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O centenário da II Conferência de Paz da Haia

Antônio Augusto Cançado Trindade

Haia, 8 de setembro de 2007 — Concluímos ontem, no Palácio da Paz, jusinternacionalistas de


distintas procedências (de todos os continentes), o evento histórico de comemoração do
centenário da II Conferência de Paz da Haia de 1907, que convocamos e organizamos, os
membros do Curatorium da Academia de Direito Internacional da Haia, e que contou com a
presença de nossos convidados, os juízes da Corte Internacional de Justiça e membros do Institut
de Droit International.

Ph.D (Cambridge), ex-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, professor titular


da UnB e do Instituto Rio Branco, membro do Curatorium da Academia de Direito Internacional da
Haia, professor honorário e doutor honoris causa por diversa universidades, na Argentina, Chile,
Colômbia, México, Paraguai e Peru

Haia, 8 de setembro de 2007 — Concluímos ontem, no Palácio da Paz, jusinternacionalistas de


distintas procedências (de todos os continentes), o evento histórico de comemoração do
centenário da II Conferência de Paz da Haia de 1907, que convocamos e organizamos, os
membros do Curatorium da Academia de Direito Internacional da Haia, e que contou com a
presença de nossos convidados, os juízes da Corte Internacional de Justiça e membros do Institut de Droit International.
Todos os selecionados participantes do evento nos conhecíamos e nos reconhecíamos há anos, por nossas obras publicadas
em distintos países e pela dedicação constante, ao longo das últimas décadas, a nossa causa comum do cultivo e da
contribuição à evolução do Direito Internacional.

Por honrosa designação de meus pares, coube-me discorrer, em nome da América Latina, no histórico conclave, sobre a
presença dos países latino-americanos na II Conferência de Paz da Haia de 1907. Minha exposição se baseou em pesquisa
que realizei, ao longo dos dois últimos anos, nas Atas oficiais da Conferência de 1907, depositadas nos arquivos do Palácio
da Paz aqui na Haia, assim como nos arquivos diplomáticos dos países da América Latina, aos quais tive acesso graças à
colaboração das chancelarias dos países da região. O estudo completo que realizei a respeito será publicado integralmente
pela Academia da Haia no próximo ano.

A Conferência de Paz de 1907 revestiu-se de enorme significação para os países


latino-americanos, pois marcou seu ingresso definitivo no concerto universal das
nações, o qual se mostrou decisivo para a evolução do Direito Internacional.

Dos 26 Estados que haviam participado da I Conferência de Paz da Haia de 1899,


apenas um (o México) provinha da América Latina; oito anos depois, dos 44
Estados participantes da II Conferência de Paz da Haia de 1907, 18 eram latino-
americanos. Essa significativa mudança de composição tem uma explicação
histórica. Em nosso continente, a série de Conferências Internacionais dos Estados
Americanos teve início em 1889, ou seja, uma década antes da I Conferência de
Paz da Haia. E entre as duas Conferências de Paz da Haia (de 1899 e 1907), nas
duas Conferências dos Estados Americanos realizadas, respectivamente, na
Cidade do México em 1901 e no Rio de Janeiro em 1906, os países de nossa
região endossaram os resultados da I Conferência da Haia de 1899, e inclusive os
levaram adiante, sobretudo no tocante ao recurso à arbitragem e ao não-uso da
força (recorde-se que a célebre nota do chanceler argentino Luis María Drago,
sobre a proibição do uso da força na cobrança de dívidas públicas contratuais,
data de 29.12.1902).

Assim, ao início da II Conferência de Paz da Haia, os Estados latino-americanos


tinham conquistado, por seus próprios méritos, seu espaço no concerto universal
das nações. E, ao longo da II Conferência da Haia (que se estendeu de 15 de
junho a 18 de outubro de 1907), imprimiram aos trabalhos da mesma seu espírito
de universalidade (quanto à sua participação em bloco, assim como — e
sobretudo — quanto à sua visão do futuro do Direito Internacional). Já os unia,
havia anos, um forte sentimento de solidariedade, que manifestaram, em
conjunto, na aprovação pela Conferência de 13 Convenções, na consolidação dos
princípios a estas subjacentes (que retêm plena validade em nossos dias), e no
chamado final da Conferência à limitação de armamentos e ao desarmamento.

As contribuições dos Estados latino-americanos aos trabalhos da Conferência da


Haia de 1907, e aos desenvolvimentos subseqüentes, concentraram-se
particularmente em quatro temas, a saber:

1. o recurso à arbitragem e o não-uso da força,

2. a igualdade jurídica dos Estados,

3. o fortalecimento da jurisdição internacional e

4. o acesso direto dos indivíduos à justiça internacional.

1. ARBITRAGEM E NÃO-USO DA FORÇA

No tocante ao primeiro, a Convenção Drago-Porter contou com o apoio dos


Estados latino-americanos, e alguns deles formularam reservas inclusive ao
recurso residual à força em caso de falha no recurso à arbitragem. Abriram,
assim, caminho para o Pacto Briand-Kellogg1, de 1928, o Pacto Saavedra Lamas
2
de 1933, e o artigo 2(4) da Carta das Nações Unidas.

1
The Kellogg-Briand Pact, also known as the Pact of Paris, after the city where it was signed on
August 27, 1928, was an international treaty "providing for the renunciation of war as an instrument of
national policy." It failed in its purpose but was significant for later developments in international law.
It was named after the American Secretary of State Frank B. Kellogg and French foreign minister
Aristide Briand, who drafted the pact.

2
El Pacto Saavedra Lamas es un tratado antibélico auspiciado por Argentina y firmado por diversos
Estados americanos y europeos. En 1933, el Gobierno argentino, durante la presidencia de Agustín
Pedro Justo, a través de su Canciller, Carlos Saavedra Lamas, propuso al de Brasil la conclusión de un
pacto antibélico. Fue suscrito por Brasil, Argentina, Uruguay, Chile y México; posteriormente se
adhirieron otros como Colombia, Bolivia, El Salvador, Costa Rica e incluso potencias
extracontinentales como Italia, Bulgaria, España, Grecia y Portugal. El Pacto, en su artículo 1,
condenaba las guerras de agresión y propugnaba el arreglo pacífico de las controversias internacionales
de cualquier clase que fueran. Su artículo 2 declaraba que entre las partes contratantes las cuestiones
territoriales no debían ser solucionadas por la violencia y que no se reconocerían los arreglos
territoriales obtenidos violentamente ni la validez de la ocupación o adquisición de territorios por la
fuerza de las armas. Incluía también un procedimiento de conciliación
2. IGUALDADE JURÍDICA DOS ESTADOS

No tocante ao segundo, o mais eloqüente defensor da igualdade jurídica dos


Estados foi o delegado brasileiro Ruy Barbosa, como consta das Atas da
Conferência e segundo o testemunho dos próprios colegas de delegações de
outros países. A firme defesa de Ruy Barbosa do referido princípio (formulada
ante as propostas de nomeação de juízes para as projetadas Corte de Justiça
Arbitral permanente e Corte Internacional de Presas) contou com o apoio dos
países latino-americanos e abriu caminho para a adoção, décadas depois, do
artigo 2(1) da Carta das Nações Unidas.

3. JURISDIÇÃO INTERNACIONAL

Quanto ao terceiro tema, os 18 Estados latino-americanos participantes


respaldaram o propósito de arbitragem compulsória para resolver os conflitos
internacionais, o que favoreceu inclusive a solução propriamente judicial anos
depois, a exemplo da consagração da cláusula Raul Fernandes (cláusula
facultativa da jurisdição obrigatória) nos Estatutos da Corte Permanente de Justiça
Internacional (1920) e da Corte Internacional de Justiça (1945).

4. ACESSO DIRETO DOS INDIVÍDUOS À JUSTIÇA INTERNACIONAL

E, em relação ao quarto tema, ainda que a Corte Internacional de Presas jamais


tivesse sido estabelecida (por falta de ratificações da XII Convenção adotada pela
Conferência de Paz da Haia de 1907), já em 20.12.1907 os Estados centro-
americanos criaram o primeiro tribunal internacional permanente, a Corte Centro-
Americana de Justiça, que, durante uma década de operação, outorgou, de modo
pioneiro e visionário, acesso direto aos indivíduos à jurisdição internacional.

Como assinalei em minha extensa intervenção no evento histórico comemorativo


aqui na Haia do centenário da II Conferência de Paz de 1907, esta última se
realizou em uma época de apreensões, de pressentimentos e premonições, de
medo do que poderia acontecer. Apesar dos trágicos desastres desencadeados a
partir de 1914, estava plantada a semente da paz e justiça internacionais, e as
aspirações da comunidade internacional são hoje as mesmas, apesar das
profundas transformações por que passou o mundo. Em 1907, época em que
ainda prevalecia o positivismo jurídico exacerbado, já despertava a consciência
jurídica universal, fonte material última de todo o direito, para a necessidade de
impor limites ao voluntarismo estatal exacerbado, inclusive para mitigar os
horrores da guerra. Já havia entre os participantes aqueles que, como o delegado
cubano Antonio Bustamante y Sirvén, anteviam um direito internacional para a
humanidade — o novo jus gentium deste início do século XXI (consoante a recta
ratio), o qual busquei sistematizar em meu Curso Geral de Direito Internacional
Público ministrado aqui na Academia da Haia em julho-agosto de 2005, e recém-
publicado em seu Recueil des Cours (tomos 316 e 317).
artigo publicado no jornal Correio Braziliense em 24/9/2007

http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3864&I
temid=2

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