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SIBLOTECA DE FILOSOFIN HISTORIA DAS CIENCIAS VoL. 2 Roberto Machado Goriena Nietzsche e a verdade 2 & © Roberto Machado iP. Beal. Calopgio-NeFonte (Sindicto Nasional dor Etre de Livros RY) Bras) “Machado, Robert Cabral de Melo, 1942 Nictahe 4 yendade! Robert Machada So Pala Pat Tet, 199, ISBN $5:7038-007.0 Mis3e 1. Niche, Fedich Wile, 1844-1900, 2 Are decd, 3 Mecfca 4. Verade. 5. Ese. 1 Til. spose cpp.195 Duis) EDIGOES GRAAL LTDA, BR. Heemneiide de Bars. 31-4 ~ Glia 20241-040— Rode Jner-R] “T= (021) 2528882 EDITORA PAZ E TERRA SA Ru do Taf 177 01212-010— Sfo Paulo SP Tels 011) 223.6522 Fa (011) 2236290 1999 Inmprea nm Bel! Pinte in Bal Sumario INTRODUGAO. 1 ARTE E CIENCIA 1A ane tigica © a apologia da aparéncia 2, Metafsica de anista e metafisicaracional 3. Ante “instinto de conheeimento™ i CIENCIA E MORAL. 1. Conhecimento € pos de vida 2. Genealogia da moral e vontade de poténcia 3. A vontade de verdade™ m \VERDADE E VALOR 1. A transvaloragao de todos os valores. 2.0 conhecimento e a perspectiva da poténcia 3. As estratégias da crtea da verdade- . 7 35 St ba 8 o INTRODUCAO. A ee eee eee eee cee nee eee ee eee ee aL hee en ere eee eee ci nea cea odes oe pee ee ee eee ee eee Seeger ar ee ae eee eee pe genres oe aera ee ee Se een Seen eee eae ecu epee sees Roberto Machado Negaindo a cincia a possbilidade de cla mesma elucidar sua questio, negando a uma critica interna do conhecimento a possbildace de se constiuir como uma verdadeira erties, 0 essencial da démarche consiste em articular a cneia com uma exteriordade capaz de revelar as reais dimensées © 08 ob- jetivos do projeto cientifico; consiste em explictar os funda- ‘mentos moras da ciéncia, apontando, 20 mesmo tempo, a are ‘como um modelo alternative para a racionalidade, Dai o pri- vilégio da ane © da moral como instincias que possbilitam o discurso nietwschiano sobre a ciéaca, indicandothe suas duas dlireges principas. ‘A oposi¢do entre arte © conhecimento racional percorre toda a obra de Niewsche, que valoriza a ane trigica a0 com bater a pretensio, que caracteriza a ciéncia, de instiuir uma dicotomia total de valores entre a verdade eo erro, Essa anti- rnomia € fundamental: 0 “espirito cientifico” — que nasce na Grécia cssica com Socrates e Platio e di inicio a uma idade da razto que se estende até 0 mundo moderno, que Nietsche chega a chamar de “eivizagio soeritica” — tem como con digio a repressio da ante trigica da Grécia arcaica, Af se ene contra 0 modelo que the permite por em questio, a0 assinalar © seu nascimento, 0 valor da racionaldade, ressalltando a pos'- tividade da arte como experiéncia trigica da vida. Colocar-se na escola dos gregos & aprender a ligio de uma civilizago teigica para quem 2 experiéncia anistica € superiot a0 conhe- cimento racional, para quem a are tem mais valor do que a verdade. Se Socrates e Platio signiicam 0 inicio de um grande processo de decadéncia que chega até nossos dias é porque os insinos estéticas foram desclassficados pela nizio, a sabe- dora intintiva reprimida pelo saber raciona Se a tese de um antagonismo entie are e cacia & cara teristica de toda 2 obra de Niewsche, ela nao merece, no fenianto, a mesma atencio em termos de andlise em todas as fases de st reflexio. Cronologicamente a questio da ciéncia e a verdade, que se consttui como © ponto central de sua reflexio, aqullo para 0 qual tudo converge, € marcada por um deslocamento, de uma andlise da exper Nietsche €a'verdade siderada como tnica antagonista da ciéncia — para uma and- lise da moral, considerada como aquilo que dé sentido, que da valor a0 conhecimento. Assim, enquanto 2 oposicio entee ate € racionalidade & tematizada de modo mais explicto nos escr- tos que compoem © primeito periodo de sua obra, de 1869 1876, a eitica da moral se impoe como a questio mais cons tante a pani de Huumano, demasiado burmano. Deslocamento ‘que mio € total na medida em que a preocupacio com a moral J aparece nos primeiros escritos, emboraseja mats assinalada do que desenvolvida, como se $6 progressivamente fosse sen do descoberta sua importincia como fundaniento da racional dade; por outro lado, a reflexio sobre a arte também nio desaparece dos tikimos escritos, depois que foi descobeno 0 filgo da moral. Mesmo que importantes precisoes sobre a no- ‘0 de tigico sejam introduzidas, 2 questao da ate nao me- rece mais 2 atencio dos primeiros textos. Ito porque a posi- (plo de Nietzsche ji estava firmada desde 0 primero momento 2 arte é mais importante do que a ciéncia, ‘A segunda direcao da reflexto nietzschiana € o profundo parentesco entre a ciéncia € a moral. Sua idéia€ clara: se hi posicao entre ciéncia e arte, hi continudade entre ciéncia © mon, Nietzsche suspeitajustamente da independéncia da c= ‘cia com relagio moral, assim como da pretensa oposicao centre as duas. A ciéncia no est isenta de juizos de valor, mais ainda: € 2 moral que di valor 2 ciéncia. Uma genealogia da verdade, tal como Nietsche a elabora nese momento, s6 pode ser feita no mbito de uma genealogia da moral, posico que naio implica uma teora do conhecimento nem mesmo uma mora. A perspectiva que estabelece uma relag0 intrinseca entre iéncia © ‘monll € propriamente uma genealogia da vontace de poténc uma analisehistrioofilosifia dos valores em que @ moral, em vez de ser pooto de vita extico para avalia 0 conhecimento, cla mesma avaliada de um ponto de visa “extramoral’,capa2 de atingir a tases morais do projeto episiemol6gico. Pensando a ciéncia a partir de seu antagonismo com a ame & de sua continuidade con a moral, o que faz Nietasche € avaliar 0 conhecimento racional e a pretensio de verdade por ° Robesto Machido ‘meio de dois fendmenos culturais profundamente heteroge- eos — um considerado posiivo © © outro egativo — que exprimem um aumento ou diminuigao de forga, de poténcta. A ate expressa uma superabundlncia de foreas: remete aos ins tuntos fundamentais, 4 vontade apreciatia de poténcia, A mo ral atesta uma deficiéneia de forcas: remete a instintos secur irios, mais facos, 4 vontade depreciativa de poréncia, Malgraco as diferencas conceituas, as transformacdes me- todoligieas © as variagdes de perspectiva, a idkia de avaliar a verdade a partir da dimensto das forcas & um importante in- vartante da filosofia de Niewsche. Neste sentido, a citica do nillsmo © da decadéncia ¢ a proposta de uma tansvaloracio «de todos os valores implicam uma reflex sobre a vida como criagio de valor. Este livto se compoe de trés partes. A primeira parte trata da relacio entre ante e cigncia, Pre- tendo, Primeiramente, expor a nogio nietschiana de “metali- sica de anista” estudando os dois “instintos estéticos da na- tureza’ — 0 apolineo € o dionisiico — que estio na base da ane trigica. Trat-se sobretudo de mostrar em que sentido a Filosofia da arte que Nietsche realiza na primeira etapa de sua rellexio — como aspect positvo e normative de sua critica & racionalidade — se estratura através das categorias mctafiscas de esséncia © aparéacia. Iso é ciferentemente de textos poste- Flores em que pensa 2 vida como aparéncia ou em que pre tende eliminar a oposigao essencia-aparéneia, nesta época, sob 4 influéneia de Kant © Schopenhauer, sua flosofia parte das dlicotomias ent aparéncla e esséneia, endmeno e cois em si, representagdo e vontade para tematizar a relacao entre beleza « verdade e, por canseguinte, entre apolinea e dionisiaco, Pre- tendo mostrar que, emboratrabalhe com a oposigao metafisica ‘eséncitaparéneia, a grande singularidade do pensamento flor séfico de Nietzsche nesta épaca € fazer uma apologia da apa réncia como necessiria vida e a Unica via de acesso a essén~ cia: uma apologia, potanto, da ane. Nese ea verdade Estudare, em segundo lugar, a antinomia entre metafisiea racional ¢ metafisca de antsta, ot! em que sentido o racionais- mo eséico socritico € 0 marco que assinala a morte da ante tnigiea. Andlise do aparecimento das categorias de r2z30, cons- ciéncia, critica, clareza do saber como principios que devem rortear ¢ avaliar a criag3o anistica; anise da oposicio entce instinto estético € instinto racional, entre a forca da arte © a forca do conhecimento, considerados como mattizes de dots diferentes tipos de saber, andlise da questao da verdade nas perspectivas da metafsica de anista e da metafsicasocritica a pair da relacao entre esséncia e aparénca, Estudare, finalmente, como a critica & verdade clentifica ff se faz nos textos imediatamente posteiores a O nascimento dda tragédia sem referencia a0 projeto de metaisica de arista [Neste momento o fundamental da andlise passa a ser a critica a0 instinto iimiiado de conhecimento pela explicagio de sa Benese — que ji detectard o seu solo moral — € pela afi- ‘macio da relatividade do conhecimento, de seu “antropomor- fismo", de sua forca dominante de iusto, © que conduzita & apologia da ane e da filosofiatgicas como Forgas capazes de controlar 0 instinwo de conhecimento e instaurar um tipo de Vida e de conhecimento determinado por valores anisticos, A segunda parte (rita da relacao entre ciéncia e moral tal ‘como foi reformulada sobretudo a partir de Assim falou Zara ‘stra, Petendo, em primeico lugar, mostrar como a questio ‘da cigncia, que continua sendo fundamentalmente a questio ‘da verdade, nao pode ser elucidada através de uma anilise inecna da propria cigncia, mas remete necessartamente 4 uma ‘genealogia da moral nao uma teona moral, mas uns teora da voniade de poténcia em que a vida € considerada como pria- ipio ultimo de avaliagio tanto do conhecimenta quanto da moral Em seguida, analisarei 0 projeto de constiigao de uma sgenealogia da moral que investiga o nascimento € 0 valor da ‘moral judaico-crst, expondo as trés figuras fundamentais que ppossibilitam inclusive definir 0 nilismo: o sessentimento, @ me consciéncia © 0 ideal ascético, A andlise histricofilosstica ds Roberto Machado ‘monil também remete & concepeao da vida como forga, como poténcia ou como vontade de poténcia que Ihe serve de fun damento. Fo que se revela, endo, & a grande antinomia entre & ‘mon e a vida: mor, como maniestaczo da fraqueza e insut= reigao contra a vontade afirmativa de potencea, € uma negagio ‘da vida, um combate conta seus valores mas fundamentas, Seré entio possivel compreender como a genealogia da monil & 0 fundamento de uma genealogia da verdade: o ele mento-chave da argumentaca0 € 0 conceito de vontade de verdade. A aniculacao entre orem epistemologica © ordem moral ou 0 estabelecimento das condigoes de possibilidade moras da cigncia se realiza pela relagio entre vontade de ver- dade © vontade de poséncia. A vontade de verdade, que € 2 ‘renga de que nada & mais necessirio do que o verdadeito, de {que 0 verdadeito € superior a0 falso, de que a verdade € um valor superior — crenga que funda a ciéncia e constitui a es- séncia da moral e da metafisica — & a expressio de uma vontade nepativa de poténcia, Se a cigncia nao se opoe 20 nilismo moral e deve mesmo ser considerada sua forma mais recente € mais bem elaborada € porque a vontade de verdade ‘que a caracteriza se encontra no émago do ideal aseético, ‘A terceira pare trata da relaglo entre verdade e valor situando a posicao central ue a questio da verdade ocupa no projeto de “tansvaloragio de todos os valores". Pretendo, em primeiro lugar, analisar como toda a filosofia de Nietzsche & ‘uma flosofia do valor no sentido de uma critica radical dos valores dominantes na sociedade modema e una proposta de transformacao do proprio principio de avaliacio de onde deri- vvam os valores. Se a criagho de valores superiores — porque no existe valor em si, todo valor € criado — & expresso do tipo negative de vontade de poténeia, a vontade afimmativa de poténci € 0 principio de uma nova insituicao de valores. A uestio do valor, e da verdade como valor, remete, poranto, avaliagio ¢ esta vontade de poténcia, Aprofundarei, em seguida, esta condicio bsica da trans- valoracio de todos os valores assinalando @ importincia que na flosofia de Nietzsche tm os instintos ou os impulsos con- Nietzsche ea verdade siderados como um conjunto de Forgas, inconscientes © qual tativamente diferentes, em luta, A “fsiologia da poténcia® & tuma concepeao do corpo como sede de am coniunto de ins tintos em relaga0 que funciona como uma critica das def nigdes do homem pela consciéncia ou pela raza0 — o nism € 1 subordinacao dos instintos fundamentais 2 consciéncia, & razio — € explica como € por que uma teoria do conhe- ‘imento ¢ substtuida por uma teonia da perspectiva dos insti fas que considera © conhecimento como a expressao dessa pluralidade de forcas er lua Voltarei, finalmente, a problemética da verdade para ass- nalac a inflexio que softe a trajetoria historca de sua reflexio de uma metafisica de anista para uma genealogia dos valores Mas sobretudo para tematizar, na andlise genealogica, a cocxis- t€ncia — pois mio se trata de uma “evolucao" — de perspecti- vas estratégicas diferentes sobre a verdade: denincia da ver- dade como mentica & reivindicac2o da aparéncia como tnica realidade — sem duvida, procedimento de inversio da me- taflsica; syperacio da oposigao metafisica de valores, que € a lima & mais radical palavra de Nietzsche. Critcando 4 opo- sipio de valores que esti na ovigem da metafisica, da moral da ‘GBncia © propondo a ante trigica, dionisiaca, como tinica fora capaz de se opor a0 nilsmo, negagao da vida, uma das ‘grandes criagdes da filosofia de Nietzsche € a exigéncia de "uma perspectva para além de bem e mal ede verdade e ert, I ARTE E CIENCIA A arte tragica e a apologia da aparénci ne hig non en ea ini denture Wimas See eet ie eee aetna ee ae ee Sirti alanis anert os peree goicemia portent nda ween os Eisasaieh nabs tg teeas os soe Sie See irra eer de pnd stn, tne ain ope eno ee ae ee ee oe ee eee Ser nnes tle as cine ee Senn alec pours tas bo noes ones Cha Bnet och pena tats cme SB ll ease dg ee wot rat el ch cae Sranstrpinsie gee sts se rn (Spo nee ee cn on SUL nin sack detente neces eee ee Sirus cance toca ¢ ocr es ped ep cintreybrpn Roberto Machado A are greg tem origem nesta problemitica, Amte © re ligito estdo, para os gregos, itimamente ligadas, ou melhor, io idénticas: 0 mesmo instinto que produz @ arte produ & religito® Por que os gregos eriaram os deuses olimpicos ou a ane apolines” Para torn a vida possvel ov desejivel, dando a0 ‘mundo uma superabundancia de vida. A criapao da arte apo linea, que tem na epopéia homézica sua mais importante reali- acio, € a expressio de uma necessade. A vila $6 € possivel elas miragens antsticas'” esta kia acompanha Nietzsche em toda sua reflexdo. Mas neste momento cla posst um sentido preciso: para que 0 grego, povo mais do que qualquer outro ‘exposto 20 sofrimento, pudesse viver foi necessirio mascarar fs tetrores © atrocidades da existéncia com os deuses olimpi- os, ceuses da alegria e da beleza, resplandecentesfilhos do sono. A epopéia, poesia da civlizacao apolinea, é um modo de reagit a um saber pessimista do aniquilamento da vida, A in portincia da arte apolinea, sua fora maravilhosa como an- lidoto, € ser capaz de inverter a sabedoria de Sileno, 0 deus silveste, criando a evidéncia que “o mal supremo € morrer logo, © segundo dos males € ter que morrer um dia"® Os ‘deuses olimpicos mao foram criados como uma maneira de cescapar do mundo em nome de um além-mundo, nem ditam lum comportamento religioso baseado na ascese, na esprituali dade, no dever, sio a expresio de uma religiao da vida intei- ramente imanente, eligiio da beleza como loragio — € no dla fala —, que diviniza © que existe” Divinizar, neste context, sigaiica fundamentalmente tor rar belo, embelezar. A arte apolinea & a ane da beleza; se os deuses olimpicos no sio necessariamente bons ou verdadei- ros — como 0 deus das religioes morais depois anaisadas por Nietasche —. eles sio belos. Para o grego beleza é medida, hharmonia, ordem, proporcio, delimitacio mas também signi fica calma e liberdade com relago as emogdes, isto é, sereni- dade. Contra a dor, 0 sofrimento, a morte 0 greRo diviniza © mundo eriando a beleza. "Nao existe belo natural” O mando, * Nietsche ea verdade ‘rego da beleza € 0 mundo da “bela aparéncia"; a beleea € ‘uma aparéncia ‘A questao da aparéncia & central em toda a flosofia de Niewsche. Em O mascimento da tragédia © nos escitos © frag ‘mentos péstumos desta época seu pensamento se esrutura, inspirado em Kant e Schopenhauer, utlizando as dicotomi fesséncia e aparéncia,coisa-emsi e fendmeno, vontade e repre- sentagio. "O homem filsofo tem mesmo © pressentimento que sob a realidade em que vivemos e onde estamos se oculta ure segunda, totalmente diferente, de tal modo que a realidade também’ é uma aparéncia.! Se a beleza é uma aparéacia é porque hi uma verdade que é a esséneia, Mais ainda; a beleza uma aparénca, um fendmeno, uma representagao que tem or objetivo mascarar, encobrir, velar a verdade essenctal do mundo. Para escapar do saber popular pessimista, 0 greg cria uum mundo de beleza que, ao invés de expressar a verdade do ‘mundo, € uma estratégia para que ela nio ecloda. Produzir a bbeleza significa se enganar na aparéncia e ocular @ verdadeira realidade. “O que & belo? — uma sensagio de prazer que nos ‘oculta em seu fendmeno as verdadeiras intengdes da vontade [1] Objetivamente: 0 belo é um sorrso da natureza, uma su pperabundncia de forga e de sentimento de prazer da existe cia [.] Negativamente: a dissimulacao do infortini, a supres- slo de todas as rugas e o olhar sereno da alma da coisa [.] O avo da natureza neste belo soriso de seus fendmenos € s- dduzir outas individualidades em favor da existéncia."" Nao € pelo Belo que as coisas belas sto belas. Quando se diz que algo € belo apenas se diz que tem uma bela aparéncia, sem nada se enunciar sobre sua esséncia. Mascaranda a esséneia, a vontade, a verdadeire realidade, a beleza & una intensificacio das forcas da vida que aumenta 0 prazer de exist ‘rata-se porém de uma aparéneia necessiria. Uma das teses principais de O nascimento da tragédia, sia “hipstese imeiafisca", € que 0 ser verdadero, o “uno originario™ tem necessidade da bela aparéncia para sia Hibertagio; uma Hber- tagio da dor pela aparénci." A “vontade", termo que € utile ‘ado por Niewsche no sentido que tem em Schopenhauer de » Roberto Machado nicleo do mundo, esséncia das coisas, mundo visto de dente, cou “forca que cternamente quer, desea e aspira,* tem neces sidade do apolineo como consciéacia de si, “Conece-te at ‘mesmo" € 0 lema apolineo. O rmundo apolineo da beleza é 0 ‘mundo da individuagao (do individuo, do Esado, do. patri- ‘tismo), da conscigneia de si. A individualidade, a consciencia, uma aparéncia, uma representagio do uno originio; através do principium indioiduationis se produz a wansfiguragao da realidad que caraceriza a arte; € isso que constitu © proceso anistico originiri, Ea nevessidade dessa transfiguracio ar- Uistca, esse "desejo originrio de aparéncia” é o que possbilta 1a muralha capaz de resistin & sabedoria pessimista de Sileno, ‘Com os gregos a ‘vontade’ queria se contemplar nest trans: Figuragio que the ofereciam 0 génio e o mundo da ante [.] Por lum jogo de espetho da beleza, em que os gregos viam os ddeuses como seus belos reflexos, a ‘vontade’ helénica comba- tia a aptidao, correlata 20 dom anistico, para o sofrimento € para a sabedoria do sofimento. F 0 monumento dessa vitoria & Homero, 0 anistaingnuo, que se eleva diante de nés.""" O mundo dos deuses olimpicos & um espelho que tansfigura a vontade” que deseva se contemplar nesta transfqurae20. Assim, o primeiro imponante resultado ch analise nietaschia- ra, a0 mostrar como os gregos ultrapassaram, encobriram ou afastaram um saber que ameacava destrutlos, gracas a uma ‘concepeao apolinea da vida, € 0 elogio da aparéncia. A apolo- Bia da ane jl significa, como sempre signficara para Nietsche, uma apologia da aparéncia como necessiria nao apenas 2 ma: rutencio, mas a intensiicagao da vida. Mas i850 nto € tudo nem mesmo @ mais fundamental Esse primeito resultado € ainda prelminar inchsive para a con- cepeto da aparéneia, que adquire toda sua importincia ‘quando € pensada além das fronteras de uma arte apolinea. A razio € que a consciéncia apolinea € apenas umm véu — 0 Veu de Maia — que dissimula a0 grego um mundo que, pelo que cencerta de verdade, no pode ser ignorada, Pretendendo substi- ‘uir 0 mundo da verdade, ou a verdade do mundo, pelas belas » Nictsche ea verdade formas, a arte apotinea deiea de lado algo essencial virando as ‘costas para a realidade, dissimulando a verdade, ela desconsid- era © outro instinto estético da natureza que nao pode set esquecido — 0 dionistaco, Para que se passa compreender a concepgio nietaschiana do dionistco e inclusive avaliar as semelhangas e diferengas que ela encerra com relagio 20 que Nietzsche posteriormente armas, & preciso salientar que o dionisiaco, considerado como aniquilador da vida, a que a arte apolinea Se contrapoe, no & propriamente grego. Para o grego apolineo ele € pré-apolineo, Isto €, titinico, ou extra-apolineo, isto &, birbaro. Dioniso é o ‘deus-de uma religito que vem do estangeito. Mas 0 cuto, ‘vencendo a resiténcia apoline, foi, pouco a pouco, penetrando ra Grécia se afirmando, como se pode ver em As bacantes de Euripedes, Foi um momento de grande perigo e grande medo para 0 mundo grego. “As musas das anes da ‘aparéncia’ empalideciam dante de uma arte que, em sua embriaguez, proclamava a verdade em que a sabedoria de Sileno gritava Inflicidade! Inflicidade?” na cara da serenidade olimpica. O individ — seus limites e sua medida — caia no esquecimento de si carac teristico dos estados dionisiacos e perdia completamente a me- ‘moria dos preceitos apolineos. A desmesura se desvelava co- ‘mo a verdade; a contradicio e a volipia nascida da dor se expressavam do mais profundo «a natureza."”" © novo culto dla religito dionistaca punha em questio os valores mais fun- clamentais da Grécia. A oposigio entre 0s dois instintos, as dduas pulsbes, as duzs poténcias, as duas forgas artsticas da natureza — 0 apolineo © 0 dionisiaco — era total” A expe- riéncia dionisiaca, em vez de individuagao, assinala justamente uma ruptura com © principium idividuationis © ama total reconcliacio do homem com a natureza © os outtos homens, uma harmonia universal © um sentimento mistico de unidade, fm vez de autoconsciencia significa uma desintegracio do eu, ue € superficial, « uma emorao que abole a subjetvidade até © toral esquecimento de si; em vez de medida é a eclosio da >ybris, da desmesura da natureza considerada como verdace © a Rabeno Machado ‘exultando na alegria, no sofrimento e no conhecimento’!* em vez de delimitacio, calma, tanquilidade, secede, & um cor portamento mireado por um Extase, por um enfeticamento, por una extravagincit de frenesi sexual que dest a familia, por uma bestiaidade natural constiuida de volipia e cruelda- de, de forca grotesca e brutal; em vez de sonho, vis onitica, embeiaguez, experiéncia ongistica Dessa forma, o @xtase dionisiaco produ, enquanto dura, tum efeito letirgico que dissipa tudo © que foi vivide no pas- sado: & uma negagae do individuo, da conscigneia, do Estado, dda civlizacto, da hist6ria, Metamorfoseados em sitiros € si lenos, seres da natureza prototipos do homem verdadeito, 05 Toucos de Dioniso" desintegram o eu, a consciéncia, a indi- Vidualidade e se sentem na verdadeira narureza ‘Mas ha ainda um segundo perigo decortente do primero: © pesat, o desgosto pela exisénicia, 0 sentimento de que tudo € absurdo, impossivel, que aparece com a vol 20 estado de Conscigncia. O conhecimento, ou mais precisamente, porque nao se tata rigorosamente de conhecimento, a emocio, a ex- periéncia dionisiaa tendo significado um acesso a verdade da natureza, uma verdade que mostra que a natureza é desme- surada ou que verdade € desmesura, faz 0 homem compreen- der a iusto em que vivia 20 criar um mundo de beleza jus- tamente para mascarar a verdade. A visio da esséncia eterna € imutivel das coisas faz com que ele desist de agi © consi uma civlizcio. A eivilizagio, que € um mundo aparente, fe= rnomenal, € revelada como impostura pela natureza, pelo cleo eterno das coisas, pela verdade dionisiaca, “Quando a conscigncia foi penetrads por essa verdade, o homem s6 ve fem tudo © horror © 0 absurdo do ser {.] Reconhece entto a sabedoria de Sileno, o deus silvestte. F € tomado pelo des- ‘gosto. Neste sentido, a experiéncia dionisiaca & uma “em- briaguez do sofrimento” que dest o “belo sonho” Nao € esse port o dionistaco de que Nietzsche firs © clogio. Expondo suas caracterisias, ressalando seus perigos, seu terrvel instinto destruidor, 0 hilosofo visa @ realgar ainds 2 Nietsche ea verdade mais a importincia do novo antideto que contra ele fot eriado, Porque € novamente pela arte que © grego € salvo do perigo representado por essa religiio dionisiaea bruta, selvagem, 92 tural, destuidora. Ou melhor, pela segunda vez a propria vida salva © grego utizando a are como instrumento, “A arte 0 salva, mas pela ane é a vida que o salva em seu proveito”, diz Niewsche enuncando um pensamento que cid vex adi ‘mais imporancia em sua filosofa®. Novo tipo de are, que representa © apogeu da civzacio grega, que nao pretende mais estbelecer uma tincheira, um anteparo, uma muralha ‘que impossibilte 2 entrada e a expansio do dionisiaco, como procurou fazer a are apolinca, a poesia épica. A caracteristica dda nova estratégia anistca & integrar, € nao mais reprimit, 0 ‘elemento dionisiaco tranformando © proprio sentimento de des- ‘osto causado pelo horror © pelo absurdo da existéncia em representacio capaz de tornar a vida possivel, Mérito ainda de Apolo, mérito do deus do sonho e da beleza, porque mésto dda ane. Se desta vez Apolo salva o mundo helénico atraindo a verdade dionistaca para o mundo da bela aparéncia & porque transforma um fenémeno natural em fendmeno estético, E se esa transformacio do dioaisiaco puro, birbaro, oriental em ane salva a civilzacao grega € porque integra a experiencia dlionisiaca a0 mundo helénico aliviandowa de sua forca destrai- dora, de seu “elemento irracional", espirtuaizando-a." i Sto apolinea, caracterstca da ane, libera da opressio © do peso excessivo do dionisiaco. permitindo & emogio se des carregar em um dominio apolineo E esta arte apolineodionisinca, reconclagio entre Apolo ¢ Dioniso.* que constitu: para Niewsche © momento mais i Portante da ante grega.* Impondincia que ele exprime em ter mos médicos afimando que ela possui um verdadeiro efeto terapéutico, € um eficaz ato de cura: a arte dionisiaes trans: forma um veneno — a porto magica, 0 fit das fetceias — fem remédio, retirndo de Dioniso suas “armas desinidoras" *O pavoroso fio das felticeias feito de volipia e crucldade pera a forga: apenas o lembravamm — mas como os remédios Jembram os venenos mortais — a surpreendente mistura nos 2B Roberta Machado afecos € a duplickdade dos loueos de Dioniso..” Se © puro dionisiaco € um veneno, & porque & impossivel de ser vivido: € porque acarreta necessariamente 0 aniguilamento da vids. Se ‘ate € capaz de fazer participar da experiéaciadionisiaca sem (que se seja destruido por ela, € porque possibiita como que ‘uma experiéncia de embriaguez sem perda de lucide2.* A arte dionisaca, a arte trigica € um jogo com a em- bbriaguez, uma representa da embriaguez que tem justamen- te por objetivo alviar a embriaguez; ov, em outras palaveas, ‘mio propriamente embriaguez ou orga, mas idealizagao da embriaguez ou da orgia. "Mas se a embriaguez é 0 jogo da rnatureza com 0 homem, a criagio do artista dionisiaco € 0 Jogo com a embriaguez |] O servidor de Dioniso deve estar fem estado de embriaguez e 20 mesmo tempo permanecer pos- tado ards de si como um observador. Nao é na alternincia entre lucidez © embriaguez, mas em sua simultaneidade, que se encontza 0 estado estético dionisiaco."” Essa nocio de jogo € fundamental para compreender a diferenga entre © dioni- Slaco orgistico e 0 dionistaco antstico © como 0 grego, através da beleza, reprimiu no dionisiaco barbaro seus elementos des- tmuidores, ensinandoshe a medida e transformando-o em are, ‘A ane trigica controla 0 que hi de desmesurado 10 instinto ‘ionisiaco como se Apolo ensinasse a medida a Dioniso, ou como se servisse a poco migica, a bebida trigica, em sonho, A tragédia € bela” na medida em que 0 movimento instintivo ‘que cra o horrvel na va nela se manifesta como instito anise tico, com seu somo, como crianca que jog. O que hi de emo: ‘ionante © de impressionante na tagédia em si é que vemos o instinto tervel tomar-se, dante de nés, instinto de ante e de jogo." F evidente, porarto, a dstinglo assinalada por Nietzsche cenire as duas maniestacoes dionsiaas, Est claro também que dlionisico anisico nao se opde ao apolineo, mas supera esta ‘oposigio justamente por ser arisico e implicar necessaiamente apareneia.F, fnalmente, umbém 0 dionisiaco celebrado por ele ‘Mio € 0 do culto orgtstico mas o do anista trigico, arte trigica possibilia, poranto, a unito entre 2 aparén- cia © a esséncia. Sendo capa de articular 0s dois instintos, as 4 INictche ea verdade dduas pulsoes atsticas da natureza, na medida em que tans [poe em imagens os estados dionisiacos, a tragédia nao se lis ‘ita, como a poesia épica, 20 nivel da aparéncia, mas possi- bila uma experiénciatrigica da esséncia do mundo. $6 que esa unio, ela a estabelece através de um conflito. A tagédla representa 0 conflto entre 0 apolineo e 0 dionisiaco, entre 0 ‘principium individuationis & 0 uno oxigindsio; ow, mais pre- cisamente, ela sepresenta a derrota do saber apolineo a vie toria do saber dionisiaco na medida em que faz da individua- 0 um mal € a causa de todo sofrimento. °A forma mais Universal do destino sragico € a dertota vitoriosa ou a vitria aleangada na derrota. A cada ver a individualidade é vencida: « entretanto sentimos seu aniquitamento como uma vitria, Pa- 12 0 her6i trigico & necessirio perecer, por onde cle deve vencer, Nessa aniese, que faz pensar, nds pressentimos a su- prema avaliaga0 da individuac20, como fl evocamos uma vez © Uno originario tem necessidade deta para atingir fim di mmo de seu prazer, de modo que o desaparecimento Se torna to digno e venerivel quanto 0 nascimento © que aquilo que nasceu deve cumprit, com 0 desaparecimento, a tarefa que lhe incumbe como individualidade"* Na tragédia 0 destino do he- 161 € softer — como sofreu Dioniso quando foi despedacado — para fazer 0 especador accitar 0 sofrimento como ike ‘rane da vida Segundo Niewsche a fnalidade da tgédia € produit ale ‘ria. A tagédia, mostrando o destino do heréi tigico como sendo softer, no produz sofrimento mas alegra: uma alegri {que nao & mascaramento da dor, nem resignacao, mas a ex ppressio de uma resist@ncia a0 proprio sofrimento. Idéia es Docada nesta epoca nos termos de uma "metfisca de artista” que pretend conjugar na arte tagica aparéncia e esséncia: “A alegria metafsica que nasce do tnigico € a traducao, na line ‘uagem da imagem, da instntiva e inconsciente sabedoria dio- nisiaca: o heréi, manifestacio suprema da vontade, é negado ppara_nosso prazer porque € apenas manifestacio & porque 0 seu aniquilamento em nada afeta a vida eterna da vontade."™ Raber Machado Representundo a lua & a vi6ria de Dioniso, a tal ponto que toro her6i deve ser compreendido como sew substitito ou Sa mascara, a aleyrta que proporcions a tragédia € 0 sentimento de que o limite da individualidade sera abolido © a unidade vigindriarestaurada Situando os valores apolineos como causa do sofrimento hhumano, a tragédia nega os valores da aparéncia em nome da unicade de tudo que existe, 0 que & a condicio de wm prazer nus fundamental. 0 arte dionisiaca nos quer persuadir do pr ze eterno da exiséncia, coisa em que Nieasche sempre acre tou. 4 diferenca & que nesta época, pensando a partir das reyorias de esséncis © aparénel, ele afima que este prazer M6 € possivel a condigao de 0 procurarmos nio nos fend menos, mas atris deles. Na experience tnigica, que a are pro- pporciona, o homem se tora 0 proprio ser orginario, sentindo 1 seu desejo e 0 seu prazer de exis: "nao obstante terror € piedade, conhecemos a Felicidade de viver mo como indivi. duos, mas como este vivente rico que engendra © procria © no ongssmo de quem nos confundimes."* Enquanto @ are apolinea nega — pela aparencia, pela mentir, pela isto — 0 sofrimento da vida e afirma a eteridade do fendmeno, a te ‘gédia nega 0 individuo justamente por ser fenémeno, mani- festagao, representacio, afirmando a eternidade da vontade,” isa estranha “consolacao” que proporciona a tragélia: ccerteza de yue existe um prazer superior a que se acede pela rina & pelo aniguilamento do heroi, da individualidade, da conscigncias pela destuicao dos valores apolineos. © que po dleria dara impressio de uma negacio da aparéacia em nome dla essencia, Isso porém seria um equivoco, aa medida em que a negacio dos valores apolineos 6 pode ser realizada em forma de representacio. de imagem, de iusto, isto €, apo: Tineamente, Se 0 dionisiaco puro ¢ aniquilador da vida, se $6 a ante forna possivel uma experigacia dionisiaca, no pose haver dionisiaco sem apolineo. A visio tigica do mundo, tal como Nietsche a interpreta nesse momento, & um equilbrio entre a slusio ea verdade, entre a aparéneia © a esséncia: 0 nico modo de superar a faccal opasigio metaisiea de valores, 2%» Nictache ea vente Notas 1, Nesche, Pages estes (Frag. Pa) fia de 187) — abl de 1471, 788) Carl Gale avsa em sont) pte eis Call © onan ss obras compeus de Nia dic o nner do as a Fragment posumo. Quand for neces indcatr 38 pais alert da Deuce Taschen Neg Je Gry ed tao Fane (5 alin. 2 Onacont da mags (79.53 3-8 iso dhonsics do mando «V 5.2, et ps SNS. SCL Pg, Post, 1, 91 VTS 6. each chara est pa eae de aptines pone conser Apa 0 kus mais ipo Jo Obie 7 rg, Pst, fil de 170 — abil de 71,7 152, swrss 9h Prag Fost inven de 159 — penavers de 187,312 10, Frag. ot al de 71— abr de 171, 16 mss 12 Frag. et, ale 170-— abl de 1871 ctv MNT §6, IS.87.53, owns 17 Sabet denomigies f 7 § 12 IATLIN w.Nr.s7, ans 21.1.9 $1. “Foo exe aplinea qe imps of aris da ce 3 nino {exept aba eet sprigs dra, sine {as ms chen ud Bech ATS BCLNT.§24 21. Fag. Pst. osono de 189-0, primers de 10, 125 25.-Na reldade 3 agi heli € apenas 9 gn anunclce de ua ‘ileac mate lade 0 pono exten Ge peng en Roberto Machado ‘erm seus ero Fg. ia, steno de 167) — co de 1671, 59 26 NT,S2 2 NTS 28 Crap des Ho, depois deems que “0 exencl da ebiaguer ‘Po scimento de plonhudee de ited des fry" Cacues ten imempestvo, § 8), caracteriza tanto 0 api cuanto © donisaco ‘como eas de embriguere disingbeos peo fio de que enquani ut ier 0 ola o outa nensies 9 tema ineiro do feo id, 0) 29. VD. ick ta, 98, 50. As vezes Ncusche disingve o belo do subline. Um Fagmerto dest “época da, por exempo: “Se belo tam como base um sono do, Sie tem pot base ua embragicz do ser” Pra. Po fal de 170 — Si de 71.7 31, Prag. Po, ial de 1870 — ab de 1871, 79 22. Prag. Post. ial de 1870 — abl de 1871, 7128 53.CE Fag. Post, primavera de 1884, 25 195, MONT. S16 SSN. BCLNT. $15 2 Metafisica de artista e metafisica racional “ Mots sss op ee ate ta ar tpn Pint pean ts ame eos ate at i a eae poles Cae er nga tenons hl tea SS Tepe ene See Se elim cpt ncaa pos ruige pen — ob cern tas pe toa a Sis So Mh out Sis de wa ween tac aes Coan sn cote wines ei ena boca toa Fe mn soe Sins apr ora ses at ups Sea Card beam apne don ose bes et el mate heal Cp cen aa Pas cota Wega Sst coon ea te Maa SS umgeats ancl oe ane meee iss ae 7 a dncedeenene” So ane RUN nett ihtoencl a Scss aS tecnica ote Salle aye pommel so eam i he's ee sab Spr ref ppp om cts SOS pou pl oe pm » Roberto Machado dina a0 pensador racional, ao pensador consciente. © que ei racteriza a Yestética racionalista”, a “estética conseiente”, € in tnoduzir na ante o pensamento e o conceit a tal ponto que & producto anistica deriva da capacidade critica, Momento em ‘que a consciéneta, a rizio, a logica despontam como novos citérios de producao e avaliaao da obra de are. ‘Quando a ricionalidade faz uma critica explicta 3. pro- ducao anistica na perspectiva da consciéncia, quando toma ‘como entério o grau de clareza do saber, a wagedia seri des- classifcada como iracional ou como desproporcional “um com ppromisso de causas parecendo sem efeitos © de efeitos pare ‘endo sem causa ou uma profundidace enigmstia e infinita, incerta, indiscernivel, sombria, em sum, obscura.® Por nto ter ‘conseiéneia do que faz © mio apresentar claramente 0 set si- ber, 0 poeta trigico seri desvalorizado, desclasificade pelo saber acional | perspectva socritica de Euripedes, o poeta s6brio que ‘ondenou os poetas embriagados,assinala uma rupeura na ma feira de considerar a arte, Assim, enquanto Furipedes critica squilo por considerar que ele fazia mal o que fazia por no saber 0 que fazia, Sofodes, por exemplo, ainda considerava cometo 0 que Fsquilo fazia, mesmo que ele 0 fizesse incons- cientemente. "Se Séfocles disse de Rsquilo que ele fazia bem, mas sem sabé-lo, Furipedes sem diivida pensou que ele faria mal por ndo saber” E Niesche enuncia 0 que consitui 0 fundamental da disting2o entre esses dois momentos: "Neahum ppocta antigo anterior a Euripedes estava em condigoes de de- Fender, por motivos estéticos, 0 que ele tinha de melhor. Pois 3 particulacidade maravihosa de toda essa evolugao da ame gre 1 € que o conceito, a consciéncia ainda nao estvam expres sos © tudo 0 que o discipulo podia aprender com o mestre linha relacio com a técnica." O que faz a diferenga & 4 subor- dinagio da beleza a razao, € o estabelecimento do postulado sotritico segundo 0 qual s6 pode ser belo aquilo que é cons cient, acional Frigindo como fundamenta de sua estética 0 principio ‘para potler ser entenclo tudo deve ser da ondem do entendi- Nictsche ea verdade mento”,” Burpedes se torna 0 poeta do racionalisme socrétice: sua critica da are & o prolongamento da critica soeritca aos homens de sua época que por nao terem conseignein de Set fico o exercem apenas pot instino, E neste “apenas por ins into” que se encontra, segundo Nietsche, a esséncia do $0- cratismo. "© socratismo despreza o instintd e portato a arte Nea a sabedoria justamente onde se enconisa seu verdadero reino.* Desprezando o instinto em nome da criagio antstica consciemte que tem como citério a riz, o discernimento, a clareza do saber, 0 socratismo condena a ate © 0 saber tigi cos’. Se algo s6 6 bom se for cansciente, se ha retaglo ne cessiria entre saber—virude—flicidade, 0 saber tigico, que um saber inconsciente, se encontra necessariamente deschs sificado. Em suma, pelo fato de ser impossivel expressar con- ceitualmente — expor e comprovar racionalmente, logicamen: te — o trigico, Socrates e Ruripedes negaram um saber como 10 de Esquilo, que deve 0 que tem de melhor a uma “criagao Assim, 0 estudo da relagao entre metafisica de artista & metafisica conceitual, que tem como ponto de partida a crkica do socratismo estético, vai muito mais longe do que uma sim- ples questio de estética, remetendo em tituma instincia, como sempre em Niewsche, a0 problema da verdade. f, fundamen talmente, um modo de por em questio o “espirito cieniico”, ‘aracterizado na época por Nietasche como a crenga, que nas ‘eu com Socrates, na penetrabilidade da natureza."” O que é 8 ‘metafisica racional cradora do espiito cientifeo? E justamente 4 crenca inabakivel de que © pensamento, seguindo 0 fo da causalidade, pode atingir os abismos mais longingos do ser € que ele nao apenas & capaz de conhecer 0 set, mas ainda de ‘origi Para Nietzsche, em toda sua inwvestigacao © mes mo nesse momento em que defende uma “metafsica” de artis: 1a, 0 saber tsigico no foi veneide propriamente pela verdade, mas por uma crenca na verdade, por uma “sto metaisca” ‘que esti intimamente ligada & cncia. Afmmar que o problema a Roberto Machado dda cigncia ndo pode ser ehucidado no nivel da prépria ciénci, a panir dos eritérios postulados pela cignea, significa trzer a ‘questo, ou melhor, para considerar Nietzsche como um es ‘rategisa, siuar 0 combate no terreno da isto. A luta contra a ilusto € uma forma de ilusto. Ess idéia & 0 ponto central da angumentagio de Niewsche mesmo quando considerou 2 es- tratura conceitual,racional, da metafisica como imprépria ou como a mais impropra para exprimir a esséncia do mundo, ‘mesmo quando pensou em fermos de esséncia do mundo. Fo! a “ilusio metafsica” — a crenca de que 0 conhecimento é ‘capaz de penetrar conscientemente na esséncia, na natureza, ‘no fundo das coisas separando a verdade da aparéncia e con siderando 0 erro como um mal — que destruiu a arte trigic. (© poder criador do anita tigico foi negado pela metafisca ‘por ilo ser uma penetracto consciente na esséncia das coisas (© antagonismo enire o espinto clenifico e a experiencia Urdgiea & em Niewsche uma extca da prevaléncia da verdade ‘ou da verdade como valor superior pela afirmacao tanto do cariter fundamental da aparéacia quanto da exigéncia de su pperagio da oposicio essénecia—aparéneia, verdade—uso. Se- pparar 0 dionisiaco o apolineo € matar os dois. O her6i foi ‘momo mio pelo trigico, mas pelo légico." A *metafsica de anisa” que Niewsche defence no primeito momento de sua reflexao filoséfica € a denineia da verdade como tinica deusa da ciéncia — sua ilusto constitutiva — em nome da afiemacao de que o ser verdadeiro tem necessidade da bela aparéncia, de {que a ane € uma unificagao desses dois elementos: “se 0 artista, cada vez que a verdade se dewela, permanece em suspense, ‘extastido com o véu que permanece depois do desvelamento, © Ihomem teérico € aquele que tem sosseRo € satisfagao ao ver 0 véu arrancado e nao conhece prazer maior do que conseguis, por suas propria forcas,trar novos véus. A ciéncia mio exis- tira se mio tivesse por nica deusa a verdade nua e nada ais" Se a ane tem mais valor do que a cigncia, ¢ & sempre uuizada por Nietzsche como paradigma em sua critica da ver- dade, € que enquanto a ciéncia cria uma dicotomia de valores 2 Nictsche ea verdade que situa a verdade como valor supremo ¢ desclassifica inteira- mente a aparéacia, na arte a experiéncia da verdade se faz indissoluvelmente lida 4 beleza, que & uma iusto, uma men= tira, uma aparéncia Notas Lawns? 2.08 NT, Tera de aon 5 3 "Stores € a Taga’, se ero pswmng, edge alm, 1, p 535, teadapo ances, v 1p 35 ANT, §% SCE 7, §1; Socmtes€ a wag eda, ¢1, 7. 599:46 ft Lv. “ 6 “Socates 6 engi’ a 1 S90, tem 38 7. tea, p $37,936 8 fb, 9.5251, 9.4 9 cor. 518. oct wr. $17 1NT.81, 1 “Sorates a wag’ ne a 546, rw, 13. NT, 51; Frag. Pot, fal de 1870, 6161 eo 3 Arte e “instinto de conhecimento” A etiyae ess cia acai Sentinal cone Wns ox “cnn ds gt set gros he ‘Sree grunt € gers porn aes are Sines Cope wena por Wnt poe Sorc conte supase S alseaps ots ee Scns 6 lr ie teoman 8 mova once Sco cae one coset Sos scat is pone mos cn cao om cbr eee thats cm'min oa mcs ance Edm dd mes tone ov one opens Steet ut doe" dened me os he io te doen ee soo Spee door wim» pro comcast cece gu #0 “tao de cones? Pan sb € prs ae an pte: sta ean one Sates um esi a cetecnene Se wr es Scunraues wabtbews So eee eeeecs ne won au lone so mens ned ae ot Goethe

conhecmento desesperado€ dominad por ma nc fepn isto € pelo saber a quater prep” floats deve ajar a iver, acentuando a “catviade de todo conhe tiesto" e 9 orga de luso- O conhecimento a senso da tmehor via, Devese queer até lio — é luo que & 0 Dai a importincia que Nietzsche reconhece, ¢ nlo canst de assnal, 3 flosfa presoritca © 2 ate pica como mo- dos de umn tipo de flosola © de ane capar de super 4 ssn hier do ego wes, te mal fone sido, ese pono que flosfow em ina eliza Capea, est no fo de tor dominado init fina de Contecirso em nome eu amas da vk "os egos dlominaam seu into de cnbeciment es esto ie Sacitve gages ao fespeto que Unkam pela via, gras 3 ‘ceempar neces que tar da vida pols que apren dlam logo queram vivec™ Enquanto Socmies € aque em {quem 0 istiao de conhecmeno se desenvlwen xacerad there, subordiandotoos os cos pera do geo ve Comresponde a una sofia dos inns fndamentis, 2 e20 da ane wgica sponta em uta diego inteamene diferente Promera vm exerplo de como um exigencia excessa de 4 Robeno Machado conhecimento € prejudicial Baipo também mostra como 0 desejo de saber excessivo limitado € um crime contra a ‘A are aparece sempre na filosofia de Nietasche como a akesnativa para a ciéncia, ou, utiizando a terminologia dos fextos que estamos analisando, para 0 “instnto ilimitado de Conhecimento" Ito no quer dizer, no entanto, que a perspec- tiva nietaschiana pretenda uma negacio do conhecimento ou luma redugao da totalidade do campo do saber & arte, Significa «que na luta contra o deseo de verdade a todo custo, na erica 2 tese metafsica de que a verdade € umm valor superior, a arte ‘do 36 € reabiltada por sua forca afimmativa da vida, como também ¢ escolhida como modelo capaz de impregnar 0 prb- pio conhecimento com a dimensio do trigico. A grande am- bigdo da filosofia de Nietzsche € dar a0 conhecimento as c- ractersticas da are. Que significado pode tera proposta de pensar o conhe- ‘imento a partir da arte insttuida como ertério sendo a reafit- ‘magio do grande principio da aparéncia? Contra a oposiio metafisica de valores, a ate oferece uma valorizagto da apa- réncia, da ilusio que di conta de um valor essencial da vida ‘menosprezado pela racionalidade. Controlar a céncia, liitan- do 0 instinto de conhecimento, € impor a0 conhecimento 0 valor da iiisio ou a ilusio como um valor tio imporante Quanto a verdade; é, portanto, pensar 0 valor do conhecimen to neutralizando a questio da verdade ou falsidade e privle- ‘lando a dimensio da forga, que € a marca dos valores antsticos. No pensamento de Nietzsche valorizar a apariica € air ‘mar a forga; € porque a arte é uma afirmagio da vida como aparéneia que ela cria uma superabundincia de forgas. Poss fesse reconhecimento de que a vida tem necessidade da iusto ‘quando aplicado a0 dominio do conhecimento vai signficar que 0 valor de um conhecimento € dado nto pelo “grau de cereza", mas pelo “rau de necessidade absoluta para os ho- mens’. Partindo da constatacio de que 2 utllzagao dos pro- cedimentos de demonstrac20, de prova, tem uma origem his: toriea — € © resultado da confiscacao dos procedimentos de “ Netsche e verdade verdade pela logica, ealzada por Sécrates™ ~, Nietasche vai afirmar que o valor de um conhecimento, seja ele verdadeiro (1 falso, € estabelecido nit por provas Idgicas, mas por seus efeitos, isto €, pela prova da forca. “Quando se trata do valor do conhecimento e que, por outro lado, uma bela isto, se 56 se acredita nela, em o mesmo valor que um conhecimento, vvése entlo que a vida tem necessidade de iusbes, isto €, de ‘nio-verdades tidas como verdades, Ela tem necessidade da cren= (¢1 na verdade, mas entio a lusio basta, isto é, as ‘verdades’ se demonstram por seus efeitos, pela prova da forca, e nao por provas ldgicas’" Ou como diz outto texto: “Os efeitos levam a admits verdades’ no demonstradas" Privlegiando a aparéncia ¢, através dela, a forga na ava- liagao do conhecimento como um modo de neutrlizar 0 ins- tinto de verdad, o que pretende Nietasche € oporo tigico 40 lopico ou ulilizar crtrios esttcos, valores atsticos, para de- finir 0 conhecimento. “Nio existe filosofia & parte, istinta da ‘iéncia: Hi como aqui se pensa do mesmo modo. O fato de ‘que uma flosofia indemonsirdvel ainda tenha um valor, ¢ na ‘maior parte das vezes mais do que uma proposigio cientifica, provém do valor estético deste flosofar, ito &, de sua beleza & sua sublimidade. 0 filosofar esti ainda presente como obra de late, mesmo que nao se possa demonstrar como construcio filosdfica. Mas no acontece 0 mesmo em matéia cientifica? Em outros termos: 0 que decide ndo € o puro instinto de conhe= cimento, mas o instinto esttico: a filosofia pouco demonstrat de Hericlio tem um valor artstico superior a todas as pro- posigoes de Aristételes." Em suma, no momento em que analisa de modo mais persisente a elagio entre ane e ciéncia com 0 objetivo de ‘teat 0 “espirto cientifico” nascido com a metafisica, a flo- sofia de Niewsche apresenta uma de suas caracteristicas essen- Cais: uma negacio do privilégio da verdade © uma afirmacio ddo valor da aparéncia. A critica da ciéncia — seja quando € realizada pela contraposica0 da metafsica racional a uma me- tafisica artstica ou através da explickagio do significado do instinto de conhecimento — tem sempre na are trigica, con- 6

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