Você está na página 1de 39

À minha mãe e ao meu pai, que estiveram sempre comigo,

e permitiram que alcançasse os meus objectivos. Obrigado.

Página | I
Gostaria de agradecer á minha orientadora, Cláudia Marisa, pela disponibilidade
e atenção prestadas mesmo em tempo de férias.
À minha mãe, à Daniela e à Luísa que me apoiaram e ajudaram a concentrar.
Ao Bruno pela disponibilidade e pelas imagens bem tratadas.
À Juliana Silva e à Anabela Lopes pelas agradáveis conversas.
Ao professor João Henriques e professora Maria Luís França que me incutiram o
gosto por esta disciplina, e a todos os outros que acompanharam o meu percurso
universitário como tutores, colegas e amigos.
Um grande Obrigado!

Página | II
RESUMO ANALÍTICO

Na descrição das características do aparelho vocal, procuramos explorar a


libertação das capacidades da voz para possibilitar um aumento da sua flexibilidade de
resposta aos estímulos que pode encontrar no trabalho de representação.

In the depiction of the vocal system characteristics, we try to explore how to


release the voice in order to obtain an increase of its flexibility to react to the
stimulation of the acting work.

Página | III
PREFÁCIO

Este trabalho tem como objectivo explorar um possível método a usar, pelo
actor, na passagem do texto à fala, ou seja, à acção. Partiu-se de um raciocínio baseado
nos conhecimentos adquiridos no seminário de Voz/Texto em confronto com os
exercícios de Cecily Berry em “Voice and the Actor”.
A maior dificuldade foi criar um método em si, pois estando a defender que o
uso da voz deve ser unicamente livre e que a aproximação ao texto se deve fazer através
de uma “vontade de dizer”, aquilo a que nos podemos referir são os problemas que
podem surgir e como ultrapassá-los através do pensamento. Assim, devido à quantidade
de problemas que podem existir e à especificidade que eles tomam em cada indivíduo, a
aplicação deste método pode carecer de apoio de alguém exterior ao trabalho que possa
identificar as dificuldades que nele decorram. Por essa razão, permitimos que o trabalho
abordasse o tema de um modo geral e apresentamos exemplos práticos, mais
detalhados, para a compreensão dos conceitos expostos.

Página | IV
ÍNDICE

Dedicatória……………………………………………………………………….I
Agradecimentos………………………………………………………………….II
Resumo Analítico ............................................................................................... III
Prefácio ............................................................................................................... IV
Índice ....................................................................................................................V
Índice de Ilustrações ........................................................................................... VI
Introdução ............................................................................................................. 1
Capítulo I - O Aparelho fonador ........................................................................... 2
Capítulo II – O uso de uma voz livre .................................................................... 5
II.1. - A Voz do Indivíduo ................................................................................ 5
II.2. - A Voz do Actor ....................................................................................... 6
II.2.1 - Postura e Relaxamento ..................................................................... 8
II.2.2. – Respiração ....................................................................................... 9
II.2.3. - Cordas Vocais ................................................................................ 10
II.2.4. - Pontos de foco da voz (uso dos ressoadores)................................. 11
Capítulo III -A vontade de dizer ......................................................................... 14
Capítulo IV – Diário das aulas do Seminário Voz/Texto ................................... 22
25 de Setembro ........................................................................................... 22
26 de Setembro ........................................................................................... 24
2 de Outubro ............................................................................................... 25
4 de Outubro ............................................................................................... 26
5 de Outubro ............................................................................................... 27
Conclusão ........................................................................................................... 28
Posfácio............................................................................................................... 30
Bibliografia ......................................................................................................... 33

Página | V
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1 - aparelho fonador 2


Ilustração 2 - representação esquemática da laringe 3
Ilustração 3 - representação esquemática de um corte lateral da cabeça 4
Ilustração 4 - postura vertical e sentada 8
Ilustração 5 - corte sagital da laringe 10
Ilustração 6 - laringe (vista superior) 10
Ilustração 7 - pontos de foco da voz 12
Ilustração 8 - boca (ressoadores à frente e atrás) 12
Ilustração 9 - ressoadores da cabeça 12
Ilustração 10 - caixa torácica (ressoadores do peito) 12

Página | VI
INTRODUÇÃO

“ A voz é consequência de um pensamento que quer ter som!”

João Henriques

No decorrer de um ano de licenciatura em estudos teatrais e na perspectiva da


partida para a profissionalização, tornou-se necessário no trabalho da representação
definir um caminho a seguir e um método a utilizar.
De entre os seminários que frequentei, o de Voz/Texto com o professor João
Henriques seguiu por linhas de trabalho com as quais me identifico. Trabalhámos a voz
e a aplicação desta à leitura de um texto e sua consequente representação.
Neste trabalho vamos tentar desenvolver um método de aproximação ao texto e
à personagem com base nos conhecimentos adquiridos no seminário, confrontando-os
com as técnicas de Cecily Berry apresentadas no seu livro “Voice and the Actor”
(1973). Cremos que este possa ser um método útil ao actor devido á ligação intima entre
texto e voz, uma vez que esta é o suporte mais directo por onde o texto é comunicado ao
espectador.
O trabalho inicia-se com o estudo do aparelho vocal e do seu uso, defendendo
que o actor não deve trabalhá-lo para atingir um certo estilo de voz, mas sim para o
libertar, permitindo a produção de um som que aproveite as potencialidades do seu
corpo. Na aproximação ao texto, vamos encontrar um ponto de partida comum à voz e
ao texto – o pensamento – e perceber como este pode influenciar e ajudar na passagem
do escrito ao falado através da “vontade de dizer”.
O trabalho está dividido em quatro capítulos: o aparelho fonador; o uso de uma
voz livre; a vontade de dizer; e diário das aulas do Seminário de Voz/Texto.

Página | 1
CAPÍTULO I - O APARELHO FONADOR

O aparelho fonador é o conjunto de órgãos do ser humano que intervêm na


produção do som. Deste aparelho fonador fazem parte:

Ilustração 1

Produtores - São os pulmões, os músculos abdominais, o diafragma, os


músculos intercostais e os músculos extensores da coluna vertebral. Ao contraírem-se
produzem a coluna de ar que vai pressionar as cordas vocais fazendo-as vibrar. A
maioria dos sons que conhecemos é produzida deste modo, sob a expiração, sendo a
inspiração um momento de pausa.

Vibradores - São as pregas vocais situadas na laringe. Quando em relaxamento


permitem a passagem do ar, sem som, para a respiração. Para a produção do som as
Página | 2
pregas vocais contraem-se e vibram com a passagem forçada do ar. Existem dois tipos
de pregas na laringe com diferentes funções: as pregas vocais, situadas a um nível
inferior que produzem o som; e as pregas vestibulares, situadas por cima das vocais que
têm a função de defesa do organismo. São estas últimas que fecham quando os
alimentos conseguem atravessar a epiglote para os pulmões ou quando a coluna de ar da
expiração é tão forte que pode prejudicar o funcionamento das pregas vocais.

Ilustração 2

Ressoadores - são a faringe, a cavidade bucal, e a cavidade nasal. Estes órgãos


ampliam o som e conferem-lhe as suas características sonoras (timbre). Fazem-no
através da forma que adoptam para cada som e através do material que os constitui (por
exemplo, os dentes conferem ao som características diferentes das do palato mole).

Articuladores - são a língua e os lábios. Conforme a forma que tomam e os


obstáculos que criam ao som já formado, articulam-no e dão-lhe sentido, dando origem
aos vários sons que constituem, no caso do ser humano, a linguagem e transmitem o seu
pensamento.

Página | 3
Ilustração 3

O próximo conjunto de órgão não faz parte do aparelho fonador, mas a sua
inclusão aqui é útil ao trabalho do actor, uma vez que este deve procurar ter a melhor
percepção do som que produz, como será desenvolvido no CAPITULO II 2.3

Sensor/Coordenador - são o ouvido e o cérebro, que captam, seleccionam e


interpretam o som. Deste modo interpretam não só o som em si, mas os pensamentos de
outro indivíduo.

Assim, de um modo geral, e de acordo com a Acústica (ciência que estuda o


som), para a produção de um som é necessário:

Fonte de Energia - Aquilo que movimenta uma massa de ar que dá origem, no


caso do ser humano, à produção da fala – Produtores;

Fonte Sonora - Um corpo que vibra, transformando a passagem de ar em ondas


sonoras – Vibradores;

Ressoador - Corpo onde se modela o som conferindo-lhe certas características


tímbricas – Ressoadores;

Página | 4
CAPÍTULO II – O USO DE UMA VOZ LIVRE

II.1. - A Voz do Indivíduo

A voz humana revela bastante sobre o carácter ou personalidade de um


indivíduo não só pelo modo como este usa a linguagem, mas também pelo seu tom,
timbre e ritmo. A nossa voz revela também muito acerca do modo como enfrentamos
várias situações. Para além das palavras, exprimimo-nos pela intensidade ou altura da
nossa voz quando nos rimos, choramos, ou zangamos (cfr. READER’S DIGEST, 1991,
p.364).

Assim, segundo BERRY (1973, pp.7 e 8) existem vários factores que


influenciam o desenvolvimento da voz, tais como:

O ambiente – Durante a infância aprendemos a falar, inconscientemente. Como


refere ALVES (2003, p.82), “(…) ninguém sabe como a linguagem foi ensinada nem
como ela foi aprendida.”. Aprendemos devido às necessidades que temos e porque
somos influenciados pelos sons que ouvimos; captamos o tom e forma da fala dos que
nos rodeiam.

A audição – Diz respeito à percepção do som. Algumas pessoas ouvem sons


mais distintamente que outras. Ao ter uma melhor percepção do som, estamos abertos
para um maior número de notas na voz e diferentes entoações das mesmas.

A agilidade Física – Diferentes pessoas têm diferentes graus de liberdade e


consciência muscular. Isto deve-se em parte ao ambiente onde estão inseridas, mas não
só, pode ser uma característica da sua personalidade. Por exemplo e citando READER’S
DIGEST (2003, p.364), “… uma mulher jovem que tenha sido educada para ser
amável, generosa e conformada pode adquirir uma voz colocada num timbre elevado,
mas com um tom suave e agradável. Portanto ela poderá achar extremamente
complicado – se não impossível – ser levada a sério quando exprime emoções mais

Página | 5
“dominantes”.”. Isto porque os músculos do seu aparelho fonador se encontram
“viciados” em certas posições e movimentos e a sua agilidade está limitada.

A personalidade – É à luz da personalidade que se interpretam os três factores


anteriores. Começamos a descobrir o som na infância através da imitação, mas é a nossa
reacção emocional à família, o nosso grau de sensibilidade ao som, a nossa necessidade
individual de comunicar e a facilidade em fazê-lo, que são os factores que contribuem
para a evolução da nossa voz e discurso. Também ligado à personalidade está o
empenho em comunicar através da fala. Quanto menor essa determinação, menos
firmemente se usará os músculos. Tem que se ligar a intenção mental com a acção física
da fala.

Tudo o referido até aqui aplica-se ao indivíduo em geral e não são factores
limitadores, a não ser nalguns casos muito particulares. No entanto, o actor tem que ter
em conta que deve ampliar as possibilidades de uso da sua voz, e estes factores passam
a ser uma das suas preocupações.

II.2. - A Voz do Actor

Uma vez que vamos tratar da voz do actor, temos de nos focar não só no
processo vocal em si, mas também no objectivo deste no teatro. Encarando o teatro na
sua globalidade, como fenómeno complexo que é, e não na sua dimensão simplesmente
literária ou textual, implica que o encaremos como fenómeno comunicativo. Cada peça
transmite uma mensagem, cujas peculiaridades lhe conferem o estatuto de “mensagem
estética” (cfr. BARBOSA , 1982, p.30). Assim sendo, o actor tem um papel
fundamental nesta comunicação, ainda que todos os outros elementos de uma produção
teatral contribuam para isso, mas, citando BARBOSA (ibid., p.31) “(…) na sua
manifestação mais simples, o teatro reduzir-se-á necessariamente a um actor e um
espectador – um ser humano diante de outro ser humano.”. Embora o actor possa
comunicar através de todo o seu corpo, e fá-lo de facto, é através da fala que dá
indicações específicas sobre o que sente e o que faz. Mas, não são apenas as palavras

Página | 6
que transmitem uma mensagem, a voz do actor/individuo em si também tem valor num
discurso. Muitos actores, durante o seu treino vocal, embrenham-se em exercícios que
pretendem colocar-lhes a voz no sítio certo, a articulação no ritmo adequado e o tom ao
nível pretendido para a representação.

Mas existe algum tom certo de representação?

REMÉDIOS (1908, p.362) faz-nos crer que sim, que há características que têm
de ser adquiridas:

“(…) O primeiro instrumento da pratica he a voz, & para essa ser engraçada no
fallar há de ter estas propriedades. Ser clara, branda, chea, & compassada,
porque a voz escura confunde as palauras, a áspera, & seca, tiralhe suauidade,
a muito delgada & feminina faz impropria a acção do que falla, a muito
apressada empeça e rouolue as razões que per si podem ser muito boas; não
trato nas que a natureza inhabilitou para esta perfeiçaõ, como há a voz do gago,
do cisioso, & do rústico grosseiro; mas na do cortesão tomara eu estes atributos
(…)”

Diríamos que não. Não existe uma maneira correcta de falar, como diz PETER
BROOK (in BERRY, 1973, p.1) “ There is no right way – there are only a million
wrong ways (…)”.

Temos um instinto saudável que se rebela contra exercícios que pretendem


formar uma voz. Em algumas partes do mundo, as pessoas ainda cantam pelo prazer de
cantar e dançam pelo gozo de dançar, sem fazerem treinos físicos nem de canto,
enquanto os seus músculos e cordas vocais realizam infalivelmente o que é esperado
delas. (cfr. PETER BROOK in BERRY, 1973, p.1). Nesta perspectiva, o tom natural do
ser humano será justo para a representação. O actor deve então usar uma voz livre e
uma musculatura activa e disponível. Deve comunicar sendo é motivado pelo seu
pensamento e pelas suas emoções, actuar reagindo às situações e não baseando-se
apenas na técnica. Essa liberdade permite um tom de voz, diferente em cada indivíduo,
com cores totalmente distintas, mas que transmite o pensamento com maior verdade.

Acontece que cada um de nós sofreu as várias alterações já mencionadas. O


actor tem, então, que se libertar de todos os entraves à produção de um som natural,
Página | 7
sendo considerado natural o som que aproveita todas as potencialidades do corpo onde é
produzido e do local onde se instala e propaga. O actor tem de se centrar não em como
fazer os músculos produzir um som controlado, mas sim em como permitir à
musculatura originar um som adequado (cfr. PETER BROOK in BERRY, 1973, p.1).
Exercícios puramente técnicos para a voz nunca serão suficientes para o actor. O actor
tem de encarar a fala como a parte de um todo; como uma mensagem que parte do seu
pensamento e das suas necessidades individuais.

Mas onde nos devemos focar para que o trabalho sobre a libertação da
musculatura e o uso desta promova um aproveitamento de todos os recursos corporais
de que dispomos para a produção vocal?

II.2.1 - Postura e Relaxamento

Não conseguimos expor exaustivamente este assunto devido à extensão dos


conhecimentos existentes. De modo geral, e segundo FELDENKRAIS (1972, p.93),
qualquer postura é aceitável como correcta desde que siga a seguinte regra: a estrutura
esquelética deverá contrapor-se à força da gravidade, deixando os músculos livres para
o movimento. O esqueleto deverá manter a posição do corpo sem uso de energia, de
modo que os músculos possam estar relaxados para
exercer movimento quando necessário, e não em
contracção para suportarem o peso do corpo em vez
do esqueleto.

Claro que esta regra não é taxativa e é muito


geral, uma vez que existem músculos que nunca estão
em relaxamento completo. Existem músculos que têm
um trabalho constante. O que se pretende nesta
postura é o que LESSAC (1997, p.46) chama de
“active rest”, ou seja, relaxamento activo. De acordo
com FELDENKRAIS (ibid., p.94), existem músculos

Página | 8

Ilustração 4
antigravitacionais que mantêm, por exemplo, a posição da cabeça, que actuam
inconscientemente, mas devem fazê-lo apenas com o dispêndio de energia exacta para
manter a verticalidade. O que acontece é que, por vezes, esses músculos estão em
contracção desnecessária no indivíduo. Essa contracção deve ser detectada e diminuída
até ao nível essencial. O corpo do actor deve estar sempre pronto para agir e mudar o
seu estado, seja física ou vocalmente.

II.2.2. – Respiração

A respiração está intimamente ligada à postura, pois os músculos que sustentam


o tronco são aqueles envolvidos na mesma, ou seja, os abdominais, intercostais e
extensores da coluna. Podem assim considerar-se vários tipos de respiração consoante
os músculos utilizados. São eles a respiração peitoral, abdominal e intercostal.

Respiração peitoral – Usa somente os músculos do peito; dá-se na parte


superior do peito não usando toda a capacidade dos pulmões.

Respiração abdominal – Usa apenas a parte mais inferior do tronco e é apoiada


pelo diafragma.

Respiração intercostal – Usa a toda a parte inferior da caixa torácica.

A respiração mais adequada para o actor será aquela que lhe fornece uma maior
quantidade de ar e lhe permite um grande controlo sobre o fluxo da coluna de ar. A
melhor combinação será usar a respiração abdominal aliada à respiração intercostal.

E como usar esta combinação de respirações?

Aplicando o estudado e verificado no seminário de Voz/Texto, leccionado pelo


professor João Henriques, no ano lectivo de 2006/07, estes dois tipos de respiração
devem ser usados segundo um princípio de forças complementares, isto é, depois de
encher os pulmões de ar nestas duas zonas, os músculos abdominais devem empurrar a
coluna de ar para cima, enquanto os músculos intercostais mantém a sua posição

Página | 9
contrariando a coluna de ar. Esta acção vai deixar um espaço mais reduzido à
movimentação de ar permitindo maior controlo (cfr. LEHMANN, s.d., p.9) (Em termos
visuais imaginemos um balão cheio de ar que é libertado com o bucal aberto. Como o ar
dentro do balão está sobre pressão ele vai procurar diminuir essa pressão saindo pelo
bucal. Mas, sendo que o ar aplica pressão sobre a borracha do balão, esta exerce uma
reacção contrária dirigida para o centro. Então o ar dirige-se primeiro para o centro e sai
depois pelo bucal. Se o ar saísse de todas as direcções simultaneamente para o bucal, o
seu fluxo seria demasiado para a sua passagem estreita, danificando-o.)

II.2.3. - Cordas Vocais

No ser humano, a fala e outros sons são produzidos por duas tiras de tecido
muscular elástico e resistente, esticadas na abertura da laringe. São as cordas ou pregas
vocais.

Ilustração 5

Ilustração 6

Quando a coluna de ar produzida no tronco atravessa a laringe encontra duas


possibilidades: a passagem pode estar desimpedida, ou seja, as pregas vocais estão
Página | 10
recolhidas e trata-se do processo da respiração; ou as pregas vocais podem estar quase
fechadas e vibram à passagem do ar produzindo ondas sonoras (cfr. TORTORA, 1997,
p.409). A quantidade de ar que chega à laringe e atravessa as pregas vocais, no caso da
fala, deve ser controlada para, como já vimos, ser somente a mínima necessária para as
fazer vibrar. Há uma tendência para aumentar a coluna de ar para obter um aumento na
intensidade do som (quantidade de ondas sonoras, vulgarmente chamado de volume), o
que é um erro, pois para haver um aumento na quantidade de ondas sonoras deve haver
maior quantidade de material em vibração, pelo que a intensidade do som está
dependente da porção da massa das pregas vocais em vibração e dos ressoadores
envolvidos na reverberação e projecção do som. Quando isto não se verifica e a
quantidade de ar ultrapassa a necessária para a produção do som, o organismo usa outro
par de pregas, situado acima das pregas vocais - as pregas vestibulares - que têm como
função proteger o organismo. Estas fecham quando algum alimento se dirige
erradamente aos pulmões e ainda quando a coluna de ar é prejudicial aos tecidos que
constituem as pregas vocais. (cfr. ibid., p.409)

II.2.4. - Pontos de foco da voz (uso dos ressoadores).

“Ressoador é todo o corpo que entra em vibração quando se lhe aproxima outro
em estado vibratório” (COSTA, 1989, p.1442). E, como já vimos, existem vários
ressoadores no aparelho fonador aos quais o som pode ser dirigido de modo a transmitir
diferentes propriedades de som.

Para ajudar no estudo e na percepção da posição dos ressoadores e do seu uso,


criaram-se pontos imaginários para onde se pretende dirigir o som. São os pontos de
foco da voz. Os quatro principais são conhecidos por: Cabeça, Peito, à Frente e Atrás.
Podem criar-se quaisquer outros conforme as necessidades do estudo e produção vocal.

Página | 11

Ilustração 7
1. Frente –Usa como ressoadores os dentes, o palato duro e a língua na articulação.
Produz um som claro e aberto e por ser um ponto de articulação
deve estar sempre presente no uso da voz.

2. Atrás – Usa como ressoadores o palato mole, a orofaringe e a


úvula. Produz um som mais menos definido e cavernoso, mas mais
amplo. É útil quando aliado á zona da Frente pois amplia o som ao Ilustração 8
aumentar o espaço de ressonância.

3. Cabeça – Usa como ressoadores a testa e a cavidade nasal


(nasofaringe). É onde ressoam os harmónicos mais agudos e nos
homens o falsete. Produz um som mais leve e serve para

trabalhar a extensão da voz (aumento do número de frequências Ilustração 9


que se consegue produzir).

4. Peito – Usa como ressoadores a laringe, a parte anterior da língua e o


peito(principalmente as costelas). Tem a função de encorpar o som,
produzir um som mais cheio (maior espectro de frequências, ou mais
harmónicos) e mais vibrante. Serve também para trabalhar a Ilustração 10
extensão da voz.

Página | 12
Como deve o actor usar estes pontos de foco da voz?

Analisando as características de cada um destes pontos podemos concluir que:

• Movimentos na horizontal, ou seja, entre os pontos à Frente e Atrás, fazem


variar o timbre da voz sem alterar o tom (ou frequência). Sendo o ponto da
Frente um local de articulação é absolutamente necessário, no caso do actor, que
ele se encontre presente durante toda a fala. Mas, em teatro o som deve ser
amplificado para preencher todo espaço de representação. Então o ponto Atrás
deve ser usado para actuar nesse sentido e também para encher e suavizar o som.
Portanto, o actor deve permitir uma abertura da cavidade bucal de modo a que o
som atinja os dentes e possa ser articulado pelos lábios e língua, mas deve
manter o palato mole e orofaringe retraídos de maneira a obter um grande
espaço de ressonância para aproveitar melhor a projecção do som. O ideal será
encontrar um termo médio entre estes dois pontos.

• Movimentos na vertical, ou seja, entre os pontos da Cabeça e Peito, são usados


para apoiar as variações do tom da voz. Mas, uma vez que as cordas vocais
conseguem variar a frequência do som que emitem, em que podem ser usados
estes ressoadores? Na melhoria das qualidades tímbricas do som, e na criação de
uma ligação entre todos os tons. De um modo simplificado, os sons agudos são
ressoados na Cabeça e adquirem uma qualidade mais suave e leve, enquanto que
os sons graves ressoam no peito e adquirem uma qualidade mais cheia e
vibrante. São qualidades quase opostas, que tornariam o cantar de uma escala
muito diferente nas características da voz para cada nota. Que pode o actor
fazer? Se o actor ao cantar/dizer uma nota aguda permitir que o som se instale e
ressoe também no Peito, este vai adquirir características mistas, o mesmo
acontece se direccionar o som de uma nota grave para o ressoador da cabeça.
Deste modo pode adquirir uma consistência semelhante em todo o espectro da
sua voz.

Depois de dominada estas técnicas, o actor pode então usá-las ou não consoante
o efeito que pretende, pois vai dispor de maior flexibilidade vocal para dizer um texto.

Página | 13
CAPÍTULO III -A VONTADE DE DIZER

Até aqui encarámos a voz como um instrumento isolado, muito embora


tenhamos detalhado o processo da sua produção. Acontece que não atribuímos nenhum
significado ao som, ou seja, à voz. Uma vez que estamos a tratar da voz do actor,
voltamos a ter de pensar no seu objectivo, que é transmitir uma mensagem, as ideias
escritas de uma personagem. Na tentativa de explicitar esta vontade de dizer, vamos
seguir um raciocínio que terá como conhecimentos base os adquiridos na formação de
Voz/Texto, com o professor João Henriques em confronto com o livro “Voice and the
Actor” (1973) de Cecily Berry.

O importante na voz do actor é aquilo que ela comunica, seja pelo tom ou
linguagem que usa. Isto pode levar à questão “Porquê então, toda a descrição anterior
sobre o seu uso enquanto apenas produtora de sons sem significado?”. Mais uma vez
reforçamos que defendemos que o actor deve ter uma voz natural, que potencie todos os
seus recursos. Ela deve poder responder a qualquer estímulo ou texto criando surpresa
pela sua naturalidade. As técnicas do uso da voz aqui defendidas não são técnicas para
serem usadas na produção da voz em palco, mas sim no treino do actor. São, aliás,
técnicas de optimização da voz e não de produção da mesma. Isto porque depois de
libertas todas as capacidades vocais do actor, este não terá mais de pensar em como
colocar a voz para que ela saia como pretende, esta deverá surgir, do mesmo modo que
um ciclista de competição não tem de pensar, a meio de uma corrida, como pedalar para
aumentar a velocidade em determinado momento; ao pensar em acelerar o seu corpo
deve assumir todas as posições e estratégias que já treinou para esse efeito.

O actor usa a sua voz para dizer um texto. Mas o texto tem já em si um
significado literário. Então a voz do actor serve apenas como suporte sonoro para a
transmissão de uma mensagem textual? A resposta é, claramente, “Não!”. Nesse caso
tratar-se-ia apenas de uma leitura, ainda que até esta acrescente algo a um texto pelas
inflexões e acentuações que podem ser feitas. O actor representa a “personagem
escrita”, ou seja, torna-a presente, reproduz a sua imagem, faz o seu papel (cfr. COSTA,
1989, p.1434). Podemos dizer que o leitor apenas transmite a vontade escrita de alguém,

Página | 14
mas o actor defende a personagem, seja concordando com ela e apoiando-a ou
assumindo o seu papel, incorporando-a, reproduzindo-a na sua própria imagem. Sendo
assim, o actor completa as palavras escritas com aquilo que lhes era inerente antes de
passar ao papel, a acção (considerando acção como tudo o que se faz, ou seja, acção
física, produção vocal, pensamento). Ele torna real o efeito comunicativo. Em
consequência disto, conclui-se que o texto e as acções do actor estão intimamente
ligados pois fazem parte da transmissão de uma mesma ideia.

Mas o que deve fazer o actor para incorporar uma personagem? No texto escrito
não está presente o tom de voz, a energia de cada fala ou as acções físicas da
personagem. As possibilidades são infinitas. Aqui começa o trabalho do actor, nas
escolhas que faz para cada momento da representação. Não vamos debruçar-nos sobre
as escolhas do actor e sobre o que será uma interpretação correcta, uma vez que não
pretendemos criar novas concepções sobre a função do actor e seu relacionamento com
a personagem. Queremos propor uma estratégia de aproximação à personagem através
da voz, e analisar o seu relacionamento e ligações com o texto a partir daí, uma vez que,
no teatro, o texto não pode ser dissociado da voz que o transmite.

E porque cremos que a relação voz/texto será um bom ponto de partida para o
trabalho do actor nas escolhas para a personagem e consequente representação segundo
as mesmas? O texto de uma personagem é o registo daquilo que ela pensa. O total das
suas falas no decorrer de uma peça revela os seus objectivos e aspirações, e uma
determinada passagem determina o seu pensamento nesse momento estando este
relacionado com os seus objectivos principais (quer dizer que, segundo os seus
objectivos a personagem pode pensar o que está a dizer ou pensar uma coisa e dizer
outra, é sempre necessário analisá-la completamente). E se o texto é o registo, o som é o
modo de transmissão destas mesmas coisas. Citando João Henriques “A Voz é
consequência de um pensamento que quer ter som!”. Juntando a isto o facto de que,
como já vimos, a voz revela bastante sobre o carácter e personalidade do indivíduo e até
da maneira como ele enfrenta determinadas situações, percebemos que a voz e o texto
têm uma origem comum. O actor tem então de perceber os objectivos da sua
personagem durante a peça e durante cada cena, procurando reduzir isso aos objectivos
de cada frase ou palavra. Nesta fase de análise e interpretação do texto deve

Página | 15
criar/escolher imagens que construam toda a linha de pensamento da personagem
durante a peça. São as suas escolhas. Acreditamos que só agora é que o actor pode
iniciar um trabalho de voz realmente eficiente. Só agora pode atribuir características
vocais específicas e únicas ao texto e consequentemente trabalhar a personagem e não
as suas capacidades de leitura. Se o fizesse antes desta análise estaria a trabalhar a voz
sem procurar transmitir uma mensagem específica, confundindo a energia da sua voz
com a energia do texto, algo que analisaremos mais adiante.

Uma vez feito todo o trabalho teórico de análise textual, o actor inicia o trabalho
prático sobre o texto de pesquisa e análise vocal. Aqui acontecem dois processos
simultâneos que não podem ser dissociados: a produção vocal e a audição. O actor diz o
texto e ouve-se dizê-lo. Vamos começar pela audição, pois a produção vocal está, de
certo modo, dependente desta. Segundo BERRY (1973, p.123), um dos factores mais
importantes no uso completo das capacidades da voz é a audição, pois a precisão com
que se ouve está directamente relacionada com o modo como respondemos vocalmente.
Quando diz o texto, o actor cai muitas vezes no erro de negligenciar a audição, pois o
seu pensamento está focado em como deve soar o texto que vai dizer a seguir ou naquilo
que vai fazer, antes de ter descoberto o que está realmente a dizer e o que o texto pode
conter. É quando no senso comum se diz que o actor está a debitar texto, pois ao estar
concentrado no que se segue, e não no que se lhe apresenta, descura o significado das
palavras. Foi essa a razão que nos levou a incluir no CAPÍTULO I do presente estudo o
conjunto dos órgãos sensor/coordenadores como fazendo parte do aparelho fonador,
pois ao dizer um texto o actor deve permitir que o processo vocal se conclua ouvindo e
analisando o som e palavras que produz.
A não ser que o actor se permita ouvir as possibilidades que estão incluídas nele
(os seus conhecimentos, vivência, personalidade, sensibilidade, etc.) e no texto, e a não
ser que o actor dê tempo para que essas possibilidades o afectem, o resultado vocal vai
ser sempre previsível, pois o ponto de partida é sempre o mesmo, o actor em si.
Também na relação com outras personagens deve estar completamente disponível para
as ouvir e permitir que isso o afecte de algum modo. Assim, com esta abertura ao som, é
que a voz responde livremente e naturalmente podendo criar alguma surpresa (cfr.
ibid.).

Página | 16
Seguindo o que diz BERRY (ibid., p.130), na produção da voz o primeiro
obstáculo com que o actor se depara é a dimensão, melhor dizendo, a dimensão do local
que tem de encher com som, as suas dimensões corporais e a dimensão emocional da
personagem.

Comecemos com o local onde se pretende representar. Ultrapassar esta


dificuldade é normalmente uma questão de experiência e de uma boa avaliação das
dimensões do espaço. Mas sabendo que “Um ressoador é todo o corpo que entra em
vibração quando se lhe aproxima outro em estado vibratório” (COSTA, 1989, p.1442),
o actor pode dirigir a sua voz ao chão da sala aproveitando as suas capacidades
reflectoras de som (escolhemos o chão por este ser a parte da sala que lhe é mais
próxima). Ainda assim, o actor deve experimentar vários pontos do espaço onde focar a
sua voz até encontrar aquele que é mais favorável à propagação do som. Depois deve
tentar alcançar este ponto em qualquer posição e a partir de qualquer direcção. Uma vez
adquirida a capacidade de projectar o som no espaço, deve tentar fazê-lo com o texto. A
capacidade de encher um espaço com palavras tem a ver não só com o tom e volume,
mas também com a precisão da dicção, o ritmo e a colocação da palavra. Quanto maior
o espaço mais tempo será necessário para que o som chegue ao final da sala, sendo
necessário um ritmo mais lento, e quanto mais lenta é a palavra mais energia é
necessária na dicção das consoantes para que estas dividam o som. E há um aspecto
essencial, a “vontade de dizer”. Se a concentração do actor não o abarcar somente a ele
mas também a toda a audiência e se este desejar comunicar aquilo que está a pensar, o
público será atraído a ouvir e a voz ganha vida, passa a comunicar uma mensagem e não
apenas a transmiti-la. (cfr. BERRY, 1973, p.130)

Em relação às dimensões do actor pretendemos apenas dizer que este não deve
forçar a sua voz para obter determinada ressonância. Por exemplo, um actor de pequena
estatura que representa uma personagem com um cargo de muita importância, pode ter a
tendência para forçar ressonâncias peitorais sentindo uma falsa sensação de poder, em
vez de procurar as suas ressonâncias peitorais naturais. O efeito desse erro é retirar
flexibilidade à voz. E quase sempre o público consegue notar quando isto acontece. A
voz torna-se mais monótona, não corresponde ao corpo de onde está a ser produzida e a
assistência vai ouvir uma voz, por exemplo, autoritária em vez de sentir autoridade nas

Página | 17
palavras e na mensagem que o actor pretende comunicar. O actor deve procurar sempre
em si o som que pretende. Se tem de ser autoritário deve encontrar a sua voz autoritária,
isso fará com que a sua energia seja dirigida ao texto e àquilo que ele comunica e não
dirigida à produção da sua voz. Mais uma vez é a vontade de comunicar, neste caso
autoridade, que focará a sua energia em ser autoritário através de texto, e não em
parecer autoritário, como acontece quando o actor tem de o ser em determinado
momento, mas não encontrou a vontade de dizer o seu texto.

Por fim, o maior desafio do actor é adaptar-se às dimensões emocionais de uma


personagem. É incorporar os seus pensamentos e emoções, principalmente quando esta
se trata de uma personagem clássica ou de grande tamanho emocional. Devido à pressão
colocada sobre o actor, pode acontecer que ele caia no erro de não procurar em si como
encher esse espaço. A maior parte das vezes tenta dar força à personagem aumentando o
volume de som, destacando-a das outras. Ao fazer isto perde inevitavelmente a
argumentação e a concepção específicas da personagem, que são o seu “tamanho”. Esta
dimensão deve ser encontrada através das ideias e emoções particulares da personagem,
ou seja, na prática, através das palavras que são usadas. O actor deve trabalhar sobre o
texto, e a melhor maneira de o fazer é não começar por impor estados de espírito a
determinadas passagens, mas ler calmamente e explorar a riqueza do texto, deixando-se
afectar aos poucos por aquilo que está a comunicar. Todas as variações no texto devem
ser feitas seguindo a sensibilidade ao mesmo. Por exemplo, um aumento de volume sem
sensibilidade pelo que vai ser dito apaga as subtilezas do texto e a flexibilidade da voz,
isto porque o actor deixou de pensar especificamente no que está a comunicar. Mas ao
deixar-se afectar pelo texto, pode levar ao perigo de se sinalizar o que se está a passar,
isto é, por exemplo, deixar que a voz saia sofrida quando a personagem sofre, o que
uma vez mais, tem a ver com o facto de o actor não conseguir distinguir as suas tensões
pessoais das tensões da personagem. Se o sofrimento se encontra no texto, não é
necessário sublinhá-lo. Neste caso o actor estará a mostrar à assistência o que ela não
quer realmente saber, ou seja, o efeito dessa emoção no actor, em vez da razão que
levou a esse sentimento. Quando o actor não usa a sua sensibilidade para com o texto e
se refugia num género de produção vocal onde se sente confortável (falamos de
conforto no sentido pessoal e não no sentido físico), ele cria tensões corporais que lhe
são prejudiciais ao trabalho.
Página | 18
Como já vimos, a voz do actor deve estar livre de tensões. Para simplificar,
designaremos de tensões do actor, as tensões físicas que ele impõe sobre voz para obter
determinado efeito; e tensões da personagem, as tensões emocionais criadas pelo texto,
que podem levar a tensões físicas mas que são, regra geral, equilibradas não prejudicam
o trabalho da produção vocal. O actor deve aprender a distinguir estes dois tipos de
tensão, uma vez que as suas tensões devem ser eliminadas. Correndo o risco de repetir o
já escrito, a melhor maneira de lidar com estas tensões é ler o texto calmamente e
procurar que nenhum músculo se mexa involuntariamente, deixando que sejamos
afectados emocionalmente com ele. Não queremos dizer, de modo algum, que o actor
não deve mexer-se enquanto fala, mas este deve ser capaz de colocar toda a tensão da
personagem na voz e libertar-se de todas as suas tensões pessoais para que depois seja
livre de escolher que movimentos fazer. Se o actor não consegue dizer o texto sem se
tornar ele mesmo tenso, então limita-se à sua própria tensão não permitindo que a
tensão da personagem se instale. Então, ao forçar algum estado de espírito ou ao não
libertar as suas tensões, o actor reduz o texto às suas dimensões em vez de se expandir
para as do texto e da personagem.
Estes critérios, que aplicámos à exploração do texto e da dimensão emocional da
personagem aplicam-se também ao momento em que o actor explora a voz e a fala da
personagem diferenciando-a da sua. A transformação do actor em personagem deve
basear-se nas palavras e no ritmo da escrita, mesmo que isto o leve a uma maneira
diferente de falar, desde que daí não advenham tensões, como já referimos. Se o actor
quiser alterar a sua voz distorcendo-a ou colocando-a num sítio específico, estará a
limitar-se e, muito provavelmente, vai faltar-lhe simplicidade. Por exemplo, um actor
que coloque a sua voz no peito e em notas graves estará a limitar-se, até porque o facto
de usar notas graves não deve eliminar o uso de notas agudas, pois necessita destas para
contrastarem com as graves. Só se pode classificar uma nota de grave relativamente a
uma aguda, tal como acontece em muitas características da voz, por exemplo, a voz
suave de um homem pode parecer agreste comparada com a voz suave de uma mulher.
De novo, muito importante, é a vontade de comunicar. Se em vez de tentar sentir
o mesmo que a personagem o actor quiser comunicar o que a levou a sentir-se assim, o
público vai ver o sofrimento que estava contido no texto mas através das palavras que
explicam o porquê dessa emoção. Se não for esse o caso, o espectador apenas consegue

Página | 19
ver que um actor sofre pois é o que a sua voz demonstra, e não consegue captar o real
significado das palavras, uma vez que o actor não está a comunicá-las.

Segundo BERRY (1973, pp.76 e 77) há diversos pequenos erros na comunicação


do actor que podem ser corrigidos tecnicamente mas que na realidade, a maior parte das
vezes, se devem a falhas na relação entre o pensamento e a voz e na vontade de
comunicar. Por exemplo:

• Má dicção - Pode estar relacionado com falta de precisão no pensamento e na


imagem escolhida, ou com emoções generalizadas sem razão específica;

• Consoantes explosivas e discurso enfático - O actor sente que deve transmitir


correctamente uma mensagem, então exagera nos artifícios vocais descurando a
mensagem em si;

• Não finalizar correctamente as frases - Falta de concentração sobre a audição.


O actor está a apressar-se para a frase seguinte e descura ao ouvir o que está a
dizer nesse momento;

• Falta de mobilidade dos articuladores - Relutância em comunicar. Seja por


motivos pessoais ou porque não conseguiu entender determinada passagem, o
actor não tem realmente vontade de comunicar. Está relacionado com má dicção;

• Dizer apressadamente as vogais - Pode estar relacionado com uma óptima


audição em que o indivíduo consegue distinguir variações mínimas de tempo e
melodia da voz, mas também está relacionado com falta de compromisso para
com o texto e medo de mostrar emoção;

• Ar na voz - Provém do excesso de ansiedade. O actor deve guardar a sua


energia, ele pode ser vulnerável, mas não toda a representação apenas durante
alguns momentos;

• Ressonância a mais - Quando há um desequilíbrio nas ressonâncias, assim


como no volume significa que o actor está mais envolvido numa emoção geral
do que na razão orgânica que levou a essa emoção;

Página | 20
Vemos, deste modo, que, se o trabalho de análise do texto e de concentração em
palco for dirigido para a procura dos estímulos vocais e da mensagem que queremos
comunicar vamos beneficiar vocalmente em termos sonoros e em termos da transmissão
da mensagem. Ao encontrar a sua vontade de dizer algo, de partilhar algo, o actor
alcança uma maior naturalidade, tornando o seu discurso não só mais perceptível mas
mais real, e portanto, conquista a atenção do público. A reacção do público vai
corresponder àquilo pelo que o actor está a passar e não a uma observação estética de
um espectáculo. O actor conquista o seu lugar principal na produção teatral.

Página | 21
CAPÍTULO IV – DIÁRIO DAS AULAS DO SEMINÁRIO
VOZ/TEXTO

O diário aqui apresentado refere-se ao Seminário de Voz/Texto para a turma de


Licenciatura em Estudos Teatrais foi ministrado pelo professor João Henriques, durante
5 dias, entre 25 de Setembro e 5 de Outubro do presente ano. Foi a continuação de um
trabalho desenvolvido nos 2º e 3º anos de Bacharelato com o mesmo grupo de alunos. A
sua função foi, além reavivar conhecimentos já estudados e conceitos já adquiridos,
trabalhar a junção do treino vocal com a leitura, abordando a representação de um papel.

25 de Setembro

Começámos por trabalhar o corpo e a voz, recordando, na prática, as ligações


existentes entre ambos, ou seja, a postura, o relaxamento, a respiração e a articulação.

Passámos à abordagem do texto. Colocou-se a questão: “O que faz activar a voz,


da melhor maneira, para corresponder àquilo que o texto quer?”. Discutimos que, a voz
é consequência da acção de um corpo, portanto, o que a activa melhor é aquilo que
primeiramente activa o corpo, ou seja, o pensamento, sendo que também é o
pensamento de alguém que está registado no texto. Ao trabalhar a voz apenas como um
instrumento técnico, não estamos a dar o valor devido às palavras e aos seus
significados em detrimento apenas do seu som, então, as palavras tornam-se formais.

O professor João Henriques disse uma frase que, para o actor, deve estar sempre
presente durante o seu trabalho:

“A voz é consequência de um pensamento que quer ter som!”

Tendo em conta que o actor procura o pensamento de uma personagem, é-lhe


exigido que faça escolhas. Quer dizer que todo o trabalho de voz, assim como o de

Página | 22
interpretação, se baseia nessas escolhas, e impõe ao actor responsabilizar-se pelo seu
trabalho, pelo seu percurso e as opções tomadas.

Então, em termos esquemáticos, viu-se que as coisas a ter em atenção em relação


ao corpo quando se trabalha no domínio da voz, são: a postura, na sua essência um bom
alinhamento vertebral; a concentração e consciência (escolhas, atenção, pensamento
sobre o trabalho); e a respiração. Preparado o corpo e a mente, traça-se um objectivo e
parte-se para a acção. O objectivo destes pontos é manter uma consciência do corpo e
do que nos rodeia, para que não haja dispersão do trabalho numa fase em que o texto e
acção não estão ligados.

Fizemos um exercício ao qual demos o nome de “A Bolha”:

• Consiste em perceber o espaço que ocupamos numa sala. Imaginar que esse
espaço aumenta, como se uma bolha que nos pertencesse, à nossa volta, se
torna-se cada vez maior. Depois, falar de modo a encher essa bolha com som. O
objectivo é que no fim a bolha seja do tamanho da sala. Ao fazer o exercício não
se deve incorrer no erro de estar atento ao som produzido e tentar amplia-lo,
trata-se de imaginar que o som consegue viajar em todas as direcções nesse
espaço.

Com esse exercício, percebemos que usando correctamente os ressoadores do


nosso corpo, conseguimos que o som seja pluridireccional. E, para se conseguir
concretizar este exercício, é necessário libertar todo o sistema fonador e preparar
completamente o corpo para a produção de som.

Passámos ao registo de alguns conhecimentos, nomeadamente, o trabalho da


respiração. Como usar uma respiração completa (abdominal e intercostal). Devemos
trabalhar sobre a expiração, pois a inspiração é um momento de relaxamento, porque na
respiração abdominal a inspiração é automática e involuntária. Demos o nome de Set-up
a este conjunto de músculos, envolvidos na produção da coluna de ar. Chamámos
activação do Set-up à preparação consciente destes músculos para o controlo da saída do
ar. Recordámos que estes devem operar usando duas forças complementares. Os
abdominais empurram o ar para cima, e os músculos intercostais para baixo, de maneira

Página | 23
que o controlo do ar seja maior. Se ambos os músculos empurrarem o ar em direcção à
saída a quantidade de ar a passar pelas cordas vocais vai ser prejudicial.

26 de Setembro

Na continuação da aula anterior, continuámos o registo e discussão de alguns


conhecimentos. Através de exercícios práticos, chegámos à conclusão que para uma
produção correcta de voz, devemos ter em conta os seguintes tópicos:

• O maxilar deve estar relaxado;

• Devemos imaginar um tubo aberto no nosso tronco, ou seja, laringe, faringe e


boca desimpedidas;

• A tensão exercida deve ser apenas nos músculos abdominais e intercostais,


nunca nos do pescoço;

• Ao inspirar, abrir as costelas e não permitir que fechem ao expirar, criando uma
tensão complementar à dos abdominais que forçam o ar a sair;

• Imaginar que se está a abrir espaço na nuca (sensação de bocejo), com o


objectivo de recolher os ressoadores posteriores (palato mole, faringe e úvula),
para uma melhor projecção do som;

• Alinhar pontos posteriores das orelhas com pontos os ombros, para manter um
alinhamento vertebral de modo a libertar os músculos usados pelos ressoadores
para a função vocal, e não para sustentação da coluna vertebral.

Página | 24
2 de Outubro

Demos início à aula esquematizando a localização e função de cada órgão do


aparelho fonador.

(imagem)

Pulmões, brônquios e traqueia - Fornecimento do ar

Laringe (cricóide e tiróide) - Formação do som vocálico

Epiglote e faringe - Ressoadores e órgãos de articulação

Observámos que a relação entre fornecimento de ar e formação do som não é


proporcional, ou seja, que havendo mais ar a atravessar as pregas vocais não significa
que vá ser produzida uma maior intensidade de som. Esta última está relacionada com a
porção de massa das pregas vocais envolvida na vibração: maior porção da massa das
pregas envolvida na vibração origina mais som. Quando há ar a mais a atravessar a
laringe, ferem-se as pregas vocais, e as pregas vestibulares fecham totalmente e
bloqueiam a respiração. O controlo do Set-up vai diminuir a quantidade de ar que
atravessa a laringe, evitando que as pregas vestibulares fechem. Então, no momento do
início da produção do som, devem ter-se em conta os pontos já vistos anteriormente:

• Postura;

• Respiração completa (abdominal e intercostal);

• Activação do Set-up;

• Evitar a contracção das pregas vestibulares;

• Iniciar o som logo no seguimento da inspiração, pois esta é um momento de


relaxamento, e a retracção das pregas vestibulares e ressoadores dá-se
naturalmente;

Página | 25
Depois, introduzimos o tema da aproximação ao texto. Em discussão,
concluímos que, para um trabalho eficiente, o texto deve estar decorado, e as imagens
sugeridas por ele montadas numa espécie de filme mental, para evitar pensar no que se
vai fazer no momento seguinte e conseguir usufruir cada momento quando ele acontece.
Finalizámos este tema percebendo que o momento em que a representação acontece é
quando realmente pensamos sobre o que estamos a dizer.

O resto da aula foi dedicado a trabalho prático de leitura de alguns alunos.


Analisou-se, leu-se e debateu-se o trabalho efectuado para confirmar as conclusões
tiradas na primeira parte da aula.

4 de Outubro

Abrimos a aula com o estudo dos pontos de foco da voz:

(imagem)

1. Dentes, palato duro e testa (voz à frente)

O seu uso resulta num som claro e aberto. Propicia o melhor funcionamento dos
órgãos da articulação. Os pontos de articulação são os lábios, dentes, língua, palato duro
e mole. Por ser um ponto de articulação, tem de estar sempre presente no uso da voz,
pelo actor. A sua característica mais presente é a sua elevada projecção, ouve-se à
distância e com pouco som, até em sussurros (pode ser usado nos “apartes”). É a zona
mais importante.

2. Faringe, “nuca”, palato mole (voz atrás)

O seu uso resulta num som mais escuro, cavernoso e amplo de grande utilidade
quando aliado à zona 1, pois amplifica o som. No caso do canto ou dos vocalizos, o seu
uso deve ser misturado aos dos outros pontos à medida que a nota se torna mais aguda e
necessita de mais espaço de para ressoar.

3. Topo da cabeça, testa (voz de cabeça)


Página | 26
É usado para obter harmónicos agudos; nos homens usa-se para ressoar a voz de
falsete. A sua função é atribuir leveza ao som. Através do princípio das forças
complementares, torna os graves menos cavernosos. Serve para trabalho na extensão da
voz.

4. Peito, zona do externo (voz de peito)

A sua função é encorpar o som, especialmente os agudos, por terem menos


vibração no corpo, usando o mecanismo das forças complementares. Serve para
trabalho na extensão da voz.

Retomou-se o trabalho sobre os textos, por cada aluno. Na discussão final,


concluiu-se que todas as personagens têm uma necessidade. Sabem que a querem
satisfazer e cabe ao actor definir uma estratégia de percurso até à sua satisfação. Não
vale a pena pensar em fazer interpretação, mas deve-se gozar a estratégia da
personagem, amando uns, cumprindo ordens, roubando este, ajudando aquele… O que
se representa são as acções, não os sentimentos. Estes surgem das acções, o que nos leva
de novo às imagens. Não começar o texto com uma acção ou sentimento, mas com uma
imagem prévia do que aconteceu e isto levar-nos-á até ao resto.

5 de Outubro

Esta aula foi dedicada, na sua maioria, à apresentação de uma música por cada
aluno e trabalho da voz sobre a mesma e sobre a representação de um texto cantado.
Mas durante os pequenos intervalos feitos, observámos que uma vez começando a
trabalhar a voz através de uma personagem, não é só a mensagem que tem uma
componente de “vontade” para ser transmitida, mas a própria voz também. A nossa
vontade de encher o espaço irá projectar a nossa voz. Em termos técnicos, devemos
pensar em falar também para trás e para a periferia, e não pensar apenas em falar mais
alto. Pensar em aumentar o volume de som leva a colocar a voz à frente, agudizando-a e
a tirando-lhe, consequentemente, a expressão. Tudo deve estar tão claro no nosso
pensamento que acaba por passar na voz.
Página | 27
CONCLUSÃO

Através do estudo do aparelho fonador humano compreende-se que este se


encontra apto para produzir som e controlá-lo para comunicar o pensamento do
indivíduo. Mas, durante a vida, cada pessoa vai estar exposta a vários factores que vão
condicionar a produção da sua voz. São eles o ambiente em que vive, a audição que lhe
permite perceber a diferença entre os sons, a agilidade física do seu aparelho vocal que
lhe vai permitir controlá-lo e, por fim, a sua personalidade, a partir da qual reage aos
factores anteriores.
No caso do actor isto também se verifica, mas, de modo a poder obter uma
comunicação melhor em palco, ele deve libertar-se de todos os entraves à produção de
voz, procurando que esta seja o mais natural possível, ou seja, que aproveite todas as
potencialidades do corpo do indivíduo. O actor deve procurar não uma colocação
correcta e técnica da sua voz, sobrepondo-a às suas dificuldades vocais, mas sim uma
libertação das dificuldades para promover uma melhor reacção da voz aos impulsos
criados em cena.
Uma vez tendo a sua voz disponível para reagir ao texto, aos outros e às
emoções que vai sentindo, esta pode ser utilizada, pelo actor, na procura da personagem.
Ao perceber que o ponto de partida do texto e da voz são o mesmo – o pensamento -, o
actor pode trabalhá-lo no sentido de o querer comunicar, obtendo benefícios na
qualidade da produção vocal e na transmissão da mensagem do texto.

O presente estudo abordou esta temática de um modo geral, pelo que, alguns
problemas que o actor possa encontrar na produção vocal ou no trabalho de texto só
poderão ser corrigidos através de uma avaliação prática.

Depois de fazer esta análise, concluí que seria interessante desenvolver este
trabalho partindo da observação de um grupo de alunos, para assim especificar os
problemas que podem ocorrer e retirar conclusões práticas das vantagens do uso deste
método na aproximação ao texto.

Página | 28
Penso que este trabalho pode ser um ponto de partida para o estudo das
consequências da emoção na voz e como esta pode ser transmitida através dela. Poder-
se-ia acrescentar a este tema, noutro estudo, o uso do corpo, para assim ajudar na total
incorporação da personagem pelo actor.

Página | 29
POSFÁCIO

Depois de concluído o presente estudo, decidimos verificar junto de alguns


artistas a utilidade que este poderia ter para pesquisa ou até mesmo como um pequeno
manual de orientação no treino e trabalho de actor, e se este ia de encontro às ideias
partilhadas no meio artístico. Com esse objectivo, entrevistámos duas pessoas ligadas ao
teatro: uma actriz profissional com formação semelhante à do autor deste estudo, e uma
actriz amadora com profissão não relacionada com a área artística, de modo a conferir
até que ponto as suas ideias seriam coincidentes com as que aqui apresentamos.
Verificámos que em ambos os casos, sem conhecimento prévio do trabalho, ambas as
entrevistadas se mostraram de acordo as sugestões apresentadas. Acreditamos, portanto,
que um futuro desenvolvimento deste estudo poderia ser apresentado sob a forma de
manual de treino do actor. Apresentamos aqui alguns excertos das entrevistas:

Nome: Juliana Silva


Idade: 22 anos
Formação: Bacharelato em Teatro – Interpretação na ESMAE; Licenciatura em
Estudos Teatrais na ESMAE.

De um modo geral, em que termos pensa que a voz é importante para o actor?

A voz é muito importante para o actor. É uma forma de expressão tão válida como a
expressão corporal. A voz é, para mim, o meio de comunicação por excelência, que
canaliza todas as intenções e expressões do actor, nunca, é claro, desligada de um todo.

Acredita que a voz, para a representação, deve ter características específicas?

Não. O actor deve ter consciência da sua voz e deve desenvolver os seus potenciais.
(…)

Página | 30
Em termos de técnica vocal o que significa isso?

Penso que o actor deve encontrar uma técnica (…) e defendo que esta nunca deve
formatar ou castrar a procura constante de novas potências vocais. O actor nunca se
deve esquecer que aquele é o seu corpo e a sua voz.

A voz pode ser um ponto de partida na pesquisa da personagem? Porquê?

Sim, completamente. Aliás, experienciei isso na companhia do João Brites, n’O Bando.
Porque podes partir para a construção de uma personagem através de um objectivo
concreto, o que é essencial. Esse objectivo poderá ser uma exploração da voz que
afectará o corpo, a postura e as acções/reacções da personagem; ou invés uma parte do
corpo, que afectará a voz.

(…)

Nome: Anabela Lopes


Idade: 47 anos
Formação: Licenciatura em Português/Francês – via ensino; Mestrado em
Administração Escolar e Direito da Educação; Actualmente lecciona Língua Portuguesa
no 3º Ciclo do Ensino Básico e exerce vários outros cargos no âmbito escolar.

Podia falar-me um pouco da sua experiencia no teatro?

Comecei acerca de nove anos, mais para adquirir alguma técnica de leitura para ajudar
na escola no ensino aos miúdos, sobretudo aqueles que tinham dificuldade com a
compreensão do texto. (…) Já participei em alguns trabalhos, a maioria no CETA
(Centro Experimental de Teatro de Aveiro), mas já trabalhei no GRETUA (Grupo
Experimental de Teatro da Universidade de Aveiro) e com encenadores estrangeiros.
Tenho trabalhado ultimamente mais no teatro para infância.

(…)

Página | 31
De um modo geral, em que termos pensa que a voz é importante para o actor?

A voz é importante, é preciso ter uma boa dicção, uma boa projecção. (…) Acho que a
voz de representação não está em fazer imitações, nem em esganiçar a voz, se calhar
isso não é preciso, fica muito artificial.

(…)

Quando a voz do actor não consegue alcançar a da personagem pensa que isso se
deve a uma tentativa falhada na colocação de voz, ou é uma falha do próprio
indivíduo em libertar o potencial que tem?

Às vezes é, e muitas vezes é preciso treino para isso. Eu já fiz formação em voz, e é
necessário trabalhar a voz. Se a voz não tiver essa liberdade, fica muito artificial, com
muito pouca naturalidade. É isso que não gosto de ver, principalmente em teatro
clássico, a voz torna-se muito mecânica.

Acredita que, apesar de ser um processo global, a aproximação à personagem pode


ser feita através da voz?

Acho que a voz é um elemento caracterizador da personagem. Por exemplo, se a


personagem é tímida, a voz deve transmitir a timidez que esta sente, mais uma vez, sem
ser o actor a utilizar clichés.

Neste estudo defendemos que depois de haver essa libertação por parte do actor,
aquilo que vai gerir a voz vai ser uma “vontade de dizer”.

Pois, e isso é a parte mais complicada, quando o actor tem de se apropriar do texto. (…)
Mas, a propósito, uma vez, num espectáculo, entrei para cena afónica. A solução que
surgiu na altura foi o outro actor repetir as minhas deixas depois de eu as dizer. Mas, a
certa altura, a meio do espectáculo, a voz soltou-se, tal era a vontade, e eu consegui
ultrapassar a rouquidão. (…)

Página | 32
BIBLIOGRAFIA

ALVES, R., (2003), A Alegria de Ensinar, Porto, Edições ASA.

BARBOSA, P., (1982), Teoria do Teatro Moderno, Porto, Edições


Afrontamento.

BERRY, C., (1973), Voice and the Actor, New York, Wiley Publishing, Inc.

COSTA, J. e MELO, A., (1989), Dicionário da Língua Portuguesa, 6ª Edição,


Porto, Porto Editora.

FELDENKRAIS, M., (1972), Consciência pelo Movimento, 7ª Edição, São


Paulo, Summus Editorial.

LEHMANN, L., (s.d.), How to Sing, New York, Dover Publications, Inc.

LESSAC, A., (1997), The Use and Training of the Human Voice, 3ª Edição,
London, Mayfield Publishing Company.

READER’S DIGEST, (1991), Dicionário de Medicina Natural, Lisboa,


Selecções do Reader’s Digest.

REMÉDIOS, M., (1908), História da Literatura Portuguesa, Coimbra, Editor


F. França Amado.

TORTORA, G., (1997), Corpo Humano, São Paulo, Editora Artes Médicas Sul
Ldta.

ROHEN, J. e YOKOCHI, C., (1993), Anatomia Humana, 3ª Edição, São


Paulo, Editora Manole Ltda.

HASELBACH, B., (1971), Dance Education, London, Schott.

Página | 33

Você também pode gostar