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Revista DIREITOS HUMANOS fundamentais oni REVISTA DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS ~—OSASCO, SP_ ANO 14. N. 2 JUL./DEZ,2014 DIREITO AO ESQUECIMENTO NA INTERNET: REALIDADE OU UTOPIA? RIGHT TO OBLIVION ON THE INTERNET: REALITY OR UTOPIA? Felipe Chiarello de Souza Pinto chiarello.elipe@gmail.com Henrique Andrade Porto heuporto@yahoo.com br Recebido em; 08/06/2014 Aprovado em: 11/12/2014 Sumiatio: Introdugao. 1. Reconhecimento do diteito 4 privacidade e sua prote¢ao. 1.1.Reconhecimento, do diteito ao esquecimento e sua protesiio. 2. Mecanismos legais de protestio do direito a privacidade € a0 esquecimento no ordenamento brasileiro, 2.1. Aspectos relevantes do direito privacidade. 2.1.1. Carta do direito ao esquecimento. 3, Estudo de casos relativos & privacidade e ao esquecimento nos sitios eletrénicos. 4, Conclusio. Bibliografia, Resumo: © presente artigo aborda o tema do direito a0 esquecimento, pois atualmente o direito privacidade ntio tem sido mais capaz de proteger a intimidade do individuo. O direito ao esquecimento deve set reconhecido como inerente a todos os cidadios, 0 qual deveri garantir o esquecimento de certos dados do individuo que so considerados irrelevantes e desnecessétios para a sociedade. © esquecimento ja é conhecido em legislacdes estrangeitas, sendo questo de debate em casos em que esse ¢ ofendido. No ordenamento brasileiro, no entanto, 0 esquecimento é apenas recomhecido pela jurisprudéncia, sendo protegido por anslogia attavés dos dispositivos legais que protegem © direito & privacidade. Para que niio aja inseguranga juridica em selagio a sua protegio, cm decorréncia da auséncin de Fonte normativa que expressamente o regule, faz-se necessiria a ampliagio do debate sobre o tema e como deve Abstract: This article discusses the topic of the sight to oblivion, because currently the tight to privacy has not been able to protect the privacy of the citizens, ‘The tight to oblivion should be recognized as a tight inherent to all citizens, which should ensure the oblivion of certain individual data that are considered irrelevant and unnecessaty for the society. Oblivion is already known in foreign laws, being, a matter of debate in cases whete it is offended. ‘The Brazilian jurisdiction, however, oblivion is only recognized by the jurisprudence, being protected by analogy through the legal provisions that protect the tight to privacy. For that there is no legal uncettainty in relation to its protection, due to the absence of normative source that expressly set, it is necessary to increase debate on the topic and how it should be safeguarded, especially in the digital media such as the internet. 275 ser tutelado, principalmente nas midias digitais Keywords: como a Internet. Privacy, intimacy, sight to oblivion, information, protection, public interest, internet, protection. Palavras~chave: Privacidade, intimidade, diteito ao esquecimento, informacio, tutela, interesse pablico, Internet, protecio. i Introducio A propagacio da midia imptessa nos Estados Unidos, ocortida em torno dos anos 1880 (REINALDO FILHO, 2003), levou Samuel Warren ¢ Louis Brandeis a xeconhecerem o surgimento de um novo ditcito, a privacidade, por meio da publicagio, em 15 de dezembro de 1890, na Havard Law Review, de um texto intitulado “The Right to Privacy” (WARREN; BRANDEIS, 1890) (em tradugio livre: “O ditcito 4 privacidade”). O diteito a privacidade, hoje, é direito fundamental protegido em nossa Constituigiio Federal. Passado mais de um século, atualmente se vivencia a exploséo da midia virtual. A Internet € uma tealidade em escala global. Segundo pesquisa da empresa de monitoramento Royal Pingdom, publicada em janeiro de 2013, 2,4 bilhes de pessoas sio usudrias dessa rede on-line, Assim, cm : virtude dessa nova realidade informacional, traz-se a discussfo 0 surgimento de um novo ditcito, direito a0 esquecimento. Nessa nova era da Internet, em que mais de 85 mil informagSes so publicadas mensalmente | no site de telacionamentos Facebook € mais de 5 bilhdes de fotos jé foram divulgadas no Instagram (programa que permite 0 compartilhamento instanténeo de fotos on-Lind) desde sua cxlacio, em 2012, 0 acesso as infotmagdes pessoais foi amplificado. Entretanto, como essas informag&es nio so “pereciveis”, o que o usuario deve fazer quando desejar retiré-las do livre acesso global? Dessa discusstio sutge 0 direito ao esquecimento, que nada mais é do que o “dircito a sex deixado em paz”, de permitir que fatos, noticias e fotos veiculados em nome de um cidadio, sejam esquecidos pela sociedade, caso venham a ser irrelevantes a0 interesse piblico. O debate desse diteito metece um enfoque maior, uma vez que as informagdes contidas na rede digital podem ser facilmente acessadas, Em 2012, por exemplo, foram feitas 1,2 tilbio de pesquisas apenas no site de buscas Google (ROYAL PENGDOM, 2013). Nesse sentido, a fim de se garantir 20 individuo o respuardo do direito de poder remover i informagdes no desejadas da Internet, devem-se analisar os meios atuais disponiveis para se proteger 0 esquecimento. Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321 Felipe Chiarello de Souza Pinto / Henrique Andrade Porto * A exatleta olimpica Marta Bobo viu volkar & tona uma antiga false matéria veiculada no jormal EF Pus, que continhe a inveridica informago acerca de uma anorexia que supostamente a scometia. Outra notétio episédio € 0 do médico Hugo Guidotti Russo, que no Goo- gle tem seu nome ligedo 2 ‘caso de md aplicagao da me- dicina, do quai foi inocen- tado, por meio de matéria jomalistica de 21 anos ates, Algumas pessoas j4 estiio sendo afetadas pela perpemacio de informagées desnecessirias na Internet.' Individuos que se sentiram ofendidos ajuizatam com acdes nos tribunais estrangeitos alegando ofensa a seu diteito ao esquecimento. A existéncia de ordenamentos estrangeiros que expressamente reconhecem ¢ protegem 0 diteito ao esquecimento, como a francesa Carta do Direito ao Esquecimento, bem como a proposta de alteracio da Diretiva 46/1995/CE da Uniio Buropeia, tem ajudado a consolidar esse direito no ambito internacional Em contrapartida, no ordenamento juridico nacional, em virtude da auséncia de uma tutela jusidica especifica, utilizam-se analogamente 08 dispositivos legais protetores da privacidade com o intuito de se resguardar 0 direito ao esquecimento, com fundamento no att. 5°, XXXV, da Constituicio Federal, que alega que a lei niio excluiré leso o1 ameaga de diteito da apreciacio do Judiciatio. Além disto, est4 se pacificando na jurisprudéncia pétria um entendimento a fespeito dos meios disponiveis de se proteger o esquecimento. Ja é possivel encontrar julgados nos quais os dispositivos das sentencas e acétdios tém por fundamento a protegio do direito 20 esquecimento. Neste artigo, apresentam-se ¢ analisam-se as legislagdes ¢ casos priticos aplicaveis a protesio da privacidade como meios atuais de protegio do diteito ao esquecimento, Discute-se esse Ultimo direito na esfera da Internet, com a anilise de casos priticos e a necessidade de sua tutela no intuito de melhor resguardé-lo. 1. 0 reconhecimento do diveito & privacidade e sua protecio ‘A invasio de jotnalistas ¢ fot6grafos A intimidade das pessoas no fim do século XIX, principalmente em noticias desprovidas de interesse ptiblico, levou os jutistas Samuel D. Watren ¢ Louis D. Brandeis a conceituat 0 atualmente conhecido direito a privacidade no artigo “The Right to Privacy” (om tradyiio livre: “O Diteito & Privacidade”), publicado na Havard Law Review, em 1890, Quase dois séculos depois, a discussie acerca desse diteito tessurge com forca, em plena era dominada pela tecnologia da informagio. Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321 277 Direito ao esquecimento na Internet: realidade ou utopia? Contemporaneamente, 0 conflito existente entre 0 pablico ¢ 0 privado adquirin aova roupagem com o advento dos meios eletrdnicos. Sc anteriormente a longevidade das noticias era a mesma depreendida pelo papel impresso para se decompor, © carter quase perpétuo, hoje, das noticias disponibilizadas na Internet enseje maior preocupagio com a protesio da privacidade ¢ da intimidade. ‘A demanda de uma tutela juridica a respeito da protegio da intimidade das pessoas, dos seus lares, levou 0 juiz norte-americano ‘Thoma McIntyre Cooley ctiagiio da célebre expressio “right to be let alone”, em 1878, (em tradugao livre: “direito de ser deixado em paz”), como uma forma de protegio desse incipiente direito que até entio restava abandonado de qualquer forma de protesio. Afirmam Samuel ¢ Louis: Instantaneous photographs and newspaper enterprise have invaded the sacred precincts of private and domestic life; and numerous mechanical devices threaten to make good the prediction that “what is whispered in the closet shall be prochimed from the house-tops” (WARREN; BRANDEIS, 1890, p. 195)2 O dircito & propriedade em sua detivagio, apés elaborado estudo dos juristas norte-americanos, foi o que Jevou a uma conceituagio do direito 4 privacidade, A complexidade das relagdes pessoais, ao longo das décadas, getou a necessidade de se proteger um diteito até entio desconbecido, Esclatecem sobre a necessidade da tutela: “The intensity and complexity of life, attendant upon advaneing civilization, have rendered necessary some retreat from the world, and man, under the refining influence of culture, has become more sensitive to publicity. (WARREN; BRANDEIS, 1890, p. 196)? Com o advento dessa tutela, passa-se a proteget as ocotréncias domésticas e fntimas, evitando sua incontrolada publicagio. A intromissio alheia que atravessa os limites da propriedade e entra no lar, expondo 08 detalhes fotimos das pessoas para a sociedade, com sua publicacto popular, passa a ser vedada com a protegiio da privacidade. % Tradugdo livre: "Empresa de jornais e fotografias ins- ‘antéineas tém invadido 0 re- cinto sagrado da vida priva- da e doméstica; e numerosos dispositivos mecdnicos ame- agam tomar valido 0 ditado de que ‘0 que é sussurrado no armario deve ser procia~ mado do telhado” % Tradugéo livre:"A inten sidade © a complexidade da vida, apes 0 avano da civil zagZo, tornaram necessérios: alguns recuos do mundo, ¢ 0 homer, sob a influéneia de refinagio da cultura, tornow -se mais sensivel & public!- dade evista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321 Felipe Chiarello de Souza Pinto / Henrique Andrade Porto * Tiadugdo live: “Se ¢s- tivermos corretos nesta concluséo, a lei existente proporciona um principio {que pode ser invocado para proteger a privacidade do individuo da invasio através da imprense, do fotdgrafo ou do possuidor de qualquer outro dispositive moderno, de gravacao ou de reprodu- fo de cenas oy som. Se, en to, as decisGes indica um direito geral de privacidade para pensamentos, emocdes ¢ sensagdes, estes devern re ceber 2 mesma protegao, es~ teja expresso por escrito ou em conduta, em conversa, nas atitudes ou na expresso facial. No texto publicado na Harvard Law Revieas que data do nascimento do que conhecemos como o “Direito a Privacidade”, foram definidos os limites e alcances desse direito, Definiu-se também seu reconhecimento como um dircito que merece protegio legal, 0 qual tem suas ofensas tuteladas pelas cortes juridicas. Por ser um direito insipiente 4 época, os principios que o protegem sio oriundos da protegdo dos “personal writings" (em tradugio livte: “direitos autorais”) © da “nofolate personality” (em tradugio livre: “inviolabilidade da personalidade”). Concluem os autores da obra acerca dessa tematica: If we are correct in this conclusion, the existing law affords a principle which may be invoked to protect the ptivacy of the individual from invasion either by the too enterprising press, the photographer, or the possessor of any othet modern device for recording or reproducing scenes or sound, [4] If, then, the decisions indicate a general sight to privacy for thoughts, emotions, and sensations, these should receive the same protection, whether expressed in writing, or in conduct, in conversation, in attitudes, or in facial expression. (WARREN; BRANDEIS, 1890, p. 206) O catater protetivo deve set em fungio das pessoas, cujas telages € atitudes nfio dizem respeito ou demonstram qualquer interesse sociedad, uma vez que niio hé por que arrastar indesejavelmente para 98 holofotes publicos as intimidades socialmente irrelevantes do cidadio comum. Necessitando, ademuis, proteger aqueles que manifestadamente gostariam de manter suas informagées pessoais privadas, mas que acabam prescnciando a divulgagio de sua intimidade em redes piblicas, tais como a Internet, sem seu consentimento, Assim, corrobotam sua tese alegando que o direito a privacidade nao proibiri nenhum tipo de publicag%o, cujo contetido seja de interesse piblico. Sendo assim, por meio de analogias legais, estabeleceram-se regras para que fosse posstvel determinar a linha invisivel que dividitia a dignidade © 0 tespcito do individuo perante as informagées piblicas relevantes a serem difundidas, compartilhadas, a toda a sociedade Conforme exposto: Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul~dez/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321 279 Direito ao esquecimento na Internet: realidade ou utopia? ‘The tight to privacy does not prohibit the communication of any matter, though in tis nature private, whea the publication is made under citcumstances which would render it a privileged communication according to the law of slander and libel [..]. ‘The law would probably not grant any redress for the invasion of privacy by oral publication in the absence of special damage [.J- ‘The right to privacy ceases upon the publication of the facts by the individual, ox with his consent [..J- ‘The truth of the matter published does not afford a defense |... ‘The absence of “malice” in the publisher docs not afford a defense. (WARREN; BRANDEIS, 1890, pp. 216-218) Conchui-se, portanto, que a protegio da sociedade se dat ptincipalmente pelo reconhecimento dos direitos do individuo. Apés a publicagio do texto desses autores norte-americanos, 0 direito a ptivacidade passou a ser seconhecido e protegido na maioria dos sisternas juridicos existentes. Fle é tutelado no apenas no ordenamento ptrio, mas no estrangeiro e em tratados internacionais, Reconhece José Canotilho a privacidade como um direito da petsonalidade fundamental: Os direitos de personalidade abarcam certamente os diteitos de estado (por ex. diteito de cidadania), os direitos sobre a propria pessoa Gdlitcito A vida, 4 integridade moral € fisica, diteito & privacidade), 0s direitos distintivos da personalidade (diteito a identidade pessoal, direito a informatica) ¢ muitos dos dircitos de liberdade (liberdade de exptessio) (gtifo nosso). (CANOTILHO, 1993) Sua defini¢ao pode abarcar ainda o direito de estar 86. Ocorre que as evolugées tecnolégicas ocasionaam modificagdes, adaptacées, em seu conceito mais amplo, tendo, dessa maneira, seu reconhecimento global como um diteito individual facilitado, Postetiormente a seu reconhecimento ¢ sua larga aceitagio nos sistemas legais a0 tredor do globo, passou a ser necessitia a criagio de mecanismos legais pata que a privacidade fosse protegida. A privacidade, entendida aqui como um conceito abrangente, deve set protegida contra uma pluralidade de problemas distintos. Sua protegio gatante a pteservagio de suas relagdes intimas, permite uma interagio desinibida com as outras pessoas, Assegura Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-de2/2014, ano 14, n.2, pp. 275+ ® Tradugdo livre: "0 direl- to & privacidade nao proibe ‘a comunicago de qualquer Imatéria, embora na natureza seja priveda, quando @ pu blicagdo € feita sob circuns= {aneias que ira tornd-la uma comunicagéo privilegiada de acordo com a lei de caltinia © difamagao [.]. A lel pro vavelmente nao concederia qualquer reparacéo para. & invastio da privacidade atra- vvés da publicagSo oral na aus séncia de dano especial [4 O direito & privacidade cessa aapés a publicag30 dos fatds pelo individuo, ow com seu cconsentimento [._. A vera de sobre o assunto publica- do no dé uma defesa [uh A ausencia de “malicia” io pu blicador no da uma defe Felipe Chiarello de Souza Pinto / Henrique Andrade Porto também o bem-estat fisico, psicologico, social ¢ moral. Destaca-se, ainda, 6 livte desenvolvimento da petsonalidade do individuo e as liberdades individuals asseguradas. Marcel Leonardi escteve acerca do livre desenvolvimento da personalidade: A ptivacidade ¢ condigao essencial ao livte desenvolvimento da petsonalidade humana, Viver sem o receio de conitariar a opiniio do Estado ou o pensamento majorititio € sencial & construgio de uma sociedade livre e plural, pois toda vigilincia gera altos custos sociais: torna mais enfadonho o debate piblico, impée um senso de conformidade, introduz 2 desconfortivel se: saglio de estar sendo observado, congela a cultura e sufoca diferengas de opiniio, O direito a intimidade é, assim, a esfera de que 0 individwo necessita vitalmente pata poder desenvolver sua personalidade livre e harmoniosamente, ao abrigo de intesferéncias arbierérias. Bm outtas palavras, o segtedo da vida privada é condigio de expansto da personalidade, Para tanto, é indispensivel que a pessoa tenha ampla liberdade de realizar sua vida privada, sem perturbagiio de terceitos (LEONARDI, 2012, p. 114) Com 0 reconhecimento do direito 4 privacidade, a todos passam a set assegutadas essas garantias, ¢ sua supressio passa a ser protegida por lei Fim vittude de a lei tratar desigualmente os desiguais a fim de garantir isonomia social, 0 direito & privacidade passa a ter aplicagio distinta ao se realizar uma comparacio pessoal. A intensidade da protegio da privacidade apresentara distintos graus de protegiio em fungio da pesson a set protegida, como seri demonstrado na sequéncia. ‘Temos também que a protegio & privacidade é realizada por intetmédio dos meios legais existentes atualmente, surgindo dificuldades de se protegé-la em face das inovagdes sociais e tecnolégicas nao existentes na época de que datam os atuais ordenamentos juridicos. Ainda sobre a protegio da privacidade, nio existe um meio tinico de se fazé-la, ptincipalmente porque o limite do intimo é variavel conforme.o individuo, para cada caso deve haver uma adequacio da pfotecio, Mas a inexisténcia de um sistema nico para se proteger a ptivacidade nio impede que sejam tomadas decisdes com o intuito de se protegé-la, desde que tealizadas as ponderagées adequadas ao problema em anilise, Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, u.2, pp. 275-321 281 Direito ao esquecimento na internet: Afirma Marcel Leonatdi em relagio a andlise prévia da privacidade pata que se possa exercer sua protecao: Nao hi, pottanto, uma formula pronta capaz de determinar, | ‘prima face, o peso que deve ser attibuido & privacidade. Em outias | palavins, a privacidade nfo tem um valor uniforme em todos os i contextos, sendo impossivel escapar da necessidade de andlise das circunstancias do caso concteto, pata que se possa aplicar a chamada lei do sopesamento: “quanto maior for 0 grau de no satisfacio ou de afetago de um principio, tanto maior teri de ser aimportincia da satisfagio do outro”. Ainda que os beneficios decorrentes da privacidede sejam frequentemente pessoais, emocionais, intangiveis e de dificil mensuracio, isto nfo significa que nfo seja posstvel sopesé-los diante de outros intetesses concortentes, igualmente relevantes. (LEONARDI, 2012, p.113). Devemos analisar 0 caso em questio friamente © ponderat se © diteito 3 privacidade nfo é conflitante com outro diteito existente. Confito que ocorre comumente com o diteito a informagao. : © antigo conflito existente com o ditcito a informagio é amplificado com o avanco das tecaologias de informagio e comunicagio, uma vez que conectar as pessoas de locais opostos no globo geta 0 tisco de alta exposig¢Go constante, tornando ainda menos aparente o limite entze 0 diteito & informagio e o direito a privacidade. Haver sempre uma natural imposigiio de limites a esfera da \ privacidade, mesmo que contréria 4 expressa vontade do particular, que set vilida unicamente se o que for publicado tiver televéncia social. Sempre que houver selevante interesse pitblico em divulgar aspectos da vida particular, esse diteito 4 informagio deverd set tespcitado, entretanto, com ressalvas & sua abusividade, © conhecimento popular de aspectos da vida privada de uma pessoa ocorre quando essa é utma petsonalidade publica ¢/ou 0 que é veiculado € de relevincia publica, e, mesmo quando tal {ato ocorret, havera apenas limitagio da esfera privada desse individuo ¢ nao sua total obliteraciio. Ennecessirio que a populagio tenha conhecimento mais detalhado acetca daquelas pessoas que ocupam fungées puiblicas ou desempenham papel fclevante na sociedade, como, por exemplo, politicos. Os homens Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321 Felipe Chiarello de Souza Pinto / Henrique Andrade Porto © Superior Tribunal de Justiga,—-Recurso Espe~ cial n. 1.390028 - DF (2012}0049054-5), Relator Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, Terceira Turma, Data do julgamento: 6 de novem- bro de 2012. que controlam a cidadania estio sujeitos a ter exposicao maior que a dos demais individnos. Por mais personalissimas que certas informagdes possam vir a set, 0 direito de informat os individuos acaba por impor cettos limites A privacidade de determinadas pessoas. Assim, por exemplo, saber se um deputado tem em seu cftculo de amizades uma pessoa condenada por estelionato e corrupgio é uma informagio de interesse social. Tal entendimento é compartilhado por nossos tribunaist No caso em apreco, no obstante oinedmodo experimentado pelo autor em face da divulgagio da notici , ademanda nfio extrapolou os limites do exercicio do direito constitucionalmente assegurado de informar. Limitou-se a divulgas, em cariter hipotetico, assunto de interesse public, de sorte que nfo se cogita de ato ilicito de abuso de dircito. [4 Assim, 36 vislumbrei 0 animus narrandi, a intencio de informar, que nfo atrai o dever de reparar, Nesse ponto, a balanca ha de pender favotavelmente & liberdade de imprensa, quando no se vislumbra esse animo de caluniar ou de difamar, que realmente niio se exirai da noticia. Nf se fala em exposigo de detalhes intimos, mas, sim, do acesso da populagio a fatos da vida privada que auxiliam na composi¢io do catiter daqueles que geram enorme infiuéncia na vida publica ¢ gozam de notoriedade popular. Ademais, nese caso, os atos da vida privada possuem relevncia publica, e sua divulgaciio, sem excessos, obviamente, €0 direito A informacao. Nesse sentido, afirma Silvio Venosa: ‘A tutela da intimidade torna-se cada vez mais preocupagiio de todos e niio afeta unicamente pessoas que se destacam na sociedade. A notoriedade, ¢ verdade, traz um prego social. Caberi, porém, ser estabelecido um limite no qual se proteja a vida intima das pessoas notétias, (VENOSA, 2008, p. 177) © Estado deve zelar pela privacidade das pessoas, salvaguardando 0 direitos de cada um conforme seus limites. Ocorre que a delimitagio Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-de7/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321 283 Direito ao esquecimento na Internet: realidade ou utopia? da ptivacidade de cada individu deveré ocorter de acordo com sua importincia social. Além do direito a informagiio, os interesses coletivos podem vis a ctiar uma limitagio & privacidade do individvo. Sobte essa temitica discorte Lilian Minardi Paesaniz A predominancia do interesse coletivo sobre 0 particular requer, em cada caso, a vetificagio do aleance respectivo, a fim de nfo se sactificar indevidamente a pessoa, salvo quando a divulgagio de noticias com finalidades cientificas ‘ou de policia venha a sactificar o interesse particular em ptol da coletividade.(PAESANI, 2006. p. 49)? Assim, no haverg, em momento algum, a supresstio do diteito A ptivacidade; ocorterd unicamente uma ponderacio, sopesamento, entre © ditcito & informacio (coletivo) ¢ o direito a privacidade (individual). Sempre que houver conflito entre direitos, o Poder Judicidtio exercer’ jutisdigio para resolver essa lide. © avango dos meios de comunicagéo, por exemplo, com a evolugio dos meios jornalisticos das paginas fisicas, impressas, para as piginas vittuais, acabou por afetar o dircito & privacidade. As noticias nao so mais veiculadas pela imprensa especializada apenas no dia seguinte 20 acontecimento do fato, Hoje, a qualquer momento um sitio cletrénico, 20 publica uma matétia online, pode incortet em invasio de privacidade. A privacidade nas tedes de computadores tem, inclusive, tepercutido em julgamentos tealizados em nossos tribunais: 10, Com o desenvolvimento da tecnologia, passa.a existit um novo conccito de privacidade, sendo © consentimento do interessado © ponte de teferéncia de todo o sistema de tutela da privacidade, dircito que toda pessoa tem de dispor com exclusividade sobte as ptéprias informagées, nelas incluindo o diteito a imagem." Outro fato que motivon a adaptagiio do direito a privacidade € a autocxposigio de dados dos usuisios de diversos sifes. Os didrios pessoais sio abertos a0 publico, saindo das cabeceiras das camas para as paginas da Internet, e por meio deles as pessoas expdem toda a sua Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321 7 PAESANI Liliana Minardi Direito e internet: liberda- de de informacdo, privacida- dee responsabilidade civil ‘ed. Sao Paulo: Atias, 2006, p. 49. % Superior Tribunal ° de Justiga. Recurso Especial n. 2007/0252908-3, Relator Ministro luis Felipe Saloméo, Quarta Turme. Data do julga- mento: 11 de maio de 2010. Felipe Chiarello de Souza Pinto / Henrique Andrade Porto totina, ficando, inclusive, dificil falar em privacidade, nesses casos, diante de tamanha exposicio, Ora, foi para ptoteger aspectos da vida intima que se dispés o direito & privacidade. Mas como proteger 0 que é exposto? Nesses casos, apenas as informagées que o individuo resguarda para sie nfo expée na rede sio tuteladas pela ptivacidade, tornando, nesse caso, protegidas as informagdes que niio foram publicadas. Por mais exposta que possa ser a intimidade de uma pessoa, tudo © que ela guarda em seu finago pessoal é legalmente protegido. As pessoas passim a ter o controle de dispor de seus dados pessoais, selecionando © que desejam publicar e o que preferem manter no foro de sua intimidade, Dessa maneira, 0 consentimento do individuo € essencial acerca da veiculaglo ou aio de informagées desprovidas de relevancia publica. Nesse sentido, & um diteito constitucional de todo cidadio preservar ou nfo sua prépria intimidade, sendo responsabilidade do Estado tutelar esse direito, que ao ser ofendido devert ser protegido por meios legais. Outro problema relacionado a exposigio de dados de usuatios diz tespeito aos bancos de dados, Diatiamente, é necessério o preenchimento de diversos formulitios on-line, seja paca a ctiagio de e-mail, cadastro em gum site ow mesmo para solicitar o passaporte. O problema ocorre quando esses dados, que deveriam sex sigilosos, sio expostos, cometendo- se grave violagio A privacidade do usuatio. Em casos como esse, a privacidade se estende aos dados pessoais, que sio livremente fornecidos pelo cidadio. A tutela desse direito se aplica nesses casos porque, 20 informar o que lhe foi solicitado para a realizagao de um cadastro, nfio hi 2 intengio de que postétiormente esses dados venham a ser publicados. Nesse sentido, grandes sites da rede virtual, como Facebook, Google e Yahoo, possuem “politicas de privacidade”, por intermédio das quais estabelecem diretrizes acerca da forma pela qual resguardam a ptivacidade de seus usuaios, No entanto, essas tegras nao siio soberanas, devendo responder perante os ordenamentos juridicos locais de residéncia do individuo, caso esse se sinta lesado, Sendo assim, a jusisprudéncia de nossos tribunais é pacifica 20 sentido de que “6 fel da balunca pende indiscutivelmente para o lade da proteio Revista Dircitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321 285 Direito ao esquecimento na Internet: realidade ou utopia? da dignidade ¢ da bonra dos que navegam na rede”? Dessa maneiza, nfio hi como o direito 4 privacidade ser lesado, ofendido ou mesmo mitigado pelas “politicas” dos sites. A essa protegio legal se aplicam os mesmos dispositivos utilizados para o resguardo das informacées fiscais e bancatias. Orgios estatais como a Receita Federal, Corteios e instituigdes financeiras possuem, em seus bancos de dados, informagSes completas acerca de seus clientes € usndtios. Nos seferidos bancos de dados, as informagdes neles contidas deveriam ser dotadas de sigilo total, sendo expostas unicamente em casos excepcionais. A privacidade do individuo somente poderi ser tolhida perante um motivo legalmente justificado. Um novo aspecto do direito 4 privacidade, que o levou a ter protecio constitucional, foi o longevo carter das publicagdes feitas na internet. Com os meios de pesquisa atualmente disponiveis, como 0 Google, por exemplo, em questées de segundos pode-se encontrar qualquer tipo de publicagio que tenha ocorrido sobre certa pessoa ¢ que ainda nfo foi retirada das redes. Além da exposi¢ao indevida na Internet, a facilidade com que podem ser encontradas € divulgadas essas informagées indesejadas, por meio dos sifes de buscas, aumenta 0 dano decortente da exposigio imprépria. Viktor Mayer-Schonberger afirma o seguinte sobre o aleance das ferramentas de sites como 0 Google: When we realize how powerful and comprehensive Google's digital memory is, or the memory of credit bureaus, travel reservation systems, and law enforcement agencies, we are stunned. (MAYER-SCHONBERGER, 2009, p. 10)" A inovagio tecnolégica ressalta a importincia da protecio da privacidade e traz consigo o debate acerca do direito 20 esquecimento ‘a Internet, Superior Tribunal: de Justiga, Recurso Es- pecial n, 1.323.754 - RI! (2012/0005748-4), Relatora~ Ministra Naney Andrigh, Ter ceira Turma. Data do julga- mento: 19 de junho de 2012. 19. Tradugéo livre: “Quando. pereebemos 0 quia pode- oso © abrangenie € a me maria digital do Google, ou a meméria de agéncias de crédito, sistemas de reset= vas de viagens e agéncias de- aplicagSo da lei, estarcmos atordoados.” t Feline Chiarello de Souza Pinto / Henrique Andrade Porto Superior Tribunal de Justiga. Recurso Es- pecial n. 1.334097 - RJ (2012/0144910-7), Ministro Luis Felipe Salomao, Quarta Tuima, Data de julgamento: 28 de maio de 2013 1 Idem, 1.1.0 reconhecimento do direito ao esquecimento ¢ sua protegdo Uma das primeiras discusses relacionadas ao dircito a0 esquecimento envolveu a reintegracio dos condenados a sociedade. Hsse direito garante aos que foram absolvidos, ou j4 cumpriram suas penas, que no precisem cartegar essas correntes que os prendem ao passado eternamente. O reconhecimento de nossa sociedade do direito 20 esquecimento oferece solide a0 entendimento de que, entre o pasado ¢ 0 futuro, deve- se sobressair © segundo. “Temos que “6 direito ao esqueciaento revela sua maior nobrea, afirmando- 1, na verdade, como um direito i esperanga, em absolita sintonia comm a presungio egal e constitucional de regenerabilidade da pessoa humana’ A frase acima foi extraida de um julgado ptoferido pelo Superior ‘Tribunal de Justica, segundo 0 qual foi reconhecido o direito ao esquecimento, tomando-se por base 0 ordenamento estrangeiro ¢ nossa protegiio a ptivacidade. Destaca-se abaixo trecho da ementa: 12, Assim como é acolhido no discito estrangeiro, & impetiosa a aplicabilidade do direito a0 esquecimento no cendrio interno, com base nfo s6 na principiologia decosrente dos diteitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, mas também diretamente do diteito positivo infraconstitucional. A assertiva de ‘que uma noticia licita niio se transforma em ilicita com o simples passar do tempo aifo tem nenhuma base juridica. © ordenamento € repleto de previsdes em que a significacio conferida pelo Diteito a passagem do tempo é exatamente o esquecimento ¢ a estabilizagio do passado, mostrando-se ilicito, sim, reagitar o gue a lei pretende sepultar, Precedentes de dizeito comparado."* Em relagio ao esquecimento, temos também que é imprescindivel © consentimento do individuo paca que suas informagées ¢ as noticias a seu respeito sejam veiculadas. Ea permissiio do cidadio que torna legal a exposigio de seus dados pessoais. As informagdes divulgadas acerca de certo individuo, atuais ou pretéritas, tendem sempre a assombré-lo. Assim como 0 consentimento, que tornou vilida a exposigio da noticia, o desejo de ser esquecido também é valido para que ocasione a exclusiio das informacées indevidas. Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321 287 Direito ao esquecimento na Internet: realidatle ou utopia? Nesse cenitio, recentemente, o ‘Tribunal de Justica do Estado de Sao Paulo, em outro julgado que protege o dircito a0 esquecimento, reconheceu que, apesat da notoriedade que envolve Suzane Louise Von Richtofen, a ela é garantido o diteito a privacidade no que diz. respeito a sen peso € as pessoas com quem convive no presidio. No julgado em questo, destarte a autora ser uma pessoa cujas informagies so de relevincia social, em virtude do crime por ela cometido, 0 que foi veiculado pela ré, no caso a Rede Record, nio tem qualquer tipo de importancia social. Razéo pela qual a autora foi devidamente indenizada por danos morais.” Outta seara do direito ao esquecimento é a da internet. Quando as informagées sio veiculadas na rede digital, elas passam a adquirir carter quase perpétuo, Pode-se dizer que 0 que é publicado online, praticamente, viveed para sempre. Com base nisso temos um problema social e juridico. ‘Tenhamos, por exemplo, 0 caso de uma pessoa que comete uma infragio penal, é condenada e cumpre devidamente sua pena. Tanto para © Estado quanto para a sociedade, cla estaré “perdoada”; no entanto, a Internet niio Ihe concederé nenhum perdio, uma vez que, 20 se colocat 0 nome do individuo nos sites de busca, encontrar-se-ao sempre noticias selacionadas a0 seu delito, dificultando a reabilitagio civil O artigo “The web means the end of forgetting” (em tradugio livre: “A web significa o fim do esquecimento”) apresenta uma anélise acerca do impacto que a Internet trouxe & privacidade ¢ os danos que cla pode causat ao individuo: In addition to exposing less for the Web to forget, it might be helpful for us to explore new ways of living ina world that is slow to forgive, It’s sobering, now that we live in a world misleadingly called a “global village”, to think about privacy ia actual, small villages long ago, In the villages described in the Babylonian ‘Talmmd, for example, any kind of gossip ot tale-bearing about other people — oral or written, true or false, friendly or mean —was considered a tertible sin because small communities have long memories and every word spoken about other people was thought to ascend to the heavenly cloud. (The digital cloud has made this metaphor literal) (ROSEN, 2010)"* De outto giro, temos o individuo que volta atris, arrepende-se € decide excluir do conhecimento piblico informacdo antes pot cle _ Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321 1% Tribunal de Justiga do Fstado de S80 Paulo. Caute- lar Inominada n. 020506- 96,2012.8.26.0100, Juiz de Direito Dr. Danilo Mansano Barioni, Data de julgamento: Sao Paulo, 19 de agosto de 2013. 4 Tradugao livre: “Alem de cexpor menos para que @ Web possa esquecer, talvez seja Util para nds explorer no- vas formas de viver een um mundo que é lento para per- doar. decepeionante, agora aque vivemos em um mundo chamado erroneamente de ‘aldeia global, pensar sobre privacidade em pequenas, reals, aldcias de hd muito tempo. Nas aldeias encon- tradas no Talmude Babité- nico, por exemplo, qualquer tipo de fofoca ou anedota sobre outras pessoas — oral ou escrita, verdadeira ou falsa, amigavel ou despre- zivel ~ era considerada um ppecado tertivel, porque pe- queras comunidades tém boa meméria, e cada palavra dita sobre outras pessoas foi pensada para ascender até a nuvem celestial, (A nuver digital tem tornado esta me- ‘fora literal)” Felipe Chiarello de Souza Pinto / Henrique Andrade Porto * Tradugdo live: “Quero apresentar 0 ‘direito a ser esquecido: Sites de redes sociais so uma étima ma- neira de manter contato com amigos e compartithar infor- mages. Mas, se as pessoas ino querem usar urn servigo, elas néo devern ter nenhum problema para excluir seus perfis. O direito de ser es- quecido é particularmente selevante no caso de dados pessoais que ndo sto mais nneeessarios 20s fins para 05 quais foram coletados. Este direito deve também se aplicar quando 0 periodo de ‘armazenamento, com o qual ‘© usuario tenha concordado, expirou autotizada. Para essa pessoa, nfo mais convém o compartilhamento de certo dado, Em vittude de casos como esses & que surge, entio, 0 Diteito 20 Esquecimento, que permite ao individuo apagar dos meios eletrénicos o que pteviamente tenka sido publicado, mesmo que com sua autorizagio. A vice presidente da Comissio Europeia responsével pela justica, Direitos Fundamentais e Cidadania, Viviane Reding, discorte sobre 0 direito ao esquecimento: I want to introduce the ‘right to be forgotten’, Social network sites are a great way. to stay in touch with friends and shate information, But if people no longer want to use a service, they should have no problem wiping out their profiles. ‘The right to be forgotten is particularly relevant to personal data that is no longer needed for the purposes for which it was collected. This tight should also apply when a storage pesiod, which the user agreed to, bas expired, (REDING , 2010} Esse diteito insusge, principalmente, acerca dos dados desprovidos de qualquer televincia e que o individuo no deseja mais que sejam expostos na rede. Hi um evidente caso em que o diteito a privacidade sobressai sobre o direito a informagio. O cidadio tem todo o diteito de escapar, de esquecer 0 passado e de querer que os outros assim também o facam. Néo se pretende reesctever a hist6ria dessa pessoa, apenas que tal fato desprovido de notoriedade seja ditimido dos meios digitais. Nesse sentido, niio se apagariio as noticias veiculadas verossimeis € dotadas de importante interesse publico. Afitma Rositio G. Gémez em seu artigo: Entio, que tipo de informagio ¢ apagivel? Pode-se chegar a teescrever a histéria de ume pessoa? Permanecern as noticias nos arquivos da imprensa escrita, mas é péssfvel que desaparécam das, edigdes digitais? Sctia uma pretensio indtil que 6 Dioni tentasse apagar de sua biografia que, em 1989, rouboii uma caininhonete blindada com 298 milhGes de pesetas. A noticia, além de ser de interesse pablico, era verossimil e sobre cla pesa uma sentenga judicial firme. (GOMEZ, 2013) Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n,2, pp. 275-321 289 Direito a0 esquecimento na Internet: realidade ou utopia? Nesse sentido, abrangem-se também todas as informagées contidas em bancos de dados que o individuo requisita que sejam apagadas, Isso ocorre, por exemplo, apés o desligamento dessa pessoa de um site de relacionamentos, o qual possufa um banco de dados repleto de informagies pessoais. Jeffrey Rosen, defendendo o dizeito ao esquecimento, afitma: ‘They ate not limited to personal data that people “have given out themselves”; instead, they create a new tight to delete personal data, defined broadly as “any information sclating to a data subject”, ROSEN, 2012)'6 “Temos, ainda, a necessidade de que o perdio dado pelo Estado e pela sociedade ao individuo, que corretamente cumpriu sua pena ¢ arcou com todas as dividas oriundas de sua conduta, seja acompanhado pela internet. Juliana Abrusio escreven acerca desse tema: Ainda, 0 assunto traz 4 reflexiio uma situagio patadipmatica, é dizer, o Estado perdoa, enquanto a Internet nao o faz. Vernos isto quando 0 Fstado teconhece a primariedade técnica de um cidadiio que tenha cumprido sua pena, mas as noticias do crime continuam a ser divulgadas na internet, condenando-o a cartegar um passado que quer esquecer, Outrossim, o Estado esti sujeito ao tempo (prescrigfio da pretensto punitiva), enquanto a internet rompe as barreitas de delimitagio de tempo e espaco (FLORENCIO, 2011). Caso o individuo tenha cometido um delito cuja importincia/ relevincia seja atualmente mula para a sociedade, no se pode permitis que a Internet ate como um meio de propagacio ou manutencéo desse pasado. Devemos a essa pessoa uma chance de recomecat, que, tendo arcado com todos os énus de seu ato, no seja impedido, restringido de ter uma vida civil digna em virtude da Internet. O direito 20 esquecimento garante a0 individuo 0 controle sobre suas proprias informagées. Sendo assim, pata sua ptotecio legal, ele seri estudado em reas, as quais so separadas em virtude do contetido que é disponibilizado, Milagros Pérez Oliva, em seu artigo “Un nuevo desafio: el derecho al olvide” (tradugio livre: “Um novo desafio: 0 ditcito a0 Revista 46. Tradugéo livre: "Eles nao esto timitados aos’ dados pessoal que as pessoas ‘de-_ tam para si mesmas'; em v disso, eles criam um nove di, Ieito para excluir dados pes soais, definidos amplamente: como ‘qualquer informagdc., relativa a um assunto de da= dos” Felipe Chiarello de Souza Pinto / Henrique Andrade Porto Tradugao livre: *No mini= mo, quatro grandes eventos so suscetiveis de rectama- 30: 1) Noticias veridieas sobre comportamento ou atos considerados normal no momento, mas que evo- luiram para uma percepgao nnegativa. Por exemplo, dizer que ele tem cansumido {SD ou aparecer vinculado a uma organizagao extremnista ou seita, (2) Noticias. veridicas relacionadas 208 fatos evi- minais. A permanéncia na rede de informagées implica tum estigma e coloca difieul- dades adicionais ao direito & reintegragdo social, uma vez cumoride a pena. (3) Notci verdadeiras, mas incomple- a5, ov porque nem todos os lementos foram incluldos, ou porque nao fai dado se- guimento adequado, Seria o 250 de pessoas arquidas em processos judiciais ou admi- nistrativos, cujo resultada favorivel nao foi relatado, (4) Noticias falsas ou errane- 25 que nao foram corrigidas € que agora ressurgem com seu potencial nocivo" Ex-atleta olimpica, Marta Bobo, em 1984, foi noticis no jomal é Pais na matéria "Marta Bobo sufre anorexia’ Segundo relatado, Marta sofreria de anorexia, doenga que estaria atrapa- lhrando sua carreira, e teve de fazer tratamento numa clinica em Los Angeles. A excatleta, hoje com 45 anos, afirma que @ matéria é fal- sa, uma vez que nunca teve anorexia. Na época, néo exi- iu ums retifieago do jornal, pois estava focada nos jogos ollmpieos, Ocorre que, atual- mente, ela se sente persegui- da por essa noticia false que € facilmente encontrada na internet, tendo sido, inclu- sive, usada como referéncia em uma matéria da revista Vogue acerca da suposta anorexia, esquecimento”), publicado no jornal E/ Pais, expressa quatro contetidos quue setiam objetos do direito a0 esquecimento: Se dan por lo menos cuatro grandes supuestos susceptibles de teclamacién: 1) Noticia veridica sobre conductas 0 hechos considerados ca su momento normales pero que han evolucionado hacia una percepcidn negativa. Por ejemplo, decir que se ha consumido LSD 0 aparecer vioculado a una oxganizaciGn extremista o sectatia. 2) Noticia veridica relacionada con hechos delictivos probados. La permanencia ea la Red de esta informacién supone un estigma y plantea dificaltades afindidas al detecho a Ia reinsetcién social una vex cumplida la pena. 3) Noticia veridica pero incompleta, bien porque ao se han incluide todos los elementos, bien porque no se ha hecho cl sepuimiento adecuado, Seria el caso de personas imputadas en causas judiciales 0 administrativas de cuyo desenlace favorable no se ha informado, 4) Noticia falsa 0 etrénea que en su momento no fue rectificada y que ahora emerge de nuevo con su dafiino potencial. (OLIVA, 2011)'7 Para chepar a esse raciocinio, Milagros usou 0 caso da ex-atleta olimpica Marta Bobo", que atualmente é professora universititia ¢ teve problemas em virtude de uma falsa noticia divulgada ainda na época em que era atleta de nivel olimpico e que até hoje permanece na Internet. A noticia se referia inveridicamente a um caso de anorexia da ex-atleta sem t@la sequer entrevistado. Mesmo assim, nunca foi publicada qualquer matétia de retratagio. Nessa ditecZo, temos outro aotério caso que envolve a Agéncin Espanhola de Protegio de Dados (ABPD) contra 0 site de buscas Google. Foi realizado um pedido para que 0 Google indisponibilizasse informagdes de certos vsuatios espanhois quando feitas buscas em seus homes, como é 0 caso do médico Hugo Guidotti Russo, que teve seu nome ligado a caso de mA pritica médica, por meio de uma pesquisa que dirccionava a uma matéria de 21 anos atris (caso relatado no artigo publicado por Laura Legone em 2013). caso acima desctito, bem como o histérico das ages judiciais existentes na Justiga espanhola contra o site de buscas Google, fez que com a autora espanhola relacionasse quatro assuntos que sio objetos do direito a0 esquecimento: 1) noticias veridicas sobre fatos notmais que 26 longo do tempo se tornaram socialmente reprovaveis; 2) noticias Revista Dircitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321 291 Direito aa esquecimento na Internet: realidade ou utopia? veridicas sobre condutas delituosas cuja permanéncia na rede impede que haja seabilitagio social por parte do individuo; 3) noticia inveridica incompleta cujo resultado gera desinformagio do leitor, levando-o a uma nogio distante da real; 4) noticia falsa ou esrdnea sobre determinado fato que agora tessurge causando danos as pessoas que foram objeto da matéria. Neste attigo, no entanto, setZio abtangidas irés fteas basicamente, ttatando os tipos de conteiido relacionados pela autora espanhola como um 6, sendo esse o de publicagdes de textos por tetccitos. Uma distingio deste artigo em relagio ao artigo espanhol é 0 fato de que nele se analisacd a possibilidade de aplicagio do dircito a0 esquecimento, inclusive no que tange a fatos publicados pelo proprio usuatio. As areas a serem abordadas sfio: @ — direito de apagar as informagdes que © proprio usudtio publicou ou consentiu sua publicagiio; (@ — direito de apagar as informagdes, publicadas pelo usudtio, apropriadas por terceiros e por estes publicadas; ¢ (ii) direito de apagar as informagées, postadas por um terceizo, que tratem desse individuo. Ao se observar o primeiro t6pico (direito de apagaras informagoes que © prdprio usuario publicou ou consentiu que fossem publicadas), percebe-se que todas as pessoas deveriam contar com mecanismos para cancelar dados, apagar ou impedir que eles continuem expostos, O esquecimento, nesses casos, pode ser vulgarmente entendido também como um diteito 0 arrependimento. ‘Todos os seres pensantes mudam de ideia, pensamentos ¢ convicgdes a0 longo da vida; sendo assim, tém o direito de retirar do mundo digital qualquer publicagio que, entendam, nfo convém mais com seus ideais, A ampla divulgagio da Intetnet primeiramente foi encarada como um avango a possibilidade de termos acesso a varias informagées de pessoas distantes, sendo totalmente inovador o fato de podermos acompanhar 2 quilémetros a rotina alheia. Ocorre que somente agora estamos observando que tamanha inovagio nfo veio desprovida de : efeitos colaterais. Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, 1,2, pp. 275-321 oon” ee Felipe Chiarello de Souza Pinto / Henrique Andrade Porto © Tredugéo livre: "De scor- do com uma pesquisa recen- teda Microsoft, 75 per cento dos reerutadores e profissio- ris de recursos hummanos dos EUA relatam que suas empresas os tém obrigado a fazer uma pesquisa on-fine sobre os candidates, ¢ mui- tos usar uma variedade de sites ao avaliar os eandida- tos ~ ineluindo sites de pes- quisa, redes socials, sites de compartiihamento de foto e video, Web sites ¢ blogs pes- soais, Twitter e sites de jogos on-fine. Setenta por cento dos recrutadores dos EUA relatain que eles j rejeita- rat cendidatos por causa de informagbes encontradas Con-fine, como Fotos e frum de diseussio, conversas ¢ associagdes em grupos con- troversos’ Revista Direitos Humanos Fundamentals, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n. © carater longevo da Internet e os dados contidos na rede passam agora a set encarados como uma grande ameaga a0 individuo. As pessoas perdem o controle sobre sua identidade e ficam muitas vezes presas a0 passado exposto, o que as impede de progredis, se reinventar, uma ver que se torna cada vez mais dificil se desvinculat do pasado, O esquecimento que esse dircito tutela é 0 de que as pessoas nio yenham a softer danos em virtude de fatos pretétitos disponiveis nas redes virtuais, Busca-se evitar que cada novo avango da tecnologia gere nova ameaca A ptivacidade do usuatio da rede. Relata Jeffrey Rosen: According to a recent survey by Microsoft, 75 percent of US. recruiters and human-resousce professionals report that their companies require them to do online research about candidates, and many use a range of sites when scrutinizing applicants — including search engines, social-networking sites, photo- and video-sharing sites, personal Web sites and blogs, Twitter and online-gaming sites. Seventy percent of US. recruiters report that they have rejected candidates because of information found online, like photos and discussion-boasd conversations and membership in controversial groups. (ROSEN , 2010)” Notério que, se nfo se podem antever os danos que derivam de cada inovacio tecnolégica, muito menos é possfvel saber se cada novidade apresentada poder ser encarada como uma ameaca & privacidade. Igualmente, se ha o direito de publicar, concomitantemente deve ser garantido também o direito ao individuo de retirar essas informacies, indisponibiliz4-las para visualizaco nos meios eletrdnicos. Ao estudarmos o segunda t6pico (direito de apagar as informagées publicadas pelo usuério, apropriadas por tetceiros e por estes publicadas), temos de mencionar também o direito de que sejam retitadas informacées, noticias € fotos publicadas pot um tetceito, cujo contetido desagrade certa pessoa, se tal publicagao for desprovida de interesse piblico. No attigo “The web means the end of forgetting” (em fraducao linre: “A web significa o fim do esquecimento”), apés analisar casos de pessoas que tiveram problemas em virtude de dados expostos, Jeffrey afirma que a maioria das pessoas nfo esta preocupada com as falsas informagoes que so publicadas por outros, mas sim com as informagées verdadeitas, pp. 275-321 293 Direito ao esquecimento na Internet: realidade ou utopia? publicadas quando estas sio analisadas fora de contexto, wma vez que a elas € atribuida interpretacdo altamente desproporcional. O assunto torna-se pouco mais complexo quando se aprofunda © estudo do segundo tépico. Como no caso de uma foto publicada, ou um texto, que postetiormente foi apagado da rede por seu autor, mas que nesse meio tempo foi copiado ¢ republicado por outras pessoas na internet. Daniel J. Solove, professor de Dircito da Universidade George Washington e autor do livro The Future of Reputation: Gossip, Rumor, and Privacy on the Internet, (em tradugio livre: O Futuro da Reputacio: Fofoca, Rumor e Privacidade na Internet), publicado em 2007, acredita que seja necessitio um dispositive legal que proteja seus dados, petmitindo-the, assim, processar um terceito em determinada rede social por compartilhar fotos, noticias, comentarios que sejam embaracosos, | Apesat de, segundo cle, atualmente ser o entendimento de magistrados notte-americanos de que, se alguém divulga algo para algumas pessoas, nilo pode impedi-los de retransmititos, pois violaria 0 constitucional : direito de expressio. No entanto, uma simples anélise da realidade nacional, a qual protege privacidade em detrimento da expresso como previamente visto, demonstra que impedir que essas informagées continuem expostas niio ofenderd o direito autoral, on mesmo o dircito de expressio. O material disponfvel na rede € de propricdade daquele que originalmente © publicou, e sobte ele deve tet 0 controle de manter ou retirar das redes digitais, principalmente quando 0 contedido for socialmente irtelevante. © material dispontvel online no representa nenhuma obra pessoal da liberdade de pensamento humano, ela no passa de uma mera retransmissio, republicagdo, no mundo digital, ¢ por isso pode e deve set “esquecido”, se assim entender o titular de quem o material diz respeito. Jeffrey Rosen aduz: According to the regulation, when someone demands the erasure of personal data, an Internet Service Provider “shall catry out the erasure without delay”, unless the setention of the data is “necessary” for exetcising “the tight of freedom of expression”, as defined by member states in their local laws, In another section, the regulation creates an exemption from the duty to remove data for “the processing of personal data solely for joutnalistic purposes, or for the purposes of artistic or literary expeession”. Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321 Felipe Chiarello de Souza Pinto / Henrique Andrade Porto 2. Traducéo livre: "De acor- do com 0 regukamento, quando alguém exige 2 eli- rminagio de dados pessoais, uum provedor de servigos de Internet ‘deve proceder & elie iminagdo sem demora’, a me~ hos que a retencao dos dados, seja ‘necesséria' a0 exercleio "do dircito de liberdade de ‘expresséo’, conforme detini- do pelos Estados-Membros ‘em suas leis locais, Em outra sec30, 0 regulamento cria isenecdo do direito de remo- ver dados para ‘o tratamento de dados pessoais para fins jornalisticos, ou para fins de expresso artistica ou li- terdria! Essencialmente, isso coloca 6 farda no Facebook, em provar a uma autoridade da Comisso Furopeia, que minha fato embaragosa pu- blicada por um amigo & urn legitimio exercicio jornalis co (ou literdrio, ou artistico) Se eu entrar em contsto com 0 Facebook, no qual original- mente foi postada a imagem embaragosa, deve esse tomar ‘todas as medidas razoaveis, por conta prépria, para iden- tificar quaisquer terceiras relevantes. e assegurar a remogo do contetico. Pelo ‘menos, 0 Facebook teré de se envolver nos tipos de agées anteriormente _executadas pelos tribunals. E a perspec- tiva de sangdes monetarias danosas para qualquer con trolador de dados que ‘nao respeite 0 direito de ser es quecido ow remogio’ — mul- ta acima de 1.000.000 euros ‘ow até dois por eento do rendimento mundial anual do Facenook — poderia levar 05 cantroladares de dados a ‘optar pela exclusio em casos ‘ambiguos, produzindo efeito inibidor considerdvel’ Revista Di Essentially, this puts the burden on Facebook to prove to a Enropean commission anthority that my ftiend’s publication of my embarrassing picture is a legitimate journalistic (or literary o attistic} exercise, If T contact Facebook, where I originally posted the embarrassing picture, it must take “all reasonable steps” on its own to identify any relevant third parties and secuse the takedown of the content. At the very least, Facebook will have to engage in the kinds of difficult Jine-drawing exercises previously performed by coutts. And the prospect of ruinous monetary sanctions for any data controller that “does not comply with the right to be forgotten ot to crasure” — a fine up to 1,000,000 eutos of up to ‘two percent of Faccbool’s annual worldwide income — could lead data controllers to opt for deletion ia ambiguous cases, producing a serious chilling effect. (ROSEN , 2010)" Quanto a0 terceiro. ponto exposto (direito de apagar as informagdes postadas por um terceiro que tratem desse individuo), 0 direito a0 esquecimento € assegurado, pois € garantida ao individuo a protegio contra a disseminagio de informagio pessoal, embaragosa, invetidica, que Ihe cause dano. E dlaro que, nesse caso, deve ser feita prévia andlise da informagio que se ptetende seja “esquecida”, Nenhuma pessoa desprovida de importincia social sera obrigada a ver scus dados pessoais circulando na internet, Nesse sentido, niio se autorizari que seja apagada matéria verdadeixa acerca de um estuprador pedéfilo condenado, em cumprimento de pena, ou de um politico reiteradamente condenado pot estelionato, Em nenhum momento se autorizari que se apague ou reescreva a histéria de certos individuos; o que se visa é a retirada de matétia desprovida de finalidade social, como por exemplo, pessoa envolvida em acidente de veiculos ou condenada pelo ex-crime de adultério. Em inovadora decisio, o Tribunal de Justiga da Uniio Europeia reconheceu o direito a esquecimento do cidado espanhol Mario Costeja, ao determinar que o site Google retire do resultado de suas buscas uma informacio publicada no jornal La Vangwardia, com Sinks para um leilio de iméveis relacionado a embargo por dividas com a Seguridade Social que nfo estavam em seu nome € que jf tetiam sido quitadas. A facilitagio 4 matéria inveridica ocasionada pela pesquisa no site Google estava acarretando prejuizos profissionais 20 espanhol Mario Costeja, que, por ter seus direitos violados, requisitou administrativamente tos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321 295 Direito a0 esquecimento na Internet: realidade ou utopia? aremogio do link dos resultados de buscas do site. Como nao foi possivel um acordo entre as partes, o caso foi parar na Justica espanhola e, nesta, Mario obteve uma primeira vit6ria contra o site, que, na sequéncia, tecorteu da decisio, Dessa maneira, 0 processo acabou no ‘Tribunal de Justiga da Uniiio Buropeia. Na Corte europeia foi decidido que o individuo pode se opor 4 indexacio de seus dados pessoais por um site de buscas, principalmente quando a divulgagio desses dados por meio desse site for capaz de “prejudicar e quando os seus direitos fandamentais a protecio dos refetidos dados ¢ ao respeito pela vida privada, que englobam o ‘diteito a set esquecido”™ , predominem sobre os interesses do site © sobre o interesse da sociedade acerca da informagio. A decisio do tribunal europeu passa a vigorat para todos os seus Estados-membros: Pelos fandamentos expostos, © Tribunal de Justiga (Grande Secgio) declara: 1) O artigo 2°, alineas b) € d), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento Europeu ¢ do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa A protecio das pessoas singular 0 tratamento de dados pessoais ¢ A livre circulagio desses 120 que diz respeito dados, deve ser interpretado no sentido de que, por um lado, a atividade de um mecanismo de busea que consiste em encontrar informagées publicadas ou inseridas na Internet por texeeitos, indexé-las automaticamente, armazené-las temposatiamente , por tltimo, pé-las & disposiglo dos internautas por determinada ordem de preferéncia deve ser qualificada de “tratamento de dados pessoais”, na acepgiio do artigo 2°, alinea b), quando essas informagées contenham dados pessouis, ¢ de que, por outro, © operador desse mecanismo de busca deve ser considerado “tesponsivel” pelo dito tratamento, na acepcio do referido artigo 2°, alinea d). 2) O artigo 4°, n? 1, alinea a), da Ditetiva 95/46 deve set interpretado no sentido de que é efetuado um tratamento de dados pessoais no contexto das atividades de um estabelecimento do responsivel por esse tratamento no territério de um Bstado-membto, na acepgio desta disposisio, quando 0 operador de um mecanismo de busca cia, num Estado-membro, uma sucursal ou uma filial destinada a assegurar a promogio e a venda dos espasos publicitirios propostos por esse mecanismo de busca, coja atividade é dirigida aos habitantes desse Bstado-membro. 2 Tribunal de Justiga da Unio Europeia (Grande Se- $80]. Processo C-131/12 ~ Googie Spain St, Google Inc. Contra Agencia Espaiola de Proteceién de Datos (AEPD), Mario Costeja Gonzalez, Relator: M. lleSig, 2%. Data de julgamento: 13 de maio 2014. Revista Dircitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321 | a Felipe Chiarello de Souza Pinto / Henrique Andrade Porto 3) Os artigos 12°, alinea b), ¢ 14°, primeiro panigrafo, alfaca a), da Diretiva 95/46 devem ser interpretados no sentido de que, para espeitat os direitos previstos nestas disposicdes ¢ desde que as condigécs por elas ptevistas estejam efetivamente satisfeitas, 0 operador de um mecanismo de busca é obtigado @ suptitnir da lista de resultados, exibida na sequéncia de uma pesquisa efetuada a partir do nome de uma pessoa, as ligagdes a outras paginas web publicadas por terceiros © que conteaham informacées sobre essa pessoa, também na hipétese de esse nome ou de essas informagdes nfo serem prévia ou simultaneamente apagadas dessas piginas web, se for o casa, mesmo quando sua publicagao nas referidas paginas seja, em si mesma, licita 4) Os artigos 12°, alinea b), e 14°, psimeito parigtafo, alitica a), da Diretiva 95/46 devem set interpretados no sentido de que, no fimbito da apreciagiio das condigéies de aplicacio dessas disposigdes, importa designadamente examinar se @ pessoa em causa tem o diteito de que a informagio em questio sobre a sua pessoa deixe de ser associada ao seu tome por meio de umna lista de resultados exibida na sequéncia de uma pesquisa efetuada a partir do sew nome, sem que, todavia, a constatagio desse diteito Pressuponha que a inchusio dessa informagio nessa lista causa prejuizo a essa pessoa, Na medida em que esta pode, tendo em conta seus direitos funcamentais nos termos dos artigos 7° ¢ 8° da Carta, requerer que a informagio em questio deixe de estar a disposigzio do grande ptiblico em virtade de sua inclusio nessa lista de resultados, esses diteitos prevalecem, em principio, niio 86 sobre © interesse econdmico do operador do mecanismo de busca, mas também sobre o interesse desse piblico em aceder 2 informagio numa pesquisa sobre © nome dessa pessoa. No : entanto, nao seta esse o caso se se afigutar que, por razdes especiais como, por exemplo, o papel desempenhado por essa pessoa na vida palica, a ingeréneia em seus diteitos fundamentais ¢é justificada pelo interesse preponderante do referido ptiblico em tet acesso a informagiio em questio, em virtude dessa inclusio” A Corte curopeia se posicionou em relagio a questdes legais que hé tempos eram levadas a debate, colocando-se na mesma linha seguida pelo Parlamento Buropeu, que reconhece o dircito ao esquecimento, A violagio do direito a0 esquecimento era tio latente que, apenas alguns dias apés a decisio do tribunal europeu, o site Google jf recebeu 297 Direito ao esquecimento na Internet: realidade ou utopia? jersos pedidos de pessoas que desejavam ter seus nomes retirados do sistema de buscas.” Brn contrapattida, apesar de no dispor expressamente acerca do direito a0 esquecimento, ¢ com menor expressividade, jé ha julgados a0 Brasil que protegem pessoas que tiveram informagées privadas publicadas e disseminadas na internet sem seu consentimento e/ou fora de contexto: Penal, Apelagio, Crimes de injtria e de difamagio. atts, 139 ¢ 140 do cédigo penal. Agente que posta ¢ divulga fotos fntimas da ex-namorada na Internet. Imagens € textos postados de modo a retraté-la como prostituta, expondo-se para angariar clientes programas, Prova pericial que comprovouaguarda no computadot do agente, do material fotogrifico ea otigem das postagens, bem como a ctiagéo ¢ administeagio de blog com o nome da vitima, | Conduta que visava desttuir a reputagio e denegrit a dignidade da vitima, Autotia ¢ materialidade comprovadas, Condenagio confirmada, Recurso afio ptovido* No entanto, apesat de ester presente em nossa jusisprudéncia © entendimento de que a privacidade deve ser preservada aa esfera digital, esse posicionamento ainda nao foi sumulado, sendo possivel encontrar decis6es que nio reconhecem o direito a0 esquecimento™. ‘Tal dissonincia em nossos ‘Tribunais gera inseguranga jutidica ¢ dificulta a i definitiva perpetuagio do esquecimento como um direitoa ser observado Infomesio obtda ne € respeitado, matéria "Na Europa, Google recebe mais pedidas de 'es- quecimento", do blog do poder de dispor de todo tipo de informaciio de que for titular, inclusive no site do Fstadéo. Disponivel em: , Acesso fem: 17 mal. 2014. O direito a0 esquecimento tem por intuito fornecer a0 cidadao o mundo digital. Garante 20 individuo um direito em uma area desprovida finalmente de set algo perpétuo a0 qual © cidadio teria de se sujeitar > Tribunal de Justice do. Parand. Apelago Criminal 2. ccanismos leqai: do direito a privaci 1, 756367-3, Relator: Lilian Mecanismos legais de protecdo do direito & privacidade € a0 [796307 Reston Len esquecimento no ordenamento brasileiro Data de julgamento: 7 de ju- tho 200, Teanscorrdos anos apde pblingo do texto que Ihe dev oxigem, ® SUFey Teal 6 iF ecige & 5 . lusti Recursa — Espe- © direito & privacidade é reconhecido € accito em diversos textos legais ay, Recursos: espalhados pelo mundo; no entanto, o mesmo niio ocorte com o recente (2011/0307909-6), Retatora: . Ministra Nancy Andrighi, diteito a0 esquecimento. Tercera Turma. Data de jul : gamento: 23 de abril de 2013. Revista Direitos Humanos Fundamentais, Osasco, jul-dez/2014, ano 14, n.2, pp. 275-321

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