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04 Clara Regina Rappaport * Rodolpho Ruling Ricardo Goldenberg * Rosely F_S. Pennacchi Sara Elena Hassan [Aline E. Camargo Gurfinkel * Decio Gurlinkel Adolescéncia Abordagem psicanalitica Coordenadora: Clara Regina Rappaport eee eeu. @NORA PEDAGOGICA 618. 908014 € UMIVERSITARIA LIDA. “ ‘Psicopatologia’ literalmente quer dizer: um sofrimento que porta em si mesmo a postibilidade ‘de um ensinamento interno. Como paix, torna-se luma prova e, como tal, sob a condiedo de que sels ‘ouvida por aiguém, (raz em si mesma o poder de eu ra, Uma paixdo nio pode ensinar nada, pelo con. ttirio, conduz 8 morte se nfo for ouvida por aquele que esté fora, por aquele que éestrangels, por aque- Te que pode cuidar dela" ‘Talver seja essa a demanda do adlescente que busca Orientagdo Profissional: a de ura escuta es. lrangeira, que ie permita “orientar-s em seu es- tranho lugar de exilio, Referencias bibliogrficas bras pn oa... — Edo Pdi «Unverie GMSO Hote, Onersopaw a ecoleprefiional, 197. GOMES Cinco Aine Soran desis Se fever oak IRETTLNaon Bun ci 3° Cau aap ern, rR IR a tou mete eo 10 we Capitulo 8 Decio Gurinkel Introdugéo a uma abordagem psicanalitica da questao das drogas na adolescéncia A questio das drogas — refiro-me as drogas de aco psicotrépiea — comporta diversas dimensdes {psiquica, psicossocial, sécio-politica e econdmica, farmacolbgica e médica, antropoldgica et.) © por isto deve ser estudada por diversos campos de co: ‘nhecimento. Cada campo pode contribuir com sua Derspectiva, a sua visio especifcn, sm ignorar que Se trata de uma parte do problema, Abordarei © ponto de vista psiquice, especialmente através del uma leitura psicanalitica’ 8.1, Adolescéncia e drogas cia uma ctapa da vida xpecainen- Lessa aosugimente deste stoma que use (ce drogas:podemes consierta uma etna ae fagdo”. Alguns elementonespcitcos deta capa Sto izados 8 suscebitdade no uso mish on ‘os intenso de dross, conforme procurarl resins ‘seguir; mas ndoS trata de crateisticat exclu BI vas da adolescéncia, ¢ sim de conflitas « experitar ‘ins emocionais que eso especialmente intensifies /perda do objeto confit esipico. A questio de separacto do objeto — e a perda que necessariamente est im- plicada na separacdo — remonta aos qtagios mals primitives da vida pslguica, e mais do que isso, std ligada & propria emergeneia do psiquismo hu- ‘mano. Sem uma experitncia minimamente adequa- da de perda do objeto, ndo hé processos de repre- fenlaglo, nZo hi linguagem-e nko ha possibilidade de crlagio. As primeiras elapas da vida psiquica znd ocorrem as primeiras experiéncias de se- paracio do objeto primario (@ Mac) — constituem © espago psiguico onde surgicl 0 “ter”, 0 "per er", 0 ser", Aaui surge o conflite de dependén- iaciidependesicia entre "eu" ¢ objeto. A re-ediga0_ este conflito se di, na adolescéncia, emt relagdo 8 familia (pais, irmaos), jd que a passegem da en- cdogamia para’a exogamia implica a vorda e futo pelos ““objetos familiares ‘A droga — ea dependéncia que por vezesse ins- tala — pode ser um objeto que é ulilizado para “dar com este conflto; neste caso, pode se tani um meio (objeto intermediério) para acangar uma "de ppendncia adulta” em relagdo a0s objetos, como po- de se crstalizar uma “depend2ncia adicta™, na qual 1 droga se assemelha a0 objeto fetichista. “A inde Pendéncia que o jovem adicto busca é a independén- ia dos elementos para se apoiar-se emt algo, ¢ assim acaba por depender da droga, do grupo de adictos, dos traficantes, dos te- 132 rapeutas, das insituigBes que os tratam, dos pas vamente™! 'As mudaneas co te téon implicagses sentimento de “ser eu" (aexperiéncia do self) é bas- {ante abalado por este corpo em transformacao; & tendéncia & viver o corpo como fragmentado, 30s ppedagos, o que implica a reativagio de ansiedades ‘de natureza psicética, Para este corpo fragmentada ‘como uma maneira de idar com a angstia.cor- felata —, a droga pode Tuncionar como uma "cok ‘de ma qualidade” (segundo expressto sugerida por David Pen ot an nie sensages (corpora) as “zador precio. "as as transformag@es corporaiscarregam tam- ‘bém um outro sentido: agora 0 adolescente pode efe- ivamente consumar o incest, realizando em a/0.0 ‘desejo incestuoso infantil. A re-edigho do conflito cedipico vivida pelo adolescente assime formas dra Iaticas. A instancia do Ideal do Bu — constitulda, por um iado, pelo destocamento da onipoténc sista infantile, por eutto, pelasidentfieagdes com as figuras parentais — € especialmente marcante, tan- to na sua exigéncia implacavel de perfeiglo quanto na critica exacerbada sobre si mesmo, A exig do ideal €correlata a uma posiedo filica do sujeito, ‘onde o her6i imaginado é aquele que Tem, © que, portanto, E; a autocritica exacerbada, muilas vezes ‘com tonaidades masoquistas, pose ser também com preendida a luz da angistia de castragao, 133 (a, 0 teal do Bs encontra no ambiente socal ay cai tlw femento pornos ex :Encantoviis ue peat sobre oF omibros dos do- {Eecents cio epsiaiment ntenssdserpento em {iverson campoos novos paps renincasefrusta- oes constants tatsse dem ambiente host ave Sferece mlto powcas pssiblcades de realizagHo (© fen dav averatadessoco-econdmicas aqui, nf0 Eauene). © sonfronte do deal do Eu com exte ontetoIevay in gral am shogu em que oFe- fultado principal ¢ um intenso sent -ato de impo {encia © uso.da droga, neste cas, tm o sentido {estar um sentinento de capactagho. poder, que, nolimit, equiva vencia de ips tenia, de co- Tocagto gamiaca 8 ae procara may camente ani tars insllenca, a ncapacidade ea depressto, Eshocei aqui, de mancira breve, alguns aspec- tos especificos da adoleseénciae suas relagdes com ‘0 uso de drogas, Mas para prosseguir na discussto ‘da questto das drogas na adolescencia, € necessério ‘uma compreensio minima do que seja uma ‘adic~ 0", por decorréncia, poder discriminar © uso de ‘drogas da toxicomania. A prépria definicto de “to- Sicomania"” € muito dificil e controvertda. Assim, eventos ios voltar para o que acontece no cotidia: no da sociedade e na nossa experiéneta clinica, para pad uit” esse novo conceit, ‘Avcaenpenci de wn siatoma — no nosso caso, ‘uso de drogas na adoleseéneia — leva sempre © Psicanalista 8 Tevantar win série de perguntas: de que Se trata, afinal? Que sentides podemos atibuiraeste i i sintoma? Qual é sua relago com de srminadas es- Iruturasclinicas, ou determinadas or, iizagdes ps- ‘quicas? Que fatores predisponentes . atuais pode- 134 mos encontrar aqui? Em relagdo a0 uso de drogas, Surge algamas quests importantes: até que pono Tata se mesmo deum stoma, endo de va cond {como ouras,queseluinolivreexerecio da busca epraver Sendo mn noma er apes msn {ido singular para cadasujeite, ou podemos supor um ‘modo de fnconareno pau, ou ume especie de rutura, que estes subjacent a ese ston? ‘Pens que devemor, neste pont, trabaltiar com ‘um paradoxo, jf que as tenativas de resolver” ex teparadoxo acabam endo poucoprodutivas. Uso dd 'droga 86 pode ser efetivamente compreendide ‘quando investigad na singularidade de cada cso, ta Mstria propria de cada Sujelto,e este sentido ‘fo pode ser pensade como "‘doenga: A psicand Ise nos ensna, alias, a deslocar Foco de atenga0 dds doenga para o suo. Assim, €naescuteatenta = paclente de cada caso, no delicado trabalho ci co de re-consrugdo, que se process em cada aven {ura paleanalties, que podemos delinear 0 sentido do sintomae das condutas. Mas, ao mesmo tempo, lbservantos determinados mecanismo de uncon. ‘mento prgulcosespesficos, determinadas constla 6es ques repetem e que nos levam a propor a no Ho —"certamente um pouco vaga de uma es Ture adetva E neste espago intermedisio ene sin {oma eseutraesmplesexercco do pazer le Dio onl pensarmos ouso de drogss, manten vias 4 Torgas conlliantes que esta proposta paradonal inevitavelmente caress 8.2. Usos de droga e adiegio 0 uso de drogas psicotrépicas tem se dado nas mais diversas épocas e contextos culturais. Enon 135 tram-se relatos de uso de drogas desde « Antigtida- de, ¢ também em diversas culturas * rimitivas™ [Neste dtimo easo, as drogas alucindge as sto will- ‘zadas em rituals religiosos, como subst! clas deefe- tos curativos, ou mesmo em atividades ue lazer; mas © dado mais instigante é que nestas culturas nio se fenconta o fendmeno da adicedo?. Nao hi divida fue a “sociedade de consumo” é altamenteestimu- ladora e produtora das solugSes adictivas. ‘A ditusdo das drogas na “civilizagdo ocidental moderna" se dew principalmente a partir do século XIX, na Europa, Com o aumento progressive do uso ‘ae drogas psicotedpicas, este “uso” foi se tornando objeto de preocupagdo, ¢ foi ganhando 0 estatuto de “problema”. Foram surgindo, por um lado, os riovimentosinternacionals de "luia” contre as dro- 825, ¢, por outro, uma série de discursos sobre 0 uso Ade drogas. Com bastante resistencias, a questo das ‘Grogas vai sendo incorporada também no discurso cientiico, jd que antes era uma questio de “magia”, de “rligito", ocupando a dimensdo ds iracionall dade. ‘A medicina teve um papel importa. quanto as drogas psicotrépicas,em dois sentidos iversos. Em brimeiro logar, houve uma uilizagao er va ver maior de substineias psicotrépicas como m-licamentos, com finalidades terapeutieas; uma boe parte destes medicamentos estavam originalmente destinados 20 tratamento de distirbios mentais. Por outro lado, ‘4 medicina foi gradativamente se ocupando do pro” bomia de um suposto uso indevide ou abuso de sub ‘incias psicotrépicas; surge endo uma nova “doen: CLL, = Or aunt tne Site So a 136 ‘ca, caracterizada pelo uso indevido dessas substin- Clas! O assunto 6 até hoje muito controvertido — ‘metmo entre ot médicos. Como definir, descrever, fxpllcaretratar esta doenga? Diversos iomes sur- {gem: uso indevido, abuso, farmacodependéncia, far- ‘macotimia, oxicomania ec, Surgem os conceitas de dependéncia fisca” ¢ “dependéncia psiquica”, 0 ‘que leva ao problema: quem esté doeate, 0 corpo ‘ou a psique? Ora, a propria medicina acabou sendo ‘um importante veieulo de difusdo e divuleasao das ‘drogast A duplicidade de sentidos na relagao entre ‘medicina e drogas psicotrOpicas nos conduz a uma Constatagio um tanto irGniea — se no fosse tr ea —, pois € como se 0 fetico se voltasse contra 0 feiticeiro: as substancias usadas para curar (magi ‘camente?) 0 sofrimento psiquico das pessoas se tor- ham mais um elemento de “adoecimento" da alma, Naturalmente, éirrefutavel beneficio quea farms coterapia trouxe para o setor da saide mental, as- sim como nao se pode aribuir & medicina a respon- sabilidade pelo chamado “uso indevido"” de droga, Paralelamente & construgio do discurso médico sobre as drozas, surge o discurso juridieo © um po- de Fo social sobre 0 assunto. Confer. ‘mea questao das drogas €tomada pelo discurso ju ridico, passamos da categoria de ‘‘doenca” para a de “crime”, transgressio. Se, inicialmente, 0 toxi- ‘smano ¢ tido como criminoso, com o tempo, tende- Se atribuir o crime a0 traficante, Paulatinamente, 4 droga vai sendo equiparada — em um nivel ima: gindrio — ao Mal, a uma forga poderosa e snistra (Como um inimigo alienigena), capaz de corromper e destruir 0 Bem da humanidade. E como se 0 su timento de uma adiceao is drogas Fosse consegién cia direta do poder maléfico desta entidade sinistra, 137 a ‘que toma conta do corpo e do esp Subjugando-o segundo sua vontade; é 0 que encon {amos claramente representado, em diversos de Tiegdo cientifica, pelos seres exiraterrestres que ameagam a humanidade. Ora, esa visto moral faz om que no se coloque a quesido do sujeto que usa ‘rogas, e de qual é a sua implicacio na adiecao! O poder deste imaginario é multas vezes pouco perce- bdo: ss suns conreqiéncia se fazem sentir claramen- te1nos obsticulos e mitos que dificultam a aborda- tem ds questo das drogas. Sem desenvotver este im- portante tema aqui, chamo a atengio para.o pro- biema, pots é fundamental nos “desvestirmos” deste imagindrio, na medida do possivel, para termos uma sprosimag gusto das drogsquescjmaisau- (© que podemos observar, hoe, cuanto a0s usos de droga? E bastante comum um uso ever wal de drogas, no s6 de alcool como também dav “ilicitas”; #0 ‘Que muitas vezes se chama “uso so-ial”, Esse uso ests vores associado a grupos ou (pos de ativida- dos (profissionais ou artistes) espefieas, estos dle vida ou simplesmene a situagbes de larere des ontrado. Outro uso frequente ¢ aque ligado as lwagdes de crise durante a vida, © em especial nas “crises de desenvolvimento”, O exemplo mais chi mativo 6 0 uso durante a adolescéncia, que, em una parte dos casos, ¢interrompido ou dimsinuido na fase Adulta; outro exemplo &0 uso subseqiente a perdas (de pessoas queridas, posigdo social, emprego etc), Encontramos, ainda, uma diversidade na idade de ‘nivio do uso de drogas: apesar de a adolesetncia set tlassigamente o periodo da “iniciagao", surge cada vez com mais freqigncia 0 uso jé na infancia; so bs digns de nota os casos de pesoas que ini oso de drogas em uma dade ais aca dvi aul, rave rp evertiginosamente aor em.

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