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E-commerce

A felicidade cabe em um caixa de sapatos


Tony Hsieh vendeu sua primeira empresa por US$ 265 milhões para a
Microsoft. E a loja online de calçados Zappos.com, por US$ 1,2 bilhão para a
Amazon. Saiba o que faz deste jovem de apenas 36 anos um dos
empreendedores mais criativos e inusitados dos EUA

Ralphe Manzoni Jr.

O CEO da Zappos, loja de sapatos online Tony Hsieh gosta de começar uma conversa
com um interlocutor com uma pergunta inusitada. "Em uma escala de zero a dez, quanto
você está feliz agora?" À primeira vista, pode parecer que estamos à frente de mais um
guru de autoajuda. Mas não se iluda. Este jovem norte-americano de 36 anos,
descendente de chineses, é um dos mais brilhantes e criativos empreendedores dos
Estados Unidos. Em 1998, ele vendeu sua empresa de anúncios online LinkExchange por
US$ 265 milhões para a Microsoft. No ano passado, o já lendário Jeff Bezos, fundador da
Amazon, pagou US$ 1,2 bilhão em ações pela Zappos. Por trás desses negócios está a
personalidade de Hsieh (pronuncia-se "xai"), que construiu obsessivamente uma empresa
baseada na cultura de prestar o melhor atendimento ao consumidor e engajar os
funcionários em um propósito maior. E mais uma vez: não se trata de autoajuda ou de
conversa fiada. Quer um exemplo? Depois de contratar um funcionário e treiná-lo por um
mês, ele oferece US$ 2 mil para que abandone o emprego. Com isso acredita que está
economizando dinheiro, pois aqueles que aceitam a proposta não se encaixariam na
cultura da Zappos e não teriam compromisso com a empresa.

Seriam demitidos mais na frente. Mais uma história? Os funcionários não têm roteiro para
falar com os clientes por telefone, prática comum em qualquer call center, inclusive nos
EUA. A ligação mais longa da Zappos teve duração de quatro horas e ajudou um
consumidor que tinha problema de sensibilidade nos pés a escolher um tênis ideal.
Esquisito, não? Mas se você quiser trabalhar na Zappos.com ser um pouco estranho faz
parte do ritual. E não há nada de errado nisso. "Não acho que a cultura da Zappos possa
ser clonada", declarou Hsieh, em entrevista por e-mail à DINHEIRO.
"Mas acredito que a ideia de ser transparente e tocar o seu negócio baseado em valores, e
não apenas em dinheiro e lucro, possa funcionar para qualquer organização."

Ralphe Manzoni Jr.

O jeito Zappos de administrar: gerentes e diretores reservam até 10% de seu tempo para sair com os seus
liderados. É uma forma de cumprir um dos valores da empresa, que é criar uma equipe positiva e com ambiente
familiar

Criada em 1999, a Zappos era um investimento do Ventures Frog, fundo de capital


de risco de Hsieh. Da época de investidor, ele sente pouca saudade. "As pessoas
só me ligavam para dizer que precisavam de dinheiro e que perderam clientes",
disse ele para Romero Rodrigues, presidente do site de comparação de preços
Buscapé, durante uma de suas visitas ao Brasil. Em 2000, assumiu a operação da
Zappos e implantou práticas de gestão e liderança pouco usuais, mas que
funcionaram como um imã para atrair novos consumidores e consolidar a imagem
de excelência no atendimento aos clientes. Uma das estratégias foi não cobrar
pelo frete na ida e na volta. Se não gostou, o cliente pode devolver o produto
sem custo. E isso pode ser feito em até 365 dias.

A politica de contratação de pessoas foge


também a qualquer padrão. O objetivo
principal não é só encontrar candidatos
capazes tecnicamente, mas também aqueles
que têm a maior chance de se adaptar aos
valores da empresa. O processo é composto
de duas fases. A primeira avalia as
habilidades do candidato para o cargo. A
segunda testa se ele tem os valores da
companhia. "De zero a dez, o quanto
esquisito você se considera?", " Se você
fosse um superherói, quem seria e por
quê?", "Se você pudesse escolher uma
canção como tema para entrar nesta
sala,qual seria?". Essas são algumas das
perguntas feitas aos candidatos. Se ainda
restar dúvidas, Tony Hsieh entrevista
pessoalmente o candidato, muitas vezes em
uma conversa regada a vodka, sua bebida
preferida.

Hsieh cresceu em San Rafael, na Califórnia.


Seu pai, Richard, é um engenheiro químico
chinês com PhD e 29 patentes em seu nome. Quando estava na faculdade, Tony
começou um pequeno negócio de pizzas. Um de seus clientes habituais era um
sujeito chamado Alfred Lin. Mais tarde, soube que ele comprava pizzas grandes
para revendê-las em pedaços aos alunos da escola. Pensou que este seria um
bom nome para tomar conta das finanças e o convidou para ser sócio na
LinkExchange, empresa de anúncios online criada após concluir o curso de ciência
da computação em Harvard. O Sequoia Capital, mesmo fundo que apoiou o Yahoo
e o Google, colocou US$ 3 milhões na LinkExchange. Em 1998, faturando US$ 10
milhões e deficitária, a companhia foi vendida por US$ 265 milhões para a
Microsoft. Hsieh tinha 24 anos.

"Muitas pessoas não sabem por que vendi a empresa. E a razão é porque a
cultura foi morro abaixo", declarou. E este é o erro que Hsieh quer evitar na
Zappos.
Com a lição que aprendeu, passou a investir quase que obsessivamente nos
valores da Zappos. E deu certo. Mais de 12 milhões de americanos já adquiriram
algum item no site. Num dia normal, 75% das vendas são para consumidores que
já fizeram alguma compra anterior. Todos os mais de 4 milhões de produtos de mil
marcas estão no depósito da empresa. Nos EUA, a entrega é sempre feita no dia
seguinte. Com isso, o faturamento de US$ 1,6 milhão em 2000 saltou para US$ 1
bilhão em 2008. Quando comprou a Zappos, Jeff Bezos, declarou que admirava a
obsessão da empresa pelos clientes. "Nunca vi uma companhia com a cultura da
Zappos. Isso é um ativo significativo", declarou.

Por esse motivo, ela se mantém independente. Nenhum empregado foi demitido e
os executivos permaneceram em seus cargos, incluindo o CEO Hsieh. "Eles não
estão querendo vir administrar a Zappos, a não ser que a gente peça", brincou
Hsieh, em um e-mail para os funcionários anunciando o acordo. A mensagem,
aliás, começava com um pedido de desculpas pela linguagem formal utilizada, em
razão de motivos legais da ocasião.
Se a informalidade é uma das chaves para entender a Zappos, a transparência é a
outra face. Hsieh organiza um tour pelas dependências da empresa, cujos
participantes são empresários. Nestas visitas guiadas, não há restrições.
"Passamos por todos os departamentos e as informações ficavam expostas",
conta Thiago Bacchin, CEO da empresa de marketing de busca Cadastra, que fez
a visita no ano passado.

m uma conversa regada a vodka, sua bebida preferida.


Segundo ele, os funcionários tocavam cornetas e
faziam coreografias quando o grupo de brasileiros
passava. Bacchin não teve problemas para tirar
fotos (o próprio Hsieh apareceu no final e posou
para uma) e para gravar conversas. Situação bem
diferente, ele viveu quando foi conhecer o Google,
em Mountain View, na Califórnia, onde não
conseguiu fazer imagens nem do lado de fora de
alguns prédios. Atualmente, um tour avançado,
que permite visitar mais departamentos e fazer
mais perguntas, custa US$ 147 por pessoa para
grupos com mais de dez executivos.
O Culture Book, escrito pelos próprios
funcionários, conta as histórias e conquistas
da empresa, como o dia em que a Zappos
vendeu US$ 3 milhões pela primeira vez ou
quando passou a comercializar os tênis Nike, em
2007. "É um livro inspirador", diz Miguel da Rocha
Cavalcanti, um empresário de internet do interior
de São Paulo, que recebeu um exemplar uma
semana depois de trocar mensagem pelo Twitter
com Hsieh (ele tem mais de 1,6 milhão de
seguidores).

A próxima aventura do CEO da Zappos é o


lançamento de seu livro Delivering Happiness: A
Path to Profit, Passion and Purpose (em uma
tradução livre, Entregando a Felicidade: um
Caminho para o Lucro, Paixão e Propósito), previsto para junho deste ano nos
EUA. Esse é um de seus temas preferidos. Afinal, a Zappos é a felicidade dentro
de uma caixa de sapatos. Esquisita, é verdade. Mas insuportavelmente sedutora
para os seus consumidores, funcionários e investidores do porte de Jeff Bezos e
Bil Gates.

"A Zappos não pode ser clonada"

Como criar uma cultura empresarial única no mundo dos negócios? Nesta
entrevista exclusiva por e-mail à DINHEIRO, Tony Hsieh fala sobre a importância
de estabelecer valores :
A Zappos tem uma estratégia de mídia social para aprofundar o
relacionamento com os consumidores?
Para a Zappos, parte de entregar uma boa experiência significa desenvolver
conexões emocionais. Nossa forma principal de fazer isso é pelo telefone. Por isso
temos o número 1-800 no topo de todas as páginas de nosso site. O Twitter e o
blog são formas adicionais de se conectar com as pessoas.

O sr. mede as mídias sociais?


Não medimos porque não vejo o Twitter como um
canal direto de marketing. O Twitter permite que
sejamos mais pessoais com nossos clientes e,
dessa forma, possamos constru

O sr. pode nos explicar como foi o processo


para criar os valores?
Antes de divulgarmos nossos valores, tínhamos
uma lista de 37 ideias. Esses conceitos foram
condensados nos dez valores . Começamos a
trabalhar neles em 2005, quanto tínhamos 250
funcionários. Hoje, o staff é de 1.600 pessoas.
Apesar de termos crescido tanto, é interessante ver
o quanto nossa visão e ideais permaneceram os
mesmos.

Qual a lição mais importante de liderança que aprendeu?


Acredito que o desafio da liderança continua a ser a comunicação. Com 1.600
empregados, é impossível para cada um deles saber o que está acontecendo em
cada departamento.

Por que o sr. vendeu sua primeira empresa, a LinkExchange, para a


Microsoft?
Fundei a LinkExchange em 1996. Lembro que os primeiros dias eram cheios de
diversão. Éramos apenas dez e trabalhávamos por muitas horas. Muitas pessoas
não sabem por que vendi a empresa. E a razão é porque a cultura da empresa foi
morro abaixo. Com a Zappos, quero ter certeza que não vou cometer o mesmo
erro de novo.

A crise financeira global afetou as receitas da Zappos em 2009?


Continuamos a crescer o negócio ano sobre ano em razão dos investimentos no
atendimento ao cliente e na cultura da empresa.
O sr. não tem medo de compartilhar a forma de gerenciamento da Zappos
com outras companhias?
Não acredito que a cultura da Zappos possa ser clonada. Mas acredito que a ideia
de ser transparente e tocar o seu negócio baseado em valores, e não apenas em
dinheiro e lucro, possa funcionar para qualquer organização.

Se pudesse voltar no tempo e fazer algo diferente, o que seria?


Não tínhamos lançado nossos valores até cinco anos atrás. Se pudesse voltar,
trabalharia neles desde o primeiro dia da Zappos.

Que habilidade gostaria de melhorar?


Quero aprender mais sobre a ciência do humor.

Qual a coisa mais esquisita que já fez?


No décimo aniversário de quando nos encontramos, Fred (Mossler, que tem o
inusitado cargo de diretor de "coisa nenhuma") e eu voamos para São Francisco
para comer o mesmo prato que havíamos experimentado há dez anos e lembrar
os primeiros dias da Zappos.

O que faz o sr. feliz?


Fazer parte da construção de algo significativo.

Numa escala de 1 a 10, quanto feliz o sr. está agora?


8,5.

ir relacionamentos ao longo do tempo.

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