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III Workshop Desafios e Perspectivas da Inclusão Digital na Sociedade da Informação:

Elementos para uma Estratégia Abrangente


Brasília, 14/15 de dezembro de 2009
Anais do Evento
Marta Voelcker
Superintendente Executiva da Fundação Pensamento Digital
Apenas computadores não representam acesso
Resumo: O trabalho decorre de estudo realizado pela Fundação Pensamento
Digital em parceria com a Universidade do Estado de Washington, envolvendo
o Brasil e mais 24 países, para identificação das necessidades de informação
das instituições que oferecem serviços de acesso as TICs, com destaque para
as populações de baixa renda. A pesquisa foi dividida em duas fases. Na
primeira, foram realizadas entrevistas junto aos telecentros, bibliotecas e
cibercafés (lanhouses); na segunda, junto aos operadores e usuários destes
centros. Os dados referentes aos três tipos de estabelecimento são
caracterizados e comparados: os telecentros têm dificuldade na manutenção/
sustentabilidade, os cibercafés (lanhouses) apresentam bons níveis de
atendimento ao público e as bibliotecas se caracterizam pela baixa penetração
nas populações menos favorecidas. O trabalho conclui afirmando que as
políticas públicas de inclusão digital precisam atuar na melhoria do nível de
alfabetização dos usuários desses centros, como forma de efetivar o acesso à
informação, e que a colaboração entre os diferentes modelos seria um bom
caminho para potencializar o acesso às TICs, ou seja, mais tecnologias em
bibliotecas, mais conhecimento em telecentros e mais cidadania nos cibercafés
(lanhouses). (resumo acrescentado)

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Elementos para uma Estratégia Abrangente
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Anais do Evento

Sou Marta Voelcker, co-fundadora e executiva da Fundação Pensamento


Digital. Sou doutoranda orientada pela Professora Lea Fagundes em
Informática na Educação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
[Inicialmente,] vou falar um pouco da minha caminhada porque ela acaba
influenciando o olhar na pesquisa, o que é inevitável. Começamos em 2000,
em Porto Alegre, com a reutilização de computadores e formação de
educadores e de monitores nas ONGs como um braço do CDI no Rio Grande do
Sul. Logo depois recebemos um investimento inicial da DELL, dentro do centro
de voluntariado, a Parceiros Voluntários. Depois a DELL inaugurou uma sede
em Eldorado no entorno de Porto Alegre e se resolveu dar um aporte inicial e
criar uma organização própria para isso. Mobilizou lideranças da área de TI, a
maioria empresários, e a Professora Lea Fagundes veio representando a
universidade. Ela foi eleita presidente e nasceu então a Fundação Pensamento
Digital.
Como fundação parece uma instituição enorme, mas somos bem pequeninos.
Por um tempo nós fomos focados na militância da inclusão digital, vivenciamos
o início dos telecentros de Porto Alegre. Foi ainda antes de São Paulo, Rogério
Santana estava na época liderando isso no município, e a gente foi vendo que,
“Opa! Agora o governo vai entrar nisso” e “o quê isso abre para nós na
iniciativa privada”, porque isso aqui era a primeira iniciativa. E a gente viu que
desde o início, com a influência da Lea Fagundes, a formação dos educadores
era algo que a gente teria muito a contribuir. E com o passar dos anos a
equipe foi também estudando e a gente foi entrando para a pesquisa, e
também com o braço privado dos trabalhos da Lea muitos projetos
apareceram, e cada vez mais, agora estando participando da pesquisa.
O que vou apresentar aqui para vocês hoje é uma parte de uma pesquisa
internacional chamada Landscape Study (traduzido como “O estudo do cenário
de acesso público à informação e às tecnologias digitais da informação e
comunicação”). Esse estudo foi coordenado pela Universidade de Washington
pelo departamento do Chris Coward e foi conduzido em 25 países como estudo
transversal. Nós conduzimos a parte do Brasil e será apresentado estritamente
o Brasil. Caso haja interesse eu tenho a fonte para passar. Os relatórios são
todos públicos no site da Universidade de Washington. Estão todos em inglês,
inclusive os nossos.

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Qual era a questão norteadora? Quais são as necessidades de informação e as


oportunidades para fortalecer as instituições que oferecem acesso público à
informação e comunicação (que são os PIDs)? Como a gente pode fortalecê-
los? E na verdade, que informação a população menos favorecida precisa para
se desenvolver? Essa era a grande questão, que era muito estranha para nós
porque a gente, vindo da militância dos telecentros, não convivia muito com
informação. A área da biblioteconomia estava há anos luz de quem estava no
movimento da inclusão digital no Brasil. Especialmente essas organizações que
oferecem o acesso público para os menos favorecidos e especialmente através
das TICS digitais, porque a gente também estudou as bibliotecas sem TICS.

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Inicialmente os países da América Latina se reuniram em Seattle no final de


2007 e a coordenação da Universidade de Washington nos apresentou este
framework que é da ONG Bridges.org que apresenta 12 questões (12 tópicos)
para se pensar, se analisar ao se planejar e avaliar projetos de TICS para o
desenvolvimento. Os dois tópicos de baixo foram sugestão do grupo presente
que discutiu e viu questões sobre cada um desses tópicos e ele já nos traz uma
contribuição. Enquanto nós ainda ficamos contando números de acessos e
comemorando que a tecnologia está chegando nos locais, nós também
precisamos olhar se essa tecnologia se adequa às necessidades, desde se é a
mesma voltagem, se não tem poeira demais no local, se o custo é acessível, se
é que tem um custo, a capacidade da população usar esta informação, se
existe conteúdo na língua local porque vários países tiveram este problema,
que graças a Deus não é o nosso caso. Nós temos aqui uma só língua.
Fatores socioculturais, a integração do uso da tecnologia à rotina diária,
trusting (confiança na tecnologia), o cenário econômico local, o cenário
macroeconômico (de que forma ele influencia o local), o marco legal, a
regulamentação desde o uso da Internet e toda essa parte legal que influencia,
a vontade política e o apoio público, e os outros dois criados pelo grupo, quer
dizer, a própria ação social. Na verdade é a idéia de que quando a população
se apropria ela começa a criar em cima e até transformar essa tecnologia. E as
questões dos contextos regionais e internacionais; às vezes há algumas áreas
que tem acordos regionais entre países. Então isso também foi levantado.

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A pesquisa foi dividida em duas fases:


Na primeira nós voltamos para casa já com um acordo tendo a apropriação
deste marco lógico, e pouco depois o pessoal de Washington nos enviou uma
grande planilha para a gente confirmar dados econômicos, geográficos e
sociais do país e nos pediu para definir três canais, sendo que
obrigatoriamente um deles era biblioteca porque é muito forte nos EUA o uso
das bibliotecas. Um dos apoiadores, a Gates Fundation, apóia e tem como um
dos seus principais programas o Global Libraries, e acredito que uma questão
forte para eles é “agora que não é mais só biblioteca como vamos seguir
investindo? O que muda na biblioteca, nos telecentros, nos cibercafés?”.
Então os outros dois centros eleitos no Brasil e na grande maioria dos países
foram telecentros e os cibercafés, sendo o foco dos telecentros visto como
centros gratuitos e os cibercafés como centros pagos. Na época, final de
2007 / 1º semestre de 2008 (fase de coleta de dados), nós usamos o Mapa da
Inclusão Digital (MID). Não usamos o ONID porque a idéia era ponto público
de acesso à informação e não um conceito mais restrito de telecentros como o
ONID.
Do MID nós tiramos o ProInfo, pelo entendimento de que os laboratórios das
escolas não são abertos à população, embora às vezes o MEC diga que é para
ser, mas a gente sabe que na prática isso não acontece. Também não usamos
as bibliotecas das escolas e das universidades: embora as portas das

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universidades estejam abertas às pessoas, elas não podem levar os livros para
casa e não são freqüentados pela população menos favorecida, [o] que mais
nos interessava.
Então estes eram os números que nós tínhamos na época. Conduzimos
inicialmente 49 entrevistas com representantes de redes de telecentros, com o
Mário Brandão [Presidente da Associação Brasileira de Centros de Inclusão
Digital], com representantes do governo, com representantes de redes
estatuais de bibliotecas, coordenadores estaduais de bibliotecas, Fundação
Biblioteca Nacional, etc. Olhamos os estudos existentes, principalmente o
material do CGI. Geramos um relatório da 1ª fase e esse relatório tinha um
padrão de formato porque a idéia global do projeto era a análise transversal
entre os países. Em abril de 2008 nos encontramos, os 25 países, na Costa
Rica, onde o pessoal da coordenação da Universidade de Washington nos
apresentou questões para a 2ª fase, que seria um survey direto com
operadores e usuários de telecentros.
Uma questão interessante é esse olhar que nos trouxe, para a Fundação
Pensamento Digital e até influenciou nas nossas práticas, que é “qual é a
informação que você busca?”. E isso normalmente é uma resposta mais
evasiva do tipo “não busco informação, busco a comunicação”. Isso foi muito
presente em toda América Latina. Na América Latina apareceram bem forte os
cibercafés, e uma resistência a ter que pesquisar bibliotecas, já que não eram
representativas na maioria dos países nos seus movimentos de ICT for
Development ou de inclusão digital.
O nosso orçamento era bastante restrito, porque para todos os países eram
iguais, e a Universidade de Washington, na definição dos 25 países, o Brasil foi
um dos últimos a ser colocado por causa deste fator. O nosso orçamento era
igual o de Honduras, mas nós tínhamos muita vontade de fazer uma pesquisa
global nacional e conseguimos, com estudantes, professores de outras
universidades, representantes de ONGs de outras regiões do país aplicar
surveys nas cinco regiões.

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Então estivemos aplicando [o survey] presencialmente em 43 centros


distribuídos nas cinco regiões. Foi escolhido um estado em cada região. Foram
entrevistados 43 operadores sendo operador a palavra para monitor ou
educador ou a pessoa que atende na biblioteca em cada um desses centros, a
pessoa que está em contato com o público, e 1284 usuários. Aproximadamente
três telecentros, três cibercafés e três bibliotecas em cada um desses estados.
E a definição de “rural” e “urbano”, que nós achávamos nacional, nos pegou
um pouco, porque eu entendi a definição de rural não dentro de uma pequena
cidade, mas realmente “no campo”, e aí praticamente não encontrei centros.
Embora oficialmente sejam todos urbanos, nós fizemos questão de colocar no
que seria uma “cidade agrícola”. O interessante é que para a próxima pesquisa
que nós estamos fazendo com a Universidade de Washington já não estão
usando esta definição, porque varia tanto de local para local, de país para país,
onde deixa de ser rural e começa a ser urbano. Será que uma cidade pequena
que vive estritamente da agricultura não é rural? Depois quem quiser
contribuir com a definição estou aberta a muitas colaborações.

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A redação dos relatórios, conforme os formulários fornecidos pela Universidade


de Washington, foi concluída, a 1ª versão parcial em julho, e depois agosto e
setembro fomos concluindo. Nesses relatórios há uma descrição do país como
um todo, que eu pego umas pinceladas. Ainda não havia estourado a crise,
então o crescimento era maior ainda, e graças a Deus continuamos numa
posição boa enquanto momento econômico, mas isto foi ainda antes do
estouro do mercado americano.
O terceiro setor vibrante de crescimento, contando com a confiança do
governo, que delega várias políticas públicas nas mãos do terceiro setor.
Liberdade de imprensa muito significativa, que alguns dos 25 países não têm,
e a presença do CGI (Comitê Gestor da Internet) que é um marco no Brasil, o
que o diferencia de vários outros locais.
Apresentamos um crescimento significativo do acesso físico. Uma vontade
política de apoiar fundamentalmente telecentros, senão quase que
exclusivamente, embora ocorra uma explosão recente da quantidade de
lanhouses, principalmente nas comunidades menos favorecidas, como
iniciativa de pequenos empreendedores, muitas delas ainda informais.
Bibliotecas poucas representativas no movimento da inclusão digital. Então
para ilustrar isto para os americanos, que para eles é difícil de entender um
contexto tão diferente, eu coloquei que até o Ministério da Cultura, que é
responsável pelas bibliotecas, tem um programa de inclusão digital, que são os

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Pontos de Cultura: por entender que as bibliotecas realmente não estão dentro
das comunidades menos favorecidas, então se fez essa opção.

O acesso em cada um dos telecentros em geral, e também em lanhouses,


alguns locais públicos nos centros da cidade, mas a maioria dentro das
comunidades, são em si um exercício de empreendedorismo comunitário, uma
iniciativa fantástica muito positiva para essas comunidades, que empreendem
ao criar os telecentros, ao criar as parcerias com governo, com a iniciativa
privada. O uso de Internet gratuito oferecido com tempo de acesso limite
normalmente devido a grande procura, e que privilegia o tempo para
atividades escolares. Então se tem uma criança dizendo que vai fazer um
trabalho de casa, ela tem mais tempo de uso do que um que vai para usar um
site social ou que não declara para o que está usando. Isso a gente achou com
certa freqüência.
Dificuldade de sustentabilidade financeira e de qualidade devido a uma alta
rotatividade de monitores. Um ponto bastante crítico, que eu acho que muitas
vezes é uma proposição, é que este operador do telecentro tem rotatividade,
porque no Brasil tem que ser um jovem da comunidade. O que é fantástico
para ele, só que tudo isso que nós estamos fazendo aqui, tudo isso que a
gente acredita, o grande potencial das TICs para o desenvolvimento não pode
ficar na mão só de um jovem que vai ganhar R$ 300 no final do mês sem ter
profissionais da educação, da área social para desenvolver projetos com maior

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profundidade, para trazer o turno inverso da escola para os telecentros, para
desenvolver bem mais programas. Então é ótimo que seja o jovem lá, mas ele
não é suficiente para desenvolver os potenciais que a gente têm em mente
enquanto pesquisadores e muitos dos fazedores das políticas públicas.
Cibercafés ou as nossas lanhouses: a maioria dos países adotou o nome de
cibercafé, embora outros tivessem nomes locais, então eu acabo tratando
como cibercafés os pontos pagos. Criados por pequenos empreendedores nas
comunidades menos favorecidas, com diversos softwares à disposição,
inclusive alguns de jogos e outros não disponíveis normalmente. Tempo
ilimitado, não há normalmente restrições para navegar em redes sociais, às
vezes achados em telecentros. Muitos deles não registrados enquanto empresa
ou organização; vivem na informalidade. Computadores mais novos e de
melhor qualidade, sustentáveis através de taxas cobradas dos usuários.
Disponíveis em horários mais amplos. Os telecentros estando dentro das
ONGs, eles fecham no horário comercial, muitas vezes, e os cibercafés e
lanhouses a gente nota abertos à noite, abertos finais de semana, então mais
disponíveis para a população. Não há cursos, não é oferecida formação e ajuda
dos operadores. Existe, mas é bastante limitada, diferente do que a gente vê
nos telecentros. São ambientes menos propícios para as crianças, algumas
vezes quando estão ligados a restaurantes ou bares. Sendo que a gente tem
imagem de telecentro dentro de um centro social, dentro de uma organização
comunitária onde ela tem a idéia do acolhimento desta criança, e no cibercafé
essa não é a proposta inicial, e não se tem uma responsabilidade maior, e há a
circulação de todos os tipos de público.
Bibliotecas públicas: chegamos por várias entrevistas e fontes a esse número,
em torno de 5.097 existentes em 4.700 municípios, com 85% de cobertura,
onde a gente pode ver que a maioria não pode ter mais do que uma biblioteca
por município. Óbvio que tem uma grande concentração no Sudeste, tanto em
quantidade quanto em qualidade das bibliotecas. São pouco frequentadas pela
população menos favorecida. Os usuários têm maior renda e maior
escolaridade. Algumas [bibliotecas] nos centros das cidades ou próximas aos
prédios de gestão pública, não dentro das comunidades como os telecentros. A
gente chegou a uma estimativa de que menos de 15% oferece serviços de
TICs. É muito difícil identificar quais tinham TICs para acesso do público, não
porque há a Rede da Biblioteca Nacional, mas muitas vezes quem aporta a
tecnologia pode ser o município, pode ser outros parceiros. Então era difícil se
identificar.

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A pesquisa batia muito na questão de “qual a necessidade da informação para


trazer desenvolvimento à população”, quer dizer, que conteúdo, que
informação o povo pede, precisa para melhorar a vida dele. E de novo, não é
bem nosso enfoque hoje. Essa não é uma pergunta freqüente, presente nos
movimentos de inclusão digital brasileiro. Aqui nesta sala até que sim, porque
tem pesquisadores que vêm desta casa [IBICT], mas a gente vê muitas outras
pessoas estudando tecnologia tanto para o desenvolvimento quanto para a
educação que vêm de áreas das exatas, da educação ou que não vêm da área
da informação. Isso para mim, fazer essa pesquisa, foi um aporte muito forte
nesse sentido e um acordar para outros potenciais do nosso movimento local
de inclusão digital.
Então como é que a gente foi justificar que a população nos disse, que os
usuários disseram, que não buscam informações, que buscam redes sociais?
Na verdade eles não lêem. Não lêem textos mais extensos e aí a gente busca o
índice nacional de alfabetismo funcional elaborado pelo Instituto Paulo
Montenegro, que é o braço social do IBOPE, e que analisa a população
brasileira economicamente ativa entre 15 e 64 anos. Esses são os dados de
2007, já tem dados mais novos: 7% dessa faixa etária, dessa população, é
totalmente analfabeta; 25% tem alfabetização rudimentar, quer dizer, lê um
título; 40% consegue entender a mensagem de um texto relativamente curto e
apenas 28% consegue, digamos, fazer uma relação entre dois textos. Aí a
gente vê que realmente pouca gente que freqüenta esses pontos públicos tem

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condição de fazer a relação de dois textos e poucas compreender um texto
curto. Então nesse sentido, ao invés de dizer que informação é necessária, a
gente apontou a necessidade de iniciativas que promovam uma melhoria do
nível de alfabetização. O que é muito possível de se desenvolver.
As ONGs que estão nas comunidades, elas já são muito construtivistas por
trabalhar em projetos, então, com uma pequena atividade pode haver uma
sistematização de propostas para esse sentido ,se a gente chegar a esse papel
para esses centros. Que as pesquisas existentes no país, que são muitas em
qualidade, são muito boas sobre desenvolvimento social, sobre educação, elas
não chegam nesses lideres comunitários, muitas vezes nem nos coordenadores
das escolas. Eles não vão buscar nas universidades os mestrados, os
doutorados, os papers que dizem e a política brasileira é democrática, ela
delega para as ONGs a política de inclusão digital. As escolas são
extremamente autônomas na redação do seu projeto político-pedagógico. Só
que esses autores normalmente não estão acessando a produção de
conhecimento do país. Então aqui a gente coloca resumos mais acessíveis. E aí
está a multimídia também para nos ajudar nisso, talvez.
Essa rede de serviços incluindo os telecentros, que a gente coloca no terceiro
setor no Brasil, que vai via editais, ela tem principalmente uma
descontinuidade muito grande. Isso bagunça a vida dos jovens. Quer dizer, eu
daqui um ano vou fazer um curso técnico, ou vou fazer um curso lá na ONG e
depois vou fazer um curso técnico, mas aí a ONG não entrou no edital, o edital
atrasou e agora começou um projeto na minha comunidade e o ano que vem
não tem mais. Então há uma descontinuidade grande de projetos oferecidos e
quando eles começam, muitas vezes os interessados não estão ali, e às vezes
dá oportunidade para pessoas não tão próprias para aquela vaga, às vezes não
tem capacidade de comprometimento suficiente para fazer determinado curso
e a gente acaba não aproveitando da melhor forma. Em termo de saúde, que
também era um requisito da pesquisa a gente vê que tem trabalhos muito
bons do governo de prevenção à AIDS, à dengue, mas sobre a questão de
doenças crônicas de pobreza poderia ser ainda mais explorada a informação
existente nesse sentido.

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Por tipo de centro:


O usuário de biblioteca é majoritariamente feminino, 54,4% entre 15 e 18
anos. 27% procuram a biblioteca freqüentemente procurando por educação e
informações relacionadas a notícias. Usuários e operadores de biblioteca têm
escolaridade superior do que dos outros centros. Muitos deles com curso
superior completo e as tecnologias das TICS, quando são oferecidas, referem-
se ao uso da Web em geral e do e-mail. Tanto bibliotecas quanto telecentros
tiveram uma divergência na informação do uso enquanto operadores. A
questão era qual o motivo da utilização. O operador das bibliotecas indicou
como mais de 40%, quase 50%, enquanto que os usuários apontaram bem
menos, 24,8% ou 34% se a gente incluir outras atividades que podem ser
incluídas na educação também. Quanto a barreiras, foi declarado, por ordem
de grandeza, em primeiro lugar a limitação do acervo, não adequado às
necessidades locais, e muitas vezes antigo; a falta de treinamento para o uso
das TICs quando disponível; e o horário limitado. Quer dizer, a pessoa sai do
trabalho quer ir na biblioteca e está fechada, e no final de semana está
fechada.

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Telecentros:
Também majoritariamente usuários do sexo feminino, entre 15 e 18 anos, os
visitam freqüentemente, 44%. Os operadores declararam que mais de 40%
dos usuários procuram para atividades de educação, mas os usuários
declararam que procuram para entretenimento, 42,7%. Então muitas vezes a
gente tem uma visão, o operador acha que é uma coisa, mas o usuário tem
um posicionamento diferente. Usam com freqüência sites de relacionamento e
jogam games. As barreiras declaradas são o horário limitado para o uso, falta
de informação e falta de conteúdo. Essa falta de conteúdo me causa uma certa
estranheza, mas é uma pergunta aberta para todos os centros, porque ao meu
olhar conteúdo na Internet nós temos, muito mais do que a capacidade que a
maioria dos usuários tem para ler. Então, talvez tenha ocorrido porque era
uma pergunta aberta tanto para bibliotecas, telecentros e cibercafés, mas esse
é o resultado.

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Cibercafés ou lanhouses:
Muda o usuário, que passa a ser majoritariamente do sexo masculino, também
entre 15 e 18 anos nos três centros. Visitam freqüentemente procurando por
entretenimento e sites de relacionamento. A barreira é o custo, porque as
outras elas tem mais horário de atendimento e até mais possibilidade de
softwares.

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A gente conclui, de uma forma muito ampla, que as bibliotecas enquanto tipo
de centro são sustentáveis, mas não atraem a população menos favorecida, e
não estão devidamente equipadas com as TICs. Os telecentros atendem a
população menos favorecida próxima a eles, de menor renda e menor
escolaridade. A gestão comunitária é um exercício em si de cidadania e
empreendedorismo. Existe uma fraqueza na qualificação de operadores e na
sustentabilidade, comprometendo a qualidade do serviço oferecido,
principalmente se a gente for olhar com o olhar de biblioteca, de busca de
informação, de estimular e facilitar a busca da informação e de uma leitura.
O cibercafé atende os menos favorecidos, tem ótimos equipamentos em
relação aos outros, conexão à Internet, são sustentáveis, mas não oferecem
formação e apoio necessário aos usuários.
Num mundo ideal, um centro de excelência teria então uma sustentabilidade e
infraestrutura de um cibercafé, a própria ação comunitária e proposta social
dos telecentros e uma qualificação de operadores a nível daqueles presentes
nas bibliotecas, se tivermos em mente o uso da informação, não a parte
tecnológica porque os operadores das bibliotecas ainda nem têm a tecnologia.

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Barreiras no contexto como um todo a gente vê no apoio político (political will),


com foco, em 2008, exclusivo a telecentros, enquanto as lanhouses estão
borbulhando e as bibliotecas estão lá, muitas delas, por exemplo, na época,
em Porto Alegre há a Biblioteca Municipal sem computadores e as ONGs com
programa do governo municipal, da prefeitura mais de 20 ONGs equipadas.
Hoje a biblioteca já tem.
Ocorre alta rotatividade de operadores em telecentros, o que demonstra uma
dificuldade de sustentabilidade e, [como] resultado, problema de não se
conseguir desenvolver projetos um pouco mais audaciosos em termos de
desenvolvimento de habilidades e de desenvolvimento comunitário.
Limitadas habilidades de leitura restringem a busca de informação escrita: de
acordo com os dados do INAF, 72% da população não consegue usufruir
plenamente da língua escrita. Então, iniciativas que promovam o
desenvolvimento de habilidades de leitura e escrita são extremamente
necessárias.
Uma vez que esse cenário está construído, a gente tem que olhar para esses
centros dentro das comunidades, quer dizer, da garotada, dos adultos que
gostam de freqüentar esses espaços. A gente tem que ter projetos que
estimulem eles a trazer a língua escrita para suas vidas. Vamos fazer algum
tipo de pesquisa, vão se desafiar a fazer hoje upload, web 2.0, vão postar
documentos escritos ou de multimídia. Esse é um tipo de atividade que a gente

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vê que tem que ser potencializada. Desenvolvimento de habilidades para o uso
das TICS, além das habilidades de leitura e escrita.
Colaboração entre diferentes tipos de centros. O que a gente vê nas políticas
públicas brasileiras é que ou a verba vai para a biblioteca ou vai para
telecentro. E aí a biblioteca não tem telecentro e telecentro não tem biblioteca.
A biblioteca que tem verba para estar no centro da cidade, muitas vezes não
tem recurso para equipar uma sala com computadores. O telecentro está numa
organização comunitária em que aquele projeto leva livros e ele não tem
recursos para fazer livros. Um exemplo que a gente viu na Bahia, em Salvador,
visitando a biblioteca, se não me engano era estadual, tinha dentro dela um
telecentro equipado por uma política pública de telecentros do próprio estado
da Bahia. De novo esses nomes, como a [Maria de] Nazaré colocou, essas
redes na verdade, eles são muito restringidos à sustentabilidade, os
mantenedores, os parceiros que fazem acontecer. Quem está lá na ponta vê o
acesso e muitas vezes não sabem por onde chegou, e a idéia de que as redes
de um programa de telecentro, ou as redes de um programa do Governo
Federal, os pontos trabalham em rede que é muito fraca. Eles interagem muito
pouco entre si através dessas redes.
Talvez funcionem melhor programas menores como a Casa Brasil, Pontos de
Cultura, que têm agora mais recursos para os projetos. Colaboração entre
diferentes tipos de centros: então o que a gente vê essa possibilidade de
programa público de telecentro que tem recursos para criar uma sala dentro
da biblioteca e dentro das ONGs, além da cultura com incentivo, com
investimento privado. Muitas vezes a gente vê empresa querendo investir, usar
recurso e não sabe muito bem como. Dá pra ter aporte tanto de acervo quanto
de recursos humanos para manter a biblioteca através desse tipo de projeto.
Essas foram as sugestões.
Na verdade se tem muito mais para falar, foi um ano de trabalho, mas numa
pincelada rápida é isso. Quem quiser ter acesso às planilhas de dados é só
mandar um e-mail que estamos à disposição.

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