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RUBENS SÉRGIO DUTRA DE OLIVEIRA

O QUE VOCÊ ACHA


DE RICHARD WAGNER?

Texto apresentado à Disciplina Seminários de


Orientação, do Programa de Pós-graduação em
Ciências da Arte da Universidade Federal
Fluminense, como exigência para aprovação e
obtenção do conceito desta disciplina.

Orientador:

PROF. DR. GUILHERME WERLANG

Niterói
2008
2
O QUE VOCÊ ACHA DE RICHARD WAGNER?

Rubens Oliveira

Palavras-chaves: Arte - Música - Drama -Estética

O que você acha de Richard Wagner? Essa era a pergunta mais freqüente no ambiente
cultural da Alemanha - ou, segundo Karl Marx, “não importa aonde vá”1 - no final do século XIX.
Todos falavam de Wagner. Sua música e multifacetada atividade artística, e, principalmente, sua
personalidade marcante; contribuíam para uma boa ou má fama, comentários críticos, análises
estéticas, e até, para inúmeras declarações apaixonadas. A receptividade de sua obra até hoje é foco
de olhares de várias áreas do conhecimento, portanto, qualquer tentativa de pesquisa, recorre numa
espécie de seleção reducionista do que se pode considerar a verdadeira pretensão do artista em tão
volumosa obra.

Parte integrante da dissertação “Estética e Paixão no Drama Wagneriano” - quid sapit uma
introdução - este texto, segundo a orientação que tomamos, instaura-se de um curioso ensejo sobre
uma abordagem da receptividade da obra de Wagner - principalmente a ópera, ou melhor, o drama
musical, como o próprio Wagner denominava. Pelas vias dos manifestos "Ópera e Drama" e "A
obra de arte do futuro'', e outros, objetiva-se, a busca de respostas para questões estéticas, isto é, de
como o drama musical legou ao fazer artístico de nosso tempo, técnicas e possibilidades para
criação de espetáculos multi-arte; porque não dizer, até mesmo, multimídias. Intenta-se demonstrar
que, através de Wagner, ou até, à partir de Wagner, foi inaugurada, ou como suspeita-se,
sistematizada, um retorno à reflexão de uma práxis artística originária na tragédia grega. Ocorre
também uma possibilidade - mesmo que ainda insipiente - de uma reflexão paralela, um olhar
antropológico instigado pelas experiências narradas por John Blacking - em “How musical is
man?” - ao levantar a hipótese de que “não se pode transmitir, ou emprestar significação à música
sem associações entre pessoas”, em sua estada investigativo-etnomusicológica entre os venda.

Pelas articulações propostas na “Estética do efeito” de Wolfgang Iser2 e na “Estética da


Recepção” de Hans Robert Jauss3, esta pesquisa pretende um mergulho no inspirador phatos4 ou

1
MILLINGTON, 1995, p. 446.
2
ISER, 1996
3
LIMA, (org.) 1979.
4
Por uma linha de acepção ética-vivencial, pathos pode ser: paixão, afeto, vício, pecado. Aquilo que não resistimos.
Neste aspecto, especialmente no romantismo, a paixão é vista também por uma lado positivo de motivação e impulso,
liberdade e natureza. O homem é engrandecido por ser passional, imprevisivo. Um dos defensores deste sentido da
3
mundo da paixão, que decerto, inunda a obra de Wagner de curioso misticismo, medievalismo e
ritualismo, de presença tão marcante em "Tristão e Isolda" e "Parsifal".

O interesse pela estética do efeito, manifesta-se, por semelhantes motivos que


impulsionaram o seu desenvolvimento, por parte da teoria literária numa situação histórico-
científica e político-ideológica das universidades alemãs dos anos 60 que buscavam meios de
substituir uma "hermenêutica ingênua" por argumentos específicos que fundamentassem os
princípios de interpretação nos estudos da análise literária. Era a configuração da experiência
moderna negando os ideais do classicismo: harmonia, conciliação, superação dos opostos e
contemplação da plenitude. Na realidade, o que existia, era um tipo de interpretação baseada na
intenção do autor, significação e mensagem da obra, e um tipo de valor estético baseado na
harmonização das figuras, tropos e camadas da obra. A série de dificuldades imposta pela literatura
moderna, colaborou para uma revisão desses critérios. A curiosidade não se trata tão somente de
problemas gerados pela significação, e sim sobre os efeitos.

"O interesse clássico pela intenção do texto proporcionou o interesse por sua recepção. A
orientação predominantemente semântica que visava à significação do texto converteu-se em uma
análise da objetividade estética do texto. Por fim, a pergunta pelo valor tornou atual a pergunta
sobre como a obra de arte absorve as faculdades humanas" (ISER, 1996, p. 8).

Grosso modo, A estética da recepção de Jauss caracteriza-se basicamente pela verificação


histórica, pela coleta de dados e análise de juízos de expectadores com base na poieses e na
Katharsis. No ensaio “A recepção estética: colocações gerais”5, Jauss inicia fazendo algumas
perguntas como: o que significa a experiência estética, como ela tem se manifestado na história da
arte, e, que interesse pode ganhar para a teoria contemporânea da arte; e ele esclarece, que estas
perguntas, ficaram sem respostas por muito tempo por problemas deixados pela ontologia e pela
metafísica platônica do belo. Destaca a polaridade entre arte e natureza, a correlação do belo com a
verdade e o bem, a concorrência da forma com o conteúdo, e da forma com a significação, a relação
entre a imitação e a criação, como questões canônicas, e que, travaram, de certo modo, o percurso
de perguntas que caracterizariam não somente a práxis estética, mas também, todas atividades
produtoras, receptivas e comunicativas. Toda esta ambientação foi testemunhada pelos doutores da
igreja, onde se falava muito sobre os efeitos da arte, principalmente sobre a teoria dos afetos e no
estudo da análise do discurso, isto é, da retórica. O que prevalece até um pouco mais tarde é a teoria
aristotélica sobre Katharsis, e Kant e seu subjetivismo na Crítica da faculdade do juízo. A voz mais

paixão foi Hegel, que chegou a considerá-la como "astúcia da razão" e escrever que "nada de grande se realizou no
mundo sem paixão". (FERREIRA, 2002, p. 28)
5
LIMA, (org.) 1979.
4
ecoada da época seria a de Goethe, no famoso veredito em que recusa perguntas dos efeitos como,
isto é, perguntas estranhas à arte. A estética hegeliana, que vincula o belo ao aparecimento sensível
da idéia, inaugura e abre novos caminhos para as teorias histórico-filosóficas da arte.

A escolha por estes métodos - com uso freqüente na análise literária - fundamenta-se na
premissa de que, no drama wagneriano, eclode a distinção da obra de Wagner em relação a outros
artistas compositores - a diferença entre o drama musical e as óperas românticas. Eclode a
possibilidade, de como ele mesmo dizia, “tornar as ações musicais visíveis”6. Renasce o sonho de
através da arte integrada, como na antiga Grécia, unir o povo num elo espiritual em torno da ópera.

Desde o início de sua carreira, inovou, escrevendo os roteiros de suas óperas - pois, para ele,
para que a fusão de todas as artes acontecesse, o criador deveria ter o controle total de sua criação -
as quais, em sua maturidade artística, agora, totalmente impregnada pelo seu estilo inovador,
resolveu denominá-las drama musical. A música não fica em segundo plano. A dramaturgia
também não. Wagner se preocupa com a interatividade das artes. Não se contenta simplesmente
com uma mistura, mas sugere um perfeito e bem pensado entrelaçamento, valorizando cada aspecto
e possibilidade de cada arte, resultando numa brilhante unidade na diversidade. O processo criativo
artístico é potencializado pela sutileza do processo intersemiótico, onde o grande acontecimento é o
que resulta, ou melhor, o que se sintetiza da doação humilde e evidência polida, do que há de
melhor em cada linguagem artística. É um tipo de acordo entre razão e paixão.

É no drama musical que o texto de Wagner vai fazer toda a diferença em sua estética
composicional. Compositores de ópera dos períodos Barroco e Clássico não economizavam nos
malabarismos e cadências vocálicas virtuosísticas, privilegiando o belcanto, atraindo toda a atenção
para o cantor, prejudicando, na opinião de Wagner, a ação dramática.

Wagner recusa a estrutura tradicional e rompe com esse horizonte de expectativas, instituído
- pelos barrocos e clássicos - e aclamado pelo público. Preferiu o desenvolvimento equilibrado da
tríade texto-música-espetáculo - à ênfase de um sobre o outro - buscando uma unidade,
continuidade, e a perfeita relação entre estes elementos, estas linguagens, amalgamando-os; não
permitindo que perdessem sua autonomia e qualidade de desenvolvimento.
Para promover e manter a unidade dramática no decorrer de toda a obra, Wagner,
desenvolve por processos sofisticados de variação, decomposição combinação e transposição, a
técnica do leitmotiv que era usada em algumas óperas de Weber, baseada no tema recorrente - uma

6
MILLINGTON, 1995, p. 287.
5
forma embrionária do leitmotiv encontrada nas óperas de Gluck, Handel, Rameau e Mozart - que
consistia num simples tema musical que identificava os personagens. O objetivo de Wagner não era
mais uma simples identificação de personagem, mas, intentava envolver a platéia com “uma
compreensão mais profunda das motivações psicológicas e das estruturas narrativas”7.

Uma interessante ilustração do que Wagner se propunha com o uso do leitmotiv na ação
dramática, é descrita por Lauro Machado Coelho, no livro A ópera alemã, comparando a ópera O
anel de Nibelungo com a monumental obra A comédia humana, de Balzac.

Tanto Balzac quanto Wagner buscam a unidade na multiplicidade (o equivalente àquilo que faz a
própria natureza), dotando a obra de uma quarta dimensão, muito abrangente: a proporção
cósmica. Balzac funde literatura, história, política, sociologia, e ciências humanas num gigantesco
painel crítico da sociedade de seu tempo. Da mesma forma, Wagner funde música, poesia, teatro,
tradição legendária e mitológica, pintura, pantomima e dança num espetáculo único.8

Não só a idéia do leitmotiv contribuiria para unidade da ação dramática. Mas toda interação
de processos da organização narrativa. Não é difícil aos ouvintes atentos de Wagner, perceberem
em sua obra, figuras retóricas como o paralelismo, antítese, gradação, repetição, associação,
sustentação, ocupação, sinonímia e polissemia, constatadas por teóricos estruturalistas como
Chkóvski e Bakhtin. Wagner não se fechou em sua música, pelo contrário, como nos sugere Arnold
Whittall9 “... era raro ele compor sem que tivesse conceitos extra-musicais em mente”, o que
também não reduz a arte musical, como declarado por ele mesmo a Karl Gaillard (1844)10 “em
primeiro lugar sinto-me atraído apenas por aqueles assuntos que se revelam não apenas
poeticamente significativos, mas que tenham também um significado musical”; e ao seu mais árduo
debatedor em questões estéticas Eduard Hanslick (1847) “não tenho qualquer ambição especial de
ver minha poesia encoberta por minha música, mas seria culpado de me desmembrar e expor uma
inverdade se eu tentasse insistir em violentar a música em função do poema.”11

O essencial em Wagner - como dramaturgo musical - pode ser a consideração de como


sutilmente explorava a expansividade e flexibilidade das diversas linguagens que manipulava na
produção de sua obra. Um bom exemplo, que é um procedimento muito comum observado no
drama Wagneriano - e descrito em seu manifesto Ópera e drama - é de que as mudanças de
tonalidade deveriam fazer sentido ou até mesmo coincidir com a significação do deslocamento do
sentido verbal. Muitas vezes é possível perceber - para alguns até com muita angústia - uma

7
COELHO, 2000. p. 233
8
op. cit., p. 234.
9
MILLINGTON, 1995, p.277
10
idem
11
op. cit., p. 278.
6
postergação, uma demora, ou mesmo um prolongamento de uma resolução harmônica, que é uma
característica musical de Wagner, por causa do texto. A interação de texto e música, instabilidade
harmônica e ação dramática, somando-se a intercambialidade de linguagens, oferecia a Wagner um
arcabouço metafórico ideal para consecução de seus objetivos. Ele reconhecia que a ambigüidade
promovida pelo cromatismo, cumpria um papel funcional e facilmente explorável, manipulável e
adaptável, contribuindo assim, para a variedade de nuances e situações dramáticas. Até mesmo nas
aberturas, que são obras estritamente orquestrais, onde poderia trabalhar livremente sem a
interferência do texto, assim mesmo, toda a trama orquestral revela o pacto com a excelência da
representação narrativa, incorporando um tipo de retórica melodramática.

Este estilo de composição, esta nova forma de música, disposta e estruturada para subsistir
com suas relações harmônicas hierárquicas da tradição tonal, funcionando em termo de associações
motívicas e justaposições de acordes - e que permitia interpretação analítico-musical - não seria
viável sem a temática mítica e repetição fonética ou grupos de fonemas, promovendo até certo
ponto, um texto aliterativo, mas, sem perder a coerência, elegância e conjunção. Em certos
momentos os procedimentos musicais formais determinavam a estrutura, em outros não, os
imperativos lingüísticos e dramáticos determinavam o seu caráter.

Wagner, que escrevia os libretos de suas óperas, refletia o que Walter Benjamim
(BENJAMIM, 1994, p. 123) denomina “escritor operativo” que devia combater, participar, não ser
expectador e não somente relatar, mas, ser exemplo de interdependência funcional - posicionar-se
entre a tendência política correta e a técnica literária progressista. Para defender sua multifacetada
expressão artística no drama, Wagner tinha que se posicionar em defesa da suas idéias, em
verdadeiros tratados estéticos que justificavam sua arte, mas, até hoje, muitos teóricos buscam
argumentação de todos os lados para determinarem uma avaliação justa de qual seria a verdadeira
música de Wagner - a de caráter puramente musical - ou aquela cujo caráter musical é
sinfonicamente organizado tendo a declamação textual como enfoque principal. São questões
importantes, mas que resultam muitas vezes num discurso purista e preconceituoso. Para estas
questões, a máxima de Carlito Azevedo ao prefaciar o livro Ao encontro da palavra cantada,
sugere:

Assim é que um concerto de rock é analisado como uma permanência do estilo barroco; o canto
falado é visto em contraponto com o atletismo vocal dos bufões de ópera; a fala cantada dos
Kuikuro do alto Xingu, a fala malandra dos sambistas, a pipoca moderna, a embolada, o samba
sincopado, a voz do dono e o dono da voz, a terceira margem do rio, a triagem e a mistura, as
7
pausas, as respirações enchem estas páginas de saber com sabor. Música para ler, poesia para
ouvir”.12

A pergunta inicial - O que você acha de Richard Wagner? - volta a ecoar por ocasião desta
proposta de pesquisa, onde, o que se pretende como objetivo primário é rever o caminho de como a
arte projetada para ser a arte do futuro se tornou o nosso presente.

As dez óperas de Wagner constituem um cânone em busca de um novo conceito de se fazer


ópera, substituindo a forma tradicional composta por recitativo, ária, cabaletta e coro, por uma
unidade dramática, percebida numa estrutura bem tramada, entretecida por uma sensibilidade aos
acentos e nuanças expressivas da poética textual. Atualíssima é a afirmação de Schlegel em
Vorlesungen über dramatische Kunst und Literatur (leituras sobre a arte dramática e literatura) de
1809:
As artes deveriam avizinhar-se de novo, jogando pontes uma em direção à outra de modo
que as colunas da arquitetura pudessem ser vivas e coloridas como as telas, que os quadros
pudessem transformar-se em poemas, e que os poemas fossem como música.13

12
MATOS, MEDEIROS; TRAVASSOS, (organizadoras) 2001, prefácio.
13
MILLINGTON, 1995. p.164
8
BIBLIOGRAFIA
COELHO, Lauro Machado. Ópera Alemã. São Paulo: Perspectiva. 2000.

BENJAMIM, Walter. Magia e Técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura;
tradução Sérgio Paulo Rouanet; prefácio Jeanne Marie Gagnebin. -7. ed - São Paulo: Brasiliense,
1994. - (Obras escolhidas; v.1)

HEGEL, G. W. F. A arte clássica e a arte romântica. Trad.Orlando Vitorino. Guimarães Editores.


Lisboa

ISER, Wolfgang. O Ato da leitura. vol 1; tradução de Johannes Kretschmer. - São Paulo: E. 34,
1996.

LIMA, Luiz Costa. (org.) A Literatura e o leitor: textos da estética da recepção. vários autores. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

MATOS, MEDEIROS, Fernanda Teixeira de; TRAVASSOS, Elisabete (organizadoras). O encontro


da palavra cantada - poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7 letras, 2001.

MILLINGTON, Barry. Wagner um compêndio / [organização]. Tradução de Luiz Paulo Sampaio e


Eduardo Francisco Alves. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995

TODOROV, Tzvetan. As Estruturas Narrativas. Trad. Leila Perrone-Moisés. São Paulo:


Perspectiva.

VIDEIRA, Mário. O romantismo e o belo musical. São Paulo: Ed. UNESP, 2006.

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