto, os pesquisadores procuram criar um
ambiente que conduza à aprendizagem (GIBBONS, 2006), o que é
conseguido por valer-se dos preceitos de Cummins (2001), que
propõe uma abordagem de transição da experiência da
aprendizagem de uma etapa pessoal a uma crítica.
O resultado final da experiência foi eficaz, pois foram
embasados nos pressupostos teóricos mencionados e, em
pesquisadores como, Wells (1999) e Burgoyne e Hull (2007). Havia,
como marca distintiva das aulas, a integração linguística e crítica que
propiciaram a construção do conhecimento almejado de forma
colaborativa e crítica, pois os alunos puderam relacionar as
realidades da Austrália (país que acolheu os refugiados) às da África
(país de origem).
O tema apresentado no capítulo nove, “Letramento e
Formação Inicial e Contínua de Professores de Línguas
Estrangeiras”, de autoria de Deborah Nathalia Silva de Jesus e
Sandra Regina Buttros Gattolin, leva a termo a obra em tela
organizada por Rocha e Maciel. Neste capítulo final, as autoras-
pesquisadoras procuram elencar a relação teoria-prática no processo
de formação de professores. Por teoria, valem-se do construto
letramento e de documentos oficiais para a educação que visam a
nortear o processo formativo dos professores-atores.

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Na pesquisa, as autoras-pesquisadoras constataram que há,
por parte dos professores, pouca compreensão e entendimento dos
conceitos implícitos e explícitos abordados nesses documentos
(p.168), pois estes não são inseridos, em seu processo de formação,
em práticas discursivas e acadêmico-científicas que contribuiriam
para a construção de sua identidade acadêmico-profissional. Ecoa-
se a visão de que o professor não poderá ser um agente
transformador enquanto não absorver as teorias e documentos que
devem orientar a práxis (MOITA LOPES, 2003).
A seguir, as autoras apresentam a confusão que existe entre
os professores no que tange à compreensão da distinção entre
“alfabetização” e “letramento”. Esclarecem que “‘ser letrado’ não se
refere ao fato de uma pessoa ser versada em letras, ser erudita, mas
de participar das práticas sociais de uso da leitura e da escrita” (p.
170).
Apresentamos, a seguir, por meio de um esquema, os
conceitos abordados pelas autoras a partir dos pressupostos teóricos
abordados por alguns estudiosos da linguagem e sociedade. Esses
são alguns dos conceitos que carecem de significação aos
professores durante sua formação inicial e continuada.

Figura 1
Síntese do Conceito de Letramento

Fonte: Elaborada pelo autor (2017)

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A temática acima foi abordada em uma pesquisa em que
participaram uma professora formadora e 13 professores-alunos
com perfis bem diferentes. Os dados foram colhidos no projeto
Formação inicial e contínua de professores de língua estrangeira sob
o enfoque dos multiletramentos e da transculturalidade e do Projeto
Nacional de Formação de Professores, Educação Crítica, Novos
Letramentos e Multiletramentos.
Durante a análise e discussão dos dados, as pesquisadoras
puderam ajudar os professores-alunos a desconstruir conceitos
equivocados sobre os construtos propostos e contribuir para a
construção de forma colaborativa dos novos conceitos e seu
alinhamento à prática em sala de aula. Concluem o capítulo por
mencionar que os professores-alunos ganharam “mais autonomia
sobre seu ensino, no sentido de saber tomar decisões mais
conscientes, entendendo o que podem fazer, manter ou mudar, a
fim de responder às novas necessidades” (p. 183).
As propostas para uma reflexão sobre a educação do
professor nesta obra, organizada por Rocha e Maciel, certamente se
ajustam à tradição de orientação para a pesquisa e giram em torno a
uma consciência crítica pedagógica que marca a era pós-moderna.
Ainda que todo o processo formativo dos professores esteja
inserido em um terreno social ambíguo e mal estruturado, urge a
necessidade de dar voz à perspectiva dialética e dialógica com
olhares e a posicionamentos discursivos múltiplos que contribuirão
à reversão do atual quadro educacional no país. Indubitavelmente,
esta obra oferece uma contribuição valiosa, tanto do ponto de vista
teórico como prático, para que emirjam novas reflexões sobre o
tema. Vejo-a como propulsora de uma atitude de indagação no que
diz respeito aos rumos da formação docente cidadã, uma vez que
esta ocupa diferentes espaços na sociedade pós-moderna.
Certamente, queremos continuar buscando a interlocução entre
pesquisadores dos diferentes campos de estudo da linguagem para
que, uma vez que se aprofundem em todas as dimensões factíveis
as discussões sobre o tema em pauta, estas possam se
consubstanciar em importantes subsídios à elaboração de ações

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propositivas que farão frente às demandas sociais mais urgentes da
atualidade.

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