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DOMINGO, 4 DE ABRIL DE 2010 O ESTADO DE S. PAULO

Suíça passa por crise de identidade


Intolerância étnica e leis sobre segredo bancário isolam cada vez mais o país, que vem perdendo a boa imagem construída ao longo dos anos

CHRISTIAN HARTMANN/REUTERS
Jamil Chade sais, os países ricos querem ga- ger, deputado do SVP.
CORRESPONDENTE / GENEBRA rantirque seuscidadãosnãodes- OargelinoHafidOuardiri,pre-
viem dinheiro para a Suíça. ONDE FICA sidente da Fundação para o In-
Filho de imigrantes bósnios, Uma caça às contas secretas tercâmbiode Conhecimento,re-
Haris Seferovic, de 19 anos, vi- começou. Na França, processos l Suíça é um dos jeitou o resultado da votação e
rou herói nacional na Suíça. foramabertoscom aajuda deda- países que têm mais apelou à Corte de Estrasburgo.
No ano passado, ele calou 60 dos roubados de computadores estrangeiros na “Somos tratados primeiro como
mil torcedores nigerianos ao debancos deGenebra. Diretores Europa, 20% da sua N muçulmanos, depois como cida-
marcar o único gol da final da do Credit Suisse foram aconse- população
dãos. Queremos exatamente o
0 km 80
Copa do Mundo sub-17, em lhados a não viajarem para a Ale- contrário”, disse Ouardiri. “A
ALEMANHA
Abuja, na Nigéria, dando aos manha porque correm o risco de FRANÇA
Suíça vive uma crise de identida-
suíços o primeiro e único títu- serem presos por lavagem de di- de e acredita que os estrangeiros
lo relevante dentro um campo nheiro. ÁUSTRIA
sejam os responsáveis por ela.”
Bern
de futebol. Na mesma seleção A chiadeira global contra as A prisão de Genebra é um re-
jogam o português André Gon- leis bancárias suíças é, no fundo, SUÍÇA flexo do tratamento dado ao es-
çalves, o chileno Ricardo Ro- um questionamento do papel da trangeiro. Os muçulmanos são
dríguez e mais uma dezena de Suíça no mundo de hoje. A Suíça 5% da população, mas 57% dos
“estrangeiros”. estabeleceu sua neutralidade no ITÁLIA prisioneiros. Estudos realizados
O fenômeno que ocorre com a Congresso de Viena, em 1815 – Proibição. Minarete de mesquita suíça: cerco a muçulmanos pela Universidade de Genebra
INFOGRÁFICO/AE
seleção suíça sub-17 é a ponta do desde então, o país nunca lutou apontam que essa éuma das pro-
iceberg de uma transformação em uma guerra. Na Europa, no lobby de França, EUA e Grã-Bre- de vistos na Europa, a intransi- zando o país. Hoje, 20% dos 7,7 vas que os muçulmanos são me-
social que está vivendo o até en- entanto, essa pose não convence tanha. gênciasuíça arrastoutodoo con- milhões de habitantes são es- nosintegradosàsociedadee aca-
tão pacato país alpino, que sem- mais ninguém. A posição suíça também co- tinente para a briga. Para a sur- trangeiros. O Partido do Povo bam caindo em redes do crime.
pre se gabou de sua neutralida- brou um alto preço no bate-boca presa dos suíços, a UE ficou do Suíço (SVP), que tem quase 30% Segundo o porta-voz da pri-
de. As mudanças, contudo, estão Isolamento. A Suíça é avessa diplomático do país com o líder lado dos líbios. “Estamos viven- do eleitorado, defende a expul- são, Daniel Scheiwiller, o risco é
mergulhando o país em uma au- ao multilateralismo. O país se líbio Muamar Kadafi. Há dois do um momento ruim”, admitiu são de estrangeiros – e da família dequepartedosprisioneirosaca-
têntica crise de identidade. tornou membro da ONU apenas anos, a polícia de Genebra pren- aoEstadoopresidente doParla- –em casodecrime,oque éconsi- bemsetransformandoem extre-
A mudança mudou a maneira em2003eaadesãoà UniãoEuro- deu o filho do ditador por haver mento de Genebra, Guy Mettan. derado uma aberração jurídica. mistas. Um imã selecionado pe-
pela qual a comunidade interna- peia é rejeitada pela maioria da espancado funcionários de um Outro ponto de atrito é a che- Recentemente, o SVP conse- lo governo visita todas as sema-
cional enxerga o país e tem au- população. O isolamento tem hotel de luxo no país. gada de estrangeiros. Nos últi- guiu em referendo banir a cons- nas a prisão para passar mensa-
mentado a pressão para que a consequências práticas: em caso Em represália, Kadafi seques- mos anos, partidos de extrema trução de minaretes no país. “Os gem de tolerância. Outra forma
Suíça repense suas leis, alianças de pressão externa, ninguém a troudoisempresáriosuíçosede- direitasetransformaramnaprin- minaretes não são construções deevitaraproliferaçãodoradica-
e sua estrutura de poder. defende. fendeu uma jihad contra a Suíça. cipal força política da Suíça. Co- inocentes. São levantadas para lismoéencontrartrabalhoremu-
No campo econômico, a “Não estamos em nenhum Como Berna integra o Tratado mo bandeira, a luta contra a imi- marcar o território e a progres- nerado para os prisioneiros me-
maior crise está no setor bancá- grupo que nos apoie”, reclamou Schengen, que unifica a política gração, que estaria descaracteri- são do Islã”, diz Oskar Freysin- nos perigosos.
rio. Cerca de 30% da fortuna do Doris Leuthard, presidente do
mundo está depositada nos ban- Conselho Federal, órgão que
cos suíços – quase US$ 3 tri- corresponde ao Poder Executi- PONTOS-CHAVE
lhões. Dizem, no mercado finan- vo na Suíça. “Precisamos repen-
ceiro, que se houver um banco sar se essa é mesmo a melhor
suíçoemcrise, o mundodeveco- estratégia.” ● Bancos ● Isolamento ● Islamismo ● Turismo de suicídio
meçar a se preocupar. E foi isso o O isolamento ficou claro na 30% da fortuna do mundo Maioria da população é Referendo aprovou a ONGs que defendem a morte
que ocorreu em 2009. pressão feita pela G-20 para que está depositada em bancos contra a adesão à União proibição da construção de assistida se aproveitam das
Só o banco UBS viu seus clien- o país acabasse com o segredo suíços. Com a crise financeira, Europeia. No entanto, cada minaretes. Muçulmanos leis locais para promover a
tes retirarem do país mais de bancário. A Suíça bem que ten- os países ricos passaram a vez que o país recebe críticas representam 5% da população, eutanásia. A Suíça virou o pa-
US$ 250 bilhões com o temor de tou uma aliança com outros pa- criticar as leis de sigilo externas os suíços sentem mas são 57% dos presos. Para raíso do “turismo de suicídio”,
mudanças nas leis de segredo raísos fiscais, como Luxembur- bancário da Suíça para evitar falta de aliados que os muitos, prova de que eles são o que não contribui para a boa
bancário. Pressionados pela cri- goeLiechtenstein,quepormoti- lavagem de dinheiro defendam. excluídos da sociedade imagem do país
sefinanceira e por déficits colos- vos óbvios não conseguiu frear o

vo para que eles nos acusem de conquistado no ano passado na lanski foi a Zurique para receber anos,revoltouintelectuaisecele-
Xenofobia aumenta a nada”, disse.
A reação contra os estrangei-
Nigéria, não poderia ter vindo
em melhor hora. A seleção local
um prêmio do festival de cinema
local. Assim que pisou no país, o
bridades, que passaram a criti-
car abertamente a Suíça.
quantidade de mendigos ros também é sentida na econo-
mia.Umapropostafeitarecente-
degarotos venceu todos osjogos
que disputou. Dos 22 jogadores,
cineasta franco-polonês foi pre-
so com base em um mandado de
No fim, por mais que o país
tivesse razão – afinal o cineasta é
mente pelo governo tinha como 12 nasceram em outros países. prisão emitido em 1977. réu confesso –, não há relações
objetivo aumentar a quantidade No ano passado, o Museu Na- Nos EUA, ele é acusado de es- públicas que recuperem uma
ealbaneses nos faróisda luxuosa de peças feitas no país para que o cional da Suíça promoveu um tuprar uma jovem de 13 anos. Na imagem quando a nata de Holly-
O caso Polanski e as Genebra. Na estação central da relógio seja considerado “Made exibição que deu o tom do deba- época, Polanski foi demonizado woodeda intelectualidadeeuro-
leis frouxas sobre cidade, os relógios da Rolex, que in Switzerland”. Uma proposta te: a história da imigração desde pela mídia. Mais tarde, desco- peia jogam contra.
marcam com precisão a hora de similar foi apresentada para in- a Idade do Bronze. O nome da briu-se que a mãe da garota que- Em 2009, a Suíça foi criticada
eutanásia também chegada dos trens, convivem dústria alimentícia, exigindo exposição era explícito. “Ne- ria um papel para a filha em um por causa de sua lei liberal so-
não ajudaram a melhorar agora com mendigos. que empresas suíças comprem nhum grupo esteve aqui todo o filme e praticamente lançou a bre a eutanásia, que permitiu o
a imagem da Suíça Na mesquita de Genebra, a or- produtos de fazendeiros locais. tempo.”Naexposição,osvisitan- menina no colo do cineasta. surgimento de ONGs como a
dem é não provocar os suíços. O Enquanto partidos de extre- tes puderam ver que nem o Adefesade Polanskiargumen- Dignitas e a Exit, especializa-
GENEBRA minarete não emite convoca- ma direita continuam a ganhar maior ídolo do país, o tenista Ro- ta que o sexo foi consensual – a das em morte assistida. A Suíça
ções para a reza. Quem faz isso é terreno, o cenário fica cada vez ger Federer, é 100% suíço – seu própria vítima, Samantha Gei- tornou-se o paraíso do que fi-
Afaltadeintegraçãodosimigran- Ahmed, também nascido na Ar- mais complexo. Os que defen- pai era sul-africano. mer, confirmou e pediu a extin- cou conhecido na Europa como
tes à sociedade começa a gerar gélia, que convoca os fiéis can- dem a integração dos imigrantes O momento que vive a Suíça é ção do processo. A prisão do ci- “turismo de suicídio”, que tam-
novos fenômenos, como o surgi- tando de dentro da própria mes- usamoexemplo dofutebol.Nes- realmente desastroso. Em se- neasta, que trabalhou livremen- bém não ajudou em nada a ima-
mento de flanelinhas kosovares quita. “Não queremos dar moti- se caso, o título mundial sub-17, tembro, o diretor Roman Po- te na Europa por mais de 30 gem do país. / J.C.

WILSON PEDROSA/AE

resistência pode criar problemas

‘O TNP é mais rigoroso para seu programa nuclear?


Hoje, 129 países assinaram o
protocolo adicional. Mas 34 não
o ratificaram. A posição brasilei-

com os desarmados’ ra não trará nem maiores nem


menores dificuldades a seu pro-
grama nuclear. Só que haverá
pressão, claro, já que o Brasil
tem um programa nuclear signi-
Calcula-se que, no auge da incomoda os países não-nuclea- ficativo. O Brasil alega que a in-
Diplomata brasileiro vê Guerra Fria, havia 70 mil armas res é a lentidão do processo e trusão das inspeções previstas
desequilíbrio no Tratado nucleares no mundo. Mais de sua descontinuidade. no protocolo não são compen-
90% desse arsenal estavam nos sadas em atos concretos e verifi-
de Não-Proliferação EUA e na URSS. Houve esfor- ● Como se enquadra o acordo cáveis de desarmamento.
Nuclear (TNP), que será ços de redução em função de entre EUA e Rússia, prevendo a
revisado em maio acordos e da obsolescência das redução de 30% nos estoques de ● O programa pode ser afetado
armas. Mas é difícil saber até ogivas nucleares? pela iniciativa do Brasil de tentar
Denise Chrispim Marin onde chegaram, porque Rússia O acordo substituirá outro tra- mediar um acordo entre o Irã e
BRASÍLIA e EUA não são transparentes tado que tem nove anos. Mas as as potências?
por razões de segurança. O que reduções vão demorar oito ou Não. Se há uma proposta brasi-
Embora a Conferência de Revi- dez anos. E não sabemos bem o Não-proliferação. Sérgio Duarte: luta pelo desarmamento leira de facilitar o diálogo em
são do Tratado de Não-Prolife- que eles reduzirão porque não uma situação difícil, complexa
ração Nuclear (TNP), em maio, há transparência. transformação de matéria físsil obrigações de não-proliferação e até perigosa, não vejo como a
não tenha o objetivo de “atacar QUEM É em arma. O problema é definir para os países não-nucleares credibilidade brasileira possa
ou inocentar” Teerã por seu ● Como se pode lidar com países o que é uma arma nuclear, que são mais profundas, verificáveis ser prejudicada.
programa nuclear, o embaixa- como Israel e Irã, do ponto de é algo mais complicado que a ca- e claramente definidas do que
SÉRGIO
dor Sérgio Duarte, alto comissá- vista da não-proliferação? pacidade de enriquecer urânio as obrigações de desarmamen- ● Como o senhor avalia o risco
DUARTE
rio da ONU para Assuntos de Quem primeiro obteve armas a 90%. O próprio TNP não faz to para os países nucleares. O de armas nucleares caírem nas
ALTO COMISSÁRIO DA ONU PARA
Desarmamento tem certeza de nucleares foram os EUA, segui- essa definição. Certas atitudes TNP não é tratado de desarma- mãos de terroristas?
ASSUNTOS DE DESARMAMENTO
que o assunto será discutido dos dos outros quatro (Grã-Bre- do Irã suscitam dúvidas em al- mento. É de não-proliferação. É difícil avaliar esse risco. Já
nos bastidores. Em entrevista tanha, URSS, França e China). guns países, mas ninguém cra- houve incidentes, inclusive nos
✽ Integrantes da
ao Estado, ele falou sobre te- Depois, vieram Índia e Paquis- vou uma acusação. O Irã preci- ● Um dos tópicos da conferência países nucleares, de erros de
delegação do Brasil nas
mas como a aproximação do tão. Israel não confirma nem ne- sa esclarecer essas dúvidas. será o protocolo adicional? contabilização e até de destina-
negociações sobre o texto
Brasil com o Irã e a recusa do ga ter armas nucleares. Final- Ao tratar do uso pacífico da ção das armas. Já ouvi o ex-se-
do TNP, foi o representante
País em assinar o protocolo adi- mente, a Coreia do Norte fez ● A questão do Irã contaminará energia nuclear, os países nu- cretário de Defesa dos EUA
brasileiro na AIEA entre
cional do TNP, que permitiria duas explosões experimentais. a Conferência sobre o TNP? cleares defenderão que o siste- Willian Berry contar que, duran-
1999 e 2002. Depois de
inspeções mais rígidas nas insta- Esses são os proliferadores. A questão estará nos bastido- ma de salvaguardas não é sufi- te algumas horas, não soube o
48 anos de carreira no
lações nucleares brasileiras. Não conheço outros. res, sem dúvida. Mas a confe- ciente para verificar o cumpri- paradeiro de determinada arma
Itamaraty, foi nomeado
rência não vai atacar ou inocen- mento das obrigações de não- do país. As ex-repúblicas sovié-
para sua atual posição
● Desde o início dos anos 70, hou- ● Como o sr. enquadra o Irã? tar o Irã, e sim examinar a apli- proliferação e dirão que é neces- ticas devolveram seus arsenais
pelo secretário-geral da
ve sucessivos acordos para a O último relatório da Agência cação do tratado. sária a adesão de todos os mem- para a Rússia, nos anos 90. Mas
ONU, Ban Ki-moon, em
redução de armas nucleares en- Internacional de Energia Atômi- bros do TNP ao protocolo. ainda há suspeitas sobre o desti-
meados de 2007
tre as grandes potências. Por ca (AIEA) dizia haver indícios ● Quais as deficiências do TNP? no de algumas armas e de cien-
que não avançaram? de que o Irã estaria buscando a O tratado é desequilibrado. As ● O Brasil será pressionado. A tistas nucleares.

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