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Revista de Economia Politica, Vol. 5, n° 2, abriljunho/1985 Inflacao inercial, hiperinflagao e desinflagdo: notas e conjecturas FRANCISCO LAFAIETE LOPES* 1, INTRODUGAO A inflagdo brasileira estd estabilizada em 1984 num patamar da ordem de 200% a0 ano a despeito de esforgos sistematicos ¢ consistentes das autoridades econémicas para combaté-la com politicas de austeridade de inspiracSo ortodoxa. Este resultado paradoxal do ponto de vista das teorias tradicionais sobre o proceso inflaciondrio vem confirmar minha jé antiga convicgdo sobre a natureza predominantemente inercial do proceso inflacionério brasileiro. De fato, este trabalho pretende sugerir a proposiggo ainda mais forte de que toda inflagdo crénica é sempre predominantemente inercial. ( ensaio € uma colagem de conclusdes e conjecturas que resultaram de meu esforgo de pesquisa nos iiltimos anos sobre a meciinica do processo inflacionério. A pega chave de meu pensamento nesta questo é a noo de inflacdo inercial, que tentarei elucidar inicialmente, contrastando-a com o modo convencional de entender a inflagZo como processo amplamente dominado pelas expectativas. Em seguida examinarei como esta nogdo de inflagao inercial pode ser compatibilizada com as experiéncias histdricas de hiperinflagdo, o que por sua vez forneceré importantes subsidios para uma discusséo do problema pratico da desinflacdo. INFLACAO INERCIAL 1. Componentes do Processo Inflaciondrio: Choques e Tendéncia Nosso ponto de partida para 0 estudo de processos inflaciondrios crénicos é a distingZo concei- tual entre choques inflaciondrios e tendéncia inflaciondria, © ritmo de elevagdo dos precos é periodicamente perturbado por determinados impulsos inflaciondrios ou deflacionérios que resultam de agdes, exitosas ou no, dos agentes econdmicos visando alterar precos relativos. Estes impulsos si 0 que denominamos de choques inflacionérios. Um choque cambial, por exemplo, resulta da tentativa (freqilentemente fracassada) do governo de alterar a taxa de cimbio real da economia. Um choque agricola, outro exemplo, resulta da tentativa (comumente exitosa) dos negociantes nos mercados de produtos agricolas de alterar 0 prego relativo entre bens agricolas e ndo-agricolas para acomodar uma mudanca nas condigdes de oferta do setor. ‘A literatura convencional sobre inflagdo dé grande énfase a um tipo particular de choque inflaciondrio, 0 choque da demanda. E o fendmeno que as estimativas econométricas da curva de Phillips tentam captar. Se a economia entra em recessao ¢ 0 mercado de trabalho passa a operar com excesso de oferta, surge uma tendéncia de queda do saldtio real. O excesso de trabalhadores relati- vamente as vagas’ disponiveis estimula o fechamento de contratos de trabalho a niveis de salétio nominal que, tendo em vista a expectativa vigente para o nivel geral de pregos, significam uma tenta- * Da Pontificia Universidade Catélica do Rio de Janeiro — PUC/RJ. 135 tiva de reduzir 0 salério real da economia. Na realidade o salério real efetivamente pago s6 serd redu- zido se a expectativa de pregos for confirmada, mas em qualquer caso a recessfo teré produzido um impulso deflacionério. ‘Vamos supor que é possivel medir perfeitamente a contribuigo de todos os choques infla- cionérios correntes taxa de inflagdo observada. O resfduo ndo explicado pelos choques € uma com- ponente de inflacdo pura, que denominamos de tendéncia inflaciondria. Se ndo houvesse nenhuma presso no sentido de mudancas efetivas ou desejadas em precos relativos, a taxa de inflacdo seria ‘gual a esta tendéncia. Existem basicamente duas hipéteses sobre a natureza da tendéncia inflacionéria. © ponto de vista convencional dominante na literatura estrangeira explica a tendéncia com base nas expectativas inflacionérias: A hipétese alternativa, que defenderemos aqui, explica a tendéncia em termos da inércia inflaciondria que resulta de um padrdo rigido de comportamento dos agentes econémicos em ‘economias cronicamente inflacionadas. As préximas secdes deste trabalho cuidardo de discutir em rofundidade os fundamentos teéricos destes dois pontos de vista conflitantes. Nos iiltimos anos tivemos um considerivel esforgo de pesquisa dedicado a medigéo empirica da contribuiggo de choques inflacionérios ao processo inflacionério brasileiro. Parece haver um razod- vel consenso entre varios pesquisadores (em particular Lara Resende e Lopes, (1981);Modiano, (1983); Lopes, (1982) e Contador, (1984) de que ainda que seja possivel identificar estatisticamente uma curva de Phillips para a economia brasileira, a importancia quantitativa dos choques de demanda ¢ pequena quando comparada aos niveis correntes de taxa de inflagdo. Com base nas equagdes de Modiano (1984), por exemplo, pode-se calcular que um hiato de produto da ordem de 27%, que corresponde 20 nivel de desemprego atualmente existente na economia brasileira, produz um impulso deflaciondrio de apenas 15 pontos percentuais por ano. A utilizagao dos instrumentos convencionais de controle da demanda agregada para combater uma inflagdo da ordem de 200% ao ano fica portanto fora de questo a menos que se acredite que eles afetam 0 processo inflacionério nfo apenas através do meca- nismo da curva de Phillips mas também através de repercussoes sobre a tendéncia inflaciondria. De qualquer forma a evidéncia empfrica brasileira parece compatfvel com resultados obtidos em outros pafses que apontam na diregio de uma curva de Phillips marcadamente horizontal (por exemplo, Gordon, 1977 ou Tobin, 1980) sugerindo que 0s choques de demanda podem ser segu- ramente ignorados quando se trata de desenhar técnicas de combate a uma inflagdo de trés digitos. ‘Nem todos os choques inflacionérios, entretanto, podem ser desconsiderados. Diversos estudos empiricos, como Lara Resende e Lopes (1981), Camargo ¢ Landau (1983) ou Lopes ¢ Modiano (1983), entre outros, apontaram para o papel dominante de choques de oferta, decorrentes das politicas de realinhamento do prego doméstico da energia, de quebras nas safras para abastecimento interno e da politica cambial, na explicagdo da aceleracGo inflacionéria brasileira a partir de 1974. Em particular, minha interpretagfo da répida aceleracio inflacionéria de 1983, quando a taxa de inflagdo aumentou cerca de 100 pontos percentuais no perfodo de um ano, baseia-se quase que exclu- sivamente no impacto da maxidesvalorizacdo cambial de 30% de fevereiro daquele ano que, como foi verificado econometricamente por Modiano (1984), explica pelo menos 80% do surto inflacionério. E evidente que, se choques de oferta desfavordveis podem produzir impulsos inflaciondrios significativos, choques de oferta favoraveis devem poder similarmente produzir impulsos deflacionérios significativos (ainda que ndo se disponha de evidéncia empirica suficiente para testar esta simetri que esté sendo postulada aqui). O problema, entretanto, € como produzir choques de oferta defla- cionérios com a magnitude suficiente para combater uma inflago de 200% ao ano. A experiéncia brasileira aponta para dificuldades estruturais na agricultura de abastecimento interno que parecem inviabilizar qualquer esperanca de um choque agricola deflaciondrio significativo, ¢ as restrigdes de balango de pagamentos naturalmente descartam a possibilidade de um choque cambial deflacionério. Resta portanto a conclusio de que um programa efetivo de combate 4 inflagZo brasileira atual tem que se basear menos na gera¢do de choques deflacionérios que em politicas que atuem direta- mente sobre a tendéncia inflaciondria. De fato penso que é a tinica forma vidvel de combate a qualquer inflagfo crénica. A questi de como atuar diretamente sobre a tendéncia inflacionéria é 0 problema ‘que nos ocupard nas proximas paginas. 2.2. Tendéncia Inflaciondria e Expectativas Os livros-texto de macroeconomia nfo deixam divida quanto ao ponto de vista tradicional- mente dominante na profissdo no que concerne natureza da tendéncia inflaciondria. 0 modelo padrdo do proceso inflaciondrio ¢ uma curva de Phillips aceleracionista, que adiciona um termo de expectativa com coeficiente unitério 4 fungdo original de Phillips (1958) e Lipsey (1960), que relacionava a taxa de inflagfo 4 taxa de desemprego no mercado de trabalho. Mais recentemente, 136 refletindo a experiéncia internacional com os choques de petréleo nos anos setenta, este modelo padréo tem sido as vezes expandido com um termo aditivo representando choques de oferta. Em resumo, porém, a teoria é que a inflacdo pode ser explicada como resultante de choques inflacionérios (de demanda ou oferta) ¢ expectativas. ‘A questo de como sfo formadas as expectativas tornou-se um pouco mais polémica com 0 aparecimento recente da idéia de expectativas racionais. Os pioneiros do modelo aceleracionista da ‘curva de Phillips, como Phelps (1967) ¢ Friedman (1968), aceitaram a noco de um processo lento de adaptagdo das expectativas aos valores realizados. Friedman, por exemplo, chega a mencionar defs sagens da ordem de dezoito meses entre uma mudanga na trajetoria da renda nominal e sua repercusso na trajetéria dos pregos. Provavelmente os adeptos desta escola teriam concordado com a nogao intui tiva de que este mecanismo de adaptagdo das expectativas deve ser mais rapido em processos inflacio- nirios crénicos, mas de fato nao havia nenhuma teoria para explicar isto. A idéia das expectativas racionais surgiu exatamente do esforgo de Muth (1961) no sentido de construir uma teoria para a formacdo adaptativa de expectativas baseada na hipdtese convencional de racionalidade dos agentes econdmicos. A sua aplicagéo por Lucas (1972) & andlise da curva de Phillips abalou seriamente a credibilidade das evidéncias econométricas acumuladas até entio sobre a adaptagdo de expectativas, ao mostrar que num mundo de agentes racionais a estrutura de defasagens na equagio que explica a formacao de expectativas tem que ser determinada endogenamente em fungo das estruturas de defasagens implicitas no padrio de comportamento previstvel das variéveis exégenas, em particular das variveis de politica econémica. ‘Atualmente a hipétese de expectativas racionais tornou-se dominante. Em sua esséncia ela nos diz que as expectativas, ao invés de serem formadas a partir de valores da varidvel observados no pasado, resultam de uma intui¢o dos agentes econdmicos sobre a trajetéria futura de equilibrio da ‘economia. Em determinado momento estes agentes tém uma opiniao, baseada na experiéncia recente @ outras informagées, sobre como as politicas econdmicas reagem aos fatos do dia-a-dia da economia, De posse desta opinido e da observacdo da posi¢do corrente dos instrumentos de politica monetaria, da estrutura tributdria ¢ do déficit fiscal, os agentes podem inferir a trajetéria de equilfbrio da eco- nomia condicional 4 manutengdo do regime de politica econdmica e & auséncia de outras perturbagées estocésticas. A expectativa racional da taxa de inflagdo é determinada pela trajetéria do nivel geral de pregos neste cenério hipotético. A implicaco para o combate a inflacdo ¢ Sbvia. Se a configuragdo dos instrumentos de politica econdmica for alterada de modo a viabilizar uma trajetéria de equilfbrio de longo prazo da economi compativel com 0 valor desejado da taxa de inflagdo, e os agentes econdmicos acreditarem que esta nova configuragao seré efetivamente mantida no futuro, a tendéncia inflaciondria, que é determinada pela expectativa racional da taxa de inflagfo, assumird imediatamente este valor desejado.” A erradi- cago do processo inflacionério pode ser obtida de forma indolor por uma combinagao de cred lidade e boa (isto é, austera) gesto da politica econémico-financeira do governo. 3. A Hipstese da Inflagdo Inercial A teoria expectacional da tendéncia inflacionéria, que acabamos de examinar, enfatiza o papel das antecipagdes sobre a evolugdo futura das polfticas macroeconémicas. Nossa teoria alternativa enfatiza a natureza inercial da tendéncia inflaciondria: na auséncia de choques inflaciondrios a inflagdo corrente é determinada pela inflacdo passada, independentemente do estado das expectativas. Esta hipétese inercial sobre a tendéncia inflaciondria nos foi sugerida pelo estudo da experiéncia brasileira com politica salarial, que analisamos em Lopes (1976), Lopes e Williamson (1970), Lara Resende e Lopes (1981), Lopes e Bacha (1983), Lopes (1984a) e Lopes (1984b). A idéia basica é que num ambiente cronicamente inflaciondrio, os agentes econémicos desenvolvem um comportamento fortemente defensivo na formacdo de pregos, o qual em condigdes normais consiste na tentativa de recompor 0 pico anterior de renda real no momento de cada reajuste periddico de prego. Quando todos os agentes adotam esta estratégia de recomposigéo periddica dos picos, a taxa de inflagzo existente no sistema tende a se perpetuar: a tendéncia inflaciondria torna-se igual a inflagio passada. 1 Nos modelos keynesianos com expectativas racionais, desenvolvidos recentemente por Stanley Fischer e John Taylor, entre outros, a existéncia de contratos de trabalho de longo prazo dessincro- nizados faz com que a tendéncia inflacionéria s6 se ajuste 4 expectativa racional da taxa de inflagao com uma certa defasagem, j4 que qualquer mudanga de expectativa s6 pode ser incorporada em cada contrato de trabalho na data de sua renovacdo. Isto garante a efetividade das politicas antic{clicas, ‘mas ndo altera em substdncia a prescrigdo de combate & inflagdo. Ver a respeito Lopes (1983). 137 Este fendmeno pode ser melhor elucidado com o auxilio da Figura 1, que representa a trajetoria a0 longo do tempo do saldrio real de um trabalhador cujo salério nominal é reajustado com periodi- cidade fixa de modo a recompor o pico de salirio real v*. As datas de reajuste ocorrem a cada intervalo de Q unidades de tempo (dias, por exemplo) e dentro de cada perfodo entre reajustes o salério nominal permanece fixo. A intensidade de queda do salério real durante o perfodo reflete a erosfo do poder de compra do salério pela inflago, quanto mais alta a taxa de inflagdo maior serd a perda de salirio eal acumulada até o fim do perfodo. O saldrio real médio V (4) para o periodo (t) depende desses trés elementos: do pico de salério real v*, do intervalo entre teajustes @ e da taxa de inflagdo no perfodo 4. Simbolicamente podemos escrever. Vey = ¥ Gp Ov") @ notando que ¥(t) diminui quando @; ou @ aumentam e aumenta quando v* aumenta, Naturalmeénte esta equagdo nos diz apenas como o salario real médio deste trabalhador especf- fico é afetado pela taxa de inflagdo. Mas se pensarmos, algo impressionisticamente, na totalidade dos agentes econdmicos, supondo que o padrio de comportamento da renda real de cada agente seja similar a0 comportamento do salirio real de nosso trabalhador, poderemos pensar numa equacdo seme- Ihante 4 equagdo (1) para determinar a taxa de inflagdo como fungao dos picos de renda real desejados pelos diversos agentes, das periodicidades de reajuste de renda real para cada um deles e da estrutura de pregos relatives médios existente na economia.” Pode-se concluir desta forma que, se todos os agentes adotam (ou se submetem a) regras estaveis de recomposi¢do periddica de picos invariantes de renda gal © 0s precos relativos médios no se alteram, a taxa de inflagZo permanece constante no tempo,” como é sugerido pela Figura 1. Em outras palavras a tendéncia inflaciondria (que é a taxa de inflagdo que vigora com pregos relativos constantes) tende a reproduzir a taxa de inflacdo passada quando os agentes ttm um padrio de comportamento defensivo dos seus picos de renda real. Esta € a esséncia da hipétese de inflagdo inercial. Qual o fundamento teérico para esta suposigdo de um padrao generalizado e mais ou menos rigido de recomposicao periddica dos picos de renda real? Esta ainda é uma fronteira de pesquisa, ¢ ‘© que posso adiantar séo apenas algumas conjecturas preliminares. Note-se em primeiro lugar como ‘0s agentes econdmicos deveriam comportar-se para que a tendéncia inflacionaria fosse determinada pelas expectativas de inflagdo. Cada agente olharia para 0 andlogo relevante de equagdo (1), ¢ calcularia © pico de renda real necessério para compatibilizar a equagdo com os valores esperados para a taxa de inflagdo e para os demais termos. Se, por exemplo, sua expectativa fosse de queda na taxa de inflagao, seu pico de renda real deveria ser consistentemente calibrado para baixo. lQURA Sali Rea (ato) @ ow Tones 2 Pregos relativos médios so medidos em termos de valores reais médios por perfodo, como se faz na definig&o do saldrio real médio. Numa economia sob inflagdo os precos relativos mudam constan- temente a0 longo do tempo, mas so os pregos relativos médios que importa em termos de alocacdo de fatores e distribuigdo de renda. 3 Ver Lopes e Williamson (1980) Lopes (1984b) para derivagdes detalhadas deste resultado. 138 Todavia, para que a taxa de inflagdo realmente cafsse, sem a interveniéncia de um choque deflacionério, seria necessério que todos 0s agentes (ou uma boa maioria deles) efetivamente aceitas- sem reducdes em seus picos de renda real. Se cada agente acreditasse que na realidade a maioria dos outros nfo iriam reduzi-los consistentemente com a expectativa de desaceleracdo inflacionéria, entfo haveria um forte incentivo para que também ndo o fizessem, j4 que uma reduego de pico de renda real no acompanhada por queda na inflacdo acabaria resultando em redugo da renda real média. Desta forma, o sistema poderia ficar preso numa espécie de dilema de prisioneiros com recomposic£o defensiva dos picos a despeito da racionalidade dos agentes ¢ do proceso de formacao de expectativas. Cada agente poderia estar formando suas expectativas racionalmente mas ndo teria incentivo para alterar de forma no cooperativa o seu padrdo de comportamento de forma a levi-las em consideragao. E interessante notar como esta teoria da recomposig&o defensiva dos picos de renda evoca paralelismos com a teoria da rigidez do saldrio nominal na Teoria Geral de Keynes. Em ambos os casos postula-se ium padréo de comportamento aparentemente irracional. O trabalhador da Teoria Geral tenta defender o set saldrio nominal quando o seu nivel de bem-estar depende é do seu salério. real. Nosso agente econdmico tenta defender seu pico de renda real ao invés da sua renda real média. trabathador da Teoria Geral resiste a uma redugdo de saldrio real que resulte de manipulagdo do salério nominal mas aceita dentro de certos limites uma redugo de saldrio real que resulte de elevago do custo de vida. Nosso agente econdmico resiste a uma redugdo de renda real média que resulte da manipulagfo do pico de renda real mas aceita dentro de certos limites uma redugfo de renda real média que resulte de elevagdo da taxa de inflagdo. Este paralelismo merece ser explorado em maior profundidade no m{nimo porque sugere que 08, argumentos que tim sido recentemente desenvolvidos para explicar a rigidez keynesiana do salério nominal, por exemplo, em Solow (1979), Ackerloff (1980), ou Tobin (1980), podem ser adaptados para explicar a rigidez do pico de renda real em situages inflacionérias. De qualquer forma, nossa conjectura basica ¢ que esta rigidez pode ser de alguma forma compatibilizada com 0 postulado da racionalidade dos agentes econdmicos. Qual a relagdo entre a inflacdo inercial e os mecanismos de indexacGo de salérios e outros rendimentos? Minha conjectura & que estes so fendmenos logicamente independentes ¢ que a inércia inflaciondria surge em economias cronicamente inflacionadas independentemente da existéncia ou no de mecanismos formais de indexago. O trabalho de Roberto Frenkel (1984) para o caso argentino parece confirmar esta suposi¢a0. De fato, a experiéncia brasileira com politica salarial sugere que fre~ qiientemente os _mecanismos formais de indexagdo atuam no sentido de impedir a recomposigao plena dos picos de renda real ou no sentido de impedir a redugdo do intervalo de tempo entre reajustes quando 0 processo inflaciondrio acelera-se. Desta forma a indexago formal pode atuar como um elemento estabilizador da inflacdo inercial, reduzindo a intensidade com que o sistema multiplica 0 impacto de choques reais sobre a inflago, Pode-se concluir, portanto, que a’simples eliminagéo do aparato legal de indexacdo est longe de se constituir numa boa tética de combate a inflagdo, como as vezes tem sido sugerido entre nés. Isto seria apenas uma desindexacdo iluséria, jd que a mecinica fundamental da inflagdo inercial ndo seria eliminada, com a conseqiiéncia provavel de aumentar a instabilidade inflaciondria da economia, como sugerimos em Lopes (1984b). HIPERINFLACAO 1. Dois Casos Classicos: Alemanha e Austria Como nio pressupde a existéncia de mecanismos formais de indexagdo, o modelo da inflagzo inercial deve em princfpio aplicar-se a qualquer caso de inflago crénica, inclusive a uma hiperin- flago. Neste sentido as experiéncias histéricas de hiperinflagdo oferecem um excelente campo de teste para nossa hipdtese e precisam ser estudadas cuidadosamente. As Tabelas 1 e 2 apresentam alguns dados referentes a dois casos cléssicos: a hiperinflaggo austriaca de 1921-22 e a fase final da hiperinflagdo alema em 1922-23. A dramaticidade e viruléncia destes processos inflacionérios so patentes: na Alemanha a taxa mensal chegou a quase 30 mil por- cento em outubro de 1923, na Austria a taxa acumulada de doze meses em setembro de 1922 foi de quase 10 mil porcento. N&o nos interessa tanto discutir aqui as origens e causas desses processos de aceleragio verti ginosa da alta de pregos, com 0 que entretanto nfo se pretende minimizar a importincia deste tema de pesquisa. Preferimos encarar imediatamente o grande desafio que os episédios de hiperinflagéo colocam ao modelo da inflagdo inercial: o seu fim surpreendentemente abrupto. Pode-se observar nas 139 “(L€61) 1voun-1ue}osaig “{eR6L) duebeg :se1UOy “ vou 901 x 02’ 9 OLX Zh ie cou 901 X 02't v OLX OZb el e’S01 sOL X81 I OLX GEL ve Lv6 901 X Lz'y s- «OL X6SEL ve use oOl X Bb'p i «Ol XS'2ZL se i) 901 X 99'p € OL XO'PZL ue zs s0l X 99'y v 401 X LOZL 18 9'08 901 X 63'b - «OL XZ°9LL a zip 901 X 2h'b - OL XELLL ze e'ee sit 901 X I'p ve OL XZ'9zb | oxquezeg 8s ess 9858 s0L XS0% 6z101 OL XG'ZL oxquienon, 89 se ispaz 0b XZ gesez 201 X 60L eaqning et Ltt ov0z ez6 Lez, vl X9% ouquieies 6 e'0L Loz ey zor v0 6 oisoby ‘6 e's oez £-01 X O'08E 982 eeere ouinr 908 ves oor £-01 X O'00b “et g’8e6t oyun gzt e'v0L 0b «-01 X O's re ous ow 66 9'sz1 az «-O1 X O'SZ, L zizs v ro ez oz— «-O1 X 0'0Z, Lie seep ode 88 ves aL c-O1 X O'Sz, ue ‘88s osyosan04 901 ele ev c-OL X€'PL 68 Sele ov a'98 ° «-O1 XO'OL ez sey oaquiezeq Lt g's9 coz «-01 XO'OL €or vou ‘o2quienon oz ze get s-OLXEE 6 9'9¢ ougnino 01 vou oa c-OLXP'L ey Lez (Wal % SION (% we Feoy oiquiga | 9p opdeinosi) | (% we resuey ogseveA) | (SsM/sooeW oP ogy) | IesUEyy OpdeuEA) peasy ou epee, oy zepinbry ‘oyquugg op exe, orquigg op exe, opeoery today eoipuy | sodeug ep cpu) £22261 'WW3TY OVAYTANINAAI 140 ove 992 oo 00804 vo zavoz ove gez vo- 008 04 zs osp0z soe sez zo- ogg 02 vo szvel ose ve, zo- 000 1, 0% goz8t eet ez so- Ost ie at 198.21 Lov vez 80 008 LL vo ez et Loy vez Lo- 9z60c si 6Or LL vor £61 ez Oop 1 ate 1891 gee oat 6'o- ogg ez gt- sog8t eo eu o'r o1zoe 618 06002, oot zen size ove ze eset 9y0 tL eee zor vet osezy or oeay 09's oat e'oL oo68t veo leve ws 961 e'ee oortL e'sz 8z0z o'r viz 09 1864 vi 6191 e's 802 eat 89h 0% isvt sv'y zat eei- ose9 osz ger o'9 661 see glee ze zie 09's vse- suzs v'99 ze sost 9's6 ozs8 o'0L 999 goeL aa sz goer 6s eee zu zz o'eet ozsz Lez giz ws ose oft 1801 gol ist 699 ale ez 136 Lee pt os'y Wee Zé ze ez ost (Joptunsuag sodesg (% we yesuow ogdeuen) | (HOA "N We Ogter09) (seuopeosew 23) Woy oquiea | sorpuy % s220N 9p opteina119) ssnyeoi0g ssn/eoi0g Jopiuinsueg | sopwnsuog epexey Woy zepinbry oyquiea op exes orquigg op exe, sodeig sorpuy | sodeug eo1puy 22-1261 ‘VOWINLSNY OYDVT4NIYAdIH ZvTaEVL 141 tabelas como esses processos inflaciondrios no auge de sua féria parecem dissipar-se miraculosamente: a hiperinflagdo alem& desaparece em dezembro de 1923, a austrfaca em outubro de 1922. Em ambos 08 casos (repetindo um padrfo comum aos demais episédios histéricos de hiperinflagdo) tanto 0 nfvel geral de precos como a taxa de cimbio tornam-se estéveis ou levemente declinantes a partir de certo momento, a despeito da enorme velocidade da alta de precos nas semanas ou dias imediatamente anteriores 4 estabilizacdo.* As hiperinflagdes terminam sem qualquer choque monetério; a liquidez real da economia cresce substancialmente depois que os precos param de subir. Este término abrupto, que tipicamente caracteriza todos os episédios de hiperinflagdo de que se tem noticia, foi considerado por Sargent (1983) como forte evidéncia a favor do modelo expecta- cional da inflaglo. Como seria possivel explicar o desaparecimento instantineo de um proceso infla- cionério virulento se nfo fosse possivel postular uma mudanga abrupta das expectativas e, em conse- qiéncia, da tendéncia inflacionéria? Em suporte dessa interpretacdo expectacional, Sargent aponta para algumas medidas de austeridade monetéia e fiscal que foram anunciadas mais ou menos contem- poraneamente com o fim das hiperinflagdes e que teriam indicado uma mudanca confidvel no regime de politica econémica. De fato as evidéncias apresentadas por Sargent so pouco convincentes. No caso austrfaco, por exemplo, a estabilizagdo ocorreu antes do aniincio efetivo dos protocolos entre o governo e 0 Con- selho da Liga das Nacses que supostamente definiram 0 novo regime de politica econdmica (um caso de premonigdo?) ¢ na realidade um superdvit fiscal s6 foi registrado em 1925, muito tempo depois da estabilizagdo. No caso alemdo um superdvit fiscal j4 aparece em 1924, o que entretanto parece ter sido menos conseqiiéncia de medidas de politica econémica que da interrupedo do pagamento de reparagées de guerra e do efeito da propria estabilizagdo sobre a receita tributaria e o pagamento de subsidios is ferrovias. Em ambos os casos a politica monetéria parece ter sido passiva em .odo 0 perfodo relevante. Colocar em diivida as conclusdes de Sargent todavia nZo resolve nosso problema. Se acreditamos que a tendéncia inflaciondria € sempre inercial em processos inflaciondrios crénicos, como explicar 0 fim abrupto das hiperinflagdes? O que teria havido com a tendéncia, que pensamos ser determinada pela inflagdo passada, quando estas hiperinflacOes dissiparam-se repentinamente? A primeira vista a velocidade com que esses processos de alta de pregos terminaram parece eliminar completamente a possibilidade de explicé-los de forma inercial. 2. O Fim de uma Hiperinflacao passo inicial na construgo de uma explicagdo para o fim das hiperinflag6es, consistente com © modelo da infla¢o inercial, é entender como a variagao ao longo do tempo da renda real de um agente econdmico t{pico, como a que foi ilustrada na Figura 1 anterior para o caso de uma taxa de inflagfo estavel, modifica-se numa situagdo de aceleragdo inflacionéria. Vamos considerar novamente a equaco (1) da segdo 2.3., agora com a suposi¢go de que todos os seus termos podem variar no tempo ¢ omitindo, para simplificar, os subscritos indicadores do perfodo de tempo vG,0.v") Q) onde, como antes, ¥ representa a renda real média, qa taxa de inflagdo no periodo entre reajustes, 9 a dimensfo do intervalo de reajuste e v* 0 pico de renda real. Esta relagdo prescreve que ¥ caia quando 4 ou Paumentarem, e aumente quando v* aumentar. . Admita agora que a taxa de inflagdo q estd aumentando ao longo do tempo e que a renda real média permanece constante. O comportamento do pico de renda real v* dependeré do que acontega com a dimensGo 0) do perfodo de reajuste e por isso temos trés possibilidades a considerar: ¥ a) Intervalo de reajuste constante: Se 0 valor de 9 permanece constante no tempo, os aumen- tos da taxa de inflagdo q tém que ser acompanhados por elevacdes sucessivas do pico de renda real v*, como esta itustrado na Figura 2a. b) Redupdo do intervalo de reajuste com pico de renda real constante: Neste caso o valor de 9 cai ao longo do tempo a medida que 4 aumenta, de modo a manter inalterado o valor do pico de renda real v*, como estd ilustrado na Figura 2b, 4 Para uma descrigo vivida no final da hiperinflagdo alema, veja Bresciani-Junoni (1937), Capitulo IX. 142 Salirio Rost (Gecale Log) Saliio Ree! (Eecala Log) 4 Salto Real (€ecala Log) 4 Figura 2a Figura 2b Figura 2c Tempo 143 ©) Redugdo do intervalo de reajuste provocando queda do pico de renda real: Neste caso a queda do valor de 9 € mais do que suficiente para compensar o aumento de 4, resultando numa queda do pico de renda real a0 longo do tempo, como esté ilustrado na Figura 2c. Nossa conjectura & que este iiltimo caso torna-se dominante a partir de certa fase do proceso inflaciondrio quando a moeda de curso legal comeca a ser substitufda por moedas estrangeiras no fluxo de transag6es. Se um agente econmico s6 participa no fluxo de transagGes em que os precos so denominados, por exemplo, em délar, mantendo fixo o prego do servigo ou produto que vende ‘em termos de délar, sua renda real tomna-se independente da taxa de inflado, s6 podendo ser afetada por oscilagdes da taxa de cimbio real (tipicamente caindo com uma valorizacdo real do cambio defi- nido em termos de moeda local por délar). Neste caso tudo se passa como se 0 agente tivesse reduzido a zero a dimenso de seu intervalo de reajuste (90), fazendo a sua renda real média ser igual ao pico de renda real (V =v*) qualquer que seja a taxa de inflagao 4. Existe ampla evidéncia de que algo deste tipo aconteceu no final das hiperinflagGes. Bresciani- Turroni, por exemplo, menciona que no caso alemfo as indistrias comegaram a cotar pregos em moeda estrangeira ja no verdo europeu de 1922. Keynes (1923) nos informa que em Viena multipli cavam-se as casas de cambio a cada esquina, “onde vocé pode trocar os seus krone por francos de Zurique minutos apés recebé-los, evitando desta forma o risco de perda durante o tempo que serd necessério para alcancar seu banco usual” (p. 161). E evidente que se todos os agentes mudam suas transagGes para moeda estrangeira (fazendo 9=0) a niveis de renda real compativeis com a estrutura de precos relativos vigente na economi {isto 6, fixando seus v* iguais aos ¥ que se verificavam antes da mudanga) nao haveré nenhuma presséo sobre a taxa de inflagZo ou a taxa de cimbio real no perfodo de transigdo. Se, no entanto, alguns ou a maioria dos agentes tentar mudar para moeda estrangeira a n{veis de renda incompativeis com a situagGo vigente anteriormente (isto é, fixando v* maior que o ¥ anterior quando @ vai para zero) a taxa de cimbio real tenderd a se valorizar, com aceleragdo da taxa de inflagdo acima da taxa de desvalorizagio do cimbio nominal (que presumivelmente esté indexada a inflagdo passada). Desta forma surge uma curiosa combinagdo de valorizaco do cambio real e choque inflacionério. Os dados das Tabelas 1 ¢ 2 parecem confirmar esta conjectura, mostrando um movimento nitido de valorizagdo do cémbio real nas fases finais das hiperinflagGes quando a velocidade da alta de precos aumenta rapidamente. Podemos entdo oferecer a seguinte explica¢do para o fim das hiperinflagdes. Na fase final do Proceso (um ano e meio na Alemanha, provavelmente um perfodo mais curto na Austria) os agentes econdmicos repudiam cada vez mais intensamente a moeda doméstica de curso legal pasando a utilizar moedas estrangeiras como unidade de conta e até mesmo como meio de pagamento. Isto significa que a taxa de inflagdo em termos da moeda doméstica vai se tornando uma medida pro- gxessivamente menos representativa da taxa de inflacdo relevante para a média dos agentes econd- micos. Se todas as minhas transagGes so denominadas em délar, por exemplo, pouco me importa a taxa de inflaco corrente na moeda de curso legal no pais. Neste sentido a taxa relevante de inflacdo pode estar declinando muito antes da estabilizagdo da taxa de inflagdo em termos da moeda legal. ‘Na fase final da hiperinflagdo a moeda local praticamente desapareceu e todas as transagGes so deno- minadas ¢ realizadas em moeda estrangeira. Neste ponto a melhor medida para a taxa de inflagao efetiva do sistema é provavelmente a taxa de valorizagdo do cimbio real®. 0 evento final da estabilizaco em termos da moeda doméstica parece resultar simplesmente da fixago pelo governo da taxa de cdmbio nominal. Na Alemanha a taxa de cimbio foi fixada em 4,2 milhées de marcos por délar a partir de 20 de novembro de 1923. Na Austria a estabilizagdo do cambio ocorre a partir de setembro de 1922, um més antes da estabilizagdo dos pregos. Como conse- qiiéncia da fixagdo da taxa de cmbio acaba o repidio 4 moeda doméstica que passa a ser um substi- tuto aceitavel para as moedas estrangeiras que circulam efetivamente na economia, e os precos voltam a ser cotados na moeda nacional com base na sua paridade fixa com a moeda estrangeira. A taxa de inflagdo em termos da moeda doméstica passa a ser igual inflagdo efetiva em termos da moeda estrangeira, caindo abruptamente. SA equagdo (2) tem sempre esta propriedade de que se 0 = 0 entéov © valor de 4. 6 Este mimero foi da ordem de 5% ao més para os doze meses terminados em outubro de 1923, no cago alemao, ¢ da ordem de 6% ao més para os seis meses terminados em setembro de 1922, no caso austriaco, Estas medidas entretanto podem variar substancialmente, dependendo do perfodo de tempo utilizado para o cilculo. *, qualquer que seja 144 Nossa conclusfo portanto é que a forma repentina com que se dé a estabilizago a0 final das hiperinflagdes & apenas iluséria. Acreditamos que a tendéncia inflacionéria no se altera bruscamente, ‘mas provavelmente tende a dissolver-se mais ou menos lentamente 4 medida que os agentes econdmicos ppassam a utilizar alguma moeda estrangeira cada vez mais intensamente como unidade de conta ¢ meio de transagSo. A estabilizagdo se dd como na Figura 2c: eventualmente os picos de renda real estdo ‘compatibilizados com as rendas reais médias (v* = V) € o sistema pode operar ou com intervalo nulo entre reajustes (9 = 0) ou com taxa de inflagdo nula (4 = 0). A fixagdo da taxa de cdmbio apenas transforma o primeiro caso (9 = 0) no segundo (4 = 0). £ interessante notar que a experiéncia histérica confirma que uma reforma monetiria nfo é um ingrediente necessério para a estabilizacdo das hiperinflagées. Na Alemanha uma nova moeda (0 retenmark) foi introduzida na mesma época (15 de novembro de 1923) da fixagio da taxa de cimbio, mas até outubro de 1924 a moeda de curso legal continuou a ser o marco papel. No caso da Austria, assim como nas hiperinflagdes da Hungria em 1921-24 e Polénia em 1922-24, a estabilizago ‘ocorreu sem reforma monetéria, DESINFLAGAO 1, O Desafio da Desinflagdo ‘A inflagdo brasileira vem se acelerando continuamente desde 1974 a despeito de esforgos esporddicos das autoridades econdmicas para conté-la. Nos tiltimos quatro anos, particularmente, foram adotadas medidas severas de contenco na drea monetéria e, mais recentemente, na rea fiscal na esperanca de controlar 0 processo inflaciondrio dentro das boas regras da ortodoxia. Nao obstante a inflagfo continuou a subir e a principal conseqiiéncia das medidas foi uma severa recessio. Isto naturalmente teve repercuss6es saudiveis no balango de pagamentos atendendo assim ao outro objetivo da politica econémica, o restabelecimento da credibilidade externa do pafs. ‘Ao final de 1984, entretanto, a situagdo do balanco de pagamentos apresenta-se extremamente favordvel para o futuro préximo, e 0 cléssico dilema da ortodoxia, entre recuperagao econdmica ¢ combate a inflagfo, apresenta-se com a costumeira arrogincia, Na realidade, sabemos que este é um falso dilema, pois a evidéncia empirica nos dé fortes ind{cios de que a continuagio da recessio provavelmente contribuiré muito pouco para a redugdo da inflagdo. Mas, neste caso, que solugio podemos dar para 0 problema inflacionério? Evidentemente uma solugfo sempre pode ser ndo fazer nada. Quando o governo nfo tenta mexer como sistema de indexagdo para atingir outros objetivos de politica econmica, como no caso das prefixagdes das correg6es monetarias e cambiais em 1980 ou dos reajustamentos diferenciados por classe de renda a partir de 1979, a economia parece capaz de conviver razoavelmente bem com taxas elevadas de inflagdo. A principal dificuldade ¢ que quanto maior a taxa de inflagdo, maior a demanda (na esfera econdmica ou politica) por indexagio e, conseqilentemente, maior a vulnerabilidade do sistema a choques de oferta. O problema com uma taxa de inflagio alta é que la tende a produzir indexagdo mais intensa, 0 que por sua vez aumenta 0 risco de aceleragées inflacionérias significativas. ‘Se é inevitivel combater a inflagSo, o importante é que 0 foco das politicas seja deslocado da geragdo de choques de demanda deflacionérios para o desenho de mecanismos que nos permitam quebrar a tendéncia inercial da inflagdo. No que se segue discutiremos brevemente trés sugestdes de politica econdmica deste tipo, todas elas inspiradas pelo modelo da inflagdo inercial. 2. O Choque Heterodoxo Minha sugesto de um choque heterodoxo (ver Lopes, 1984c) surgiu em reagdo @ idéia de um choque ortodoxo baseado no corte rispido e total da expansfo monetéria ¢ do déficit piblico acompanhado de liberalizagdo do sistema de preos e extingdo dos mecanismos formais de indexacao. © choque heterodoxo, ao contrério, consistiria em um congelamento total e generalizado de precos © rendimentos acompanhado por politicas monetarias ¢ fiscais passivas. Mais especificamente, minha prc ysta foi de um congelamento tempordrio seguido de uma fase de descompressio com controle Ge precos, na qual se permitiria uma elevagdo moderada de precos visando reajustar a estrutura de recos relativos que tivesse resultado do congelamento. 7 Na Austria, por exemplo, a estabilizaco pode ser datada em outubro de 1922 ¢ s6 houve uma reforma monetéria ao final de 1924. Ver Sargent (1983). 145 A experiéncia do programa antiinflaciondrio argentino de 1973® sugere que o congelamento Pode conseguir resultados espetaculares em termos de taxa de inflagdo mas ao custo de distorg&es no sistema produtivo que tendem a se tornar tanto mais sérias quanto mais longo for o perfodo de congelamento. A natureza dessas distorgSes fica evidente na Figura 3a, onde estio representadas as trajetorias de renda real de dois agentes econdmicos (representadas como vay e vb). Se o congelamento total ocorre no dia D (para tomar emprestada a sugestiva expresso de Mario Henrique Simonsen) ¢ a taxa de inflagdo vai a zero, as rendas reais médias dos agentes ficam congeladas aos, niveis de renda real que existiam naquele dia, 0 que torria a estrutura de pregos pos-congelamento incompativel com o funcionamento normal dos mercados (que presumimos exigir, nas condigdes Vigentes, a estrutura de precos relativos implicita nas rendas reais médias existentes antes do congelamento). Como os pregos relativos esto impedidos de se alterar, o sistema econémico tem que utilizar mecanismos extramercado (como filas ou acumulagdo de estoques, por exemplo) para organizar © fluxo de producdo. Além disso surgem movimentos especulativos, na antecipagdo do realinhamento de precos relativos que se pode esperar para a fase posterior ao congelamento. De fato estas distordes resultam da forma dessincronizada com que todos os precos so reajustados num regime inflacionario e poderiam ser mitigadas se antes do congelamento a economia assasse por uma fase de re-sincronizagdo de reajustes. Isto é ilustrado na Figura 3b, onde a partir do dia D-S 0 intervalo entre reajustes € reduzido para os dois agentes, de modo que antes da data de congelamento suas rendas reais jé evoluem perfeitamente sincronizadas. Neste caso se 0 dia D for adequadamente escolhido, as reridas reais so congeladas a um nivel consistente com a estrutura de pregos relativos vigentes, como esté ilustrado na figura, o que evita todas as distorgées. E claro que uma re-incronizagdo perfeita como a que aparece na Figura 3b é impossivel de conseguir na pratica, mas em principio poderia ser feita para alguns precos administrados chaves e para os salérios. Dizemos em principio, entretanto, porque a re-sincronizacio sem aceleragdo in- flaciondria requer, como se pode ver na figura, que quando o intervalo entre reajustes for reduzido © pico de renda real caia consistentemente. No caso dos salérios, por exemplo, isto se traduziria na pratica na aplicagao de um redutor sobre a taxa de inflaco passada utilizada na atualizagio do salério nominal. E facil imaginas as resisténcias politicas que este programa enfrentaria Naturalmente as dificuldades politicas seriam menores se fosse possivel anunciar a deciséo de adotar o congelamento bem antes da sua aplicagdo efetiva (por exemplo, um amincio no dia D-S da decisio de congelar no dia D). Esta entretanto é a grande dificuldade com a estratégia de congelamento, Qualquer aniincio prévio da sua adogo pode detonar movimentos especulativos insuportiveis, pondo em risco a credibilidade e viabjlidade politica de todo 0 programa. E esta mesma dificuldade de prenunciar 0 congelamento que cria dificuldades na érea financeira. O dia D fatalmente transformaria as taxas de juro nominais prefixadas em contratos de exédito realizados sem expectativa de congelamento em taxas de juro reais absurdamente elevadas, ocasionando transferéncias de renda real injustificadas de devedores para credores. Para evitar este tipo de problema seria preciso, antes do dia D, proibir contratos de crédito com juros prefixados de prazo superior a, por exemplo, um més, o que na prética encontraria certa resisténcia (além de criar a antecipaco Gbvia de que o governo prepara o congelamento). 3. A Moeda Indexada Lara Resende (1984) sugeriu um programa alternativo de desinflagio cujas principais van- tagens em relagdo a0 choque heterodoxo seriam “no ser compulsério, nfo depender de controles administrativos e manter funcionando 0 mercado” (p. 13). A idéia basica é a introdugo de uma nova moeda indexada, 0 novo-cruzeiro, com uma taxa de conversdo oficial em relagdo ao cruzeiro que € atualizada diariamente de acordo com a varia¢io pro-ratadia da ORTN do més. A op¢io de converter cruzeiros em novos-cruzeiros ou vice-versa seria totalmente livre, o que presumivelmente significa que as duas moedas teriam curso legal. O governo, entretanto, mostraria uma preferéncia explicita pela nova moeda estipulando que todas as transagdes financeiras e depésitos bancdrios fossem contabilizados em novo-cruzeiro. Os contratos de crédito em vigéncia , no entanto, tanto poderiam ser recontratados com base no novo-cruzeiro como mantidos nos termos originais em ‘cruzeiros (0 que seria particularmente importante no caso de contratos com taxas de juros nominais ® 0 programa implementado por Perén com base em uma Acta de Compromisso Nacional reduziu uma inflagio da ordem de 80% anuais para praticamente zero durante um periodo de seis meses. ‘Ver a respeito Arnaudo (1979). 146 Saldrio Real Sete ee PT prefixadas). Desta forma a preferéncia governamental pela nova moeda néo afetaria a validade dos contratos celebrados anteriormente, o que seria um fator importante para manter a calma do sistema financeiro. Os pregos administrados pelo governo seriam imediatamente fixados em novos-cruzeiros, com base nos pregos reais médios em cruzeiros observados em perfodo recente (iiltimos seis meses?). O setor privado ficaria com a opgdo livre de cotar pregos em novos-cruzeiros ou em cruzeiros. ‘No caso dos contratos de trabalho, entretanto, haveria uma formula de conversdo, estabelecendo que quando o salirio fosse convertido para novos-cruzeiros o seu valor seria fixado no equivalente & taxa de conversio do dia do saldrio real médio em cruzeiros verificado nos tltimos seis meses.” Como forma de estimular a fixagdo de precos em termos da nova moeda, o governo deixaria a partir de certo ponto de publicar indices de precos em termos da velha moeda, estabelecendo uma taxa de desvalorizacdo didria fixa do cruzeiro em telagdo ao novo-cruzeiro. Na medida em que isto faz 0 imposto inflacionério incidir mais fortemente sobre 0 cruzeiro do que sobre 0 novo cruzeiro, qualquer que seja a taxa de inflacdo do sistema, haveria um incentivo permanente para o uso da nova moeda no lugar da velha como instrumento de transagdes. Desta forma a economia faria uma transicdo voluntaria, sem qualquer imposi¢fo do governo, para o uso exclusivo do novo-cruzeiro, em termos do qual toda a inflacdo inercial anteriormente existente teria sido eliminada, Na realidade, porém, o carter nfo compulsério do programa de Lara Resende é mais aparente do que real. A chave para 0 seu sucesso estd nas formulas de conversio baseadas em valores reais médios que 0 governo imporia a si proprio e aos trabalhadores. De fato, se a transigo para a nova moeda nao for feita cam a adocdo generalizada de formulas deste tipo h4 um sério risco de exploséo inflaciondria na velha moeda, o que por sua vez pode acabar contaminando a nova moeda. As dificuldades praticas © as resisténcias politicas que esta transic&o pelas médias teria que enfrentar nfo podem ser ignoradas. Hé grandes semelhancas com os problemas que encontramos na idéia de fazer uma re-sincronizagio de reajustes como preparagdo para o choque heterodoxo. Na pratica seria impossivel fazer a conversdo pela média para todos os pregos da economia ¢ a aplicago da formula teria que ser seletiva, como de fato foi proposto por Lara Resende, mas é exatamente este aspecto de sua aplicagéo que tende a gerar resisténcias politicas. Afinal fica diffcil justificar por que 08 salérios devem ser convertidos 4 nova moeda em termos de médias enquanto os precos dos: bens que compéem a cesta de consumo do trabalhador podem ser convertidos em termos de pico. Além disso hd o problema de que, se a taxa de inflagdo aumenta com a introdugo da nova moeda, ha uma redugdo nos salérios reais médios dos trabalhadores que se atrasam em optar pela converso, o que poderia ser um forte incentivo para que as conversdes de saldrios para a nova moeda fosse feitas em termos dos salérios reais médios pré-eforma. Isto, entretanto, torna dificil a recompatibilizacdo distributiva do sistema, se uma boa parte das outras rendas reais esto sendo convertidas pelo pico e portanto de forma inconsistente com a distribuigdo de renda existente antes da reforma. © que se pretende com a introdugdo da moeda indexada é reproduzir 0 mecanismo de autodestruig¢do da hiperinflacdo ilustrado na Figura 2c sem efetivamente passar por uma hiperinflacdo. Quando um agente passa a cotar seu prego de venda na moeda indexada, tudo se passa como se 0 seu intervalo de reajuste 9 em termos da moeda ndo indexada tivesse sido reduzido a zero, fazendo com que sua renda real média passe a ser determinada pelo valor da renda real no momento da mudanga. Se este valor for superior 4 renda real média antes da mudanga, este agente ter4 introduzido uma incompatibilidade distributiva no sistema, que sé poderd ser resolvida através de uma aceleragao inflaciondria que reduza as rendas reais daqueles agentes que ainda no fizeram a conversfo para a nova moeda'®, Naturalmente se todos os agentes tentarem passar ao mesmo tempo para a nova moeda com rendas reais maiores que as suas rendas médias anteriores, a taxa de inflagdo em termos da velha moeda tenderd a explodir e surgird uma taxa de inflacdo positiva em termos da nova moeda (isto é, os Pregos em novo-cruzeiro tenderiam a subir ao longo do tempo), o que é a forma natural de restabelecer a consisténcia distributiva do sistema. Minha conclusio, portanto, é que Lara Resende ¢ excessivamente otimista ao afirmar que sua Proposta nfo envolve riscos ¢ que “‘na hipdtese improvavel de que o novo-cruzeiro ndo venha a merecer a confianga do piiblico, a inflagdo continuaré onde esta” (p. 14), com 0 que o autor 9 Lara Resende nao especifica se os contratos de trabalho convertidos para novos-cruzeiros ficariam impedidos de serem reconvertidos para cruzeiros. Ndo faz referéncia também a outros contratos de ‘médio © longo prazo, como aluguéis por exemplo, que presumivelmente seriam tratados de modo semelhante aos saldrios. 40 Para os quais o intervalo de reajuste 9 ainda é significativamente maior do que Zero, € que por isso esto sujeitos a perdas de renda real média quando a taxa de inflagdo aumenta. 148 certamente quer dizer que a taxa de inflagdo na velha moeda ser integralmente transformada em igual taxa de inflagfo na nova moeda. De fato, isto € © que aconteceria se todos os agentes tentassem converter suas rendas reais para a nova moeda pelos valores de seus picos anteriores de renda real. Esta nova situagdo, entretanto, seria provavelmente pior que a situacdo pré-reforma. fato da economia passat por uma experiéncia real de hiperinflag3o em termos da velha moeda fatalmente criaria um sério problema de credibi para a politica econémica. Com a taxa de inflagdo na nova moeda igual taxa de inflacdo inicial na velha moeda (por exemplo, 200%), os agentes economicos tentariam indexar suas rendas reais em termos da nova moeda (isto é, meu salario em novo-cruzeiro passa a ser reajustado periodicamente em fungdo da inflagdo em novo-cruzeiro) @ poderiam sentirse tentados a indexar mais intensamente do que faziam no perfodo pré-reforma (por que nao indexar com base na varia¢fo pro-rata-dia da ORTN?). O resultado € que na nova situagdo a economia teria a mesma inflagdo mas maior vulnerabilidade a choques inflacionarios como conseqiiéncia da indexa¢do mai ‘De fato, 0 caso da hiperinflagdo hingara de 1945-46, em que houve o experimento de introduzir uma moeda indexada num contexto de alta inflago, ndo é nada encorajador, como se pode ver na Tabela 3. A introdugdo do pengo fiscal, um depésito a vista indexado nos bancos co- merciais ¢ de poupanga, em fevereiro de 1946, © a posterior emissio de notas de pengo fiscal a partir do fim de maio de 1946, produziu taxas de inflagdo mensais quase inacreditéveis em termgs de pengo ndo-indexado e aparentemente também substancial inflagdo em termos de pengo fiscal”. A estabilizagZo ocorreu em agosto de 1946 com a introdugdéo de uma nova moeda de curso legal, ‘0 forint, e de um rigido controle de pregos em termos da nova moeda. TABELA3 HIPERINFLACAO HUNGARA, 1945-46 ‘TAXA DE INFLAGAO MENSAL (%) JAN. FEV. MAR. ABR. = MAL JUN, = JUL. AGO. SET. OUT. NOV. DEZ. we - - - =8 9 63 122 581 435219 1946 74 503 329 18X10? 31x10" Baxtor 42x10 — -6 6 7 -3 Fonte: Bomberger ¢ Makinen (1980). 4. Uma Reforma Monetdria com Desindexagdo Total Apesar de sua engenhosidade, a proposta da moeda indexada me parece muito arriscada. A dificuldade bisica é que ndo hd nenhuma garantia de que a compatibilidade distributiva do sistema possa ser mantida sem substancial inflagdo apés a introdugdo da nova moeda. Como os agentes so induzidos a optar voluntariamente pela nova moeda com base na suposigao de que ela oferece um “hedge” contra a inflagZo, 0 grau de indexagdo da economia pode terminar sendo maior apés a transigdo, o que introduz um elemento adicional de instabilidade inflacionéri No caso das hiperinflagdes a compatibilidade distributiva pos-stabilizaco € obtida esponta- neamente quando 0s agentes decidem que o custo de conviver com a alta vertiginosa de pregos na moeda doméstica é maior que as eventuais perdas de renda real que possam ter convertendo suas tran- ‘sagdes para precos estaveis em moeda estrangeira. No caso do choque heterodoxo a compatibilidade distributiva é imposta através dos controles de pregos ¢ rendimentos. O problema com a proposta da moeda indexada esta em supor que esta mesma compatibilidade possa ser obtida sem hiperinflagio ¢ sem intervengao do governo. Na realidade Lara Resende mostra que tem consciéncia do problema ao afirmar que “é absolutamente necessério que tal conversio” — de saldrios e pregos piblicos para a nova moeda — “soja apenas permitida ao prego real médio vigente no periodo entre os reajustes” (p. 13). Entretanto, esta intervengdo autocontida do governo € pouco vidvel politicamente, porque parece discriminar abertamente contra salirios, e pouco efetiva, porque s6 atua antes da transicfo para a nova moeda. 11 A inflagdo em termos de pengo fiscal ndo parece ter sido calculada, mas pode-se avalid-la indire- tamente, a grosso modo, pela velocidade com que aumentou a quantidade de pengo fiscal em circu- lagdo. Para maiores informagées, ver Bomberger e Makinen (1980 a 1983). 149 Idealmente, o governo deveria permitir que os agentes privados negociassem livremente a compatibi- lizagdo distributiva pés-estabilizaggo, s6 intervindo posteriormente para fazer com que as partes honrem efetivamente os termos negociados. Isto poderia ser conseguido através de uma reforma monetéria com desindexagfo total. Esta proposta mantém em linhas gerais a idéia de estabilizagdo via reforma monetéria sugerida por Lara Resende. A proposta de reforma monetéria parece ter grande forga psicologica, além do atrativo de minimizar os problemas de readaptacdo do sistema financeiro a um ambiente de pregos estéveis. No presente caso, entretanto, a reforma s6 permitiria a coexisténcia de duas moedas de curso legal por um curto espago de tempo, no qual adicionalmente os controles de precos seriam acionados para evitar uma exploséo inflaciondria em termos da velha moeda. Outra diferenga em relagdo 4 proposta da mocda indexada € que haveria livre negociago das férmulas de conversio de pregos € rendimentos no setor privado, mas total proibigdo de qualquer forma de indexagao apés © periodo de transicio. s pontos bisicos da reforma monetiria com desindexagdo seriam os seguintes: 1. E introduzida uma nova moeda, 0 cruzeiro-ouro, que passard a ser a tinica moeda legal de curso forgado apés um perfodo de transicgo de trés a quatro meses. Durante este periodo ¢ fixada uma taxa de cimbio oficial do cruzeiro em cruzeiro-ouro, com atualiza¢o mensal com base no Indice Geral de Precos. 2, Todas as transagdes financeiras e depésitos bancérios passam imediatamente a ser obrigato- riamente contabilizados em cruzeiro-ouro. Para os contratos de crédito em vigéncia, entretanto, fica livre a opcode recontratagao em termos de cruzeiro-ouro. O sistema bancério fica obrigado a con- verter cruzeiros em cruzeiro-ouro sem restrigdes. 3. Fica estabelecida uma taxa de cambio fixa entre o cruzeiro-ouro ¢ 0 délar. Do ponto de vista psicolégico talvez seja uma boa idéia definir a taxa de cimbio inicial entre cruzeiro e cruzeiro- ‘ouro de modo que um cruzeiro-ouro tenha a cotacdo de exatamente um délar. 4. Os precos administrados pelo governo sio imediatamente fixados em cruzeiro-ouro com base no seu valor real médio verificado nos seis meses anteriores ao inicio da reforma. O governo anuncia que ndo pretende alterar estes pregos sob nenhum pretexto nos préximos quinze meses. 5. Em qualquer momento no perfodo de transicdo 0s contratos privados podem ser livremente recontratados em termos de cruzeiro-ouro, nos termos acertados pelas partes interessadas. Isto se aplicara para salirios, aluguéis e todos os outros contratos de prestagdo de servicos. Se até o final do perfodo de transigéo no existir um acordo voluntério de recontratagdo em cruzeiro-ouro, sera aplicada uma férmula de converséo compulséria baseada no valor real médio em cruzeiros verificado ‘os iltimos doze meses. 6. A partir de sua introdugo 0 cruzeiro-ouro seré considerado moeda legal de curso forcado, podendo ser utilizado em qualquer transagéo realizada em territério nacional. Conseqilentemente, no periodo de transicéo todos os pregos devem ser obrigatoriamente cotados nas duas moedas legais, o ‘cmuzeiro € o cruzeiro-ouro. 7. A partir do inicio do programa o sistema de controle de progos (CIP, SEAP etc.) seré acionado para impedir aumentos especulativos de pregos. Em principio 0 objetivo do controle é manter fixos 0s pregos em cruzeiro-ouro na fase de transigo, e examinar caso a caso os pedidos de aumento de pregos em cruzeiro-ouro na fase pés-teforma. O governo anuncia que um controle rigido de pregos seré mantido por um perfodo de quinze meses sendo gradualmente extinto no futuro. 8. Durante os quinze meses seguintes ao inicio do programa fica proibida a celebrago de ‘qualquer tipo de contrato com qualquer cldusula de indexagao. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ACKERLOFF, George, ‘‘A theory of social custom, of which unemployment may be one consequence”, Quarterly Journal of Economics, junho de 1980. 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