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COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE EMBARGOS DE

TERCEIRO CONTRA ATO CONSTRITIVO DECORRENTE DE


EXECUÇÃO POR CARTA ROGATÓRIA PROVENIENTE DE PAÍS DO
MERCOSUL

Leandro Eloy Sousa1

1. Introdução

O presente estudo visa identificar a jurisdição competente (competência


internacional) para apreciar embargos de terceiro opostos contra ato constritivo
decorrente de execução por carta rogatória proveniente de país do MERCOSUL,
tendo por premissa orientadora o princípio constitucional do acesso à jurisdição e
uma análise compatibilizadora entre o Protocolo de Medidas Cautelares, concluído
em Ouro Preto, em 16 de dezembro de 1994 (incorporado à ordem jurídica interna
pelo Decreto nº 2.626, de 15 de junho de 1998), o regramento da competência
internacional constante nos artigos 88 a 90 do Código de Processo Civil (CPC/73) e,
sobretudo, o Capítulo X do CPC/73 que disciplina os embargos de terceiro.

A aproximação comercial, econômica, cultural e política entre os países da América


Latina e mais especificamente dos países que compõem o MERCOSUL, enseja,
invariavelmente, profundas transformações na dinâmica e estrutura jurídica dos
ordenamentos de cada país, os quais se vêem submetidos – em decorrência do
processo de integração – a movimentos de harmonização jurídica material bem
como de formatação de instrumentos processuais cooperativos que assegurem, na
medida do possível, a segurança nas relações jurídicas mediante a cooperação
judiciária internacional e a efetividade dos provimentos jurisdicionais daqueles
Estados.

Neste sentido, integram como razões do Protocolo de Medidas Cautelares a


reafirmação da “vontade dos Estados Partes de acordar soluções jurídicas comuns

1
Mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espírito Santo. Advogado da Petrobras.
2

para o fortalecimento do processo de integração”, já que “convencidos da


importância e da necessidade de oferecer ao setor privado dos Estados Partes, um
quadro de segurança jurídica que garanta soluções justas às controvérsias privadas
e torne viável a cooperação cautelar entre os Estados Partes do Tratado de
Assunção”.

Inexoravelmente, a cooperação cautelar aludida, consubstanciada na prática de atos


constritivos assecuratórios de futura execução ou preparatórios de execução
definitiva, nos termos permitidos pelo Protocolo, pode vir a afetar, injustamente ou
não, situação jurídica patrimonial imobiliária de pessoa residente no território
brasileiro.

Diante desse quadro, tentar-se-á aferir se o Protocolo de Medidas Cautelares


oferece instrumento processual específico e idôneo a afastar o ato constritivo
praticado, e, sendo positiva a percepção, averiguar a harmonização dos embargos
de terceiro em cotejo com as normas jurídicas processuais supra mencionadas.

Para isso, faz-se imprescindível delimitar o âmbito de pesquisa do presente ensaio


que terá como foco a constrição judicial em bem imóvel situado no Brasil sobre o
qual há posse justa, pacífica e legítima.

2. Desenvolvimento

2.1. A figura da “oposição” constante no art. 9º do Protocolo de Medidas


Cautelares do MERCOSUL e seu processamento

Cumpre assinalar inicialmente que o Protocolo de Medidas Cautelares do


MERCOSUL tem por “objetivo regulamentar entre os Estados Partes do Tratado de
Assunção o cumprimento de medidas cautelares destinadas a impedir a
irreparabilidade de um dano em relação às pessoas, bens e obrigações de dar, de
fazer ou de não fazer” (art. 1º do Protocolo), sendo cabível sua invocação “em
processos ordinários, de execução, especiais ou extraordinários, de natureza civil,
comercial, trabalhista e em processos penais, quanto à reparação civil” (art. 2º do
Protocolo), admitindo-se, no bojo destes processos, a determinação de “medidas
cautelares preparatórias, incidentais de uma ação principal e as que garantam a
3

execução de uma sentença” (art. 3º do Protocolo).

Dadas essas premissas, “as autoridades jurisdicionais dos Estados Partes do


Tratado de Assunção darão cumprimento às medidas cautelares decretadas por
Juízes ou Tribunais de outros Estados Partes, competentes na esfera internacional,
adotando as providências necessárias, de acordo com a lei do lugar onde sejam
situados os bens ou residam as pessoas objeto da medida” (art. 4º do Protocolo).

Além de regular o âmbito de aplicação, avançando assim na delimitação da


legislação aplicável à operacionalização dos objetivos do Protocolo, traz a
convenção do MERCOSUL distinção da disciplina normativa quanto à
admissibilidade da medida cautelar, que “será regulada pelas leis e julgada pelos
juízes ou Tribunais do Estado requerente” (art. 5º do Protocolo), tendo por meio de
formulação da medida as cartas rogatórias (art. 18 do Protocolo), relegando a
execução da medida cautelar requerida e seu processamento aos juízes e Tribunais
do Estado requerido, segundo suas leis.

Na sequência da análise do Protocolo em comento, é de se observar a norma


contida no artigo 9º do ato do Mercosul que regulamenta o instrumento processual
designado para se opor à medida cautelar executada pelo Estado requerido, verbis:
“O presumido devedor da obrigação ou terceiros interessados que se
considerarem prejudicados poderão opor-se à medida perante a
autoridade judicial requerida. Sem prejuízo da manutenção da
medida cautelar, dita autoridade restituirá o procedimento ao Juiz ou
Tribunal de origem, para que decida sobre a oposição segundo suas
leis, com exceção do disposto na alínea "c" do Artigo 7.”

Nota-se que o cogitado dispositivo legal prevê como parte legítima para propositura
da “oposição” os terceiros interessados que se considerem prejudicados pela
implementação de medida executiva solicitada.

Para a hipótese, a “oposição” deverá ser apresentada perante a autoridade judicial


do Estado requerido, esta que, “sem prejuízo da manutenção da medida cautelar,
restituirá o procedimento ao Juiz ou Tribunal de origem para que decida sobre a
oposição segundo suas leis”.
4

A exceção prevista na parte final do artigo 9º do Protocolo, ao fazer menção à alínea


‘c’ do artigo 7º daquele mesmo diploma legal, dá imediato ensejo, como veremos, ao
surgimento de incompatibilidade normativa processual entre o sistema instituído pelo
Protocolo de Medidas Cautelares e o ordenamento jurídico processual e
constitucional brasileiro.

2.2. Análise da alínea ‘c’ do artigo 7º do Protocolo de Medidas Cautelares e sua


confrontação com o art. 89, I do CPC

A alínea ‘c’ do artigo 7º do Protocolo de Medidas Cautelares estabelece de forma


expressa que “as questões relativas a domínio e demais direitos reais (...) serão
regidas pelas leis e julgadas pelos Juízes ou Tribunais do Estado requerido”2.

Da leitura conjugada do artigo 9º do Protocolo com o conteúdo semântico restritivo


conferido pela alínea ‘c’ do artigo 7º daquele mesmo ato, depreende-se que a opção
adotada, conferindo à legislação do Estado requerido o poder normativo de
disciplinar questões relativas a domínio e demais direitos reais, amolda-se em parte
à competência internacional exclusiva delineada pelo art. 89, I do CPC/73, haja vista
que essa apresenta-se de forma muito mais ampla que a redação conferida à alínea
‘c’ do art. 7º do Protocolo:
Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de
qualquer outra:
I - conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;

Artigo 7º
Serão também regidas pelas leis e julgadas pelos Juízes ou
Tribunais do Estado requerido:
(...)
c) as questões relativas a domínio e demais direitos reais.

2
É preciso alertar que a expressão “domínio” no texto do Protocolo tem sentido idêntico ao de propriedade.
Chega-se a tal conclusão porque, ao se utilizar o legislador comum da expressão “demais direitos reais” revela
sua intenção normativa e gramatical de demonstrar que a expressão anterior (“domínio”) também é um direito
real. Assim, diante do princípio da taxatividade dos direito reais, não pode ser outra a conclusão senão aquela
que conclui pela falta de precisão técnica do legislador comum, vez que toma como sinônimos institutos
juridicamente distintos, quais sejam propriedade e domínio. De qualquer modo, para efeito de interpretação do
Tratado deve a expressão “domínio” ser compreendida como sinônima de “propriedade”.
5

Enquanto o dispositivo do Protocolo limita-se às questões atinentes ao domínio e


aos direitos reais, o art. 89, I do CPC/73, por sua vez, confere com exclusividade à
jurisdição do Estado brasileiro, com exclusão de qualquer outra, o julgamento de
ações cuja relação jurídica material deduzida em juízo tenha por objeto um bem
imóvel situado no Brasil.

Nesse sentido, há longas datas, alusivamente à amplitude do texto do art. 89, I do


CPC, Arruda Alvim já se manifestara consignando que:
“(...) a expressão que se utilizou o legislador (‘ações relativas a
imóveis’) é mais ampla do que ações reais, que seriam só as
relativas a direitos reais e as que versassem sobre o direito de
propriedade.
Em tais expressões (ações relativas a imóveis) compreendem-se as
ações de despejo, possessórias, etc., além das referidas ações reais
e reivindicatórias”3

Mais recentemente, de forma também sucinta, Fredie Didier Jr sustenta que “o texto
é amplo, não se restringindo às ações reais, mas, também, às obrigacionais
fundadas em direito real, como a locação”4.

Assim, ante a amplitude do texto do art. 89, I do CPC que traz hipótese de
competência internacional exclusiva e a expressividade do artigo 9º c/c com a alínea
‘c’ do artigo 7º do Protocolo de Medidas Cautelares é de se questionar se demandas
possessórias relativas a imóveis, especialmente as encartadas em embargos de
terceiro opostos contra atos constritivos provenientes daquele Protocolo do
Mercosul, teriam sua competência de julgamento alterada ou afetada pelas regras
em confronto.

Em palavras mais precisas, sendo certo que o art. 9º c/c alínea ‘c’ do art. 7º ambos
do Protocolo prevê como autoridade jurisdicional competente para julgamento de
“oposição” proposta por terceiro interessado, em todas as questões que não aquelas
relativas a domínio e demais direitos reais, aquela constituída no Estado requerente;
e se é verdade que o instituto da posse não se enquadra em nenhuma das figuras
3
ALVIM, Arruda. Competência Internacional. Revista de Processo – REPRO, Rio de Janeiro, v. 2, nº 7/8, p. 32,
jul/dez. 1977.
4
DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil (v. 1) – Teoria Geral do Processo e Processo de
Conhecimento. 9. ed. Salvador: Editora JUS PODIVM, 2008. p. 114.
6

jurídicas anteriores (domínio e demais direitos reais)5, indaga-se se a disciplina legal


do Protocolo de Medidas Cautelares, com status normativo de lei ordinária posterior
e especial, teria o condão de alterar os limites de atuação da jurisdição exclusiva
brasileira moldados, especialmente no que pertine ao presente ensaio, pelo art. 89, I
do CPC.

2.3. Interpretação sistemática do art. 9º do Protocolo de Medidas Cautelares


com o art. 1049 c/c art. 89, I ambos do CPC: competência de julgamento dos
embargos de terceiro à luz do princípio constitucional do acesso à justiça (art.
5º, XXXV da CF/88)

A resposta adequada aos questionamentos supra formulados exige uma análise


detalhada da competência de julgamento de embargos de terceiro, este que seria a
ação judicial equivalente no direito processual brasileiro ao mecanismo da
“oposição” previsto no art. 9º do Protocolo de Medidas Cautelares.

Assim, tem-se que o art. 1049 do CC/73 - para definir o juízo competente para
julgamento de embargos de terceiro - parte da premissa lógico-jurídica de que a
execução fundada em título judicial processa-se perante o juízo que decidiu a causa
no primeiro grau de jurisdição (art. 575, II do CPC), sendo também este, por regra,
portanto, quem pratica os atos constritivos sobre os bens que se sujeitarão à
execução:
Art. 1.049. Os embargos serão distribuídos por dependência e
correrão em autos distintos perante o mesmo juiz que ordenou a
apreensão.

Entretanto, não raras são as hipóteses em que o devedor executado não possui
bens passíveis de expropriação no foro da execução, mostrando-se necessário o
desmembramento da fase executiva, que passará a ser realizada por carta pelo
juízo competente da situação dos bens que serão expropriados ou constritos. É o
que determina o art. 658 do CPC:
Art. 658. Se o devedor não tiver bens no foro da causa, far-se-á a
execução por carta, penhorando-se, avaliando-se e alienando-se os
5
A despeito da discussão doutrinária relativa à natureza jurídica da posse - podendo ser esta considerada direito
real , direito subjetivo ou situação fática juridicamente tutelada – tem-se por predominante na doutrina e
jurisprudência a compreensão de que a posse caracteriza especial situação de fato a qual se confere proteção
jurídica.
7

bens no foro da situação (art. 747).

Se os bens que serão inicialmente penhorados estiverem dentro do território


brasileiro a execução processar-se-á por carta precatória, correndo, contudo, por
carta rogatória se situados fora do território brasileiro.

A hipótese que se trata no presente ensaio, inversamente, refere-se à execução por


carta rogatória proveniente de país do MERCOSUL cujos atos executivos ou
preparatórios serão praticados no Brasil.

Nesse caso, havendo - por intermédio de carta rogatória prevista no Protocolo de


Medidas Cautelares - constrição de bens imóveis situados no Brasil sobre os quais
há pleno e pacífico exercício da posse por terceiro fundado, por exemplo, em
compromisso de compra e venda não registrado no Cartório de Registro de
Imóveis6, inaugura-se situação atípica em que não só a competência interna para
apreciação e julgamento de embargos de terceiro pode se tornar inconsistente,
como também coloca definitivamente em rota de colisão com os preceitos do art. 9º
do Protocolo de Medidas Cautelares com o art. 89, I do CPC.

A inconsistência no plano interno diz respeito a se saber qual o órgão jurisdicional


competente para julgar os embargos de terceiro opostos contra ato constritivo
praticado pelo juiz deprecado em execução por carta precatória.

O art. 1049 do CPC parece ser claro ao atribuir a competência de julgamento ao juiz
que ordenou o ato de constrição, mas tal conclusão esbarra na ratio essendi da
norma contida naquele dispositivo que pressupõe execuções tramitando no mesmo
juízo cujo título judicial está sendo executado.

Assim, para solucionar o impasse, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) incorporou a


jurisprudência já cristalizada no âmbito do extinto Tribunal Federal de Recursos
(TFR) pelo enunciado da Súmula nº 33 daquele TFR7:
6
STJ Súmula nº 84 - 18/06/1993 - DJ 02.07.1993
É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de
compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro.
7
Informativo 033 – 20 a 24 de setembro de 1999.
COMPETÊNCIA. EMBARGOS DE TERCEIRO. EXECUÇÃO POR CARTA.
Compete ao juízo deprecado, na execução por carta, processar e julgar os embargos de terceiro, vez que o
deprecante não indicou bem a ser penhorado, a teor da Súmula n.º 33 do extinto Tribunal Federal de Recursos.
8

TFR Súmula nº 33 - 17-04-1980 - DJ 29-04-80


O Juízo deprecado, na execução por carta, é o competente para
julgar os embargos de terceiro, salvo se o bem apreendido foi
indicado pelo Juízo deprecante.

Assim, indicado o bem pelo juízo deprecante e determinada a constrição do bem


imóvel pelo juízo deprecado, a competência para julgar os embargos de terceiro
será daquele, muito embora tenha sido este quem tenha ordenado diretamente a
apreensão.

Ante a construção jurisprudencial formada em resposta aos problemas internos de


competência para julgamento de embargos de terceiro que ataca ato judicial
constritivo proveniente de execução por carta, observa-se que se nos depararmos
com a conjugação de situações jurídicas em que, de um lado, inexista discussão
sobre domínio (rectius: propriedade) e outros direitos reais – posse, por exemplo,
fundada em compromisso de compra e venda não registrado –, e
concomitantemente, haja constrição (penhora, por exemplo) de bem imóvel indicado
por Juiz ou Tribunal de Estado do Mercosul requerente, estaríamos diante da
formação de competência de julgamento de embargos de terceiro (“oposição”) em
Estado estrangeiro, mais especificamente de países membros do Mercosul.

Estaria o Brasil então, por intermédio do cogitado Protocolo, reduzindo sua jurisdição
sobre ações relativas a bens imóveis situados no Brasil.

Ora, isso ocorreria porque o art. 9º do Protocolo de Medidas Cautelares fixa a


competência do Estado-requerente para julgar ações sobre todas as questões, a
exceção daquelas relativas ao domínio e demais direitos reais, outorgando tão-
somente ao Estado-requerido a condição de autoridade de endereçamento da
oposição, para posterior remessa ao Estado-requerente.

Ademais, dada a jurisprudência consolidada no STJ, tendo sido o bem imóvel, por
exemplo, indicado à penhora por autoridade judiciária de país do Mercosul a
competência de julgamento, mais uma vez, recairia sobre o Estado-requerente.

Precedentes citados: CC 13.166-RO, DJ 29/5/1995, e CC 14.847-RJ, DJ 3/2/1997. CC 26.768-PR, Rel. Min.


Nilson Naves, julgado em 22/9/1999.
9

Destarte, o oferecimento de embargos de terceiro (“oposição”) fundado em alegação


de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel desprovido de
registro no Cartório de Registro de Imóveis, na melhor das hipóteses – considerando
o paradigma interpretativo até então exposto - ocorreria perante o Judiciário
brasileiro para que, na forma do art. 9º do Protocolo de Medidas Cautelares, fossem
os embargos definitivamente julgados pelo Juiz ou Tribunal de origem.

Entretanto, há que se propor uma nova visão sobre esse prisma hermenêutico,
sobretudo porque a se admitir a redução do espectro da jurisdição exclusiva
brasileira - ante a influência redutora do art. 9º do Protocolo de Medidas Cautelares
na abrangência normativa do art. 89, I do CPC – deve-se fazê-lo desde que o
produto interpretativo daí resultante esteja em consonância com os valores
constitucionais que devem orientar a interpretação e aplicação do processo civil.

Neste ponto, torna-se presente o princípio da máxima efetividade das normas


constitucionais que pauta não só a interpretação e aplicação da Constituição como
também revela-se postulado indissociável na interpretação e aplicação das normas
infraconstitucionais, cujo resultado hermenêutico não pode se afastar dos fins
axiológicos incrustados na Carta da República.

Nessa linha de argumentação, e por essa razão, a compreensão da influência


normativa do art. 9º do Protocolo de Medidas Cautelares no art. 89, I do CPC deve
se ater e atender reciprocamente à solução que mais adequadamente prestigiar o
direito fundamental de acesso à justiça (inafastabilidade da tutela jurisdicional),
inscrito no art. 5º, XXXV da CF/88.

Decerto, a simples facilidade identificada no art. 9º do Protocolo de Medidas


Cautelares de se oferecer a “oposição” perante Juiz ou Tribunal do Estado-
requerido, não se coaduna integralmente, numa visão sistemática e razoável do
procedimento, com o princípio do acesso à justiça na medida em que o efetivo
acompanhamento participativo pela parte das demais fases do processo instaurado
resta prejudicado em razão da distância e diversidade de jurisdição, o que violaria o
acesso à justiça pela via do não exercício pleno, efetivo e participativo do
contraditório e da ampla defesa8.
8
Segundo Fredie Didier Júnior - ao detalhar o conteúdo constitucional do princípio do contraditório - “o
10

A competência, portanto, para julgamento de embargos de terceiro (“oposição”)


apresentados contra ato constritivo decorrente de execução por carta rogatória
proveniente do Mercosul, especificamente nos casos em que aquela ação estiver
fundada em posse de imóvel situado no Brasil e ato constritivo for indicado pelo
Estado-requerente, deverá ser atribuída ao Poder Judiciário Brasileiro.

Dessarte, o art. 9º do Protocolo de Medidas Cautelares do Mercosul não produz


efeito derrogatório sobre o art. 89, I do CPC, não tendo o condão de alterar a
formatação dos limites da jurisdição brasileira.

Não por razões de soberania e pura e simples manutenção da integral eficácia


normativa do art. 89, I do CPC, mas sim, porque os direitos fundamentais de acesso
à justiça e pleno exercício do contraditório e da ampla defesa em embargos de
terceiro (“oposição”) eventualmente ajuizados só terão máxima efetividade se aquela
for a solução jurídica conferida à hipótese vertente, qual seja, ajuizamento perante e
julgamento daquela demanda pelo Poder Judiciário Brasileiro, mais precisamente, o
juízo federal9 que determinou a contrição combatido pelos embargos de terceiro.

3. Conclusão

No presente trabalho foi demonstrado que o estreitamento das relações


internacionais entre Estados, tanto no âmbito econômico, político como cultural, traz
substanciosos e interessantes reflexos no ordenamento jurídico dos países
envolvidos e, em especial, em suas normas de processo.

No âmbito do Mercosul, a instituição de mecanismo processual cooperativo com


escopo principal de auxiliar na cooperação cautelar e executiva de decisões judiciais
cujos atos executivos tenham que ser realizados em outros Estados membros é

contraditório não se implementa, pura e simplesmente, com a ouvida, com a participação; exige-se a
participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar no conteúdo da decisão” (DIDIER Jr.,
Fredie. Curso de Direito Processual Civil (v. 1) – Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 9. ed.
Salvador: Editora JUS PODIVM, 2008. p. 46)
9
Tendo em vista que o processamento das medidas executivas admitidas no Protocolo de Medidas Cautelares do
Mercosul se dá por meio de carta rogatória, necessariamente então, após a concessão do exequatur daquela carta
pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ (art. 105, I, ‘i’ da CF/88) será a Justiça Federal o ramo judiciário
internamente competente para a execução da carta rogatória (art. 109, X da CF/88) determinando, pois, a
efetivação das medidas executivas requeridas por Estado-membro do Mercosul requerente.
11

absolutamente salutar e alvissareiro para assegurar a segurança jurídica aos


Estados e seus cidadãos e incrementar a efetividade de provimentos jurisdicionais.

Nesse sentido, as disposições do Protocolo de Medidas Cautelares do Mercosul


relacionadas especificamente com a insurgência de terceiro contra ato constritivo
que venha a lhe prejudicar, quando em cotejo com o regramento do código de
processo civil brasileiro atinente aos embargos de terceiro, tem o condão de gerar
controvérsias quanto à competência de julgamento destes embargos de terceiro, ou,
na terminologia do Protocolo, oposição.

Tendo isso em mira, constatou-se que o art. 9º do Protocolo de Medidas Cautelares


deixa claro que as “oposições” contra atos constritivos devem ser julgadas pelos
juízes ou tribunais do Estado-requerente todas as vezes que a discussão tiver por
objeto matérias não afetas ao domínio e outros direitos reais.

Esclareceu-se que, aparentemente, a amplitude do art. 89, I do CPC conferiria com


exclusividade à jurisdição brasileira o poder de julgar quaisquer espécies de ações
relacionadas a bens imóveis situados no Brasil, inclusive, aquelas fundadas em
direitos possessórios envolvendo bens móveis.

Por sua vez, pontuou-se que quando a contrição judicial incidir sobre imóvel e
decorrer de indicação do juízo deprecante ou, como no caso, de Estado-requerente,
a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) adotou o entendimento
consubstanciado na Súmula 33 do extinto Tribunal Federal de Recursos (TFR) de
que a competência para julgamento de eventuais embargos de terceiro seria do
juízo deprecante, o que, adaptando-se, seria do Poder Judiciário do Estado-
requerente.

Assim, constatada a hipótese de possível restrição da jurisdição brasileira instituída


pelo Protocolo de Medidas Cautelares analisou-se que a competência para
julgamento dos embargos de terceiro (“oposição”) só poderia ser adequadamente
estabelecida se se interpretasse os dispositivos envolvidos à luz de preceitos
constitucionais, sobretudo do acesso à justiça, que seriam parâmetros
hermenêuticos necessários na interpretação da legislação infraconstitucional, ante o
princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.
12

Daí, conclui-se que a cogitada redução e restrição da jurisdição exclusiva brasileira


com o achatamento normativo da norma contida no art. 89, I do CPC não seria
aceitável sob a ótica constitucional haja vista que, ao se permitir a configuração da
competência para julgar embargos de terceiro (“oposição”) – na hipótese estudada
neste ensaio – estar-se-ia violando reflexamente o acesso à justiça dada a
inviabilização do pleno e efetivo exercício do direito processual fundamental do
contraditório e da ampla defesa no processo instaurado.

Restou portanto incontroverso que a competência para o julgamento dos embargos


de terceiro opostos com base na situação fática proposta no presente ensaio seria
do Poder Judiciário Brasileiro, mais precisamente, do juízo federal que determinou a
constrição combatida.

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