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Seus olhos eram feitos de pedra polida e seu coração da mais dura argila. As
mãos ressecadas pelo sol e os pés desgastados, misturavam-se ao pó da terra. Uma
nuvem de poeira cobria-lhe os rastros, enquanto vagava pelo mundo a procura de seu
pai, um velho comerciante, que um dia, o encontrara abandonado, ainda criança à sua
porta, enrolada em trapos. Ele o acolheu como um filho, até que vieram os sábios e o
levaram antes mesmo que pudesse lhe dar um nome. O comerciante chorou por dias e
noites, pois vivera sua vida sempre sozinho. Ele não se importava com a aparência do
menino e o amou como se fosse seu pai. Prometera a sim mesmo que um dia iria
encontrá-lo e trazê-lo para casa, mas os sábios o levaram para muito longe,
trancafiando-o numa torre. Com seus martelos e foices e olhos curiosos, avançaram
contra a pequena massa granulosa arrancando-lhe as mãos e os pés. Não satisfeitos,
cortaram seu corpo em pedacinhos e jogaram fora seus olhos. Durante anos, o barro
disforme foi estudado pelos sábios. Dividindo-o em pequenas partes, observaram sua
composição, mas, nada puderam dizer sobre a origem de sua existência, assim,
juntaram seus membros e o deixaram à beira da estrada.
Veio então a chuva e amoleceu o barro. Pelo caminho, passava um artesão que
vendo a disforme massa esparramada, deu-lhe uma nova forma. Depois, vieram
algumas crianças saltitantes com doces nas mãos e no orifício de seus olhos puseram
duas balas de mel. Quando se foram o homem de barro seguiu seu caminho, pois não
podia morrer.
- Vocês são como eu, de argila e pó, contudo, não se parecem comigo. O que vocês
são?
Ela era filha de um poderoso feiticeiro que apressadamente deixou sua tenda.
O homem de barro então, contou que precisava de sua ajuda, estava perdido e
procurava por seu pai. O feiticeiro, deslumbrando com a estranha criatura, prometeu-
lhe ajudar, em troca de um pequeno favor.
- Vejo que não é animal ou homem, todavia, sendo um mineral, fala e move como um
de nós. Quem lhe ensinou sobre o bem e o mal pode dar vida a outras formas? –
Perguntou o feiticeiro.
- Eu não sei.
- Eu lhe ajudo encontrar seu pai, mas antes, quero que volte comigo, desejo muito
conhecer a sua história.
Haveria uma festa no palácio e a rainha mandara convidar os comerciantes mais ricos
e os nobres mais poderosos. Em seus aposentos o feiticeiro a aconselhou assim:
- Essa tarde em minha tenda, recebi uma visita majestade, uma dádiva dos céus que
vencerá todos os nossos inimigos. Uma criatura feita de barro, imortal, que carrega
dentro de si um poderoso feitiço, levando-o a se mover e a falar tal como um de nós.
Quando assim o fizer, desatar o fio que o prende àquele corpo, observar a sua
essência, então, poderemos construir milhares como ele. Um exército de soldados de
argila.
Para o tão esperado baile, o homem de barro fora vestido tal qual um nobre. Para
esconder o seu rosto, a jovem filha do feiticeiro lhe deu uma máscara curtida em
couro.
O homem de barro sentiu uma estranha alegria. Ali, naquele enorme salão de dança,
enquanto os pares se rodopiavam ao som de flautas e atabaques, pôde sentir como os
demais. Não existia a indiferença que sempre lhe perseguiu. E ao passear por um
corredor carpetado, de frente a uma grande moldura, parou.
- O que você está vendo? – Perguntou-lhe uma mulher que chegava sutilmente.
Ele nunca havia se visto num espelho e ao tirar sua máscara a rainha não estava mais
lá. De repente, a tristeza que ele conhecia muito bem voltara, só que agora misturada
a um descontentamento que nunca havia sentindo, era a desesperança tomando conta
de seu coração. Ele saiu correndo, deixando para trás sua máscara de bufão. Em seu
quarto, escondido de todos, pensou que jamais encontraria seu pai e mesmo que o
fizesse, ele talvez jamais pudesse lhe tirar essa dor que crescia em seu íntimo. Assim,
decidiu-se ir embora, longe daquele baile de máscaras.
Quando a jovem retornou ao seu quarto, viu as roupas espalhadas pelo chão e
antes que o medo da dúvida lhe assolasse, juntou suas coisas e partiu atrás do homem
de barro. O feiticeiro ao saber da fuga se enfureceu de tal modo, que ajuntara um
pequeno contingente de soldados à procura dos dois. Ele clamava aos seus deuses
para que tivessem misericórdia de sua filha, pois acreditava que o homem de barro lhe
pudesse fazer algum mal.
- Eu não sei lhe dizer. Vim aqui para ter a chance de me desculpar com você.
- Não. Onde mais estaria? Não sei lhe dizer sobre os planos de meu pai, mas
desconfiaria deles em seu lugar.
- Porque você é bom. Sua forma pode ser diferente, mas por dentro, tem um coração
como o meu.
- Não disse, posso senti-lo dentro de você. Isso é o que o torna como eu.
A tristeza companheira dera lugar a um gostoso arrepio que lhe subia pelas costas,
trazendo à memória todas as coisas boas que vivera: a alegria dos garotos rabiscando
com giz de cera o contorno dos seus olhos, a suave mão do artesão delineando uma
nova forma a seu corpo, o sorriso dos pobres camponeses no mercado, as cores lívidas
dos trajes dos nobres, tudo isso emaranhado a um novo sentimento, o amor.
Ao segurar suas mãos, um temível grito evocou-lhe à razão.
Ele então lhe contou que ao conseguir a matéria-prima primordial e eliminar suas
impurezas, separando o mercúrio e o enxofre, depois os reunindo por intermédio do
sal e fixando os elementos voláteis, poderia libertar o espírito por meio da matéria e a
própria matéria por meio do espírito.
Ele lhe ensinou como capturar um feixe de luz do sol, condensando e o alimentando
com fogo.
O homem de barro fechou seus olhos de mel e pela primeira vez sonhou, enquanto o
fogo consumia seu corpo e inflamáveis solventes enegreciam seus membros.
- Nessa etapa, adiciona-se mais ouro para tornar o agente transformador mais ativo.
Após três dias teremos a vida conservada nesse pote fechado.
E lhe mostrou o frasco que ao terceiro dia estava cheio com um fluido transparente
como o orvalho, leve como o ar, denso como nuvens, a dissolução do ser que não se
extingue, a substância do qual é feito todo o universo, o retalho do céu, um pedaço de
éter.
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