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ARTIGO

O governo Lula e a proteção social no Brasil: desafios


e perspectivas

Rosana de C. Martinelli Freitas


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

O governo Lula e a proteção social no Brasil: desafios e perspectivas


Resumo: Este texto identifica continuidades e mudanças no sistema de proteção social brasileiro durante o governo Lula (2003-2006).
Aborda as expectativas decorrentes da reeleição do atual presidente, as críticas realizadas ao seu governo e, na seqüência, identifica as
mudanças ocorridas em seu trajeto. Não é tarefa fácil a realização de um balanço do governo Lula, por diversas razões, dentre as quais
destacam-se o constrangimento de alguns intelectuais em face da frustração em que se encontram por serem e/ou terem sido membros ou
simpatizantes do Partido dos Trabalhadores, partido do presidente, e o risco de equívocos na análise e sua conseqüente utilização por
aqueles que possuem outros projetos pessoais, profissionais e societários e dispõem do espaço disponível para o desenvolvimento da
temática. Contudo, alguns elementos são apresentados, visando uma melhor compreensão da gestão do atual governo.
Palavras-chave: governo Lula, proteção social, pobreza.

Lula Government and Social Protection in Brazil: Challenges and Opportunities


Abstract: This text identifies continuities and changes in the Brazilian social protection system during the Lula Government (2003-
2006). It analyzes the expectations following the re-election of the president, the criticisms made of his government and then identifies
the changes that occurred and those necessary in its trajectory. Conducting a review of the Lula Government is not an easy task, for a
number of reasons. These include the disappointment of some intellectuals in light of their frustration as current or former members or
sympathizers of the Workers Party (PT), the president’s party; the risk of mistakes in the analysis and their consequent use by those
who have personal, professional and social plans and space available to exploit the issue. Nevertheless, some elements are presented,
seeking a better understanding of the current administration.
Key words: Lula government, social protection, poverty.

Recebido em 09.11.2006. Aprovado em 24.01.2007.

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La pobreza generalizada y la financeiro e de sua voracidade devastadora da eco-


desigualdad flagrante nomia nacional; realizar políticas que voltassem a
son flagelos tan terribles colocar o país no rumo do desenvolvimento – come-
de nuestros tiempos… çaram a ser substituídas pelo medo de que o Brasil
que deben considerarse teria apenas o ‘governo do possível’.
males sociales tan graves No âmbito da proteção social, Paiva (2006, p. 2)
como la esclavitud y el apartheid. também apresenta um conjunto de expectativas com
Nelson Mandela relação ao atual governo:

[...] enfrentar, sem acanhamento ou tolerância, o pro-


1 A esperança e o medo: mapeando o debate jeto conservador dominante em nossa história, fa-
talmente imobilizador das energias transformadoras
Pobreza e desigualdade são os grandes desafios e democráticas [...] romper com as modificações res-
da sociedade brasileira do século 21. Suas raízes re- tritivas no espaço público da proteção social, sob
montam ao passado histórico, mas suas causas mais forte impacto das políticas neoliberais [...] garantir o
imediatas podem ser localizadas em 1994, quando, amplo financiamento público para as políticas soci-
de fato, teve início a crise do padrão de desenvolvi- ais, que suplantasse a lógica da restrição orçamen-
mento: as incertezas decorrentes dos mecanismos de tária [...] superar de vez a lógica financista, que su-
ajuste econômico e as conseqüências do processo bordina as decisões em termos de direitos sociais à
de reestruturação econômica e política do Estado disponibilidade de caixa [...] pautar o debate público
brasileiro e, conseqüentemente das áreas associadas sobre as propostas de superação da pobreza com o
à execução de políticas sociais. combate da riqueza acumulada privada [...].
Luiz Inácio Lula da Silva, candidato pelo PT1 , em
27 de outubro de 2002, foi eleito presidente do Brasil, Também havia a esperança de que o governo
derrotando o candidato apoiado pelo então ex-presi- Lula se comprometesse com um amplo e consis-
dente Fernando Henrique Cardoso(FHC), o ex-mi- tente sistema de atenção e proteção, no âmbito
nistro da saúde e senador pelo Estado de São Paulo das necessidades humanas e sociais; de que con-
José Serra do Partido da Social Democracia Brasi- templasse todas as áreas sociais, educacionais e
leira (PSDB), com 61,43% dos votos. político-culturais; e de que promovesse, enfim, o
A eleição e posse de Lula para o exercício das incentivo e o protagonismo dos indivíduos e gru-
funções de chefe de governo e de chefe de Estado pos sociais para o encaminhamento de soluções
inaugurou um novo ciclo na política brasileira, do ponto dos problemas brasileiros.
de vista sociológico – pela origem do presidente (re-
tirante nordestino, vítima da seca) e por sua trajetó- 1.1 O governo Lula entre juros e juras
ria forjada na luta sindical contra a ditadura militar e
as injustiças sociais – e também do ponto de vista No primeiro ano do governo Lula foram
político, pela coalizão político-partidária – aliança do implementadas ações no intuito de evitar o caos eco-
PT com o PL2 – e pela agenda programática com nômico, conhecer a máquina governamental, avan-
elevada ênfase social. çar o máximo possível na agenda de reformas e, so-
Lula, por ocasião de sua posse, tinha o apoio en- bretudo, manter o índice de aprovação popular num
tusiasta dos movimentos sociais, de parte da classe patamar alto. Para isso, conforme Castro et al. (2004),
média e de setores do empresariado. Possuía, na- contribuíram a capacidade de comunicação do presi-
quele momento, toda a legitimidade e força política dente junto à sociedade, seu estilo coloquial e nego-
necessárias para tomar medidas difíceis. Medidas ciador, além de um discurso engajado na defesa dos
explicitadas no programa de governo do PT. Lula não interesses nacionais. O governo optou por uma polí-
o fez; e, conforme Lesbaupin (2006) e Fleury (2003), tica econômica ortodoxa, com vistas a estabilizar a
as esperanças – de mudar a política econômica, co- economia e restaurar a sua credibilidade, ameaçada
locada a serviço da dívida externa e seus juros, con- no mercado financeiro internacional, dando continui-
trolando a inflação e pagando a dívida interna; en- dade àquela assumida pelo governo de Fernando
frentar e diminuir as causas da imensa desigualdade Henrique Cardoso (1994-2002), em consonância com
do país; adotar medidas visando a expansão do mer- as metas acordadas com o FMI3 . Segundo Fleury
cado interno de massas; gerar empregos, inclusive (2003, p.2), “sem recurso para investir em políticas
com a implementação de um plano nacional de habi- públicas, o governo se dedicou a cortar gastos e au-
tação; unir os interesses do capital produtivo e do mentar as exportações, aumentando o superávit pri-
sindicalismo em torno de um projeto de desenvolvi- mário, em um esforço gigantesco para gerar recur-
mento nacional, alterando a correlação de forças e, sos e pagar juros da dívida pública, [...] as conseqüên-
assim, reduzindo a margem de manobra do capital cias foram devastadoras [...]”.

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Ao contrário do que o presidente Lula afirma, que Segundo Lesbaupin (2006), as políticas sociais são
“quatro anos foi pouco tempo”, seu governo foi extre- compensatórias. Como sugere o Banco Mundial, elas
mamente eficiente. Houve tempo para aprovar duas não desenvolvem o país, mas impedem sua população
reformas estruturais (que FHC não havia consegui- pobre de morrer de fome, evitando ao mesmo tempo o
do): a Reforma da Previdência e a Reforma Tributá- risco de convulsão social. Mantêm a aparência de que
ria; aprovar, ainda, a Lei de Falência e o projeto das o governo se interessa pelo povo, quando seu interes-
Parcerias Público-Privado (PPP). Conseguiu realizar se real está voltado para o capital financeiro.
anualmente o leilão de áreas de exploração de petró-
leo e o pagamento da dívida externa com muito maior 1.2 O governo Lula se constituiu no anti-Lula?
eficiência do que FHC, em detrimento das políticas
sociais e dos investimentos para o desenvolvimento do A propaganda governamental e a do PT insistem
país e sem jamais ter cogitado de fazer uma auditoria na comparação entre o governo atual e o de FHC,
daquela dívida. Além disso, aumentou, ainda mais: a para evidenciar os números positivos da gestão atu-
dívida interna, que chegou à casa de R$ 1 trilhão, devi- al. O governo Lula seria o governo que, tendo aplica-
do aos juros altos; os lucros dos banqueiros, dos fun- do a mesma política econômica neoliberal que FHC,
dos de pensão e dos rentistas e os lucros das empre- porém com mais competência, deu certo
sas privatizadas (telefonia, eletricidade). Ainda, fez (LESBAUPIN, 2006).
opção pelo agronegócio e abandonou a reforma agrá- Apesar da clara prioridade dada pelo atual gover-
ria, contribuiu para que o PT, como partido de esquer- no ao capital financeiro, muitos defensores do PT não
da, se transformasse num partido neoliberal ou no ‘par- consideram que o governo Lula seja uma oportunida-
tido do Lula’ e defendeu a tese de que ‘não há alterna- de perdida, mas, que ele é uma oportunidade histórica
tiva’ à política econômica neoliberal. e tem feito muitas coisas boas, o que comprovaria uma
Passou a estar cada vez mais presente nas análises evidente diferença em relação ao governo FHC.
acadêmicas, inclusive na realizada por Lesbaupin (2006, O governo Lula não é uma mera cópia do anteri-
p.4), para quem o governo Lula promoveu a tradicional or. Isto pode ser verificado em algumas ações que
disjunção entre política econômica e política social. representam melhorias para diferentes setores da
população.
Pois bem, o novo governo, que se elegeu graças a a) A política externa tem adotado uma postura
seu combate firme contra esta política, desde o iní- mais independente e ativa: conseguiu, até o mo-
cio abandonou este discurso e aplicou-a decidida- mento, deter a ALCA, além de ter enfrentado
mente. Aumentou os juros e, desde então, a cada os EUA e a União Européia na OMC. No en-
vez que a inflação ameaça subir, aumenta-os nova- tanto, seu grande objetivo é o ‘livre comércio’
mente (o Banco Central é, de fato, independente – e tem feito concessões em troca de reduções
por decisão do Presidente da República). O superá- de subsídios para produtos agrícolas por parte
vit primário é bem maior que os 3,75% do PIB do dos países desenvolvidos.
tempo de FHC: ele é, em princípio, de 4,25% mas, de b) Frente à pressão dos movimentos sociais, o
fato, chega a quase 5% (em 2005, chegou a 4,84%). governo não os criminaliza, mantendo uma dis-
Esta política exige que os investimentos em saúde, posição de diálogo, onde certamente inova,
em educação fiquem no mínimo permitido pela lei e face aos governos anteriores.
que os investimentos em habitação, em saneamento c) A dívida externa foi reduzida de US$210 bi-
básico sejam baixos, porque o fundamental do que o lhões, em 2002, para US$ 157 bilhões, em 2006.
país produz, do que o país arrecada, tem de ir para o d) Na agricultura, embora tenha feito uma clara
pagamento da dívida (superávit, etc.) [...] Mas isto opção pelo agronegócio, não deixa de dar apoio
apenas confirma algo que já denunciávamos no go- significativo para a agricultura familiar – o que
verno FHC: esta política aceita o lugar no qual a beneficia também os assentamentos. A priori-
‘globalização’ – dirigida pelos países desenvolvi- dade aparece nos números: em 2004, o gover-
dos – quer nos colocar, o lugar de exportadores de no concedeu R$ 37 bilhões ao agronegócio e
produtos primários e de matéria-prima. R$ 7 bilhões à agricultura familiar.
e) Aumento real do salário mínimo, de 75%, con-
Em suma, a opção do governo Lula pela política tra uma inflação acumulada de 26%, um pouco
econômica neoliberal, pela continuidade da política de acima da inflação; embora este aumento seja
FHC, foi sendo, durante o seu mandato, motivo de pífio, comparado com as antigas exigências do
muitas críticas. A vulnerabilidade externa do Brasil PT, é verdade é que é maior do que o que foi
permaneceu alta, sobretudo porque o país seguiu a concedido por FHC e tem o maior poder de
receita do FMI e escolheu não estabelecer o controle compra dos últimos 24 anos (DIEESE, 2006).
dos fluxos de capital. Para satisfação dos investidores Com relação às mudanças no Sistema de
financeiros e risco da maioria do povo brasileiro. Seguridade Social brasileiro, concederemos, a seguir,

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uma atenção especial, priorizando a política de assis- É de se ressaltar, contudo, que em 2000 o orça-
tência social e combate à pobreza. mento para a saúde era de R$ 17 bilhões e em 2006
chega a R$ 40 bilhões. Os estados e municípios tam-
bém ampliaram sua contribuição em 2005. Somados
2. Governo Lula e Seguridade Social: continui- a esses orçamentos, outros R$ 30 bilhões foram apli-
dades e avanços cados no SUS. De qualquer forma, ainda segundo
Campos (2006), gastamos per capita metade do que
O redesenho dos sistemas de proteção social co- a Argentina o faz.
meça em meados da década de 1980 em alguns pa- O subfinanciamento do SUS é um fato concreto a
íses do Cone Sul, e na virada dos anos 90, em outros, impossibilitar a oferta de serviços públicos, gratuitos e
perseguindo objetivos comuns: com qualidade, como reza a Constituição e conforme
a) descentralização dos programas e políticas; as necessidades da população. Na agenda de priorida-
b) maior participação comunitária; des do governo Lula não consta disputar os serviços de
c) focalização do público-alvo; saúde com o setor privado, onde os interesses dos pro-
d) concentração do gasto social em investimen- dutores de equipamentos, medicamentos e tecnologias,
tos mais do que em custeio e e dos prestadores de serviços, por vezes organizados
e) integração dos programas e políticas, ampli- em corporações poderosas, mantêm-se intactos.
ando seus efeitos sinérgicos. Segundo Santos (2006, p.1), são constantes as
Nesse modelo assistencialista focalizado, novas evasivas de governos inconseqüentes que tentam
modalidades de proteção social são especificadas, desprover de conteúdo os direitos sociais, priorizando
segundo o tipo e o grau de vulnerabilidade do públi- políticas que os esvaziam de sua qualificação consti-
co-alvo, em oposição aos princípios universalistas. A tucional. A autora destaca o disposto na Emenda
seguir apresentamos algumas considerações sobre Constitucional (EC) 29, que vincula percentuais mí-
as mudanças ocorridas nas áreas que compõem a nimos para a saúde “e que devem ser cumpridos sem
Seguridade Social brasileira, desde a Constituição de maquiagem e outros artifícios” e outros ditames le-
1988: saúde, previdência e assistência social. gais e constitucionais. Na Folha de São Paulo (de
4/6/2006), Jânio de Freitas, em sua coluna, realiza
2.1 Saúde uma “crítica ao governo Lula, que incluiu ações, como
o Bolsa Família, nas despesas com saúde com o úni-
O presidente Lula realizou, durante a campanha co fim de tentar maquiar os gastos com saúde, em
eleitoral para seu primeiro mandato, várias promes- razão dos recursos mínimos que a Constituição im-
sas; destas, sete merecem destaque: cumprir os gas- põe aos entes federados”.
tos com saúde previstos na Constituição; criar as far- O quadro de desfinanciamento da saúde pública
mácias populares; garantir o acesso a medicamen- coloca o Brasil em ‘estado de choque’, gerando in-
tos; aumentar redes de pronto-socorros; implementar tensa repressão de demanda, com congestionamen-
serviços de resgate em mais locais; ampliar o atendi- to nos pronto-socorros, precarização da atenção bá-
mento de saúde bucal; aumentar para 30 mil o núme- sica preventiva e predomínio de intervenções tardias
ro de equipes do Programa Saúde da Família, che- e o retorno de doenças consideradas extintas. En-
gando a atender 70% dos brasileiros. quanto isso, ocorre a expansão da saúde privada, via
O Sistema Único de Saúde (SUS), conforme planos de saúde para a classe média.
Campos (2006, p.141) “[...] se transformou em um Quanto à assistência farmacêutica, prioridade de-
dos maiores sistemas de saúde do mundo. 70% dos finida pelo governo em todas as suas dimensões – pro-
brasileiros dependem absolutamente do SUS, 30% dução, controle de qualidade, regulação de preços, dis-
têm seguro privado ou recursos para custear seu ponibilidade e orientação de uso correto de medica-
atendimento”. mentos para a população – foram ampliados os recur-
Para Paiva (2006, p. 5), a definição do percentual sos, de R$ 1,9 bilhões, em 2002, para R$ 4,2 bilhões,
de recursos financeiros federais, previstos na Cons- em 2006, a fim de assegurar a distribuição de medica-
tituição, para o SUS, permanece descumprida pela mentos na rede pública; um aumento de 120%.
política econômica. Foi criada a Farmácia Popular do Brasil, com 203
unidades, inauguradas em 165 municípios. De acordo
Na comparação internacional, nossos atuais 3,2% com Passos (2006), há medicamentos para hiperten-
do PIB, destinados à saúde, representam porcenta- são e diabetes que podem ser obtidos com preços 90%
gem menor do que as da Bolívia, Colômbia, África mais baixos, distribuídos em mais de 4 mil farmácias
do Sul, Rússia, Venezuela, Uruguai, Argentina (cer- privadas em todo o país, para os não usuários do SUS.
ca de 5.12%), Cuba (6,25%), EUA (6,2%), Japão, No SUS a distribuição gratuita foi ampliada, atingindo
Inglaterra, Austrália, Portugal, Itália, Canadá, Fran- medicamentos como a insulina. O valor por pessoa
ça e Alemanha (8,1%). repassado pelo Governo Federal triplicou, saindo de

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R$ 1,00 em 2002, para R$ 3,75 em 2006. A contrapartida sido derrotada em três oportunidades durante o go-
dos estados e municípios é de R$ 1,00 por pessoa. verno de FHC, quando sempre contou com o voto
Ainda, no entender de Passos (2006), estão sendo contrário do PT.
investidos, pelo QUALISUS4 , mais de R$ 300 milhões Conforme Marques e Mendes (2004, p. 7), “[...]
para melhoria em 143 hospitais de urgência/emergên- afora algumas surpresas, tais como propor a cobran-
cia, através de obras, equipamentos e capacitação. ça de contribuição dos inativos e manifestar um gran-
No que se refere ao atendimento de urgência, o de desprezo pela aplicação das regras de transição,
governo, em conjunto com os municípios, implantou o Programa de Governo do presidente Lula já apon-
a Política de Atenção às Urgências e Emergências, tava elementos que estariam presentes tanto na pro-
sendo o atendimento pré-hospitalar móvel imple- posta como na sua exposição de motivo”. A reforma
mentado em todo país por meio da Rede Nacional constituiu mais um passo decisivo na destruição do
SAMU 1925 . Em 2005, o SAMU funcionava em 784 Estado, iniciada no governo Collor.
municípios brasileiros de 25 estados, com 101 cen- Se não havia porque se surpreender, agora se faz
trais de regulação, atuando com equipes necessário recuperar o que o Programa de Gover-
especializadas, em sintonia com centrais de controle no de Lula9 , para seu segundo mandato, estabelece
de leitos nos hospitais6 . com relação à Previdência:
De 1988 a 2002, durante o governo FHC, o Piso
de Atenção Básica, repassado diretamente para to- 1 Manter a prioridade ao combate às fraudes e
dos os municípios brasileiros, ficou congelado em R$ pagamentos indevidos. O censo previdenciário
10 per capita. De 2003 a 2004, passou a R$ 15 per será concluído e institucionalizado, mantendo
capita, ou seja, um aumento de 50%. uma base de dados confiável, estendendo essa
Em relação às equipes de saúde, as 16.700, exis- ação aos trabalhadores rurais em regime de eco-
tentes em 2002, foram ampliadas para 26.300, um nomia familiar.
aumento de 57%. Seu custeio é realizado com 40% 2 Avançar na melhoria do atendimento aos segu-
de recursos federais e 60% de recursos municipais. rados, intensificando a utilização de canais re-
Já as equipes de saúde bucal, que em 2002 eram motos, visando acabar com as filas e ampliar o
4.260, são agora em 2006 14.244, atendendo a acesso aos benefícios e serviços da Previdên-
69.700.000 pessoas. Existem 420 Centros de Espe- cia Social.
cialidades Odontológicas (CEO) e outros 247 já es- 3 Finalizar a criação da Super Receita que unifica-
tão credenciados. Além disso foram implantados 135 rá todo o corpo de fiscalização, simplificando
laboratórios regionais de próteses dentárias, e produ- procedimentos, resultando em economia de tem-
zidas 249.793 próteses dentárias (dentaduras e po e precisão nas informações para o contribu-
próteses parciais7 ). Uma inovação do governo. inte, tornando mais eficiente o combate à eva-
são fiscal e reduzindo custos operacionais.
2.2 Previdência Social 4 Continuar a ampliação do acesso dos trabalha-
dores ao sistema previdenciário, por meio de
Com relação à Previdência, a primeira reforma iniciativas de redução da informalidade, inclu-
estrutural pela qual o governo Lula se empenhou – e sive com a aprovação de projeto de lei em
exigiu o empenho do PT – foi aquela pela qual come- tramitação no Congresso, que reduz as alíquotas
çam todos os governos neoliberais8 : a Reforma da de contribuição para contribuintes individuais.
Previdência. Ela permite que se transfira para o se- 5 Regulamentar a previdência complementar de
tor privado, via fundos de pensão, uma fatia signifi- servidores públicas instituída pela Reforma
cativa das aposentadorias do funcionalismo público. Previdenciária de 2003.
Era exatamente isso o que o mercado queria.
A reforma previdenciária proposta pelo presiden- Esses objetivos constam do plano de governo da
te Lula e aprovada na Câmara dos Deputados, em coligação A força do povo (PT, PRB e PC do B). Cabe,
agosto de 2003, e no Senado, em dezembro do mes- contudo, relembrar que, em qualquer sociedade de-
mo ano, retomou os pontos atinentes ao regime dos mocrática, quando leis previdenciárias são alteradas,
servidores, antes derrotados nas votações da refor- as regras de transição são aplicadas exatamente para
ma promovida por FHC. minimizar ao máximo a perda daqueles já integrantes
Em nome da justiça social, o governo aprovou a do mercado de trabalho.
contribuição de 11% para os aposentados, embora,
devido ao movimento organizado da sociedade brasi- 2.3 Assistência social e combate à pobreza:
leira, tenha sido obrigado a isentar aqueles com apo- Fome Zero, Bolsa Família e SUAS
sentadoria até R$1.440 (para funcionários federais)
e até R$1.200 (para funcionários estaduais e munici- A Constituição da República Federativa do Brasil
pais). A contribuição dos servidores inativos havia de 1988 estabeleceu a assistência social como políti-

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ca pública e, em dezembro de 1993, foi sancionada a locais que podem ser implantadas imediatamente, atra-
Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). A vés da ação das prefeituras e da sociedade civil.
implementação da LOAS foi extremamente difícil, O Programa Fome Zero tomou como ponto de
tendo em vista o processo de reestruturação do Estado, partida a linha de pobreza adotada pelo Banco Mun-
a tradição conservadora e clientelista presente no dial, que considera como pobres aquelas pessoas com
enfrentamento dos problemas sociais e o paralelismo renda inferior a US$1,08 por dia, deduzidos os gastos
de ações que continuou a existir e inclusive se am- com aluguel ou prestação da casa própria e imputa-
pliou durante o governo de FHC, com a criação do do o autoconsumo. Em moeda nacional, esse nível
Programa Comunidade Solidária10 . de renda corresponde a R$ 71,53 mensais por pes-
No âmbito da política de soa (à taxa de câmbio de 1999)
combate à pobreza e da As- ou a R$ 69,66 (em 30 de ou-
sistência Social11 destacamos ... em qualquer sociedade de- tubro de 200613 ).
a seguir alguns programas que mocrática, quando leis Segundo análise realizada
definem mudanças ocorridas pelo governo, expressa no site
durante o governo Lula. previdenciárias são alteradas, do Fome Zero, o primeiro pon-
Programa Fome Zero – to positivo deste programa foi
A maior e mais repetida pro- as regras de transição são priorizar o tema da fome na
messa de Lula durante a cam- agenda política do Brasil, com
panha eleitoral de 2002 era aplicadas exatamente para repercussões no cenário mun-
acabar com a fome no Brasil dial, além de reforçar a parti-
em quatro anos, resgatando 50 minimizar ao máximo a perda cipação e a mobilização da so-
milhões de pessoas que vivi- ciedade, bem como possibilitar
am abaixo da linha da pobre- daqueles já integrantes do a vinculação entre a Política de
za. Em seu primeiro pronun- mercado de trabalho. Segurança Alimentar e
ciamento como presidente Nutricional e a necessidade de
eleito, em outubro de 2002, repensar a ação do Estado.
dizia: “Se no final de meu mandato cada brasileiro Belik e Del Grossi (2003) fazem uma avaliação
puder comer três vezes ao dia, terei cumprido a mis- positiva do programa, analisando não somente as
são de minha vida”. ações específicas voltadas para a alimentação como
O Programa Fome Zero foi lançado oficialmente também aquelas dirigidas ao planejamento estrutu-
no dia 30 de janeiro de 2003, e um ministério foi cri- ral. Para os autores, é possível articular os seguintes
ado para sua implementação: o Ministério Extraordi- programas, que se caracterizam por causar direta-
nário para a Segurança Alimentar e o Combate à mente os impactos desejados, sem vazamento de re-
Fome no Brasil (MESA), coordenado pelo então mi- cursos. São eles: Apoio à Agricultura Familiar; Políti-
nistro José Graziano. Este Programa encontra suas cas de Microcrédito; Alfabetização de Adultos;
origens em 2001, em projeto coordenado pelo do pró- Melhoria do Nível Educacional e Requalificação Pro-
prio Graziano com a ambiciosa meta de “suprir a fome fissional; Infra-estrutura de Saneamento, Fornecimen-
e as causas mais profundas que geram a exclusão”. to de Água e Obras Públicas; além da Reforma Agrá-
O Programa Fome Zero12 , segundo seu texto ori- ria, do Bolsa Escola, Feiras Livres Locais, etc.
ginal, é Ainda segundo Belik e Del Grossi (2003, p.31), o
fator diferencial do Fome Zero está no fato de que
Uma estratégia impulsionada pelo governo federal ele, em relação a outras políticas de focalização, “não
para assegurar o direito humano à alimentação ade- ignora as causas da pobreza, e inova também ao es-
quada às pessoas com dificuldades de acesso aos tabelecer um desenho híbrido, garantindo o direito
alimentos [...] Tal estratégia se insere na promoção universal à alimentação ao mesmo tempo em que di-
da segurança alimentar e nutricional, buscando a rige esforços para dar resposta às demandas
inclusão social e a conquista da cidadania da po- estabelecidas por áreas geográficas prioritárias”.
pulação mais vulnerável à fome. O debate sobre o Programa é grande. Para Paiva
(2006, p.3):
A iniciativa envolve todos os ministérios, as três
esferas de governo (federal, estadual e municipal) e a Nenhuma proposta poderia ser menos ambiciosa. Com
sociedade; propõe que a Política de Segurança Ali- toda propaganda veiculada não se verifica no Progra-
mentar para o Brasil seja executada, de forma conjun- ma Fome Zero algo que é essencial para o povo brasi-
ta, por três grupos de políticas: as políticas estruturais, leiro: a garantia do direito social, cuja ação do Estado
voltadas para as causas mais profundas da fome e da reconheça o vínculo de classe, contribuindo para
pobreza; as políticas específicas, voltadas para aten- sedimentar uma noção fecunda e radical de democra-
der as famílias sem segurança alimentar; e as políticas cia popular, ao mesmo tempo libertária e igualitária.

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Na visão dessa autora, o que é perene no dese- cumprimentos das condicionalidades, o que
nho dos atuais programas englobados sob a insígnia contribui para que as famílias consigam romper
do Fome Zero é a trágica visão elitista de sempre, na o ciclo da pobreza entre gerações;
qual o povo – a população subempregada e 3 coordenação de programas complementares,
superexplorada – permanece como um indesejável que têm por objetivo o desenvolvimento das
‘resíduo social’, para o qual qualquer ajuda basta e famílias, de modo que os beneficiários do Bolsa
qualquer apoio serve. Família consigam superar a situação de
Lavinas (2005, p. 1) igualmente critica o progra- vulnerabilidade e pobreza. São exemplos de pro-
ma: “[...]o Fome Zero reúne vários programas de gramas complementares: programas de geração
espectro restrito entre a velha distribuição de cestas de trabalho e renda, de alfabetização de adul-
de alimentos, debilitando ainda mais os investimentos tos, de fornecimento de registro civil e demais
sociais. Comprovadamente ineficaz”. Para ela, o mais documentos.
eficiente no Fome Zero é o programa de construção
de cisternas financiado pela Federação Brasileira de O lançamento do Programa Bolsa Família, fruto
Bancos (FEBRABAN), e que deveria ser realizado o da unificação de programas criados durante o gover-
cálculo de quantas cisternas a mais seriam financia- no FHC (Castro et al., 2004), foi antes uma tentativa
das a cada novo aumento da taxa básica de juros de responder ao desgaste promovido pelo imobilismo
decretado pelo Banco Central, que eleva ainda mais nessa área do que uma mudança efetiva. O Cadastro
os altíssimos lucros do setor financeiro. Único, também elaborado no governo FHC, já havia
O texto original do Fome Zero ainda previu cu- sido concebido como um instrumento para formalizar
pons, banco de alimentos, cestas básicas emergenciais o acompanhamento e a avaliação de políticas públicas
e frentes de trabalho, mas não foi implementado in- de combate à pobreza. Deveria ser utilizado por todas
tegralmente, devido às críticas ao seu caráter pontu- as esferas do governo e se propunha a ir além dos
al, à ausência de justificativa para a criação de um programas de mera transferência de renda.
Ministério com a finalidade de combater a fome, que Reiteramos a avaliação de Marques e Mendes
deveria fazer parte do Ministério da Assistência So- (2005, p. 17) para quem não há dúvida de que o gover-
cial, então existente e, dessa forma, integrar a políti- no Lula, com a implantação, em praticamente todos os
ca de assistência social. municípios, do Bolsa Família, provocou melhora nas
Em dezembro de 2003, com a extinção do MESA condições de vida de milhões de brasileiros; mas, mes-
e a posterior criação do Ministério de Desenvolvi- mo sendo um programa importante, posto que modifi-
mento Social e Combate à Fome (MDS), houve a ca as condições de vida de parcela significativa do
criação da Secretaria Nacional de Segurança Alimen- povo, não está considerando sequer o parâmetro salá-
tar e Nutricional que incorporou o Programa Fome rio mínimo. Como é sabido, o salário mínimo constitui
Zero, e ficou responsável pelo Apoio a Comunidades um piso salarial legal, e qualquer remuneração laboral
Quirombolas; Cisternas; Cozinhas Comunitárias; Pro- abaixo dele é considerada imoral pela sociedade. Se-
grama de Restaurantes Populares; Programa Naci- gundo sua legislação fundadora, o salário mínimo seria
onal de Banco de Alimentos; Carteira Indígena; Pro- um quantum financeiro capaz de manter o trabalha-
grama Cartão Alimentação; Programa de Aquisição dor e sua família. Evidentemente seu valor real foi
de Alimentos; Agricultura Urbana e Programa de deteriorado desde a época de sua adoção, de forma
Educação Alimentar e Nutricional. que hoje ele está longe de corresponder ao mínimo
Programa Bolsa Família (PBF) – Foi criado necessário, tal como previsto na legislação.
através da Medida Provisória n. 132, de 20 de outu- A garantia da renda proveniente do Bolsa Família
bro de 2003, posteriormente convertida na Lei n. não teria como propósito substituir o sistema de pro-
10.836, sendo que o Fome Zero foi por ele incorpo- teção social atualmente existente, mas complementá-
rado. O PBF prevê a transferência direta de renda, lo, tendo em vista a complexidade da realidade brasi-
com condicionalidades, que beneficia famílias pobres leira. Não seriam necessários muitos recursos para
(de renda mensal, por pessoa, de R$ 60,01 a R$ 120) diminuir o número de famílias localizadas abaixo da
e extremamente pobres (com renda mensal, por pes- linha de pobreza. Essa deveria ser a prioridade em
soa, de até R$ 60). termos de política social imediata, mesmo que um
O Bolsa Família14 pauta-se na articulação de três programa mais ambicioso (que se preocupasse em
dimensões essenciais à superação da fome e da po- garantir uma qualidade de vida mais elevada às fa-
breza: mílias pobres, e não somente em permitir que ultra-
passem a linha da pobreza) envolvesse uma quanti-
1 promoção do alívio imediato da pobreza, por dade de recursos mais significativa, pois somente
meio da transferência direta de renda à família; dessa maneira poder-se-ia dizer que a sociedade bra-
2 reforço ao exercício de direitos sociais básicos sileira estaria verdadeiramente comprometida com o
nas áreas de saúde e educação, por meio do desenvolvimento do país.

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72 Rosana de C. Martinelli Freitas

Em termos de alocação orçamentária o Bolsa Em seu Plano de Governo 2007-2010 (p.28),


Família representa menos de metade das verbas entre outras medidas o presidente Lula assume o com-
assistenciais, que não passam de 0,72% do PIB promisso de “Manter o Programa Bolsa Família, pri-
(PATU, 2006). O Programa também atende as pres- meira frente de combate à fome, pobreza e de
crições das economistas de pensamento liberal, por enfrentamento à desigualdade social, no patamar já
ser focalizado e vinculado a contrapartidas como fre- alcançado, especialmente quanto ao poder aquisitivo
qüência escolar. Os limites do Programa são muitos: dos benefícios transferidos”, bem como consolidar o
os valores das prestações são pequenos, os critérios SUAS, expandindo territorialmente a presença do Es-
de acesso são rigorosos e excludentes e a sua imple- tado junto às famílias em situação vulnerável, por meio
mentação não se faz acompanhada, ainda, do neces- da rede de Centros de Referência de Assistência So-
sário aparato político-pedagógico de emancipação cial (CRAS), articulada aos outros sistemas públicos.
política, educacional e cultural.
Do ponto de vista político, de acordo com Mar-
ques e Mendes (2004), a implementação do Progra- 3 O incerto amanhã: desafios e perspectivas
ma Bolsa Família está permitindo que o governo Lula
estabeleça fortes vínculos com a população por ele Consta no Plano de Governo 2007-2010: “o nome
beneficiada, direta ou indiretamente, o que explica do meu segundo mandato será desenvolvimento com
sua alta popularidade em várias regiões do país. Se, distribuição de renda e educação de qualidade”. A
por um lado, não há como negar que a população posse para o segundo mandato do Presidente Lula,
mais pobre está atualmente em melhores condições prevista para 1o. de janeiro de 2007, embora deva ocor-
do que antes, por outro cabe destacar a provisoriedade rer em clima de euforia, anuncia que os tempos serão
do Programa, na medida em que as prestações mais duros do que se espera e que a mudança ansiada
pecuniárias não constituem um direito e ele pode ser ainda está por vir e exigirá das esquerdas políticas e
alterado conforme as mudanças políticas. Em outras sociais, ainda perplexas, uma postura crítica.
palavras, trata-se de um programa de governo. As forças progressistas terão importante papel nos
Sistema Único de Assistência Social (SUAS) destinos do novo governo, partindo da premissa de
– Durante o governo Lula, alguns avanços ocorre- que ele está marcado pela tensa disputa entre
ram no tocante à disputa pelo dinheiro público. Em continuísmo e mudança. A tática exigirá uma ação
julho de 2005, foi publicada a Norma Operacional concentrada por dentro e por fora do governo, tendo
Básica, construindo as bases para a implantação do como referência a redução da desigualdade e o au-
SUAS. O SUAS deve regular, em todo o território mento da autonomia e da organização política do povo.
nacional, a hierarquia, os vínculos e as responsabili- Para isso, ainda que preliminarmente, é necessário
dades do sistema de serviços, benefícios, programas que a sociedade civil possa:
e projetos de assistência social, de caráter perma- – Organizar-se com vistas a garantir uma
nente ou eventual, executados e providos por pesso- governabilidade assentada em mobilização
as jurídicas de direito público, sob critério universal e popular que pressione para a mudança do
lógica de ação em rede hierarquizada e articulada modelo econômico e o combate à corrupção;
com iniciativas da sociedade civil. – Influir na formação de um governo de ampla
O marco oficial para a implantação do Sistema coalizão progressista, pois a estrutura social e
foi 14 julho de 2005, quando o Conselho Nacional econômica conservadora persiste na socieda-
de Assistência Social (CNAS) aprovou a Norma de brasileira e o estado gerencial financeiro
Operacional Básica do SUAS, estabelecendo um neoliberal ainda está presente;
conjunto de regras que disciplinam a operaciona- – Avançar na elaboração de propostas que pro-
lização da assistência social e a transição do antigo porcionem uma reforma política centrada em
para o novo modelo. Os repasses que o MDS fará, mecanismos de democracia direta;
a partir de setembro de 2006, estarão dentro das – Reformar o sistema tributário, de maneira a
novas regras, assim como a expansão das metas promover as bases para uma redistribuição de
dos programas. renda;
O Sistema Único integra uma política pactuada – Defender a industrialização que facilite o aces-
nacionalmente, que prevê uma organização so às tecnologias de vanguarda e, para isso,
participativa e descentralizada da assistência social, exigir investimentos em educação e pesquisa
com ações voltadas para o fortalecimento da família. pública de qualidade;
Baseado em critérios e procedimentos transparen- – Pressionar para a efetiva realização da refor-
tes, altera fundamentalmente operações como o re- ma agrária;
passe de recursos federais para estados, municípios – Mobilizar-se para que sejam suspensas as re-
e Distrito Federal; a prestação de contas e o modo formas sindical e trabalhista, visando possibili-
como serviços e municípios estão hoje articulados. tar um amplo debate a respeito;

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O governo Lula e proteção social no Brasil: desafios e perspectivas 73

– Pressionar para a existência de uma política FLEURY, S. Governo Lula: continuísmo no 1º. ano, mudança
de desenvolvimento que permita emprego, sa- no 2º.? Disponível em <www.desempregozero.org.br>
lário e estabilidade para as pessoas se susten- Acesso em: out. 2006.
tarem graças a seu próprio trabalho.
Crescer sem distribuir a renda é não só reprodu- LAVINAS, L. A melhor linha de pobreza para o Brasil.
zir o passado de desigualdades, como aprofundá-lo. 2005, 3 p. Paper.
Essas foram sempre as palavras de Furtado (2002,
p.21), deixando entre nós a idéia-síntese: “[...] o de- LESBAUPIN, I. Governo Lula: o governo neoliberal que
senvolvimento verdadeiro só existe quando a popu- deu certo? Rio de Janeiro, 2006. Paper.
lação em seu conjunto é beneficiada”. Para a sus-
tentação dessa política de desenvolvimento, no en- MARQUES, R. M.; MENDES, Á. Lula e políticas sociais:
tanto, é necessário que o Estado brasileiro recupe- um passo à frente e um passo atrás? Artigo de 20 fev. 2006.
re sua capacidade de intervenção, o que exige Disponível em <www.psolsp.org>. Acesso em: out. 2006.
rediscutir as conseqüências do enorme esforço que
tem sido feito nos últimos anos para promover o ______. Notas sobre o social no governo Lula: a cons-
superávit primário. trução de um novo populismo em tempos de aplicação de
Concluindo, os equívocos do governo Lula come- uma agenda neoliberal. In: IV COLÓQUIO LATINO
çaram pela rejeição da participação popular e pela AMERICANO DE ECONOMISTAS POLÍTICOS, 2004, São
frustração das promessas eleitorais, dando continui- Paulo: Fundação Getúlio Vargas 2004.
dade a e até mesmo gerando a necessidade de alian-
ças parlamentares amplas, as quais se constituem em ______. O governo Lula e a Contra-Reforma Previdenciária.
obstáculos à geração de esperanças com relação ao São Paulo em Perspectiva, São Paulo, p. 3-15, 2004.
seu governo. Finalmente afirmamos, com Borges
(2004), que a rearticulação dos movimentos sociais PASSOS, A. Notícias. Disponível em <www.andrepassos.
brasileiros e sua intensa pressão, com novas bandei- com.br/materiais/detallhe>. Acesso em: nov, 2006.
ras e formas de luta, e o encarar a sério o desenvol-
vimento econômico e social do país, a partir de den- PAIVA, B. A. de. A timidez das políticas sociais no
tro, é fundamental para que o novo mandato do pre- governo Lula: quando o fundo do poço tornou-se nossa
sidente Lula seja diferente do primeiro, pois será o morada. Disponível em <http://www.ola.cse.ufsc.br>.
resultado do desempenho da economia e da reação Acesso em out. 2006.
da sociedade civil organizada rumo às mudanças que
esta deseja. PATU, G. Governo Lula reduziu gastos com educação.
Folha de São Paulo, São Paulo, 11 de novembro de 2006,
p. A7.
Referências
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CAMPOS, G. W. de S. Reflexões sobre a construção do Disponível em <www.lulapresidente.org.br/programa
Sistema Único de Saúde (SUS) um modo singular de _governo.php>. Acesso em: out. 2006.
produzir política pública. Serviço Social & Sociedade, São
Paulo: Cortez, n. 87, p. 132-146, 2006. SANTOS, L. SUS: contornos jurídicos da integralidade da
atenção à saúde. Radis n. 49, set. 2006. Disponível em
BELIK, W.; DEL GROSSI, M. O Programa Fome Zero no <http://www.ensp.fiocruz.br>. Acesso em: ago. 2006.
contexto das políticas sociais no Brasil, 2003, 35p. Paper.

BORGES, A. O enigma do governo Lula, Rebelión. 2004, Notas


Disponível em <http://www.rebelion.org/brasil/040518
borges.htm >. Acesso em: out. 2006. 1 O Partido dos Trabalhadores (PT) nasceu em 1979, com o
apoio do movimento sindical do ABC paulista e sob a
CASTRO, M. H. et al. Política social no governo Lula, liderança do metalúrgico Luiz Inácio da Silva. Mais tarde,
2004. Disponível em <www.e-agora.org.br>. Acesso em: este incorporou o apelido de Lula ao nome. O partido
set. 2006. conseguiu registro definitivo em fevereiro de 1982 e é o único,
no quadro atual dos partidos, que surgiu do movimento
DIEESE. Título. Disponível em <www.dieese.org.br/>. popular. Tem um perfil socialista e seus militantes dividem-se
Acesso em: out. 2006. em diversas tendências internas

FURTADO, C. Em busca de novo modelo. Reflexões sobre 2 O Partido Liberal (PL) é um partido com uma orientação
a crise contemporânea. São Paulo: Paz e Terra, 2002. politicamente conservadora, obteve registro permanente em

Rev. Katál. Florianópolis v. 10 n. 1 p. 65-74 jan./jun. 2007


74 Rosana de C. Martinelli Freitas

25 de fevereiro de 1988.A nova sigla uniu dois partidos: o PL Rosana de C. Martinelli Freitas
e o Partido da Reedificação da Ordem Nacional (Prona). Doutora em Sociologia Política pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC)
3 O FMI vem monitorando anualmente o desempenho Professora do Departamento de Serviço Social
econômico do Brasil e dos outros países devedores. As (UFSC)
inspeções avaliam o alcance das metas de desempenho, Universidade Federal de Santa Catarina,
constantes nos acordos de empréstimos. O Banco Mundial Centro Sócio-Econômico
está presente em muitos ministérios: as reformas de saúde, Departamento de Serviço Social
educação, industrialização, previdência e tributos estão sob Campus Universitário Reitor João David Ferreira
sua jurisdição. Lima
Trindade
4 O Programa QUALISUS é um conjunto de mudanças que Florianópolis – SC
visa proporcionar maior conforto para o usuário, atendimento CEP: 88040-900
de acordo com o grau de risco, atenção mais efetiva pelos
profissionais de saúde e menor tempo de permanência nos
hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) de todo o país .
D iponível em: <www.portal.saude.gov.br>.

5 Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU)

6 Para outras informações, sugere-se acessar <http://


www.lula.org.br/boletim.php?codigo=49>.

7 Idem.

8 A última investida contra a seguridade social, antes da


ascensão de Lula à Presidência da República, foi realizada
pela reforma previdenciária promovida pelo governo de FHC.
A proposta encaminhada – PEC 33, devido às muitas
resistências, inclusive por parte do PT, foi retirada e
reformulada, sendo apresentada novamente em 1997. Ao
final de 1998, foi aprovada a EC-20, alterando a aposentadoria
do Regime Geral da Previdência Social e do regime próprio
dos servidores públicos.

9 Disponível em: <http://www.lula13.org.br/programa_go


verno.php>.

10 Este programa, ao final do governo em 2002, incorporou o


Programa Alvorada, criado em 2002 e extinto pelo governo
sucessor.

11 Para melhor compreensão da política de combate à pobreza


desenvolvida durante o Governo FHC, sugere-se a leitura de
Freitas (2004) que realiza um estudo minucioso sobre o
Programa Comunidade Solidária, implementado no Brasil
(1996-2002) e o Programa Nacional de Solidariedade,
implementado no México, na década de 1980.

12 Disponível em: < http://www.fomezero.gov.br/>.

13 Cotação do dólar em 30 de outubro de 2006, às 13:21 horas,


disponível em <http://www.bcb.gov.br>.

14 Disponível em: <http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/


bolsafamilia05_01.asp>.

Rev. Katál. Florianópolis v. 10 n. 1 p. 65-74 jan./jun. 2007

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