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MEDIDAS DE SEGURANÇA

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21.1 CONCEITO

Alguns homens, quando cometem fatos definidos como crime, por suas
particulares condições biopsicológicas, não sabem nem têm a capacidade de saber que
estão realizando comportamentos proibidos pelo Direito. São absolutamente incapazes
de entender que seu comportamento é ilícito.

Outros, apesar de conhecerem a ilicitude, não têm a menor capacidade de se


determinar em consonância com esse entendimento, pois são totalmente incapazes de
se autogovernar. Conhecem o ilícito, mas não se contêm e, por força de impulso
incontrolável, realizam a conduta que sabem proibida.

Essas pessoas são chamadas inimputáveis. Em virtude de doença mental,


desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ou embriaguez total, proveniente de
caso fortuito ou força maior, são absolutamente incapazes de entender o caráter ilícito
do fato ou, mesmo capazes de entendimento, plenamente incapazes de se determinar
de acordo com esse entendimento.

A elas equiparados, por força de preceito constitucional, estão todos os menores


de 18 anos.

As pessoas que não são inteligentes e as que não são livres não sabem o que
fazem ou não podem escolher entre o justo e o injusto; por isso, não podem ser
responsabilizadas pelo que tiverem feito.

A pena criminal só é aplicada ao que, capaz de entender e de se determinar,


podia, quando se comportou, saber que realizava fato proibido e que, nas
circunstâncias, poderia ter agido de outro modo. São os que cometeram fatos típicos,
ilícitos e culpáveis.

O homem que, sem capacidade de entendimento e determinação, realizou fato


típico e ilícito, o injusto penal, não pode ser punido, apenado, mas deverá receber outra
2 – Direito Penal – Ney Moura Teles

resposta do direito penal.

Conquanto seja totalmente incapaz de entender e de se determinar, não pode


ser punido, mas, igualmente, não pode ser deixado em liberdade, pois que,
desconhecendo a diferença entre o certo e o errado, ou não sabendo governar-se, torna-
se, por isso mesmo, perigoso para as demais pessoas e seus bens.

Tendo já agredido um bem jurídico importante, e continuando incapaz de


entendimento, poderá, muito provavelmente, voltar a atacar outro bem jurídico de
outra pessoa.

Em razão disso, o direito entende que esse indivíduo que violou a norma penal
incriminadora e o ordenamento jurídico, por não poder ser responsabilizado e, por ser
perigoso, deverá submeter-se a uma medida de segurança, que não é uma pena
criminal, mas a sanção jurídica para um fato típico e ilícito.

Toda vez que o juiz verificar que o acusado da prática do fato típico e ilícito era,
ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entendimento ou de
determinação, deverá absolvê-lo, aplicando-lhe, todavia, uma medida de segurança,
que é a resposta penal para o inimputável.

A medida de segurança é a conseqüência jurídica imposta ao agente inimputável


de um fato típico e ilícito. Se o inimputável tiver praticado fato típico lícito, deverá ser
absolvido por ter realizado um comportamento justificado.

21.2 ESPÉCIES

São duas e somente duas as espécies de medidas de segurança previstas no


ordenamento jurídico-penal: a internação e o tratamento ambulatorial. É a regra do art.
96 do Código Penal:

“As medidas de segurança são: I – internação em hospital de custódia e tratamento


psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II – sujeição a tratamento
ambulatorial.”

As duas medidas visam, é óbvio, ao tratamento do sentenciado, a fim de que


venha a ser curado da enfermidade que porta.

Tanto o internado quanto o submetido a tratamento ambulatorial têm o direito de


cumprir a medida sob a supervisão e orientação de profissional médico de sua
confiança, como assegura o art. 43 da Lei de Execução Penal:

“É garantida a liberdade de contratar médico de confiança pessoal do internado ou do


Medidas de Segurança - 3

submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares ou dependentes, a fim de


orientar e acompanhar o tratamento. Parágrafo único. As divergências entre o médico
oficial e o particular serão resolvidas pelo juiz da execução.”

21.2.1 Internação

A internação é uma medida de segurança de natureza detentiva, pois priva o


internado de sua liberdade, devendo ele ser submetido a tratamento (art. 99, CP). Será
aplicada àquele que tiver praticado fato punível com pena de reclusão (art. 97, primeira
parte).

21.2.2 Tratamento ambulatorial

Se o fato for apenado com detenção, a medida será de sujeição a tratamento


ambulatorial. Essa medida consiste no comparecimento do sentenciado a um hospital
de custódia e tratamento psiquiátrico em dias predeterminados pelo médico, quando
será submetido à terapia recomendada.

A medida, como se vê, não atinge a liberdade individual, e pode ser cumprida
em qualquer outro hospital que tenha dependências adequadas e não apenas em
hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. É o que faculta o art. 101 da Lei de
Execução Penal.

21.3 APLICAÇÃO – REQUISITOS

Os menores de 18 anos, inimputáveis por força de preceito constitucional,


estarão sujeitos a medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do
Adolescente.

A medida de segurança será aplicada, obrigatoriamente, ao inimputável maior de


18 anos que tiver cometido fato típico e ilícito, podendo também ser aplicada ao
imputável que, nos termos do parágrafo único do art. 26 do Código Penal, tiver
reconhecida, na sentença, a capacidade diminuída, a imprecisamente chamada “semi-
imputabilidade” ou “semi-responsabilidade”.

São dois os requisitos para a aplicação da medida de segurança:

a) a prática de um fato típico e ilícito;

b)a periculosidade do sujeito.


4 – Direito Penal – Ney Moura Teles

Periculosidade, na lição que DAMÁSIO E. DE JESUS anotou, de SOLER, “é a


potência, a capacidade, a aptidão ou a idoneidade que um homem tem para converter-
se em causa de ações danosas”1.

É, assim dizer, a probabilidade de o sujeito cometer crimes. O grande advogado


e jurista HELENO FRAGOSO alertava:

“A periculosidade é, em substância, um juízo de probabilidade que se formula


diante de certos indícios. Trata-se de juízo empiricamente formulado e, por
isso, sujeito a erros graves. Pressupõe-se sempre, como é óbvio, uma ordem
social determinada a que o sujeito deve ajustar-se e que não é questionada. O
sistema se defende aplicando medidas de segurança a pessoas que sofrem de
anomalias mentais e que apresentam probabilidade de praticar novos atos
que a lei define como crimes.”2

21.3.1 Periculosidade presumida

Por força do que dispõe o art. 97 do Código Penal, a periculosidade do


inimputável é presumida. Em outras palavras, praticado o fato típico ilícito e tendo sido
o agente considerado inimputável – incapaz de entender ou de se determinar, em
virtude de doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ou
embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior –, é,
necessariamente, perigoso e, por isso, sofrerá a medida de segurança, de internação ou
ambulatorial.

21.3.2 Periculosidade real: aplicação ao imputável

Já o imputável com capacidade diminuída poderá ser considerado perigoso pelo


juiz, necessitando por essa razão de tratamento:

“Art. 98. Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o


condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser
substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um)
a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.”

1 Direito penal: parte geral. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 475.

2 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal: parte geral. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 390.
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A medida de segurança, detentiva ou não, substituirá a pena privativa de


liberdade, desde que o condenado seja considerado perigoso, o que se fará à vista de
exame médico-pericial que indique a necessidade do tratamento.

O sistema brasileiro é o chamado vicariante, que não permite a aplicação ao


mesmo sujeito de uma pena e uma medida de segurança. Ou se aplica a pena, ou, sendo
ele perigoso e necessitando, por isso, de tratamento, aplica-se a medida de segurança.
Nunca as duas, possível no chamado sistema do duplo binário, abandonado pelo
legislador da reforma de 1984.

21.3.3 Execução, duração e revogação

As medidas de segurança só poderão ser executadas após o trânsito em julgado


da sentença penal que considerou o agente inimputável, ou que determinou a
substituição da pena do imputável com capacidade diminuída (chamado semi-
imputável) por uma medida de segurança, e depois da expedição da guia de execução,
como determina o art. 172 da Lei de Execução Penal:

“Ninguém será internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, ou


submetido a tratamento ambulatorial, para cumprimento de medida de
segurança, sem a guia expedida pela autoridade judiciária.”

Estabelece o § 1º do art. 97 do Código Penal:

“A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado,


perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de
periculosidade. O prazo mínimo será de 1 (um) a 3 (três) anos.”

O prazo de duração da medida de segurança é, assim, indeterminado, tendo a lei


fixado apenas o prazo mínimo, que variará entre um e três anos. Manda o § 2º do
citado artigo que, ao fim do primeiro ano, o sentenciado seja submetido a exame médico
a fim de se constatar se cessou ou continua seu estado de periculosidade.

Esse exame será repetido anualmente e poderá ser feito a qualquer tempo, por
determinação do juiz da execução, de ofício ou a requerimento do sujeito ou do
Ministério Público. Se o exame concluir pela cessação da periculosidade, pela convicção
de que o sentenciado já não é perigoso, deverá o juiz proferir decisão, determinando a
desinternação ou a liberação.

A desinternação ou a liberação são condicionais, devendo ser restabelecidas a


internação ou a sujeição a tratamento ambulatorial se, antes de um ano, o sujeito vem a
praticar outro fato que indique a persistência de seu estado de periculosidade (§ 3º, art.
6 – Direito Penal – Ney Moura Teles

97, CP).

O sistema de nosso Código Penal autoriza a interpretação de que as medidas de


segurança podem ser perpétuas, pois, se foi fixado o prazo mínimo de sua duração –
um a três anos –, o prazo máximo não foi fixado, dependendo apenas da cessação da
periculosidade, constatada por exame pericial.

E se os técnicos nunca constatam a cessação do estado de periculosidade do


internado? Permanecerá ele internado, sob tratamento, privado de sua liberdade,
perpetuamente?

Apesar do entendimento predominante da doutrina e da jurisprudência brasileira,


que comungam do pensamento de que, conquanto o fundamento da medida de
segurança seja a periculosidade do agente, enquanto não cessada esta, aquela deve
perdurar, pensamos que melhor é a razão de LUIZ FLÁVIO GOMES:

“Seguindo o pensamento de Muñoz Conde, urge enfatizar que a finalidade


preventiva conferida às medidas tem que ser limitada de algum modo, ‘se não se
quer fazer do enfermo mental delinqüente um sujeito de pior condição que o
mentalmente são que comete o mesmo delito’. Este limite vem representado pelo
princípio da intervenção mínima, pelo princípio da proporcionalidade, pelo da
legalidade e da judicialidade. E, ainda, pode-se acrescentar o princípio da
igualdade, o de humanidade, e, sobretudo, os decorrentes do Estado de Direito...”3

Tem razão o mestre paulista. A norma que considera indeterminado o tempo de


duração da medida de segurança, permitindo sua perpetuidade, colide frontalmente
com a carta constitucional. É de todo óbvio que a internação é privação de liberdade, e,
nesse sentido, não difere em nada da pena criminal, reclusiva ou detentiva. Em ambas,
o indivíduo se vê privado do direito de ir e de vir, de locomover-se, de ficar, de sair. Por
essa razão, ainda que a norma constitucional não se refira expressamente às medidas
de segurança, aplica-se também a elas o mandamento segundo o qual não haverá
respostas penais de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, b). Os inimputáveis não podem
merecer tratamento mais rígido que os imputáveis, quando praticam o mesmo fato
típico e ilícito, até porque todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza.

Correta a lição de LUIZ FLÁVIO GOMES, ao ensinar que as medidas de segurança


devem ser limitadas no tempo. Tratanto-se de imputável com capacidade diminuída

3Medidas de segurança e seus limites. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: Revista dos
Tribunais, nº 2, p. 66, abr./jun. 1993.
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(chamado semi-imputável), a quem foi aplicada uma pena, depois substituída, o prazo
máximo de duração da medida de segurança é o quantum de pena fixada. Se se tratar
de inimputável, o prazo máximo será o grau máximo da pena cominada ao fato
praticado.

Assim, as medidas de segurança têm o prazo mínimo de um a três anos, e o prazo


máximo será, para o inimputável, o máximo da pena cominada ao tipo realizado, e,
para o imputável, o da pena aplicada e substituída. Se João, inimputável, cometeu
homicídio simples, o prazo máximo de duração da medida de segurança que lhe foi
imposta será de 20 anos. Se for reconhecida sua capacidade diminuída, e o juiz aplicar-
lhe uma pena de quatro anos de reclusão e substituí-la, em face da periculosidade e da
necessidade de tratamento, por medida de segurança, esta terá o prazo máximo de
duração de quatro anos.

Realizado o exame que constatou a cessação da periculosidade, ou expirado o


prazo máximo de duração da medida de segurança, será ela revogada, por decisão
fundamentada do juiz que, após o trânsito em julgado, expedirá a ordem para a
desinternação ou a liberação do sentenciado.

21.3.4 Extinção da punibilidade

Extinguindo-se a punibilidade do fato – a possibilidade de o Estado impor a


sanção ao agente – por qualquer de suas causas, estudadas adiante, a medida de
segurança já não poderá ser imposta e, se a extinção se der no curso da execução da
medida, ela não poderá continuar sendo executada. É a norma do parágrafo único do
art. 96: “Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a
que tenha sido imposta.”

“Se o Estado não tem mais o direito de punir, não podendo impor a pena, com
mais razão não deve impor ou executar a medida de segurança.”4

Não importa se a extinção ocorrer antes ou depois da sentença definitiva.

4 JESUS, Damásio E. de. Op. cit. p. 478.

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