Você está na página 1de 55
NicoLas Bourriaup POS-PRODUGAO COMO A ARTE REPROGRAMA O MUNDO CONTEMPORANEO martins Martine Fontes 2 pes se Dy 208 © 2, Mars tra Son ara pee ge eddader Emde Meno Mav curio edna Roe Tv ena eer Co Petite gate Seto Sh Trt eRe Ma a apa eater Raves Prepucn Maro on ids oo po fe roe ‘aria Etre Lama up tenn coho ist “O15 Sid Sra abner te Sow narnia SUMARIO. Introdusio ‘uso dos objetos (Onuso do produto de Duchamp a elf Koons A feyia de usados, forme dominante da arte dos anes 1990 a © uso das formas ‘05 anos 1980 @ ¢ nascunento da calc Df para umn ccomunssme das formas - A foxra como enre um modo do uttizagio do unde (Quando os enredos 8 tornam formas) iri’ Precre Huyghe Dominique Gonzalez-Foerster Lani Gillick we Maurizio Cattelan oo - Pierre Josep, Ladle Dena sens sme avanyp * wn 19 6 38 % yeeoanus © use de mundo ~ Playing the world reprogram as formas S068 eee Phulppe Parzen & nes 85, Huck, emprogo e tempo tyre - 8 Como habitar a cultura global (A estética depois do MP3) . . ” ‘A obra de arte como superfine de estocagetn de mir mages - eee O autos ess ent jricen 9 Felonsma o pos preusio 3, INTRODUGAO, “Bsns, sr lan pro obras, pons tm, a gente fr com fas. o gue tem ge se feto-a pte se sero deta * Serge Daney “P6s-produco” termo téenco usado no mundo da. televisio, do cinema e do video. Designa © gonjunto de tratamentos dados a um material registrado: a montagem, acréseimo de outras fontes visuais ou sonoras, as legen~ das, as voues off, os efeitos expeciais. Como comunto de atividades ligadas a0 mundo dos servigos e da reciclagem, 1 pas-produsio fax parte co setor tercidnio em oposigao a0 selor industrial ou agricola, que lida com a produgio das smatérias-primas. Desde o comeco dos anos 1990, uma quantidade ca- da vez maior de astistas vem interpretando, reproduzindo, reexpondo ou tislizando produtes culturais dispontvers ou ont nena ESE So SSE 10 NCOLASHODRRALD taformas minimakistas ag obras de arte out os ebjetos de design que compraram. Jorge Pardo, em suas instalagbes, manipula pegas de Alvar Aalto, Ame Jakobsen e Isamu Noguchi Felix Gonzalez Torres utilizava 0 vocabulirio formal a arte minimalist ow da antiforma recodificando-as, nas de trinta anos depots, segunda suas préprias preaeu: pages politicas. Bsse mnesmo glossirio da arte minimis ta G emprogado por Liam Gillick para uma arqueologia do Eatge da exponin Damp om Fartr, eH gyn Pee nse ern cds fe ns 9M ros meanugio "7 rmaltiplo. NSo é mais um ponto final: 6um momentona ca ia infnita das contriburgbes. ‘ssa cultura do uso implica uma profunda transfor magio no estatuto da obra de arte Ulrapassando seu pa- pel tradicional como receptéculo da visio do artista, agora ela funciona como um agente ativo, uma distaburgio, um ccaredo resumido, uma grade que dispGe de autonomia rmaterialidade em diversos graus, com wma forma que po- cio-variar da simples di até a escultura ou 0 quatdro. Pas- sando a gerar comportamentas ¢ potenciais retilizagées, a arte contradiz cultura “passava” ao opor mercadonas consumidores e ao altar as formas dentro clas quats se de senrola nossa vida eotidiana, sob as quais os objetos cul turais se apresenlam & nossa aprocagio. F se a eriagio artistca, hoje, pudesse ser comparada = um esparte cole- tivo, lange da initolagia els ‘os espectadores que fazem os quadros", dia champ: a frame 9% addquire sentido quando a relacionames a do esfongo solitério? “So fa Marcel Du ‘coma intuigi duchampiana sobre o surgimento de uma cuitura do 4s, na qual o sentido nasce de uma eolabora- 80, de uma negocrags vem observila, Por que o sentido de uma obra ni hi de provir do uso que Ihe & dada, ském do sentido que the & conferido peo artista? Fess a acepeio daquilo que pode- amos nosartscar a chamae de cononsie fornal o entre © artista © as pessoas que Q.USO DOS OBJETOS A diferenga entre 05 artistas que produzem obras a partir de obyetos Jé produzidos e os artistas que operam ex muito & a mesma que Kart Marx, em A idole alent, apresentava entre “os instrumentos de produgo naturals” {0 trabalho da terra, por exemplo) ¢ “os instrumentos de produggo criados pela cvilzags0. No primeira caso, pros segue Mars, os individuos esto subordinados & natureza, No segunda, cles lidam com urn “peodato do trabalho’ is- 106, com o capital, mesela de traballvo acumulado ¢ mnstru- mentos de produc Agora eles sé se “mantém juntas pela toca", comércio inter humano encarnado por tim terceieo terme, a moeda Arte do siéculo xx desenvalve-se mum esquema s melhante, ela mostra, ainda que tardiamente, os efeitos da Revolugio Industenal. Quando Maxcel Duchamp, em 1914, expde um porta garrafas ¢ utsliza como “instrumento de produgio” um objeto fabricado em séine, ele transporta a 2» NICOLAS FOURRIID proceso caputalista de pro telio acunnilade) para a mserevendo 0 papel do artista no mundo das troeas. ce fucio frabalhar a partir do tra- ra da arte, ao mesino tempo repente ele parece um comerctante, cujo trabalho conssste em transferir um produto de um local para outro, Duchamp parte do prineipia de que © consumo tam bbém é um modo de produc, tal como Marx havia escrito fem sua Intradugo a critica da econo pottia. “0 cansume também & imediatamente producdo, assim como, na nat 10 dos elementos e das substancins quimcas € produgio da planta”. Sem contar que “na nutrigdo, que é ‘uma forma de consumo, © hemem produz seu corpo” As: sim, um produto 86 se torna realmente produto no ato do consumo, pois, prossegue ele, “uma roupa apenas se tor: 1a uma toupa real no ato de vestita; uma casa desabitada néo 6 de fato uma casa”. Alm disso, o consumo, ao chiar a necessidade de uma nova proclucéa, constitut ao mest tempo omotore o motivo essa criayo."Tal 6a virtude pri- moral do ready-made: estabelocer uma equivaléncia entre cescolher e falricas, entre consumir e produzir. O que é di- fica de aceitar num mundo governado pela ideologia crit do esforgo (“Trabalharas com o suor de tua testa”) ou pela skanovista, doers prolerdn Bm seu envio Arts de fiir, Fwention dt quote, Michel de Certeau examina es movimentos ocuites sob alt ‘sa superficie da dupla Producfio- Consumo, mestrando que 1 hl de Cattaneo de gie Fes Fae 980 (0 wr Mme declan tes eed Eps Roa Shs ao os PRODUC 2 consumo, Jonge da pura passividade a que geralmente é reduzido, executa uma quantidade de operagGes comparé: veis a uma verdaderra “produgio silenciosa" ¢ clandestina, Usar um objeto 6, necessariamente, interpreté-lo. Utilzar um produto 6, as vezes, trair seu conceito; 0 ato de ler, de olhar uma obra de arte ou de assistira um filme signutica também saber contornéclos: 0 use & um ato de mieropira tara, 0 grau zere da pés-produgdio. Ao utilizar sua televie sho, sous livros, seus discos, 0 ususrio da cultura empresa tocla uma retéirica de io, uma linguage siflear em seus eddigas e figuras, A patt produ), © locutor constr suas frases (os alos da vida as ¢ “artimanhas” semelhantea muda possivel de elas dda Tingua que the & impost (@ sistema de cotidiana),reapropriando-se, como mierobricolagens clan- destinas, da dltuna palavra na cadeia produtwva. A produ- «Go tomna-se “0 léxico de uma pritiea, isto & 0 material intermedirio a partir de qual se articulam nevos enuncia- m resultado final. O importante & 0 que faze mos com os elementos 3 nossa disposigio. Dessa maneira, clos, endo somos locatérios da cultura a socredad ogra lexical & a produgio, lex contornada de dentro pelos Lusuirios supostamente passives, por meio de préticas de pos-produgdo Cada obra, sugere Certeau, “ habitavel co- mo um apartamento alugado” Ao ouvir mica, ao ler um livro, produzimos novas maténas, aproveitando diaria- ‘mente novos melos técnieos para organizar essa produsao: zappers, videos, computadores, MP3, ferramentas de sele- 6 um texto euja Soo, recomposigdo, recorte Os astistas “pés-produtores ‘os aperdrios qualificados dessa reapropriagao cultural 0 uso do produto, de Duchamp a Jeff Koons De fato, a apropriagdo 6 a primeira fase da pés-pro. go, nfo se trata mais de fabricar um objeto, mas de es colher entre os objetos existentes ¢ uttlzar ou modificar tem escolhudo segundo uma ntengde especifica. Marcel Broodthaers dizia que, “desde Duchamp, 0 artsta é o aw tor de uma definigio" que ver a substituir a definigie dos objetos escolhides. Mas o tema deste livro nao éa histéna da apropriagio (ainda por set eserita) © apenas tomaremos alguns exemplos dels para a comproensio da arte mais recente, Assim, embora o procedimento da apropriagio tenha suas raizes na Hist6ria, minha narrativa inicla-se ‘com a rendy-ntade, que representa sua primeisa manifesta fo conceitualzada, pensada em relacdo & historia da arte. Quando Marce! Duchamp expe um objeto manufatura do (am porta-garrafas, um urinol, uma pi de new.) come obra do espinto, ee desloca a problemstica do process cria- tio9, colocandoa Gnfase no em alguma hablidacle manual, sim no olhar do artista sobre o objeto Ele afirma que o ato de escolher & suficrente para fundar a eperagao artist- «a, tal como 0 ato de fabricar, pintar ou esculpir “atribuir lume nova idéia” a um objeto &, em si, uma produgao, Des: se modo, Duchamp completa a definigio do termar enar & Inserie um abjeto num novo ented, considers-locomo um personagem muuma narrativa 8 ROL 2a Nos anos 1960, a principal eifesenga entre 0 nowo rea ismo europeu ¢ © pop americano reside na natureza do olhar sobre 0 consumo Arman, César ou Daniel Spoer~ 1 parecem fascinados pelo ato de consumr, @ expdem as rwliquas desse gesto, Para eles, 0 consumo é um fend ‘meno abstrato, um mato cujo tema invisivel & irredutivel ‘4 qualquer representagio figurativa. Inversamente, An- dy Wathol, Claes Oldenburg e James Rosenquist orien- tam o olhor para a compra, para o impulso visual que leva’ lum individuo a acquirir tal ow tal produto: 0 objetivo de- les, mats do que documentar um fenémeno socioligt co, 6 explorar uma nova maténia iconografica Portanto, cles interrogam sobretude a publicidade ea me frontalidade visual, a0 passo que 0s europeus exploram nica da ‘9 mundo do consume pelo filtro da grande metsfora or sgimea, privilegiando mais © valor de uso do que 0 valor de traca das coisas, Os novos realistas interessam-se mais pelo uso impessoal e dividual, como mostram adeniravelmente os trabothos dos cartazistas Raymond Hains e Jacques de la Villeglé autor miltiplo © andnimo das magens que eles recolhem tuvo das formas do que pelo uso ce expem como obras éa propria cidade Ninguém conso sme, “1980” se consome. Dantel Spoerei mostra a poesia dos sitos e la restos de mesa, Arman revela a lirica dos dep tas de xo, César expde o automével esmagado, chegando a0 termo de seu destino de veiculo A excecao de Martial Raysse, © mais “americano” dos europeus naquela épo- ca, sempre uma questo de mostrar o fim do processo de ‘vonsumo realizado por outrem. O novo realisme iwen- tou, assim, uma espécie de pés-produgsa ao quadado: 0 tema é, sem dhivida, 0 consume, mas uum consumo real ado de maneira abstrata e goralmente andnima, ao passo ‘que 0 pop explora os condicionamentos visuais (publicida- ce, embalagem) que zeompanhamn o consumo de massa Ao recuperar objetos jé usados, os novos realistas so 0 primeiros paisagistas do consumo, 0s autores das prime' +96 naturezas-mortas da sociedade industrial Coma pop rt, porsua vez, a nagio de consumo cons ‘ituia um tema abstrato ligado a proxlugio de massa, que sé vem a adquirir um valor concreto, vinculando-se a dese jos individvais, 20 comega dos anos 1980. Os artistas fia dos ao simulacionisns ird0 considerar a obra de arte come luma “mercadoria absoluta” e a eriagéo, como um simples simulaero do ato de consumo, Compro, lego existo, escte- ve Barbara Kruger na época. Tiata-se dv mostrar 0 obje- to.sob o angulo da compulsio aquistiva, do desejo, a meio caminho entre o inacessivel © 0 disponivel. Essa & a ta- s2fa do marketing, que representa o verdadeito tema das obras simulacionistas, Assim, Haim Steinbach dispoe ob- jetos de produglo em série ou antigilidades em prateleiras rminimalistas © monoccométicas. Sherrie Levine expe c6- plas de obras de Joan Mind, Walker Evans ou Edgar Degas, Jeff Koons cola antincios, recupera feones kiscl ou colo: ca bolas de basquete futuandis em reclpientes imaculados Ashley Bickerton faz um auto-retzato composto por lago- ‘marcas dos produtos que cle usa em seu cotidiano. 68 PRIDLCD 3 Para os simulacionistas, a obra resulta de um con- trato que estipula igual importéneia ao consumisor © a0 artista fornecedor. Assim, Koons utiliza 0s objetos como conwectores de desejo, pols 0 “sistema eapitalista oviden- tal coneebe 0 objeto como uma recompensa pelo traba- tho executado ou pela realizagio alcangada [.J. Uma vez acumulados, esses nbjetos definem a personalidade do cu, realizam e exprimem seus desojos"s. Koons, Levine ¢ Sleinbach apresentam-se como verdadeicos interme- didrios, coretores do desejo cujos trabalhios representa simples simulaeros, imagens nascidas de um estado de mercado, ¢ nao de alguma “necesscade interior’, valor rinimo. O objeto de consumo corrente duplica-se em out tro, puramente virtual, que designa urn Yestado inacessi- vol", uma falta Jeff Koons). © artista consome 0 mundo tem lugar e em nome do espectador. Fle dispie os obje- tos em vitrines que eutralizamt a nogto de uso em favor de uma espécie de troca interrompica em que o momen toda apresentugo surge sacralizado, Ao utilizar estrutu- 1a genérica das pratcleras nessa época, Haim Steinbach insiste na presenga dominante delas em nosso universo ‘mental: olha-se apenas 0 que esté bem exposto, vale dizer, desoja-se apenas 0 que & desejaca por outros. Os objetos ‘que cle instala em suas prateleiras de madeira e férmi- «a foram “compracos ow juntados, dispostos, reunidos & 2 pow Gott, “Jo Rear ret of op Le Angles MOC. seer alo 5p ex Cue dr (Ps, Cent Nop, 15M, ‘omporadios. Eles podem ser mudaclos, arrumados de uma nada manetra, ¢ quando so embalados ficam no: vamente separados, ¢ so 180 permanentes quanto os ob Jetos que se compram numa lnja" O tema de sua obra 60 que ecorre em toda troea A feira de usados, forma dominante da arte dos anos 1990 Liam Gillick explica que, “nos anos 1980, uma grande parte da produgio artist faztam suas compeas nas lojas adequadas. Agora, & como se oS navos artistas também fizessem suas compras, mas em lojas inadequadas, em todos os upos de lojas" Poderfamos representar a passage da década de 1980 para 2 de 1990 comparando duas fotografias. a pri rmeira com uma vitrine de foja, a segunda com uma fei- ca parecia indicar que os artistas +a de usados ou uma galeria comezesal num aeroporto De Jeff Koons a Rixkrit Travanija, de Haim Steinbach a Jason Rhoades, um sistema formal substituiu outro, & 9 mode. Jo visual dominante parece ser a feiza ao ar livre, 0 bazat, ‘© mereado aberto, reunio efémera e ndmade de maternais precéiios e produtes de diversas proveniéncias. A recicla~ ‘gem (um método) © a disposigdo cabtica (uma estétic), 4, a bgt tn, paced matches, and compare ey ane cle winged pel aon ty et pes is ke ‘hiya cand hey abe pst an obey yr néstane a Aon, CMNE, 3991 sos} ros moDEGAO. 7 cenquanto matnizes formars, suplantam a vitrine e a arge- nizagfio em prateleleas Phe que 0 mercado se fornou a referéncia ubfqua das priticas artisticas contemporineas? Em primero lugar, porque representa uma forma coletiva, uma aglomeracio casica, borbulhante e sempre renovada, que nao depense de uma autoria individual-tm mercado formade por mail es pescoais, Depors, porque, no caso da a de coisas usedas, 6 um Ioval onele se reorganiza, bern tiplas contribul fei ‘ou mal, a produgao do passado. Por fim, ponque a mercado ss que ton io do comércio anna ¢-materializa fxs ¢ relagbes hum cdem a se desencarnar com a industralizags © surgimento do comércio eletronico A feira de usados, portanto, & 0 lugar para onde convergem produtos de vi ‘as procedéneias, aguarcando novos usos. A velha mig 1a de costura pode se tornar uma mesa de cozinha, um objeto publictino de 1975 ou um enfeite para a sala. Nu- -ma homenagem involuntéina a Marcel Duchamp, tra de atebutr “uma nova idéia” a um objeto Um item antes utilizado de acordo com o conceito cam que fora produzs do encontra novas possibilidades de uso nas bancas de ar~ tigos de segunda mao. Em 19%, Dan Cameron retomou a oposigio de Claus de Lévi-Strauss entre 0 “cru” € 0 “cozido” como titulo de uma de suas exposigSes, de um lado, artistas que trans~ formam materias ¢ of tornam irreconheciveis (0 cozide) de outro, os que preservam 0 aspecto pripno dest tenis (@ cru) A forma-mereado é 0 lugar por ex IOOLAS BOURRALD slessa crucza uma instalagio de Jason Rhoades, por exern- plo, apresenta-se como uma composigSo unitéria forma- cla por objetos que, mesmo assim, mantém sua eutonomia cexpressiva, como 05 quadros de Arcimboldo fim termos Jortnass, seu trabalho est’ mais prdximo ao de Ritkrit Tira- ‘vanija do que pode parecer 8 primetra vista: Untitled (Pence sels), que Tiravanija executou em 1999, também se apre senta como uma exuberante exposigio de elementos dis pares, mostrando claramente uma aversdo a formatagio da civermdade, visivel em toss as sues obras Mas Tirava- nija organiza os miltiplos elementos que compiem suas instalagies para ressaltar seu valor de uso, 30 passo que ‘Rhoades apresenta objetos que parecem dotades de uma gia autéinoma, indierente ao ser human, Pereebemos uma ou vériaslinhas dlireteizes, estruturas mutuamente ‘mbricadas, mas sem que os dtomos reunids pelo arts- ta se aglutinem plenamente num eonyunto organico. Ca- a objeto parece resistir& sua unifcagio dentro de uma sumagem coerente, contentande-se ¢om sua fuse em sub- conjuntos ds vezes transplantados de uma estrutura para foutra O dominio de formas a que se refere Rhoades evaca a hetorogencidade das hancas de um mercado ¢ a8 respec tuvas perambulagées entre elas: “E sobre as relagves entre as pessoas, entwe mim e meu pat, ov entre os tomates © a ababore, 05 fijbes eas algas, as algas ¢ o milho, o milho e a terra, a terra eas corcas de arame”s Referindo-seexplict 1 tou orto poop, he we nt my dae tomatoes saath Sane nds ed oe ct he a he goad a te [oor to te ena cnt fu Ras Pol ha Psi no Destro de Muar (ange, Otago, 20) 108 rROOUCAD 2» tamente — pelo menos no inicio aos mercados populares, dda Calif6rnia, suas instalagies sfo a imagem enlouquece- dora de um mundo sem centro possivel, que desmarona por todos os lados sob o peso da produgso e da. impossi bailidade pritica de uma reetclagem. Ao visttélas, pressen- tumos que a tarefa da arte no é mais propor uma sintese artificial entre elementos heterogéneos, ¢ sim gerar “mas: sas eritteas” formais, por meio das quais a estrutura fami- Tior dom sade se Iransforma num imenso entreposto de Iinhas de venda, ¢, na verdade, numa monstruosa cidade ddo velugo, Seus trabalhos consistem em materiaise ferra- :mentas, mas numa escala descomunal: “monte de canos, ‘monte ele bragadoiras, monte de papéis, monte de tecidos, todas essas quantidades industria de cows. ”. Rhoades adapta a jank fair americana as damensbes de Los Angeles por mela da experiéncia, fundamental em sua obra, do uso cdo automével. Quando lhe pediram para justifcar a evoks- Bo de sua pega Perfect World, ele espondeu: “A verdadeira grande mudanga em meu novo trabalho & 0 carta” An- dando em seu Chevrolet Caprice cle estava “enteo e fora [ce sil dentro e fora da realidade", a0 passo que a compra de uma Ferrari modficou sua relagio com a cidade e com seu trabalho: "Dingir do atelié até varios lugares & din sit fisicamente, é uma imensa energia, mas ndo é mais um ppasseto sonhador como era antes”. © espago da abra é 0 idem cle of pes eo amp ne of paper, pl ab al hese news qos of ng”) a0 NICOLAS BOUKRIALD cespago humano percorrido a ima determinada velocidade: ‘8 objetos que subststem, portano, art so enormes, ora se reduzem ao tamanho do earro-habitéculo que, a0 perm tr selecrmar as formas, lesempenha papel de um ins trumento dtico (© trabalho de"Thomas Hirschhorn apresenta espagos de trocas ¢ focats onde o individu perde 0 contate com 0 soci ¢ se inerusta mum undo abstrator um aeroperto sm ternacional, vitrines de grandes lojas de departamenta, a Em sti instalagbes, a8 foe sede social de uma empre mas vagas do cobdiano esto embrulhadas em papel-alt min ou filme plistico e, dessa manewa, uniformizadas, io projetadas em monstruceas formas-redes que prolife samt tentacularienie Esse trabalho, poréen, reencontra a forma-mereado na medua em que introduz nesses loears| tipcos da econoaria globalizada elementos de res de informagio: panfletos polities, recortes Ue artigos de jomal, tev8s, imagens midsiteas, O visitante que cireula percorre com descontorto pode keen culos, polos ambientes de Hhrschhorn ‘um organssmo abstrato, pastose v caticn. ficar 0s objetos que encontra ~ jornans, produtos, objetos do coldiano ~, mas sob a forma de espectros vis: «sos, como se 11m virus de computador tivesse assolado © espetsculo do mundo para substitu-lo por um sued neo geneticamente modificado. Fsses proctutos corriquer- rs slo apresentados em estado larvar, como monstruosas ‘matrizes interconectadas numa rede capilar que nao leva a lugar algum — 0 que, em si, 8 constitui um comentiio so- brea economia, 8 MRODICHO 31 Um mal-estar parecido cerca as instalagbes de Geor- ge Adeagho, que apresentam uma imagem da recuperacio| cconéimica aftieana a0 longo de um labirinto de capas ve- th imo legendas de anotagées pessosis de um disno inzmo, de discos, refugos ou recortes de jornars, que so co- trupgio da conseiénera humana nes recessos da musézia clos prodlutes exposes Desde 0 final do séeulo xvus, 0 terme “mercado” afas- tow-se de seu referent Fisico e passou a designar 0 pro- essa abstrato dle compra e venda, No bazar, exphca 0 ‘conemista Michel Henochsberg, “a transagio vat além do simplismo seco reduconista com que ela é fantasiada pe- la moclernidade using rads, uma forma de relagdo humana, ou melhor, um pre- ; assuminglo seu estatuto original de ne- cenlze duas pessoas O comézew & antes de mars texto para cnar una relagdo. Assim, toda Iransagdo pode intima, afimidades, ser definida como “um encontro de vontades, presses, chantagens, conta A arte visa confer forma e peso aos mais invisiveis, processos. Quando partes inteiras de nossa vida eaem na) abstragio devido 8 mudanga de eseala da globalizacdo, quando fungdes basicas de nosso cotidiano so gradual- mente transformacias em produtos de consumo (inclufdas as relagées humanss, que se tornam um verdadeiro in- teresse da indistra), parece muito Kigico que os artistas procurem rematerializar essas fungdes v esses processos, © at 20 p 299 32 NICOLAS POURAUD devolver concretucie a6 que se furta a nossa vista Nio cor me abjetos, o que significaria catr na armadilha da reiica- ‘Gio, mas como suportes de experi arte, ao tentar romper a I6gtea do espetseulo, estitur-nos 0 mundo como experinei Como osistema econdimico nos priva progressivamen- te dessa experiéncia, cabe inventar modos de representa ‘gio dessa realidad no vivida Uma série de pinturas de Sarah Moms, que mostra as fachadas das sedes de gran- des multinacionais mum estilo abstrato geomnétrco,restitul ais matcas que parcosm puramente imateriass lugar fist 0.2 que pertencem. Segundo a mesma kigica, o tema dat pinturas de Millos Manetas ¢ a internet, 0 poder da infor imatica, mas apresentada sob os tragos dos objetos que nos ppermuitem o acesso a ela: os computadores, num censtio doméstica O atual sucesso do mercado ou do bazar entre Cs artistas contemporineos deriva da vontade de devolver ‘um carter palpavel a essas selagdes humanas que a eco- nomia pés-moderna consigna a bolha fimanceira. Mas essa mesma imaterialidade se revela fictiaa, diz Michel He- nochsherg, na medida em que os dados que nos surgem ‘como os mars absteatos-~ por exemplo, os pregos das matt rias:primas ou da energia, grandes definidares do merca- cdo~ sii, na realidade, objeto de negociagies muitas vezes arbutrsrias. Assim, a obra de arte pode consistir num dispositivo forn I que gera relagies entre pessoas, ou nascer de um processo socral ~fendmeno que apresentei com nome de Ps HRaUCKO 23 cestitica relacional — ya caracteristiea determinante é con siderar 0 intereémbio humano como obyeto estético em si (Com Beerythong N'T$20 (Chaos Minimal), Surasi Kusol wong amontoa em bancas retangulares monocromélicas, com uma gama de tons vivos, mithares de objetos fabri= cados na Tailindia. camisetas, bugigangas de plistico, estas, bringuedos, ulensilios de coznha ete Os montes coloridos vao dim:nuindo aos poueas (como as “pilhas” de Felix Gonzalez-Torres), pois os vistantes da exposicio po- dem levar os objetos em troca de alum tem grandles urnas trangparentes de vido fum@, que evo- cam expheitamente as esculturas de Robert Mortis, O que jo dispositivo de Kusolwong mostra claramente @ 0 univer- 0 da transagio- a disseminagio dos produtos mutticolo- ridos nas salas dla exposigio e a substituigdo progressiva heiro, eolocado tlos parotes por macdas e nota, que oferecem uma imma gem conereta da traca comercial. Quando Jens Haaning. organza em Fribusgo uma foja de produtos importados da Tranga, com pregas claramente inferiores aos praticados na, Suigo, ele tambéan ests questionande os paradoxos de uma ‘economia falsamente “globalizada’ e atribuindo ao artista tum papel dle eontrabandista, © USO DAS FORMAS nv espectador me diz °o filme que w ni presaea’ 1 respond a culpa és, sn para tama dlslago Bo? poo que vost Jean-Luc Godard ‘Os anos 1980 ¢ o naseimento da cultura DJ: para um comunisme das formas Durante os anos 1990, a democratizagao da informé- ca © 0 surgimento do sampleamento criaram uma nova pavsagem cultural, cujas figuras emblemsteas so os Dis © 0 programadores, © remixador tornou-se mass umpor-| tante do que o instrumentista, a rave, mais excitante do que um concerto, A supremacia das culturas da apropria- (fio. co novo tratamento dado as formas gera uma moral: as obras pertencet a todos, parafraseando Philippe Tho- ‘mas A arte contempordinea tenée 2 abohr a propniedade slay Joumas ou, pelo menos; a perturbar essas antigas ju- isprudéncias, Estaremos nes dirigindo para uma cultura ‘gue abanciona o copyright em troca de uma gestio do di ruuto de acesgo as obras para uma espécie de esboxgo da c0- sntinism des formas? Guy Debord, em 1956, publica Mode eemyplor die dé Journemen (Modo de uso do desciol 1A heranga ers tum td, dew ner uted para fins ke propaganala rovhtante [| Tsdoe ot elementos, tomas em qual ‘quer ugay podem ser objeto de novasabordagens ‘Tado pode sor B evidente que se pe nfo so cor gr uma obra ou ntegrar dworsosfagmentos de obras ange nuns nova obra, eome tabsém muda 0 8 Indo dessus fragmontos « aficar de todas a8 mane: sas aqulo que 8 mbar se obekinamn em chamar de ws antsica da humana, cone catachies Com a taternacional letrsta, ¢ depois a Internacional situacionista, que The suceclou em 1958, surge assim uma nova novdo, 0 desvio artisticy, que pode ser ceserito como tum uso palitico do ready-made reefproca de Duchamp (que dava 0 exemplo de um "Rembrand: usado como tébua de [passar roups"}. Hssa “reutilizaco de elementos artisticos preexistentes numa nova uniddade” 6 uma das ferramen: {as que contribuem para a superagdo da atividade artistica, dessa arte “separada” execulada por produtores especia- Iizades, A Internacional situaciomista precontza o desvio rossrtonUGO a7 das obras existentes para “devolver pars 3 vida cotidia- na’, privilegiando a construc ce situagdes vividas em vez

Você também pode gostar