22 • Público • Domingo 11 Abril 2010
Economia
Debate Um tema, duas opiniões diferentes
O subsídio de desemprego em Portugal dificulta o regresso ao mercado de trabalho?
O Governo prepara mudanças nas regras do subsídio de desemprego. Será que agora não incentivam o
trabalhador a procurar emprego? Álvaro Santos Pereira diz que sim, Carlos Pereira da Silva diz que não
Sim
Há poucas dúvidas de que as
regras do subsídio de desemprego
em Portugal dificultam o regresso
dos desempregados ao trabalho. A
evidência empírica nesta matéria
é simplesmente arrebatadora:
segundo estudos efectuados
por investigadores do Banco de
Portugal, a duração do desemprego
para quem recebe subsídios de
desemprego é cerca do dobro da
duração do desemprego para quem
não aufere este tipo de apoios.
Este fenómeno é particularmente
Álvaro Santos importante para os trabalhadores
Pereira, mais velhos e para os menos
professor da qualificados. Neste sentido, nos
Universidade moldes actuais, os subsídios de
de York desemprego aumentam a duração
do desemprego e desincentivam o
regresso ao trabalho.
Por que é que os nossos subsídios
fomentam uma duração de
desemprego tão grande? A culpa
não é dos subsídios em si, mas
sim das regras que os regem. As
regras actuais ditam que estes
subsídios dependam da idade
do desempregado, bem como
(em menor grau) do tempo de
descontos para a Segurança Social.
Dependendo destes factores, o
subsídio pode ser concedido entre
270 e 1140 dias, um período que pode
ser estendido se o desempregado
tiver um baixo rendimento familiar.
Como um desempregado aufere,
durante este tempo, cerca de dois
terços do seu salário antes de ter
ficado sem emprego, há poucos
incentivos para regressar ao
mercado de trabalho, a não ser que
surja uma proposta de emprego
verdadeiramente irrecusável. Os
nossos subsídios de desemprego
são, assim, suficientemente
generosos e prolongados para que
os desempregados não se sintam
demasiado pressionados a procurar
trabalho.
Quer isto dizer que os subsídios
de desemprego não deviam existir?
Não. Bem pelo contrário. Vale a
pena lembrar que os subsídios
de desemprego existem por
três razões principais. Primeiro,
os subsídios têm uma função
de apoio social, auxiliando os
desempregados enquanto estes
tentam encontrar um novo trabalho.
Segundo, os subsídios permitem
É imperativo ao desempregado sentir-se menos
mudar o pressionado, facilitando a procura
princípio de trabalhos que mais se coadunem
que rege a com as suas características.
concessão Terceiro, esta protecção social
dos é igualmente importante para
subsídios de a economia, pois permite que o
desemprego. consumo não baixe em demasia em
Como tempos recessivos.
muitos já Por outras palavras, os
defenderam, subsídios de desemprego são
o melhor um instrumento fundamental de
subsídio de suporte social e económico. Porém,
desemprego é ao incentivarem uma excessiva
um emprego duração do desemprego, os
subsídios de desemprego actuais
prestam um mau serviço aos
próprios desempregados. Porquê?
Porque é sabido que não só os
desempregados de longa duração
se sentem menos motivados a
procurar emprego, como também,
ao permanecerem desempregados
por muito tempo, acabam por
ficar estigmatizados aos olhos
dos empregadores. Por isso, ao
fomentarem uma excessiva duração
do desemprego, os subsídios
actuais são um entrave à eficiência
económica e à mobilidade social.
Como é possível alterar este
estado de coisas? Através de uma
reforma profunda das nossas leis
laborais e das regras dos subsídios
de desemprego. Em relação às
medidas recentemente propostas
pelo Governo, é de saudar o fim da
possibilidade de um desempregado
recusar o emprego (e continuar a
receber o subsídio) com a desculpa
de que a remuneração salarial não
é suficiente. Porém, isso não chega.
Se queremos mesmo incentivar o
regresso ao mercado de trabalho,
seria desejável que o subsídio
diminuísse com a duração do
desemprego, assim como já se
passa em outros países europeus.
Segundo, é preciso penalizar as
empresas que mais despedem,
para que estas suportem parte dos
custos sociais do desemprego e
para que tenham menos incentivos
para despedir. Finalmente, e
mais importante, é preciso levar
a cabo uma reforma profunda
do mercado laboral português,
tornando-o mais eficiente. Acima
de tudo, é imperativo mudar o
princípio que rege a concessão
dos subsídios. Como muitos já
defenderam, o melhor subsídio
de desemprego é um emprego.
Deste modo, a protecção social dos
desempregados devia ser vista
como um meio para a obtenção de
emprego e não como um fim em
si mesmo, assim como parecem
sugerir as regras actuais.
Não
Em muitos países, a cobertura
do risco de desemprego é um
verdadeiro seguro social financiado
por uma taxa específica e é gerida,
à parte da Segurança Social, por
um organismo de gestão com
representantes dos trabalhadores,
do empresariado e do Estado. Em
Portugal, a cobertura do risco de
desemprego faz parte do conjunto
de coberturas de protecção
social garantidas pelo Estado e é
financiada por imputação de uma
parte da Taxa Social Única que
Carlos Pereira incide sobre a remuneração total do
da Silva, trabalhador.
professor do Segundo o relatório “Social
ISEG Security Programs Throughout
the World: Europe, 2008”,
publicado pela International
Social Security Association, o
acesso ao subsídio de desemprego
exige que o trabalhador esteja
involuntariamente nesta situação
e que tenha realizado um mínimo
de contribuições no período
precedente, sendo o mais comum
entre 6 meses a 1 ano. Na Suécia
deve ter descontado pelo menos
6 meses no período anterior, na
Espanha pelo menos 360 dias
durante os últimos 6 anos, e na
Alemanha pelo menos 12 meses. Em
Portugal, o direito ao subsídio exige
450 dias de descontos nos 24 meses
imediatamente anteriores à data do
desemprego (durante 2010 o prazo é
reduzido para 365 dias).
Em relação ao montante das
prestações, elas variam, segundo
Portugal não o relatório, entre 40% e 75% da
parece ter média salarial. Na Suécia, o
um regime de subsídio é pago durante 300 dias;
subsídio de nos primeiros 200 dias o valor
desemprego é igual a 80% do rendimento do
que trabalhador, passando depois para
incentive os 70%, com um máximo de 680 SK.
trabalhadores Em Espanha, nos primeiros 6 meses,
a manterem- o desempregado recebe o salário
se inactivos. médio dos 6 meses anteriores e
O subsídio de depois 60 por cento. A duração do
desemprego subsídio varia de acordo com o
não fomenta a número de dias de contribuição,
preguiça entre um mínimo de 120 dias (com
JORGE SILVA
360 dias de contribuição) e um
máximo de 720 dias (com pelo
menos 2160 dias de contribuição).
Na Alemanha, o subsídio é igual
a 67 por cento do salário líquido
e é pago por um período de 6 a 18
meses, em função da duração do
período de descontos e da idade do
trabalhador. Para pessoas acima
de 55 anos e pelo menos 30 meses
de contribuição, o subsídio é pago
durante 15 meses, e com mais de
36 meses de contribuição é pago
durante 18 meses. Em Portugal, o
montante diário do subsídio é igual
a 65 por cento da remuneração de
referência com um mínimo igual
ao valor do Indexante dos Apoios
Sociais ou da remuneração de
referência, se esta for inferior ao
valor do IAS, e um máximo igual a 3
vezes o valor do IAS.
Comente em http://
economia.publico.pt
A duração do subsídio é
fixada em função da idade do
beneficiário e do número de
meses de descontos no período
imediatamente anterior à data do
desemprego, variando entre 270
e 720 dias, consoante a idade do
beneficiário. Para beneficiários
com idade superior a 45 anos
e com descontos durante um
período superior a 72 meses, o
subsídio pode atingir 900 dias.
Comparado com os países
citados, Portugal não parece
ter um regime de subsídio de
desemprego que incentive os
trabalhadores a manterem-se
inactivos. Tendo em conta que,
em Fevereiro de 2009, o valor
médio do subsídio de desemprego
mensal se situava em 462,24 euros,
não parece haver evidência de que
possa ter constituído um incentivo
para a permanência na situação de
desemprego. Mais, para qualquer
desempregado cuja remuneração
seja superior a 3 IAS, o subsídio é,
no máximo, igual ao referido valor.
Quem é que pode estar interessado
em ganhar menos do que o seu
salário mensal (ex: 1000 euros)
para receber no máximo 650
euros de subsídio de desemprego
durante 270 dias, sujeito a
controles quinzenais para provar
que procura activamente um posto
de trabalho, obrigado a frequentar
cursos de formação e aceitando
realizar trabalho socialmente
necessário durante o período de
inactividade? Não se põe em causa
a existência de abusos por parte
de alguns trabalhadores, mas os
mecanismos de despiste daqueles
são de molde a reduzir ao mínimo
a duração média do desemprego
e a impedir o trabalho ilegal e a
recusa de um posto de trabalho
conveniente.
Sem crescimento sustentado
não há criação de emprego para
absorver os desempregados
com vontade de trabalhar.
São as empresas que criam
emprego e para isso é preciso
que exista ambiente favorável ao
relançamento dos negócios. É ao
Estado que compete criar estas
condições.
Os desempregados não são
os causadores do descoberto
das finanças públicas. Eles são
vítimas de uma crise económica
e financeira para cuja resolução
o Estado se empenhou em nome
da estabilidade dos mercados
financeiros e de produtos e da
manutenção de importantes
investimentos internacionais em
Portugal.
Não transformemos os
desempregados nos bodes
expiatórios dos nossos PECados
estruturais. Parafraseando os
Evangelhos, a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus.