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*Boplendido... Uma inteligencia bicida e por derosa,” Eric Hobshawm, New Statesman “Fxtremamente agraildvel.. Uma grande con Iruledo @ soctslogta histiried. Donald Macrae, New Society "Uma narrativa somplexa, seguro, marwvithosa- mente tweidu, dos antivos gregos ds monarquias ab- Sohutistas moderna... estimulante, " ‘Moses Finley, The Guardian “Osurpreendente uleanice das concepedes ea habi- lidadte rquiteroniea com que fol exeeutada fazer desta obra uma experiéneia intelectual Formiidivel,” Keith Thomas, New York Review of Books “Uma fascinante insroduezo ao entendimento da ‘ooderi yociedude capitalista.... A amplitude da dinerpretagao de Anderson impressions. E sina sintese que oferece explicacdo convincente para o desewvatvtinento desigual do feudaliseuo europess, niu Teste enn Ocidenie, no Béltioo @ no Mediterrd- Rodiiey Hilton Areas de Interesse: Historia, Politica sson:98.11 13067" t PERRY ANDERSON ans } Colesio Tudo € Histia a PASSAGENS ‘Bota «Vide ‘A Camiaho da Ide Média A wsure. eee ee Waldir Freitas Oliveira DA fe os iy ‘As Conta Vi pels Abe io neo Fe ANTIGUIDADE AO FEUDALISMO ‘ea ea O Egito Antigo Aint 0 Const Cae tamara Cardo ees ier ial et Fo Fano J Alda Medi Tac Remteente a ocidews © impti Bieacino Beat Sou Hilario Franco Je. Hilatio Franco Je. * Ostler nt Idee Média © Mundo Ania Jrquests Gat Bae fe 3? edicno Rae ee ce Meenas j aa arene per ores | Jean-Pierre Vernant e Pierre Vidal- ‘Sonia Regina de Mendonca Micky Goce Pree tual editora brasiliense Copyright © by Perry Anderson, 1974 Titwo original em inglés: Passages Copyright © by da traducao braieira: Edtora Brailiense S.A, Nenhuma parte desta publicacio pode ser gravada, armazenada em sistemas eletronicos, fotocopiada, reroducida por meios mecdnicos ou outros quaisquer sem autorizacdo prévia do editor. ISBN, 85-11-13007-5, Primeira edicto, 1987 38 edicdo, 1991 Copydesk: José Romero Antonia Reviso: Leila Nunes de Siqueira e Mario R. Quaiato Moraes comPRA DATA Rua da Consolacao, 2697 01416 S20 Paulo SP Fone (O11) 280-1222 - Fax 881-9980 Telex: (11) 33271 DBLM BR IMPRESSO NO BRASIL from Antiquity o Feudalism. + Indice Preficio .......+++ Spi pean pele ome a Primeira parte 1. Antiguidade Classica Omotio de produgdoescravo AGrécia Omundo helénico . Roma .... ani 2. ATransigao Ocenério germainico ... 103 Asinvasbes....... Em busca de uma sintese. ‘Segunda parte 1. Europa Ocidental O modo de produgao feudal «.....2+4+6 143 ‘Tipologia das formages sociais ......+4.+++++ 150 Oextremonorte . iat easeia 168 A dinamica feudal . meedecic: 17 191 Acrisegeral .. INDICE 2. Europa Oriental AlestedoElba . Oatrasomdmade ........ ‘O padrio do desenvolvimento... ActisenoLeste .. Aosul do Danio Indice onoméstico . . Indice de autores . Prefacio Algumas palavras necessétias para explicar o escopo e a intenglo deste ensaio. Ele esta concebido como pr6logo a um estudo mais am- plo: Linhagens do Estado Absolutista. Os dcis livros sto diretamente articulados entre si, e propdem um tinico argumento. A relagio entre ambos — Antiguidade e feudalismo por um lado, ¢ por outro, 0 abso- lutismo — ndo esta aparente a primeira vista, na habitual perspectiva dda maioria de suas abordagens. Geralmente, a Hist6ria antiga & sepa- ada da Historia medieval por um cisma profissional, que muito poucos trabalhos contemporfineos tentam cobrir: o golfo entre os dois esté, €-claro, institucionalmente entrincheirado pelo ensino ¢ pela pesquisa. A distncia convencional entre a Hist6ria medieval e 0 inicio da Hist6- ia moderna ¢ (paradoxal ou naturalmente?) muito menor: ainda as- sim, tem sido suficiente para excluir qualquer exame do feudalismo do absolutismo dentro — como deveria — de um mesmo enfoque. O argumento destes estudos interligados 6 0 de que, em muitos e impor- tantes aspectos, este é 0 modo pelo qual as sucessivas formas que sto a sua preocupagio deveriam ser consideradas. Este ensaio explora 0 ‘mundo social e politico da Antiguidade clissics, a natureza de sua tran- sigfio ao mundo medieval e as resultantes estrutura ¢ evolugdo do feu- dalismo na Europa; um tema central que o atravessa por inteiro co as divisbes regionais do Mediterraneo e da Europa. Sua seqiéncia discute ‘© absolutismo contra o pano de fundo da Antiguidade e do feudalismo, ‘como seu legitimo herdeiro. As razdes que fizeram com que uma visto ‘comparativa do Estado absolutista precedesse uma excursao através da 4 PERRY ANDERSON Antiguidade classica e do feudalismo se tornardo evidentes no decorrer ddo segundo trabalho, e serio sintetizadas em suas conclusdes, que ten- ‘am situar a especificidade da experiéncia européia como um todo den- ‘ro de um panorama internacional mais amplo, & luz das anilises dos dois volumes. necesstio, no entanto,salientar logo no inicio o cardter limi- tado e proviséro dos relatos apresentados em cada trabalho. Neles es- tio ausentes a erudigfo e a habilidade do historiador profissional. cserto hist6rico no sentido mais adequado ¢ inseparavel da pesquisa dlireta aos registosoficiais do passado — arquivos, epigrafes ¢ arqueo- Togia. Os estudos que se seguem nao reivindicam esta nobreza. Mais do aque um documento real da historia como ta, eles estio baseados sim- plesmente na leitura dos trabalhos disponiveis de historiadores moder- nos: uma questo bastante diferente. O aparato das referéncias que os acompanham é, portanto, oopesto daquele que denota um trabalho de historiografia erudita, O que tem autoridade nfo cita: as proprias fon- tes — matérias fundamentais do passado — falam através dele, O gé- nero e a extensAp das notas que apgiam 0 texto nos dois trabalhos sho apenas indicadores do nivel secundrio em que se situam. Os préprios historiadores, naturalmente, tém oportunidade de produzir trabalhos comparativos ou de sintese sem necessariamente ter sempre o contato dlireto da prova no campo a que se referem, embora seu julgamento seia provavelmente temperado pelo dominio em sua especializagao. Em Si, oesforgo pare descrever ou compreender estruturas ou épocas histé- riecas muito vastas nfo precisa de desmesuradas escusas ou justificat- ‘vas: sem ele, pesquisas locais ou especificas ttm diminuido seu proprio significado poteacial. Contudo, é verdade que nenhuma interpretagio 6 to falla come aquelas que se apéiam em conclustes sleangadas em ‘outros locais como suas unidades elamentares de prova: estas perma- nnecem sempre abertas 8 invalidagto por novas descobertas ou revisbes de alguma inves:igagdo anterior. © que geralmente é aceito por histo- rindores de uma geragio pode ser invalidado pela pesquisa da geragao seguinte, Qualquer tentativa de generalizar sobre os fundamentos de ‘opinises vigenies, por mais erudita que seja, sera ineyitavelmente pre- chria e condicional. Neste caso, os limites dos ensaios envolvidos sao ‘especialmente grandes, em razio do espaco de tempo coberto. Real- mente, quanto maior o aleance du histGria estucada, mais rectrita ten deré a ser o tratamento relativo a cada fase. Neste sentido, a comple- xxidade total c dificil do passado — que somente pode ser captada na rica tela pintade pelo historiador — permanece em grande parte fora PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AG FEUDALISMO 9 do objeto destes estudos. As anélises a seguir, tanto por questdes de ‘competéncia quanto de espago, sto diagramas rudimentares: nada -mais, Breves rascunhos para uma outra histria, elas tencionam propor clementos para diseussio, mais do que expor teses fechadas ou porme- norizadas. ‘A discussfo para a qual foram destinadas esté basicamente den- ‘ro do campo do materialismo histérico. Os objetivos de uma escolha do método de uso do marxismo nestes dois estudos esto colocados no prefécio de Linkagens do Estado Absoluista, onde elas se tornam muito claramente visiveis na estrutura formal do trabalho. Aqui nio hi necessidade de mais que afirmar os prinefpiss que governaram 0 uso dessasfonies, em ambos os estudos. As autoridades consultadas para esta pesquisa, como para qualquer investigagdo basicamente compa- rativa, so, 6 natural, extremamente diversificadas — variando muito zo carter intelectual e politico. Nenhum privilégio especial foi conce- ido a historiografia marxista como tal. Apesar das mudangas das tl- timas décadas, o imenso volume de trabalhos histéricos sérios no sé- culo XX tem sido escrito por historiadores estranhos ao marxismo, O zmateriaismo histrico nfo 6 uma ciéncia fechada, nem todos os que © praticam tm um calibre similar. Ha campos da historiografia que sto dominados pela pesquisa marxista; hé mais alguns onde as contribui- es nio-marxisas sto superiores em qualidade e quantidade as mar- xistas; € hf, talvez ainda em maior nGmero, aqueles onde nto existe intervengio alguma do marxismo. © tinio eritério permissive! para discriminagio num estudo comparativo que deva considerar trabelhos provenientes de tio diversos horizontes 6 sua intrinseca solidea e inte- ligéncia. A méxima consciéncia e respeito pelo conhecimento de histo- riadores fora dos limites do marxismo no & compativel com a busca rigorosa de uma investigagio histrica marxista: € sua condigdo. Inver- samente, 0s prOprios Marx e Engels nunca podem ser tomados simples- mente ao pé da letra: os erros de seus escritos no passado nfo devem ser desconsiderados ou ignoradas, ¢ sim identificados e eriticados. Faz®-1o nto 6 abandonar o materialismo histérico, mas antes aproximar-se dele, Nao hé lugar para fidefsmo no conhecimento racional, que & ne- cessariamente cumulativo; ¢ a grandeza de fundadores de novas cign- cias jamais foi provada contra juizos erréneos ou mitos, mas, isto sim, tem sido prejudicada por estes. Tomar '‘liberdades” com a assinatura dle Marx nesse sentido é simplesmente penetrar na liberdade do mar- AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer a Anthony Barnett, Robert Browning, Ju- dith Herrin, Victor Kiernan, Tom Nairn, Brian Pearce e Gareth Sted- rnrau Joues por seus cumeutirios eritieus sobre este ensalo ou sua se- 4qiéncia. Dada z natureza de ambos, é mais do que convencionalmente necessario absolé-los de qualquer responsabilidade pelos erros, de fato ‘ou de interpretaylio, que estes contenham. PRIMEIRA PARTE 1. Antiguidade Classica A delimitagio do Leste ¢ do Ocidente na Europa hé muito tem sido uma delimitagdo convencional para os historiadores. Ela existe, na verdade, desde Leopold Ranke, o fundador da historiografia positiva moderna. A pedra angular do primeito trabalho maior de Ranke, es- ctito em 1824, era um “esbogo da unidade das nagées latinas e germa- nicas", no qual ele tragava uma linha através do continente excluindo 1 eslavos do Leste do destino comum das grandes nagdes do Ocidente {que vieram a ser o assunto de seu livro. "Nao se pode sustentar que cesses povos também pertengam d unidade de nossas nagBes; seus cos- ‘umes e sua constituigao sempre os separaram. Naquela época elas no exerciam influéncia independente, mas simplesmente apareciam subor- dinadas ou antag6nicas: eram tocadas aqui ali, por assim dizer, pelas ‘marés dos movimentos gerais da Histéria.” "Era 0 Ocidente sozinho que participava das migragdes barbaras, das cruzadas medievais ¢ das ‘conquistas coloniais modernas — para Ranke, as drei grosse Atemslige dieses unvergleichlichen Vereins, “as txés grandes inspiragies dessa in- ‘compardvel associagdo".? Poucos anos mais tarde, Hegel abservou que eslavos até certo ponto foram retirados da esfera da Raztio ociden- tal’, jé que “algumas vezes, como uma guarda avangada — uma nacio- nnalidade intermediéria —, cles tomaram parte na luta entre a Curopa (1) Leopold von Ranke, Geschichte der Romanishon und Germanischon Volker om 1494 bis 1314 Lipo, BRS, p. XIX. (2) Ranke op ty pO 16 PERRY ANDERSON cristd ea Asia ndo-crista", Mas a substincia de sua visto da histéria da regido leste do continente era bastante similar a de Ranke. “Todavia, todo este grupo de povos fiea excluido de nossa consideracto, porque até agora ele nio apareceu como um elemento independente nas séries de fases que a Razio assumiu no mundo.” Um século e meio depois, historiadores contemporneos normalmente evitam tais maneiras de falar, As categorias éinicas deram lugar aos termos geogrificos: mas a propria distingio e sua origem na Idade das Trevas permanecem vir- tualmente inaleradas, Em outras palavras, sua aplicagio comeca com © surgimento do feudalismo, na época histérica em que 0 relaciona- ‘mento cléssico de regides dentro do Império Romano — o Leste avan- {gado e 0 Ocidente atrasado — comega a ser decididamente invertido, Esta mudanca de sinais pode ser observada em praticamente todas as anilises da transigdo da Antiguidade para a Idade Média. Assim, as cexplicagses sugeridas para a queda do proprio Império no mais recente © monumental estudo sobre o declinio da Antiguidade, Later Roman Empire, de Jones, gira constantemente em torno das diferengas estru- turais entre 0 Ocidente ¢ o Oriente, Este, com suas intimeras e ricas cidades, economia desenvolvida, um campesinato de pequenas proprie- dades, relativa unidade civiea e distfncia goografica da violéncia dos ataques barbaros, sobreviveu; o Ocidente, com sua populagao mais es- parsa e cidades mais fracas, aristocracia grandiosa e qampesinato ex- plorado em arrendamentos, anarquia politica e vulnerabilidade estr tégica as invasées germfnicas, naufragou.*O fim da Antiguidade foi ‘entio selado pelas conquistas frabes, que dividiram as duas margens do Mediterraneo. O Império Oriental se tornou Bizdneio, um sistema social e politico distinto do resto do continente europeu. Era neste novo espago, que emergia da Idade das Trevas, que a polaridade entre 0 Oriente ¢ 0 Ocidente iria mudar sua conotagio. Bloch pronunciou 0 julgamento autorizado de que “do século VII em diante houve um gru- po de sociedades nitidamente demareado na Europa Ocidental e Cen. tral, cujos elementos, embora diversos, estavam solidamente cimentados por profundas semelhancas ¢ pelo constante relacionamento”. Foi esta ito que deu origem & Europa medieval: “A economia européia na Idade Média — no sentido em que este adjetivo, emprestado da velha ‘nomenclatura das ‘cinco partes do mundo’, pode ser usado para desig- nar uma realidade humana yerdadeira —, que a do bloco latino (3) G.W.F Hegel, The Philosophy af History, Londres, 1878, p. 363, (4) A. H.M, Joes, The Later Komen Empire, 282-602, Oxiord, 1964, vl I, pp. 1026-1088 PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AC FEUDALISM. 0 germanico, flanqueado por umas poucas ilhotas eélticas e franjas esla- vas, gradualmente conquistou uma cultura comum... Assim compreet- ida, assim delimitada, a Europa é uma cviagio da nascente Idade Média”,* Bloch expressamente excluta as segibes que sao hoje a Eu- ropa Oriental desta definigdo social do continente: “As grandes por- ‘96es do Leste eslavo de maneira alguma pertencem a ela... & impossivel considerar suas condigdes econdmicas e as de seus vizinhos ocidentais juntas no mesmo objeto de estudo cientifico. Sua estrutura social total- ‘mente diferente e uma linha muito especial de desenvolvimento prot bem completamente tal confusdo: cometé-la seria o mesmo que mistu- rar a Europa ¢ 0s paises europeizados com @ China ou a Pérsia num estudo econdmico do séeulo XIX".° Seus sucessores respeitaram essas injungdes. A formagio da Europa e a germinagio do feudalismo tém sido geralmente confinadas @ Histéria da metade ocidental do conti: nente, excluindo da anélise 2 metade orientel. O excelente estudo de Duby sobre a economia feudal, que parte de séeulo IX, jé se intitula Rural Economy and Country Life in the Mediaeval West.’ As formas culturais e politicas criadas pelo feudalismo nesse mesmo perfodo — a “revolugo secreta destes séculos”® — sto a foco principal de The Making of the Middle Ages, de Southern. 4 generalidade do titulo ‘esconde uma elipse, identificanda implicitamente um tempo especifieo ‘em determinado espaco; a primeira frase diz: “A iormagio da Europa Ocidental do final do século X ao principio do século XIII & 0 objeto deste livro".* Aqui, o mundo medieval se torna Europa Ocidental tout court. A distingdo entre Oriente e Ocidente reflete-se, assim, na histo-y/ riografia moderna diretamente a partir do inicio da época pés-classica. Suas origens so efetivamente contemporineas as do proprio feuda- lismo. Qualquer estudo maraista do desenvolvimento histbrico diferen- cial dentro do continente deve considerar inicialmente a matriz geval do {feudalismo europen. Somente quando essa matriz é estabelecida, € que seré possivel ver quanto e de que maneira uma histéria divergente pode ser tragada em suas regibes ocidental e oriental. () Mare Bloch, Méanges Historique, Paris, 1963, vl 1. 123-124. (6) Bloch ep ct. tos. ©) Georges Duby, L'Beonomie Rural et fo Vie dis Campagnes dans 'Occdent ‘Mirai, Pars, 1962; tradugdo ingles, Landes, 1968, (© R. W. Southern, The Making of the Middle Ages, Londres, 1953, p. 13, (©) Southera,op et, pt O modo de producio escravo smo fem sido objeto de muitos estudos inspi rados pelo materialismo historico, desde que Marx the dedicou eapitu- los eélebres de O Capital. Em contraste, a génese do feudalismo per- ‘maneceu em grande parte sem estudos dentro da mesma tradig&o: como um diferenciado tipo de transiedo para um novo inodo de pro- dugio, jamais foi integrada ao corpo geral da teoria marxista, Mas, ‘como veremos, sia importincia em relagao ao padrao global da Hist6. ria talvez seja apenas pouco menor do que a da transigao para o capi- talismo. O solene julgamento de Gibbon sobre a queda de Roma ¢ 0 final ds Antiguidade emerge hoje paradoxalmente, e talvez pela pri- ‘meira ver, em toda a sua verdade: “‘uma revolugio que serd sempre Tembrada, e que ainda é sentida pelas nagdes da Terra”. Em oposigio a0 carater “cumulativo” do advento de capitalismo, a génese do feuda- lismo na Buropa derivou de um colapso “‘catastréfico” e convergente de dois modos de produgao distintos ¢ anteriores, ¢ a recombinacdo de seus elementos desintegrados libero a adequade sintese feudal, que, (CD) The Histor of the Decline and Fall ofthe Roman Empire, vo. 1, 1856 (ed. Bun). p. 1. Gibson arrependeuce dessa fase nama nota manvseria pata 0 proeto de uma reviso de seu lito, restingindo sua referencia aos paises da Eutooa apense © ‘io aes do mundo, "Terlo a Asia ea Alves, do Japho ao Marroos, algun seimento 0 meméris do Impéio Romano?” perguna ele (op. cit, p. xxx). Ele escreveu odo demas pas ver come o resto do mundo ita cealmente "sentra impacto da Europa, © ‘com st Uldmas consegdéncias da “rovolueio” que teystrous nein 0 Temoto apis nemo adjacente Marocoseslariam imunes& Histna qu la inaaguro PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISMO 0 Portanto, sempre manteve um caréter hibrido. Os predecessores do modo feudal de produgo foram naturalmente 0 modo de produgio eseravo em decomposigao, sobre cujos fundamentos todo o enorme edificio do Império Romano fora construido outrora, e os primitivos modos de produgio distenciidos e deformados dos invasores german es, que sobreviveram em suas novas pattias, depois das conquistas bar- baras. Esses dois mundos radicalmente distintos haviam passado por ‘uma lente desintegrago e uma uti interpenetrago nos dltimos sécu- los da Antiguidade. Para saber como isso aconteveu, & preciso othar para trés, para a ‘matriz original de toda a civitizagao do munde clissico. A Antiguidade greco-romana sempre constituiu um universo centralizado em cidades, Oesplendor ¢ a solider da antiga polis helénica e da posterior Rept. blica romana, que ofuscaram tantos perfodos subseqiientes, traduziamn um nivel de organizagdo ¢ cultura urbanas que jamais seria igualado em outro milénio. A filosofia, a cincia, a poesia, a historia, a arqui tetura, a escultura; o direto, a administragao, a economia, os impos. {os;.0 voto, o debate, o reerutamento — tudo isso chegou a nivcis de sofisticagda ¢ forea inigualéyeis, Ao mesmo tempo, esse friso de civil zagHo citadina teve sempre algo do efeito de uma fachada rrompe l'oeil sobre su posteridade, Por trés de toda essa organizacio e cultura no hhiuma economia urbana de alguma forma equiparavel a elas: a0 con. tririo, a riqueza material que sustentava sua vitalidade intel cfviea era extraica de forma esmagadora do campo, O mando clissico cra inalterdvel e macigamente rural em suas proporedes quantitativas bisicas. A agricultura representou airavés de saa ist6ria 0 setor intel Famente.dominante da produgdo, fomecendo invariavelmente as pri cipais fortunas das préprias cidades. As cidades greco-romanas nunca foram predominantemente comunidades de artifices, mereadores ou negociantes: elas eram, em sua origem e principio, conglomerados ur- banos de proprietérios de terras. Cada agrupamento municipal, fosse dda democrética Atenas, da Esparta oligérquica ou da Roma senatorial, era essencialmente domninado por proprietérics agrérios. Sua renda provinha do milho, do azeite e do vinho — os trés grandes produtos bisieos do Mundo Antigo, vindos de terras e fazendss fora do perime- {ro fisico da prépria cidade. Dentro dela, as manfaturas permaneciam Poueas e rudimentares: 0 géncro das mercadorias urbanas normais hhunea ia muito além dos téxteis, cerdmica, mobilia e os utensilios de vidro. A técnica era simples, a demanda, limitada e o transporte era ‘exorbitantemente custoso. O resultado era que as manufaturas da An- 20 PERRY ANDERSON tiguidade se desenvolviam tipicamente no por um aumento da concen- ‘tragio, como em épocas posteriores, mas pela descentralizagao e dis- persio, j& quea distancia ditava mais os custos relativos da produglo do que & diviséo do trabalho. Uma idéia do peso comparativo das cco- ‘nomias urbans e rural do mundo classico é fornecida pelos rendimen- tos fiscais respectivos pagos por todos no Império Romano no séeulo IV a.C., quando 0 coméreio da cidade ficou sujcito finalmente a uma arrecadagao imperial pela primeira vez, através da collatio lustralis de Constantino: arenda deste imposto nas cidades nunca subiu a mais de S por cento da taxa imposta as terras.? Certamente, a distribuigao estatistica da produgo nos dois seto- res nio era bastante para diminuir o significado econiimico das cidades da Antiguidade. Para um mundo homogeneamente agricola, a renda bruta do coméreio urbano podia ser muito pequena, mas a superiori- dade liquida qve ela poderia proporcionar a uma dada economia agri ria sobre qualquer outra poderia ainda ser decisiva. A preeondigio desta feigdo diferenciada da civilizagio classica era seu carter cos- teiro® A Antiguidade greco-romana era essencialménte mediter- ranea em sua mais profunda estrutura. O coméreio interlocal que a reunia s6 podia se fazer por agua: o transporte maritimo era o Gnico ‘meio vidvel para a troca de mereadorias a médias ou longas distancias, A colossal impertancia do mar para o comércio pode ser avaliada pelo simples fato de que na época de Diocleciano era mais barato transpor- tar otrigo da Siria para a Espanha — de um extremo a outro do Medi- terrfineo — por embareagdes do que levar por 120 quildmetros por via terrestre.* Nao é acidental portanto que a zona do Egen — um labirinto de ihas, baias ¢ promontérios — tenha sido o primeiro bergo da cx dade-Estado: que Atenas, seu maior exemplo, tenha tido no transporte ‘maritimo os fundamentos de suas fortunas comerciais; que, quando a colonizagio grega se espathou pelo Oriente Proximo no perfodo helé- nico, 0 porto de Alexandria se tenha tornado a maior cidade do Egito, ‘primeira capital maritima em sua historia; e que Roma, por sua ver, (2) A. H. M.Jones, The Later Roman Empire, vol. I 9, 465, Era.o impos paso eles negtitore, cu sea. quase todos os que se dedieavars& produto comercial de ‘qualquer expécie na cidades, tanto artesion quanto mercadores, Apesar de seus min ‘Mos rtores, ele provou ser intensamenteeprimentee nao-popular para popula scbana, io dgiLena propris economia a evga. (3) Max Webe fio primeio estudiogn a dar toda Enfase a este fato Funan ta, em seus dois randesestudosesqueldes, Agrorverkilinise im Altertume Die So: silen Grinde des Uterganss der Antiken Kultur. Ver GesammelteAufsate sur Sect: und Winschafsgerchohte, Tobingen, 1924, pp. 4e segs. 293 sex. (4) Jones, The Later Roman Einpire Ip. 41-882. PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISMO a situada as margens do Tibre, se tena tomado uma metropole costeirs, A agua era 0 meio insubsiitufvel da comunieagdo e do coméreio que tornava possivelo crescimento urbano de ura sofisticagdo e uma con: centragdo bem distantes do interior rural quchavia por tris. O mar era © condutor do britho duyidoso da Antiguidade. A combinagdo espe cifiea de cidade e campo que definia o mundo léssico, em diltima instan- cia, s6 era operacional porque havia um lago em seu centro. © Medi. terréneo é 0 énico grande mar interior em teda a superficie da Terra: 6 ele oferecia a velocidade do transporte maritimo com protegie terrestre contra os fortes ventos out ondas em zona geografica ampla A excepcional posigto da Antiguidade classica dentro da Historia univer sal no pode ser isolada deste privilégiofisco. Em outras palavras, o Mediterrineo proporcionou 0 adequado cenario geogrifico para a civilizagio antiga. Seu contetido historico © sua novidade, no entanto, estdo na fundamentagio social do relaciona: mento entre cidade e campo dentro dela, O modo de produgio escravo foi uma invengio decisiva do mundo greco-romano, que constituiu a base definitive tanto para suas realizagées quanto para seu eclipse. A riginalidade deste modo de produgio deve ser sublinhada. A escravi- «dao em si tinha existido sob varias formas através da Antiguidade no Oriente Préximo (como aconteceria mais tare em outros lugares na Asia); mas ela sempre fora uma condigio juridieamente impura — to- ‘mando com freqUéncia a forma de servidio por débitos ou de trabalho penal — entre outros tipos mistos de servidao, formando simplesmente ‘uma categoria muito baixa num continuum amorfo de dependénciae fal {a de liberdade que se estendia bem acima na escala social Também hhunea foi o tipo predominante de apropriagao do excedente nas mo- narquias pré-helénicas: era um fenémeno residual que existia mar- gem da principal forga de trabalho rural. Os impérios Sumério, Babi- Jbnico, Asstio ¢ Eefpeio — Estados ribeirinhas construidos sobre uma Agricultura irtigada e intensiva que contrastava com as culturas sim- Ples de solo seco do futuro mundo mediterrineo — no eram econo. mias de base escrava, e seus sistemas juridicos nfo tinham concepgo nitida da propriedade de bens moveis. Foram as cidades-Estado gregas ue primeiro tornaram a escravidio absoluta na forma e dominante na ‘extensio, transformando-a assim de sistema auxiliar em nm modo sis: femfitico de produgao. © mundo helénico classic, é claro, jamais re. Pouson exclusivamente no uso do trabalho eseravo, Os caniponeses li (5) S41, Finley, "Between Slavery and Freedom, Comparative Studies in So: ewyand History. V1, 1983-1968, pp, 237238 = OO n PERRY ANDERSON Yes, of rendetos dependentes ¢os artesios urbanos sempre coexisi- Fam com os escravos, em variadas combinagdes, nas diferentes cidades. Estado da Gricia. Sev préprio desenvolvimento externo ou interno, além do mais, podiaalterar muito as proporgdes entre escravos e ta: bathadores livres, de um século para outro: cada formagio social con. creta€sempreuma combinacio especifica de diferentes modos de pro. do qucestmatvs mal as oo als baa: Mas das moder ‘as Hits da Antguidade lo prejladae pel austci basca de nformagtes en fri soe tumanhn das populates ¢ das class sri Tones pe cotptar & roprgto dos esernos em flag aor sdadton no stele IV, quando ¢ poplegse — PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISMO 2 cravos em Quios, Egina ov Corinto foi em varias ocasibes provavel- mente maior; a populaglo hilota sempre ukrapassou bastante a dos cidadios em Esparta. No século IV a.C., Aristteles podia observar ‘com naturalidade que “os Estados tendem a conter escravos em grande nimero”, enquanto Xenofonte elaborou um plano para restaurar as fortunas de Atenas, pelo qual “o Estado possuria escravos pablicos até due houvessetrés para cada cidado ateniense”.4 Na Grévia clssica, os eseravos foram, assim, empregados pela prineira ver na ganufatura, na indistria e na agriculture, além da escaia doméstica Ao mesmo tempo, enquanto o uso da escravidio se tornava generalizado, sua natureza, de mancira correspondente, se tornava absoluta: ela jf no era mais uma forma de servidio relativa entre muitas, no decorrer de uma continuidade gradual, e sim uma condigdo polarizada da perda completa da liberdade, justaposta a uma nova liberdade sem impedi- rmentos:Pois foi exatamente a formagao de uma subpopulagao escrava nitidamente delimitada o que, inversamente, elevou a cidadania greg a alturas até entio desconhecidas de lberdade juridica eonsciente. A eseravidao ¢ a liberdade helénicas eram indivisiveis: uma era a condi ‘io estrutural da outra, num sistema difgico sem precedente ou equi Valente nas hierarquias sociais dos impérios do Oriente Proximo, que também ignoravam tanto @ nogio de livre-idadania quanto a de pro- priedade seril? Esta profunda mudanea jurkica foi em sio correlato Social e ideolégico do “milagre” econdmico forjado pelo advento da modo de-produgao escrava ‘A civilizagao da Antiguidade clissica representou, como ja vi-+ mos, @ supremacia andmala da eidade sobre 9 campo numa economia esmagadoramente rural: uma antitese do mundo feudal primitive que Ihe sucedew. A condigto para a possibilidade desta grandiosidade me- tropolitana na auséncia de uma industria municipal era a existéneia do trabalho escravo no campo: somente ela poderialiberar uma classe de proprictrios de terra tio radicalmente de suas raizes rurais de maneira 1A, com base nas importagdes de Demooracy, Oxord, 1987, pp. 76-99. Foley, por outro a fe poderia estarem tome de 30s 4:1 em poriodes de peo, tanto no séeulo V como IV: "Was Gresk Civilization Basod on Slave Labour?” Horie, VIM, 1989, pp. 58:59. 8 fualscompreensiel, apesardeincompeta, monogralia edema sobre a esravidi anti The lave Systems 07 Urek ana Kaman Anau), oe W. L. Westermann, Feds, 8, chega a algo aproximado deste mesmo némeo aesito por Andrewes& Finley 0 il servos no nisi da Guerra do Pelcpone=. ) Arstteles, Potie, VI, ie, 4: Xenotonte, Melos e Métodas, 17, (0) Westermann, The Slave S)soms of Greek and Roman Antigally, pp. 42-3 ley, "tween Savery and Freedom, pp. 236239. u PERRY ANDERSON ‘a poder ser transmutada em uma cidadania essencialmente urbana que ainda assim continuava tirando suas riquezas do solo. Aristételes ex- pressou a resub-ante ideologia social da Grécia classica tardia com esta despreocupada abservagio: “Aqueles que cultivam a terra devem ideal- ‘mente ser eseravos, nem todos recrutadas de um s6 poyo, nem ardentes ro temperamento (de modo gue sejam laboriosos no trabalho e imunes 4 rebelifo), ou, nfo tio idealmente, servos barbaros de semelhante ea- iter” Era tipico do modo de produgio escravo plenamente desenvol- vido no ¢ampo romano que até fungées de administragio fossem dele- sgadas a escravos supervisores e feitores, que punham as turmas escra- ‘vas para trabalhar nas terras.}-O estado escravo, ao contririo da her- dade feudal, permitia uma disjungio permanente entre a residéncia eo rendimento; o produto excedente que proporcionava as fortunas da clas- se possuidora padia ser extraido sem a sua presenga na terra. A conexao ‘que unia oprodutor rural imediato eo apropriador urbano desua produ- ‘glo nao era um ago habitual, endo era mediada pela localizagao da pré- pria terra (coma ocorreu mais tarde na servidao adscritiva). Ao contri tio, era caracteristicamente o ato comercial ¢ universal da compra de ‘mercadorias realizada nas cidades, onde 0 comércio escravo tinha seus préprios mercados. O trabalho escravo da Antiguidade cléssica, por- tanto, incorporava dois atributos contraditérios em cuja unidade esti 0 segredo da patadoxal preeocidade urbana do mundo greco-romano. Por um lado, a escravidio representava a mais radical degradagao rural imaginivel do trabalho — a conversdo de seres humanos em meios inertes de producdo, por sua privagdo de todo direito social e sua legal assimilagdo as bestas de carga: na teoria romana, o escravo da agri- cultura era designado como sendo um instrumentum voeale, um grau ima do gado, que constituia um instrumentum semi vocale, e dois ima do implemento, que era um instrumentum mutum. Por outro lado, a eseravidio era simultaneamente a mais drastica comercializa- glo urbana corcebivel de trabalho: a total reduedo da individualidade do trabalhador a um objeto padronizado de compra e venda, nos mer~ cados metropolitanos de coméreio de mereadorias. A destinagio da (40) Police, VI x9. (LD A propria wbiqdidade do trabatho eseravo a auge do Principado e da Reps- ‘Stes rexponsives poofisonais ou administra, que por sua ver Taciitars 4 ber- lagto ea subseqienteintgragto do ihoe ds homens livre capacitados & lase dos ‘adios. Ese proceso no era tanto um palativo humanitirio da eeravidto elisicn, ‘as outro indice de abstongio radical da clase gorernante romana de qualquer forma de ‘abalbo prodtivo. mesmo do po exes. Cee PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISM 2B maior parte dos escravos na Antiguidade clssca era o trabalho agrério (isto nfo aconteeia sempre assim em todos os lugares; mas era este 0 caso, no eonjunto): sua reuniao, aleeagao e despacho eram normal- mente efetuados a partir dos mereados das cidades, onde muitos dees, claro, eram empregados também. Assim, a escravidio era o_vinevlo! «qe unia cidade © campo, para o desmedido beneficio da polis. Ela tanto mantinha a apricultura cativa que permitia o dramatico distan- ciamento de uma classe dominante urbana de suas origens rorais, quanto promovia ocomérciointerurbano que era o complemento desta asricultura no Mediterraneo. Os escravos, entre outras vantagens, fram um bem eminentemente mével num mundo onde os transtornos do transporte condicionavam a estrutura de ‘oda a economia.” Eles podiam ser deslocados sem dificuldade de uma regito para outra; po- diam ser treinados em muitas diferentes espeialzagSes: em épocas de abundancia de estoque,além disso, eles seriam para manter os eustos baixos onde trabalhadores contratados ou artifice estivessem traba- nando, por consttuirem uma fontealtemativa de trabalho. A riqueza 0 conforto da classe urbana proprietiria da Antiguidade cissica — fcima de tudo, a de Atenas ¢ Roma em seu apogew — repousavam sobre o amplo excedente que rendia a difusa presenga desse sistema de trabalho, que nfo deixava nenhur outro intact. O preso a pagar por esse esquema brutal ¢ Iuerativo era, con- tudo, alto. As rlagbes excravagistas de produgto determinavam alguns limites insuperéveis para as antigas forgas de produgdo na época clas- sica, Acimarde tudo, els tenderam a paralisara produtividade na agri- cultura e na indistria. Houve, naturalmente, alguns methoramentos ‘téenicos na economia da Antiguidade clissica, Nenhum modo de pro- dhugto esta totalmente despravido de progres material em sua fase discenidente, e o modo de produg&o escravo em seus primérdios regis- {vou alguns avangos importantes no aparethamento econémico desen- Yolvido no areabougo de sua nova divisto social do trabalho. Entre eles podem contar-se a disseminagao de mais lueratvas eulturas de vinho e furite, a introdugio de moinhos rotativs para cereas e a melhoria na {qualidade do pio, Foram eriadas as prensas de parafuso, o vidro so- pro se desonvolveu ¢ os sistemas de produgo de calor refinaram-se ‘“ combinagio de culturas, 0 conhecimento betiinico e a drenagem do {ampo provaveimente também progredizam.® Nao howve, portanto, (12) Weber, Aprarerhinisse im Altertum, pp-5'. (1) VorespectalmenteF. Kishle, Slavenarbir nd Tachnischor Fortschr Im imichon Reich, Wiesbaden, 1569, pp. 12414; 1. A. Mert, Grail and Flour in 2% PERRY ANDERSON uma parada téenica no mundo cléssico. Ao mesmo tempo, aio ocor- eu um enxame de invengdes que impulsionasse a economia antiga para forgas de produgo qualitativamente novas. Nada & mais impres- sionante, em qualquer comparacio retrospectiva, do que a estagnagao ‘técnica global da Antiguidade."* Basta contrastar 0 registro de seus oito séculos de existéncia — da aseensio de Atenas 4 queda de Roma — com a extensio equivalenie do modo de produgio feudal que the sucedeu, para perceber a diferenga entre uma economia relativa- ‘mente estiticae uma dinamica. Mais dramético ainda, naturalmente, era 0 contraste dentro do proprio mundo elissico entre sua vitalidade cultural e superestrutural e seu embotamento infra-estrutural: a teeno- logia manual da Antiguidade era exigua ¢ primitiva nao apenas pelos adrées exterros de uma Histéria posterior, mas sobretudo pela me- dida de seu proprio firmamento intelectual — o qual, em muitos as- pectos criticos, sempre permaneceu bem mais alto que o da Idade Mé- dia ainda por chegar. Hé pouca davida de quo a estrutura da economia escrava é que foi fundamentalmente responsavel por essa extraordind- ria desproporgio, Aristételes, para as eras posteriores o maior ¢ mais epresentativo pensador da Antiguidade, concisamente resumiu o prin- cipio social da época em seu aforismo: “O melhor Estado nao faré de um trabathader manual um eidadio, pois a massa de (rabalhadores ‘manuais é hoje eserava ou estrangeira”.* Um tal Estado representava ‘a norma ideal do modo de produeto escravo, nunca realizado em al- ‘guma formagao social concreta do Mundo Antigo. Mas sua légica es- ‘eve sempre intrinsecamente presente na natureza das economias clés- * Uma vez tornando-se o trabalho manual profundamente asso- ciado & perda da liberdade, no havia uma légica social livre para a imaginacio. Os efeitos sufocantes da escravidio sobre a téeniea no ‘eram uma simples fungao da baixa média da produtividade do trabalho escravo em si, 9u mesmo go volume de seu uso: afetavam sutilmente todas as formas de trabalho. Marx tentou expressar o tipo de aco que exerciam mume famosa, sendo eritica, f6rmula te6rica: “Em todas as ‘Gasca Antiquity Oxford, 1988; K. D. White, Roman Farming, Londres, 1970, pp. 123-124, 447-172, 188-191, 360-261, 452 (4) © problema feral €colocado enersicamente comn some, pr Finley, “Technical Imnovation and Beonomie Prog inthe Ancient World”, Economic History Review, XVII, n? 1, 1885, pp. 29-1. Para ¢ especfico arquivo histrice Jo Impero Romano, yer. W. Walbank, The Awful Revelation, Lverpodl, 1969, pp, 4-41, 46:47, 06-110, (03) Politic, I. v2 PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISM 2 formas de sociedad existe uma determinada >rodugho e suas relacies, ue atribuem a todas as outras produgées e suas relagbes seu aleance ¢ sua influéncia. E uma iluminacio generalizada na qual todas as outras cores esto mergulhadas © que modifica suas tonalidades especifica Bum éter especifico.que-define a gravidade especifica de tudo que se encontra dentro dele”.%* Os escravos da agricultura notoriamenie ti ‘nham pouco incentivo para executar suas tarefas econémicas compe- tente e conseienciosamente uma ver. relaxada a vigiléneia; seu emprego otimizado era em vinhedos ou olivais compactos, Por outro lado, mui- tos artifices e alguns plantadores entre os eseravos eram na maioria das vores notavelmente habilidosos, dentro dos ‘imites das téenicas que prevaleciam. O retraimento estrutural da escravidio na tecnologia, as- sim, nfo assentava tanto numa causalidade intra-econémica direta, ‘embora isto fosse importante em si, quanto na ideologia social mediata que envolvia a totalidade do trabalho manual no mundo cléssict taminando o trabalho contratado e mesmo 0 independente com o es-_, tigma do aviltamento.” © trabalho escravo em geral nao era menos“ Produtivo do que o livre, embora, na verdade, em certos campos isso ‘corresse; mas estabeleceu o ritmo de ambos, de forma que nenhuma arande divergéncia jamais se desenvolveu entre os dois num espago eco- nomico que excluia a aplicaggo da cultura & técnica para invengdes. © divércio entre o trabatho material e a esfera da liberdade era tao rigoroso que os gregos no tinham uma palayra em sua lingua nem ‘mesmo para expressar o conceito de trabalho, tanto eomo func&e so- lal, quanto como conduta pessoal. O trabalho na agricultura e o tra- balho artesanal eram supostas “adaptagdes” é natureza, ¢ nao trans- formagoes dela; eram formas de servigo. Também Plato implicita.»! mente exeluia os artesios da polis: para ele, “o trabalho permanece alhcio a qualquer valor humano e em certos aspeetos parece mesino a antitese do que seja essencial ao homem”."* A téenica, como uma ins- (16) Grundrisse der Krk der Poittchen Okonome, Bern, 1983, p.27. (1) Finley nota que palavra green pera, normalmente oposta a pousas como ‘Pobrera” para “riqueza, na verdade tinha o-mals anplo siguficde peorative de vidio” ov “sompusto 20 trabalho penoso”, e podiasbarcar mesmo petsperes ‘eqvencspropretrios, eno trabalho eala soba! mesma sombra cultura. M1, ran, The Ancient Fonomy, Londres, 1973, 9.41. P, Vernant, Mths ot Ponsie ches las Grae, Basi, 968, p- 192, 197199, nas de Vernant, “Proméée et la Fonction Technique’ e “Travail ¢ Nature dans a Grése Aacienne”, propercionam uinaanfe sul das diferenga entre ‘let 6 prass, ¢ das reagdes do cultvador, do artifice edo que empresana Shiro om «polis, Alexandre Koyrétentou uma vee argument que a estagnagto tenia 6a Hani gropa no era devia &presenga da esrevidio ai & desvaloviayto do traba 2% PERRY ANDERSON ‘rumentalizasto progressiva e premeditada do mundo natural pelo ho- ‘mem, era incompattvel com a assimilago em grande escala do homem ‘a0 mundo natural como seus “instrumentos falantes”. A produtividade cra fixada pea rotina permanente do instrumentum vocalis, que des- valorizava todo 0 trabalho pela exclusto de qualquer preocupacio com estratagemas para poupé-lo, A via tiplea para a expansao na Antigui- dade, para qualquer estado, era assim sempre um eaminho “Lateral” 4 conquista geogrifiea — e nilo o avango econdmico. A eivilizagao clissia foi, por conseguinte, de cardterj smente colonial; a ci- dade-Estado celular invariavelmente ge reproduzia, nas fases de ascen- fo, pelo povoamento e pela guerra.!O saque, 7 «ramos objetos centrais do engrandecimento, tanto meios como fina- lidades para a expansio colonial.|O poder militar estava mais intima ‘mente ligado ao erescimento econéihico do que talvez em qualquer ou- tro modo de produgdo, antes ou depois, porque a principal fonte do trabalho escravo eram normalmente prisioneiros de guerra, enquanto 0 aumento das :ropas urbanas livres para a guerra dependia da manu- tengdo da producao doméstica por escravos; os campos de batalha for- neciam a mic-de-obra para os campos de cereais ¢ vice-versa — os trabathadores capturados permitiam a eriagio de exércitos de cida- dos. Tr8s grandes ciclos da expansao imperial podem ser tragados na Antiguidade clissica, cujas sucessivas feigdes variadas estruturaraim todo 0 padirio do mundo greco-romano: 0 ateniense, 0 macedénice eo romano, Cada um representow uma determinada solugio para os pro- Dlemas politicos e organizacionais das conquistas de ultramar, que era integrada e ulrapassada pela préxima, sem que as bases subjacentes dde uma civlizagao urbana comum fossem alguma vez transgredidas. tho, mas & ausénca da Fisica, imposibiltads pela incapacidade de eplicar a medigdo Imatemiiea ao mundo teresa: “Du Monge de TA Pet Ps Aintree tn Prt sion”, Crigue, sdembro de 1948, pp. 806808. Fazendo ito, explictamente espe ‘aya critaruma exslanagto socolien do febmeno, Mas, come ee proprio implica, ‘iene admit em outro lugar, [dade Média também nao eacheca\« Pisce, embers tenha produzide una economia dinmica: no flo ineciro a eiénla, mas ocuro dat ‘elages de produgio que imprimiuodetin da tenia. u A Grécia (© surgimento das cidades-Estado helénicas na regio egéia é an- terior a verdadeira época eléssica e apenas seus esbogos podem ser vis- Iumbrados em fontes nfo-escritas disponiveis. Depois do colapso da civilizagio micéniea por volta de 1200 a.C., a Grécia experimentou uma prolongada Idade das Trevas na qual desapareceu a escrita e a Vida econdmica e politica regrediu a um estigio doméstico rudimentar: ‘0 mundo rural eprimitivo retratado nos épicas homéricos. Foi na época soguinte da Gréeia arcaica, de 800 « 500 2.C., que o modelo urbano da civilizagio clissica Tentamente se eristalizou. Algum tempo antes do jvento dos registros historicos, monarquias locais foram derrubadas ‘por aristocracias tribaise cidades foram fundadas ou desenvolvidas sob dominio destas nobrezas, A lei aristocritica na Grécia arcaica coin- idiu com o reaparecimento do comércio a longa distncia (principal- ‘monte com a Siria eo Oriente), os prentincios da cunhagem (inventada ‘a Lidia no século Vil) e a eriagao da escrita alfabética (derivada da fsorita fenicia). A urbanizagao prosseguia com estabilidade, derra- ‘mando-se além-mar pelo Mediterrineo e Euxino, até que so final do perfodo de colonizagio em meados do século VI ja havia umas 1500 c- dads gregas nas terras helénicas fora delas — nenhuma virtualmente ‘mals de 40 quilometros para dentro da linha da costa, Estas cidades ‘am exsencialmente-pontos de concentragio de agricultores e propre {rion de terras: na cidade pequena tipica desta época,_os cultivadores ‘lontro das murathas da cidade e safam. para trabalhar no campo manhiis, retomnando & notte — emboza o territbrio das cidades 0 ,_ TTT 0 PERRY ANDERSON sempre incluisse um perfmetro agrério com toda @ populagio rural ali instalada. A organizasto social destas cidades ainda refletia muito do ppassado tribal de onde haviam emergido: sua estrutura interna era arti culada por unidades hereditérias cuja nomenclatura de parentesco te presentava uma tradusao urbana das divises rurais tradicionais. Por. tanto, os habitantes da cidade eram normalmente organizados — pela jordem descencente de tamanho e inclusio — em tribos, fratrias e clas, sendo os “elas” exclusivamente grupos aristocrétieos e as “fra: ‘tias” talvezoriginalmente sua freguesia popular.' Pouco se sabe sobre 35 consttuigdes politcas formals das cidades gregas na era arcaica, jd 4que elas ndo sobreviveram a prépria época eldssiea — ao eontririo de Roma em semelhante estagio de desenvolvimento —, mas é evidente ue eram baseadas na lei privlegiada de uma nobreza hereditéria sobre © esto da populagdo urbana, ctipicamente exercida através do governo eum conselho aristocritico exclusivo sobre a cidade, A ruptura desta ordem geral ocorreu no ditimo século da era arcaica, com 0 advento dos tiranos (c. 680-510 a,C.), Estes autocratas sromperam a dominagio das aristocravias ancestrais sobre as cidadest eles representavam proprietérios de terra mais novos e riqueza mais recente, acumulada durante o crescimento econdmico da época prece. dente, ¢ estendiam seu poder a uma regido muito maior gragas a concessbes 4 massa sem privilégios dos habitantes das cidades. As tira: nas do século VI realmente constituiam a transigfo erucal para a polis cléssica, Foi durante seu periodo geral de predomindncia que as funy dagves militares e econdmicas da Grévia classica foram langadas. Os tiranos foram © produto de um processo dualista dentro das cidades helénicas do Gitimo periodo arcaico. A chegada de um sistema mone- trio ea disseminago de uma economia financeira foram acompanha. os por uri rapide aumento na populacdo ¢ no comércio da Grécia. A ‘onda de colonizagdo além-mar dos séeulos VIII ao VI era a mais Gbvia expressfo deste desenvolvimento; entretanto, a maior produtividade hnelénica das culturas do vinho e das oliveiras, mais intensiva que a cul. {ure contemporanea dos cereais, tena talvea proporcionado & Grécia ‘um relativa van‘agem nos intercAmbjios comerciais na zona do Medi terraneo.? As opertunidades econémicas proporeionadas por este eres: cimento criaram am estrato de proprietérios agrarios recentemente en. quecidos, saidos de fora das classes da nobreza tradicional e em eet (D A Andrews, Grevk Society, Londres, 1967, pp, 7682. (2) Ver a argumentagto em Wiliam MeNeil, Phe Rise ofthe West, Chicago, 1963, pp. 201,273 PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISM 31 tos casos provavelmente tirando benelicios de empresas comerciais auxiliates, A nova riqueza deste grupo nfo era acompanhada pot ne- ‘nhum poder equivalente na cidade. Ao mesmo tempo, o aumento da Populasao e a expansto equebra da economia arcaica provocaram ten- ses sociais agudas entre a classe mais pobre na terra, sempre mais propensa a ser degradada ou sujeita aos nobres proprietitios ¢ agora ‘exposta a novas pressbes eincertezas.? A pressis combinada do deseon- tenttamento rural da base e das fortunas recentes da cGpula forgaram & ruptura do estreito anel de dominio aristocratico nas cidades. A eon- seqQnets earacterstica das sublevagdes politicas resultantes nas cida des foi o surgimento de tiranos transit6rios no final do século VII e no século VI. Os préprios tiranos eram em geral rovos-rieos competitivos de considerdvel fortuna, cujo poder pessoal simbolizava o acesso do grupo social onde eram recrutados as honrase posigio na cidade. Sua Yit6ria, no entanto, s6 era possivel geralmente por causa da utilizagio ‘que faziam dos ressentimentos radicais dos pebres, e seu mais dura- \douro empreendimento foram as reformas econémicas, no interesse das classes populares, que tinham de admitir ou tolerar para garantirem © poxter. Os tiranos, em conflito com a nobreza tradicional, na reali dade bloqucaram o monopélio da propriedade agréria, que era a prin- cipal tendéncia de seu poder irrestrito e que esiava ameacando causar lum crescente perigo social na Gréeia areaica. Com a dnica excegdo da Dlanicie fechada da Tessilia, as pequenas propriedades camponesas fstayam preservadas e consolidadas por toda a Grécia nesta época. AS {ovmas diferentes em que ocorreu este processo tiveram que ser recons- Aiiuidas com base em seus efeitos posteriores, dada a falta de provas \locuinigntais do periodo pré-cléssico, A primeira grande revolta contra ‘:domindincia da aristocracia que levou a uma bem-sucedida tirania, ‘ivolada pelas classes mais baixas, aconteceu em Corinto.em meados do Ateilo VII, onde a famitia Baguiada foi despojada de seu tradicional Jjolor sobte a cidade, um dos primeiros centros de coméreio a florescer Js Gréeia, Mas foram as reformas de Sélon que proporeionaram 0 Inuls claro e melhor exemplo conhecido daquilo que era possivelmente ‘Algo como um padrao geral em seu tempo. Sélon, ele proprio ndo sendo {ui lrano,estava investido com o poder supreme para mediar as amar- {4s lls sociais entre os ricos e os pobres que irromperam na Atica na Were, Te Emergence o Grek Doe, Landes 1966 P55, BRR Neiaiatin ens crclscas secncs de hha Ahan at tin op BI cena Spr Se i 2 PERRY ANDERSON fa it cr sr priedades que dai em diante passaram a caracterizar 0 campo na Atica, Esta ordem econdmica foi acompanhada por uma nova adminis- Soteenee en amen Senna cpa (4) Mio certaque oampeinato pobre na Aca einer compost de re de propre de ss eras antes das flormas de Sion, Andie we ‘umn a ot mcs (Grek Sot. py. 106107, ma gre ga te Saan ni ral ribet do ra pr en, yon wes nin) ME il, The Ancon Grek, Londres, 1963 , 3, nce poli strato como de maior importancia para a independénela cconsen i. da Aiea do que arenas be Son 7 ae Ce PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISMO x priedade agréria modesta. Quase simultaneamente a este arranjo social nna era tirdnica, houve uma mudanca significetiva na organizagio mi- litar das cidades. Os exéreitos dai em diante se compunham essencial- ‘mente de hoplitas, uma infantaria pesadamente guarnecida que cons- tituia uma inovagio grega no mundo mediterraneo. Cada hoplita se equipava com armamento ¢ armadura as suas pr6prias custas — assim, tal soldadesca faz pressupor uma vida econémica razoavel, e, de fato, as tropas hoplitas vinham sempre da classe média agricultora das cida- des, Sua eficécia militar seria provada com as surpreendentes vitérias {gregas sobre os persas no século seguinte. Mas era sua posigo central dentro da estrutura politica das cidades-Estado que definitivamente eraomais importante. O pressuposto da posterior “democracia” grega, ‘ou da“oligarquia” ampliada, era uma infantar:a auto-armada. ~ Esparta foi a primeira cidade-Estado a incorporar os resultados sociais das operagdes de guerra dos hoplitas. Sua evolugio forma um curioso paralelo em relagio a Atenas na era pré-cléssica. Esparta nto tove uma tirania, ¢ esta omissio num episédio normal de situagto transitéria emprestou um eardter peculiar As suas instituigdes econd- ‘micas e polfticas, misturando feigSes arcaicas ¢ avancadas, numa con- figuragio sui generis. A cidade de Esparta conquistou uma porgiio relativamente grande do interior do Peloponeso numa époce primitiva, primeiro na LacGnia, para o leste, e depois em Messénia, para oeste, fe eserayizou o total dos habitantes das duas regides, que se tornaram hilotas do Estado, Este engrandecimento geografico e a sujeigao social ‘da populagio envolvida foram realizados sob um governo monérquico: [No decorrer do século VII, no entanto, a conguista inicial de Messénia ‘© a posterior represso de uma rebeligo tiveram como conseqiéncia ‘algumas mudangas radicais na sociedade espariana — tradicionalmente atribufdas a figura mftica do reformador Licuryo. De acordo com a len- da grega, a terra estava dividida em porgdes iguais, que eram distri- ‘uldas aos espartanos como kleroi, ou ltes, cultivados por hilotas, e que ‘oraim possuidos coletivamente pelo Estado; estas “antigas” propriedades nals tarde foram consideradas inalienAveis, enquanto tratos de terra Innis recentes eram julgados propriedade pessoal que poderia ser ven- did ov comprada.® Cada cidadio devia pagar contribuigies fixas ‘on exptcle pelos syssitia, releigSes fornecidas por cozinheitos e ser- (6) Arealidade de uma dvisto de eras eign, ca mesmo de uma inalieabil “le dow Alero, tem so posta em dvida: yer, por exempl, A. H. ML Jones, Sparte, ‘Oslo 196) pp. 44S. Andrenes, emboracautelos, dt mas eSito is crengas ate (0 Greek Sate, pp. 9498, au PERRY ANDERSON ‘ventes hilotas: os que se fornavam incapazes de fazé-lo automatica- mente petdiam a cidadania e se tornavam “inferiores", um infor- ‘tinio contra ¢ qual a posse de lotes inaliendveis por ter sido plane- jada de propésito, © resultado deste sistema era eriar uma unidade ‘oletiva intensa entre os espartanos, que orgulhosamente se designs: ‘vam como hoi homoioi — os "“iguais”, embora a igualdade econdmica ‘completa em tempo algum tenha chegado a ser uma feigio da verda- dcira cidadania espartana.’ sistema politico surgido das bases das propriedades klerot era ‘um sistema adequadamente novo para seu tempo. A monarquia jamais, desaparecen inteiramente, como aconteceu nas outras cidades gregas, ‘mas foi reduzida a um generalato hereditirio e restringida por uma dupla gestio, outorgada a duas familias reais.8 Em todos os outros aspectos, os “eis” espartanos eram apenas membros da aristoeracia, participantes sem privilégios especiais no conselho de trinta ancidos ou gerousia, que originariamente governavam a cidade; 0 tipico contflito ‘entre monarquia e nobreza no principio da idade arcaica foi aqui resolv do por um compromisso institucional entre ambas. Durante o século VII, no entanto, a classe cidada dos soldados-rasos chegou a constituir ‘uma completa Assembléia municipal, com poderes de decistosobrepoll- ticas a ela submetidas pelo conselho de ancitios, que se tornou, por sua ver, um corpocletivo; cinco magistrados ou éforos exerciam a suprema autoridade executiva pela eleicgo direta de todos os cidadios. A Assem- bigia podia set controlada por um veto da gerousia, ¢ os éforos eam dotados de uma excepcional concentrago de poder arbitrario. Mas a constituigdo espartana que assim se cristalizou na época pré-cléssica foi contudo a mais socialmente avangada de seu tempo. Ela representou nna verdade o primeiro direito de voto hoplita a ser efetivado na Grécia, Sua introduglo & muitas vezes datada a partir do papel desempenhado pela nova infantaria pesada na conquista ou no esmagamento da popu- lagi messeniana sujeitada, e Esparta passou a ser, dai em diante, naturalmente, sempre conhecida pela disciplina sem igual ¢ pelas proe- zas de seus soldados hoplitas. As excepeionais qualidades militares dos espartanos por sua vea eram uma fungdo do onipresente trabalho hi- Iota, que desimpedia os cidadios de qualquer trabalho direto na pro- (7 © tamanbo dos hoot qv conslldavam a solidariedade espartana tem sido muito asoutde, com extimativas Yavlando entre 20 ¢ 90 aces de tera cultrével: vee "Sporte and Her Soctel Problems, Amstrd-Prags, 1971, pp. S12. (6) Porawestratore da Consituiio,verJones, Sparta, pp. 1340, (©) Andeones, The Greck Tyrants, pp. 75-76. mal PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISMO as ugio, deixando-os livres para o treino profssional para a guerra em ‘tempo integral, O resultado foi um conjunto de uns 8 2 9 mil eidadtios espartanos economieamente auto-sufcientes 2 com direito de yoto poli fico, que era bem mais amplo e mais igualitirio do que“em qualquer aristocracia contempordnea ou qualquer oligarquiy’ postériot ne Gré= cia, Oextremo conservadorismo da formacio social espartana e do si tema politico na época cléssica, que o faria parecer decadent € atra- sado no século V, foi de fato resultado de suas transformagSes pionei- ras no século VII. Primeiro estado grego a chegar a uma constituigio hoplita, ele se tornou o ailtimo a modificé-Ia: © modelo primario da era arcaica sobreviveu até as vésperas da extingio final de Esparta, meio riléaio depois. Em outras resides, como ja vimos, as cidades-Estado da Grévia foram mais lentas para evoluir até sua forma cléssica. As tiranias eram fases intermedidrias necessérias de desenvolvimento: foram sua legis- lglo agraria e suas inoyagBes militares que prepararam a polis helé- niea do séeulo V. Mas foi preciso uma inovacao mais avancada e real- mente docisiva para o advento da civilizagie clissica grega. Esta foi, 6claro, aintrodugo em escala maciga da eseraviddo como bem mével. ‘A conservagio da pequena e média propriedade da terra havia resol vido uma erescente crise social na Alica e atredores. Mas, em si, ela lenderia a deter o desenvolvimento cultural e politico da eivilizagio igrega em um nivel “bedcio”, impedindo o aumento de uma divisto social mais complexa de trabalho e da superestrutura urbana. Comu- hidades camponesas relativamente igualitérias podiam-se congregar fisicamente em cidades; elas jamais poderiam criar uma luminosa civi- limigio citadina do tipo que a Antiguidade agora testemunhava pela [primeira vez em seu estado simples. Para isto era preciso um superdvit de trabalho escravo para a emancipacto de seu estrato governante ¢ a onistrugio de um novo mundo civico e intelectual. “Em seus ter- M05 mais amplos, a escravidéo era fundamental para a civilizagao 4 no sentido em que sua aboligéo € a substituigo do trabalho fe a alguém tal houvesse ocorrido, teria deslocado toda a socie ‘ade © syprimido 6'écio das classes mais altas de Atenas e Esparta.""® ‘Assim, nito foi por acaso que a salvagao do campesinato inde- Jponuente 6 0 cancelamento dos pagamentos dos débitos tivessem sido equidos prontamente por um novo e abusive aumento do uso do tra- 10) Anvtewes, Greek Society, p. 133, Comparaccom V. Enrenburg, The Greek ‘pats dient tera pode 078803 % PERRY ANDERSON batho escravo, no campo e na cidade da Grécia cléssica, Uma vez blo- _queados os extremos da polarizagdo social dentro das comunidades he- Linicas, era légico o recurso as importagdes de escravos para solucionar ‘a carfncia de m&o-de-obra para a classe dominante. O prego dos es- cerayos — tna maioria tricios, frigios e sirios — era muito baixo, nao ‘muito acima éo custo de um ano de manutengio;"! ¢ assim sua util zagio se tornoa generalizada na sociedade grega, a um ponto em que ‘mesmo os mais humildes artesdos ou pequenos agricultores podiam muitas vezes possui-los, Este desenvolvimento econémico havia tam ‘bém sido antexipado pela primeira vez em Esparta; fora a criagdo an- terior da massa rural hilota na Lacdnia ¢ em Messénia que permitiram ‘o surgimento da fraternidade servilizada dos espartanos, a maior popu- lagiio escrava da Grécia pré-cléssica e 0 primeiro dircito de voto ho- plita, Mas aqui, como em outros lugares, cada prioridade espartana etinha uma evolugo mais avangada: a classe hilota permanecia como ‘uma “forma nfo desenvolvida”,” pois os hilotas nao podiam ser com- ‘prades, vendidos ou manipulados e eram propriedade coletiva, mais do ‘que propriedade individual. A eseravidao como mercadoria, regida por juma bolsa de valores, foi introduzida na Grécia nas cidades-Estado ue seriam suas rivais, Durante o século V, 0 apogeu da polis clissica, ‘Atenas, Corinto, Egina ¢ virtualmente cada cidade de importancia, ‘continham. uma volumosa. populagZo escrava, freqilentemente. ultra: passando o nimero de cidadios livres. Foi o estabelecimento desta eco- rnomia de eseravos na mineragio, na agricultura ¢ na manufatura que permitiu o sibito florescimento da civiizaglo-urbana.grega. Seu im- ppacto, naturalmente — como visto acima —, ndo foi apenas econé- ico. “A escravidao, ¢ claro, nfo era simplesmente uma necessidade- econdmica, era vital a toda vida politica e social dos.cidadios.""" A ‘polis classica estava. baseada. na nova descoberta conceitual. da tiber= ‘dade, acarretada pela sistematica instituigdo da escravidto: o cidadao livre agora scbressaia plenamente contra 0 fundo de trabalhadores es: cravos. As primeiras instituigdes “democriticas” na Grécia. classi estto registradas em Quios, em meados do século Vi: a tradigao tam- ‘bém sustenta que Quios foi a primeira cidade grega a importar em grande escala escravos do Oriente barbaro." As reformas de Sélon er ‘Atenas havim sido seguidas por um brusco aumento na populagdo (AD Anénores, Greek Society, p15. {1D tine, Sparta and Fler Socal Problems, pp. 43-44. Os hilovas tab or sat sas propa fais em cota oases eram usados para 0 serigos militares (Un) Vieor Ehrenburg, The Greek Stare, p. 97. (4) Finay, The Ancient Grocks, p36. PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISM a ceserava a época da tirania;e isto por sua ver fora seguido por uma nova constituigdo legada por Clistenes, que aboliu as divisdes tribais tradi conais da populagéo com suas comodidades para a clientelaaristocré- tiea, reorganizou 05 cidadaos em demos tertoriais locais e instituiu a votagao por lote para um Conselho dos Quinhentos ampliado para pre- Sidir os neg6cios da cidade em combinaglo exm a Assembiéia popular. O séoulo V viu a generalizagio desta fSrmula politiea “proboléutica” nas eidades-Estado gregas: um Conselho menor propunha as decisbes piblicas @ uma Assembléia maior que as votava, sem direitos de ini- Ciativa (embora nos estados mais populares essa Assembléia viesse a receber tais direitos). As variagSes na composigio do Conselho © da ‘Assemblgia ena eleigo dos magistrados do Estado que conduziam sua ‘administragio definiam 0 grau relativo de “democracia’ ou “oligar- dquia” em eada polis. O sistema espartano, dominado por um eforado aiutoritério, era notoriamente antipoda ao ateniense, que vei a ser cen- iralizado na plena Assembléia dos cidadcs. Mas a linha bésica de ddemarcagio ndo passava por dentro da cidacania consttuinte da polis, no obstante ela estivesse organizade ou estatificnda: ela dividia a ck tiadania — fossem os 6 mil expartanos ou cs 45 mil atenienses — dos nho-tidadaos e cativos abaixo deles. A comunidade da polis clissiea, filo importava quao dividida em clases internamente, estava acima de luma forga de trabalho escravizada que suportava toda sua forma ¢ pubstfincia ssas eidades-Estado da Grécia cldssica estavam empenhadas em ‘onstante rivalidade uma contra a outra: « marcha tipien de sua ex: Dpanslo, depois do término do processo de.colonizagio.no final.do.sé- ule Vi, era. a conguista militar eo tributo. Com a expulsio das forgas porsas da Grécia no infcio do século V, Atenas gradualmente atingiu {im poder proeminente entre as cidades ccmpetitivas da bacia egéia. t limpério Ateniense que fora construfdo na geragdo entre Temistocles¢ Pérlcles parecia conter a promessa — ou ameaga — de unificagdo poli {ion da Grécia sob o governo de uma dnica polis. Sua base material era ‘proporeionada pelo perfil e situagio peculires da propria Atenas, ter Hiloral ¢ demograficamente a maior cidade-Estado helénica — apesar ide (or apenas uns 1 500 quilémetros quadrados ¢ talvez. uma populagao tie 280 mil habitantes, O sistema agrério da Atica exemplificava talvez tie manelra especialmente pronunciada 0 modelo generalizado da épo- toh Pelos padres helénicos, a grande propriedade cra uma herdade do W) « HO hectares.* Na Atica havia pouees grandes propriedades, ¢ (9) Foros, Phe Emergence of Grock Democracy, p46 38 PERRY ANDERSON ‘mesmo os ricos proprietiios possulam muitas pequenas exploragdes em ‘vez. de um latifindio concentrado. Propriedades de 30 ou mesmo 20 hectares estavam acima da média, enquanto as menores provavelmente nfo eram de muito mais do que 2 hectares; tr€s quartos dos cidadios livres possu‘am alguma propriedade rural pelo fim do século V."* Os ‘escravos prestavam o servigo doméstico, o trabalho no campo — onde cles caracteristicamente cultivavam as propriedades dos ricos no interior — eo trabalho artesanal; provavelmente eram excedidos em mimero pelo trabalho livre disponivel na agricultura etalvez.na manufatura, mas constituiam um grupo maior do que o total dos cidadios. No séeulo V haveria talvez.uns 80 a 100 mil escravos em Atenas, para uns 30 a 40 mil eidadacs.” Um tergo da populagao livre vivia na prépria cidade. A maior parte do restante vivia no interior imediato, em vilarejos. O ‘volume conjunto dos cidadaos era formaclo pela classe dos fas e a dos hoplitas, nas respectivas proporgées de 2:1 talvez, sendo os primeiros a classe mais pebre da populagio, que era incapaz de se auto-equipar para dever da infantaria pesada. A divisio entre hoplitas e tetas era ‘eenicamente uma divisao por rendimentos e nao por ocupacdes ou resi- ase social da polis.2 A superioridade monetéria e a naval deram margem ao seu imperialismo; ¢ igualmente foram elas {que promoverim sua democracia. A classe dos cidadaos ali era em grande parte isenta de qualquer forma de taxagio direta: a proprie- dade da terra, especialmente, que era limitada aos cidadaos, nao tinha nenhuma carga fiscal, uma condigdo critica da autonomia camponesa dentro da polis. Os rendimentos internos atenienses derivavam da pro- riedade do Estado, de taxas indiretas (como os impostos portuarios) ¢ financeiras obrigatorias oferecidas & cidade pelos ricos. fe era complementada por um pagamento pi- blico para o serviga juridico e amplo emprego naval, combinagao que ajudava a garantir 0 notdvel grau de paz civiea que marcava a vida (21) Sequado a tradi, foi tra dos mavinhsirosem Salamina que, em tr ros do iret pellaos, torney 8 esindicapes dos tetas iresistvels, como as camp rs doy soldages contra Messinia provaeimentehaviam outrora oblido para 08 ho- Diltsespastanor se drelto de voto PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISM a politics ateniense.® Os custos desta harmonia popular eram deslocados para a expansio ateniense do exterior. Z 0 Império Ateniense surgido na esteira das Guerras Pérsicas era cssencialmente um sistema maritimo, planejado para a subjugagio coercitiva das cidades-Estado gregas do Egev. A colonizagio propria- ‘mente dita teve um papel secunditio, seniio negligencidvel, em sua es- trutura,E significativa que Atenas fosse 0 inico estado grego a criar tuma classe especial de cidadios além-mar — ou “cleruques” —, a ‘quem cram dadas terras coloniais confiseadas dos rebeldes aliados no estrangeiro ¢, ainda assim, diferentemente do que ocorre em relagio a todos os outros colonizadores helénicos, detinham plenos direitos juri- ddicos em sua prépria cidade natal. A fundagio estivel de “‘clertquias” ce colbnias além-mar no decorrer do século V habilitou a cidade a pro- mover mais de dez mil atenienses da condigdo teta & condigao hoplita, ‘com a dotacio de terras no estrangeiro, for‘alecendo assim bastante seu poderio militar de um s6 golpe. O impacto do imperi hiiense, contudo, nio se deteve nestas colonizagies. A ascensio do po- ddr ateniense no Egeu criou uma ordem politica cuja fungio real era a de coordenar e explorar costas e ilhas j4 urbanizadas através de um sistema de tributo monetario cobrado para a manutengio de uma mari- ‘nha permanente, que era nominalmente o defensor habitual comum da liberdade grega contra as ameagas orientais e, na verdade, o instru- ‘mento central da opressto imperial de Atenas sobre seus “aliados” im 454 o tesouro central da Liga de Delos, criado originalmente para combater a Pérsia, fora transferido para Atenas; em 450, a recusa ate- ‘lense & dissolugto da Liga, depois da paz com a Pérsia, converteu- ‘ium Império de facto. A esta altura da década de 440, o sistema im- erial ateniense abragava umas 150 cidades — principalmente jéni- leks =, que pagavam uma soma anual em dinheiro ao tesouro central fom Atonas e eram proibidas de manter suas proprias frotas. O tributo ‘o(al do Império era avaliado como sendo 50 por eento maior do que os ‘endimentos internos da Atica, e sem divida financiou a superabun- inelacivica e cultural da polis de Pericles.” Internamente, a marinha pay por ele garantia emprego estivel para mais numerosa ¢ menos jprdporn classe de cidadaos; as obras puiblicas que financiou foram os tials notdveis embelezamentos da cidade, e entre elas se destaca o Par- (20) M1. Filey, Demcoracy Ancint and Modern, Londres, 1973, pp. 4S, 48 {0 er uid suns obsaevagdes om The Anciont Eeonoony. pp. 96,133 UNM Melgs, De Athonion Empire, Oxford, 197, pp. 182, 258-260 2 PERRY ANDERSON tenon. No estrangeiro, esquadrdes atenienses policiavam as éguas do geu,, enquanto os residentes politicos, comandantes militares e comis- sérios itinerantes asseguravam magistraturas déceis nos Estados sujei- tados. As cortes atenienses exerciam poderes de repressio judiciéria sobre cidadios de cidades aliadas suspeitos de destealdade.* ‘Mas 0s limites do poder externo ateniense logo foram alcangados. Ele provavelmente estimulou 0 comércio e as manufaturas no Egeu, ‘onde o uso do sistema da Atica estava estendido por deereto e onde a pirataria estava suprimida, embora os maiores lucros do ereseimento ‘comercial fossem acumulados pela comunidade meteca na propria Ate- nas, © sistema imperial também gozava da simpatia das classes mais pobres das cidades aliadas, porque a tutela ateniense geralmente signi- ficava a instalagdo de regimes democraticos localmente, congruentes com os da prépria cidade imperial, enquanto a carga financeira do ito eaia sore as classes mais altas.® Mas isto era ineapaz de reali- zar uma inclusio institucional destes aliados em um sistema politico unificado. A cidadania ateniense era tZo ampla em casa que era impra- ticdvel estendé-la no estrangeiro a ndo-atenienses, pois isto contradiria funcionalmente com a democracia dos residentes diretos da Assem- bléia, somente factivel dentro de um Ambito geografico muito pequeno. Assim, apesar das tonalidades populares agudas do governo ateniense, ‘a fundaeao doméstica do imperialismo de Péricles necessariamente ge- raya a exploragdo ditatorial de seus aliados jOnicos, que inevitavel- ‘mente, por sus vez, tendiam a ser avidamente langados a uma servidao ndo havia base para igualdade ou federago, como o teria permitida uma constituiglo mais oligérquica. Ao mesmo tempo, con- ‘tudo, a natureza democritica da polis ateniense — cujo principio era participagiiodireta eno a representagiio — impedia a criacdo de uma ‘miquina burcerdtica que poderia ter dominado um extenso império territorial através de uma coer administrative. Mal havia qualquer ‘aparato do Estado separado ou profissional na cidade, cuja estrutura politiea fosse basicamente definida por sua rejeigdo a corporacies de funciondtios especializados — civis ou militares — fora da cidadania normal: a democracia ateniense significava, exatamente, a recusa a (20 Mois, The Athenian Emoire, po. (G5 Esta dinpatia¢consincsntemente cemonstragn por G. EM. De Ste Croix, “TheChacactoro the Athenian Empire Hlstona, Bd Il, 19541855, pp. 1-41. Havia ‘Algunasclgargis lads na Liga de Delos ~ Mitlene, Quios ou Samos — e Atenas to ntervintasinematicamente as eidades que a constituiam; mas os conflitos lois ‘ram tpcamente usados come eportvaidades para establociment a forga de sists populares. 205-297, 215216 220.233, asa: PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISMO 6 qualquer divisio semethante entre Estado e sociedade.2* Assim, tam- ouco havia base para uma burocracia impetial. O expansionismo ate- niense, em conseqléncia, sucumbin relativamente cedo, por causa tanto das contradigSes de sua propria estrutura, quanto da resistencia, que isso propiciava, por parte das cidades mais oligarcas do interior da Grécia, lideradas por Esparta. A Liga Esparana possufa as vantagens opostas aos riscos atenienses: uma confederagio de oligarquias euja forga era baseada de maneira harmonizadora nos proprietarios hopli- tas mais do que numa mistura com os marinheiros deméticos, e cuja unidade dai por diante ndo envolvia nem tributo monetario nem mono- pélio militar pela propria hegemOnica cidade de Esparta, cujo poder Tepresentava, portanto, sempre intrinsecameate menor ameaga is ou- ‘ras cidades grogas do que o de Atenas. A fella de alguma porgio de terras interiores deixou o poder ateniense — tanto em recrutamento quanto em recursos — muito reduzido para resistir a uma coligagio de tivais terrestres,3€A Guerra do Peloponeso ecmbinou o ataque de seus Dares com a revolta de seus siditos, cujas classes abastadas reagiam as ligarquias do continente desde o comego da guerra, Mesmo assim, ‘0 ouro persa foi necessério para financiar uma frota espartana capaz de ferminar com o dominio ateniense do mar, antes que o Império Ate- niense fosse finalmente derrubado por terra por Lisandro. Depois disso jd nao houve mais oportunidade de as cidades helénicas gerarem lum estado imperial unificado a partir de seu meio interior, apesar de ‘sue relativamente répida recuperagio dos efeitos da longa guerra do Peloponeso: a prépria patidade e multiplicidade de centros urbanos na Gréoia neutralizava-as coletivamente para a expansio externa, As ci- dades gregas do séeulo IV mergulharam na exaustdo, enquanto a polis ‘lfissiea experimentava dificuldades crescentes nas finangas e no ser- vigo militar obrigatério, sintomas de um anacronismo iminente. (26) Para Evcnburg, eta sun grand ragusz, A identidade de Eta eo unde ee necessaramente ure conrad, pore o Estado devas singular, oe Mies iodide peranetasemare pra por xa ida em lamar, Pority Mam gue o Estado pacers reprodut ests divas sca (iparqua oa a soe ile nbsrero Estado (demerai) nenbuna da sls repptave une intone slo! que par el era inatrva, m conteghnn, amas cages se Mle dh destugo ems The Grck Stato, p. 8. Pare Sve Engcs entra Mahle bi canecsuctsat que repouars a gancee ca Sevoste ae (27 Un er slinhos dvs one ogugua¢Saemocruce os malo boxe lous is cits nro nu Cr cso mes Ilo riatos uo mar que preaasam em Atnar stam preeie emio s Me luo Jn, exgusnto o ano Adit tan O mundo helénico © segundo maior ciclo de conquista colonial derivou entio da periferia setentrional rural da civilizagdo grega, com suas maiores re- setvas camponesis e demograficas. O Império Maceddnio originou-se de uma monarquia tribal do interior montanhoso, uma zona retr6grada que havia preservado muitas das relagées sociais da Grécia p6s-micé- nica. O Estado real macedGnio, precisamente por ter sido morfologi- ‘camente muito mais primitive que as eidades-Estado do sul, nfo estava sujeito ao impasse ¢ assim mostrou-se capaz de ultrapassar seus limites na nova época de seu declinio, Sua base territorial e politica permitiy lumia expansio inernacional integrada, uma vez que era aliada a pré- pria civitizagao grega, bem mais desenvolvida. A realeza maced®nia era hereditaria, embora sujeita a uma confirmagto por uma assembléia militar dos guerreiros do reino. Toda terra era tecnicamente proprie- dade do monares, mas na pritica uma nobreza tribal mantinha pro- riedades nela e reelamava consangilinidade com o rei, formando um cireulo de “companheiros” reais que fornecia seus conselheiros e gover- nadores. A maioria da populagio era de camponeses rendeiros livres, € havia relativamente pouca eseravidao.’ A urbanizaggo era minima, 4 propria capital, Pela, era uma fundagao recente e frégil. A ascen. sto do poder macedénio nos Béleas, no reinado de Filipe Il, Ingo ob- {eve um impulso éecisivo com a anexagio das minas de ouro tracias — (0) NG. L, Hammond, A History of Greece to 322 B.C, Oxford, 1959, pp. PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISM 6 ‘© equivalente em lingotes as minas de prata da Atica no século ante- rios —, 0 que proporcionou & MacedSnia as indispensdveis finanyas para a agressio externa.? O sucesso dos exéreltos de Filipe na aniqui- last das cidades-Estado gregas e na unificagzo da peninsula helénica dovia-se essencialmente as suas inovagées militares, que refletiam a composicdo social distinta do interior tribal da Grécia do norte. A cavalaria — uma arma aristocrética, anteriormente sempre subordi- ‘nada aos hoplitas na Grécia — foi renovada ¢ ligada elasticamente & infantatia, enquanto esta perdia parte de seu equipamento pesado ho- plita para maior mobilidade e uso generalizado da longa langa em bac {alha, © resultado foi a famosa falange macedénia, flanqueada por ‘avalos, vitoriosa de Tebas a Cabul. A expansio macedénia, € claro, ‘lo se deveu meramente as capacidades de seus comandanies ou de Sus soldados, ou ao seu acessoinicial aos metais precosos. A precon- digo de sua irrupgl0 na Asia foi sua anterior absorcto da prépria Grécia. A monarquia macedOnia consolidava seus avangos na penin- sula pela criagdo de novos cidadios gregos e outros nas regies con. ‘uistadas e pela urbanizagto do seu interior rural — demonstrando sua capacidade para uma administragao territoria: expandida. Foi o im- Peto politico e cultural que adquiriu da integraséo dos mais avangados centros citadinos da época que the permitiu nuns poucos anos a bri. thante conquista de todo o Oriente Préximo sob Alexandre. Simboliea. mente a frota insubstituivel que transportava ¢ fornecia as tropas in. venciveisna Asia era sempre grega. O Império MacedOnio unitatio que cemergiu depois a partir de Gaugamela, estendendo-se do Adriftico 20 Oceano Indico, n8o sobreviveu ao préprio Alexandre, que morreu antes que the fosse dada qualquer estrutura institucional coerente. Os pro- blemas socisis administrativos, colocados por esta razRo, |é podiam ser vislumbrados a partir das tentativas de fusto das nobrezas maced3nia © Persa por casamentos oficiais: no entanto, deixou-se aos sucescores Providenciar solugdes. As lutas internas desses generais macedénios ‘opostos — 0s Diadéquios — terminaram com a divisto do Império em ‘quatro zonas, a Mesopotimia, o Egito, a Asia Menor e a Grécia, os trés Primeiros daf por diante geralmente ultrapassando o ditimo em impor. tineia politica e econdmica. A dinasta seléucida governava a Sitia © a Mesopotdmia; Prolomeu fundou o reino kigida no Egito; e meio século (2) Arends proporcionada peas minas de ouro da Tricia era maior do que 8 das ‘minas de prata de Laurion na Atice: Flippo Jf Macedone, de Arla Momigino, he rena, 1934, pp. 49:83, € 0 extudo mais cid sobre a primed fae de expaerio aaces linia, quem geral stra eatvamente pouca penuisa modems, PERRY ANDERSON depois, o reino atélida de Pérgamo tornou-se 0 poder dominante na Asia Menor. A civilizagio helénica basicamente foi o produto destas nnovas monarquias gregas do Oriente, Os Estados helénicos eram eriagBes hibridas, que no entanto de- ram forma a tedo 0 modelo hist6rico do Mediterr4neo oriental pelos séculos que seguiram. Por um lado, elas dominavam 0 mais grandioso surgimento de cidades-Estado visto até entdo na Antiguidade cléssica: Brandes cidades gregas se disseminavam, por iniciativa espontanea ou Patrocinio real, pelo Oriente Préximo, dai em diante a regito mais densamente habitada do mundo antigo, e helenizando solidamente as classes governantes locais onde estivessem,? Se o niimero destas funds ‘s0es era menor do que na Grécia arcaica, seu tamanho era infinita- mente maior. A maior cidade da Grécia elissica era Atenas, com uma populagao totalem torno de 80 mil habitantes no século V a.C. Os trés maiores centros urbanos do mundo helénico — Alexandria, At « Seléucia — devem ter tido uns $00 mil habitantes. A distribuigao das novas fundagdes era irregular, j6 que o Estado légida eentralizado no Egito desconfiava da autonomia de qualquer polis ¢ no apoiava mui- tas cidades novas, enquanto o Estado seléucida ativamente as multi plicava e na Asin Menor as nobrezas locais criavam suas proprias ci- dades imitando o exemplo helénico em outros Iugares.t Em todos os cantos estas novas fundagdes urbanas eram estabelecidas com solda- dos, administradores e meteadores gregos e macedénios, que chegaram ‘ constituir o esirato social dominante nas monarquias continuadoras. dos Diadéquios. A proliferacao de cidades gregas no leste foi acompa- nhada por um impulso nos negécios internacionais e na prosperidade comercial. Alexandre havia dilapidado o ouro real da Pérsia, investindo 4 reservas aqueménidas acumuladas no sistema de trocas do Oriente Priximo, financiando deste modo um abrupto aumento no volume das {transagdes comerciais no Mediterraneo. O padrio monetario da Atica ‘agora estava gensralizado através do mundo helénico, com a excegio go Egito ptolomaico, facilitando o comércio internacional ¢ o trans- Porte maritimo.s © caminho marftimo triangular entre Rodes, Antié- (9) A cusioria das pequenas idades nasa da base — pelos proprictérosloceis; ‘mas as mejores © mis importantes eram, naturalmente, fondagees ofisis dos nonce sgovernantesmacedivios. A. H. M, Joes, The Greek City from Alesen der to Instnon, Gxtord, 1980, pp. 2750 (a) Hara contaste entre as potas Igldae aelbucid, ver M. Rostortse, The ‘Sosia and Evonomic History of Hellnisie World, Oxfos, 18H. vol pp 476 cain yo, ©) FM Hetteeim, a Ancien Ezonomie History, rl Ceysen, 190, pill PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISMO ” quia e Alexandria se tornou 0 eixo do novo espago mercantil eriado pelo Oriente helénico. A atividade bancéria foi éesenvolvida pela adminis. {ragao lagida do Egito a niveis jamais ultrapassados mais tarde em toda | Antiguidade, O modelo urbano do Mediterraneo oriental foi estabe- lo com sucesso pela emigragdo ¢ exemplo gregos. E, ainda, ao mesmo tempo, as formagies sociais do Oriente Pré- ximo — com tradigses politicas ¢ econdmicas muito diferentes — resis- ‘iram impenetraveis aos modelos gregos no interior. Assim, o trabalho ‘escravo no chegou a se espalhar pelo interior rural do Oriente he- Ienico. Ao contrério da lenda popular, as conguistas de Alexandre niio eram acompanhadas pela escravizago em massa, © a proporgao da populagao escrava no parece ter aumentado de maneira aprecifvel hho rastro das conquistas macedOnicas.* Em conseqtiéncia, as rela ‘bes agrérias de produgo foram relativamente poueo afetadas pelo dominio grego. Os sistemas agricolas tradicionais das grandes culturas ribeirinhas do Oriente Proximo haviam associado proprietirios senho- ‘es, rendeiros dependentes e camponeses com a propriedade do solo, definitiva ou imediata. A eseravidio rural nunce havia sido econom! camente muito importante. As pretenstes reais a um monopdlio da lerra vinham de ha séculos. Os novos Estados helénieos herdaram este ‘modelo, bastante estranho aos da patria grega, e © preservaram com pouea alteraglo. As principais variagées entre eles eram relativas a0 ‘grau em que a propriedade real sobre a terra era verdadeiramente im- posta pelas dinastias de cada regio, O Estedo ldgida no Egito — a ‘mais rica e a mais rigidamente centralizada cas monarquias — exigia ‘entre suas reivindicagdes um monopélio legal de terra absoluto, fora dos limites das poueas polis. Os goyernantes ligidas arrendamn virtual- ‘mente toda a terra em pequenos lotes em contatos de curto prazo & um ‘campesinato miserdvel, a pregos exorbitantes diretamente pagos ao Es- ado, sem qualquer seguranga de posse e sujeitos a0 trabalho forgado na irrigagto. A dinastia sel€ucida na Mesopotamia e na Siria, ‘que dominava um complexo territorial muito maio: e mais irregular, nunca hhavia tentado um tio rigoroso controle da explorago agricola. As ter- ras reais eram concedidas a nobres ou administradores nas provincias, ealdeias auténomas de proprietérios camponeses eram toleradas, lado lec (6) Westermann, The Slave Systems of Grok and Roman Antiquity, pp. 28.1. (0) Para oma descr deste sistem, ver Rosny, The Socal and Eeonornlc History ofthe Hellenistic Word, wo. T, pp. 274-300; bd um exame salon das isias formas de uso do trabalho no Egit ligida em Formy Zanstmost y Vostochnom Shed Eemnomor'e llenstcheskovo Peioda, K.K. Zn e M.K, Twelve, Mosedu, 1583, wp. S702. w PERRY ANDERSON 4 lado com 0s rendeiros Jaoi dependentes, que formavam o maior vo- lume da populagdo rural. Significativamente, era somente na Pérgamo ‘tilda, mais ocidental dos novos Estados helénicos, que fiea imedia. {amente do outro Ido do Egeu da propria Grécia, que o trabalho es. eravo foi usado nas propriedades reais ¢ aristocraticas.® Os limites yoo. arificos do moio de producao pioneiro na Grécia clissica eram aqueles das regides adjacentes da Asia Menor. Se as cidades eram gregas no modelo, enquanto o interior per: ‘manecia oriental no padrio, a estrutura dos Estados que integravaan os dois lados era inevitaveimente sinerética, mistura das formas helénica & asiftca, em que o legado secular da tiltima era inequivocamente pre- dominante, Os governantes helénicos herdaram a poderosa iradigao utocritica dascivilizagées ribeirinhas do Oriente Préximo. Os monar- cas diadéquios zozavam um poder pessoa ilimitado, come seus prede- cessores orienta antes deles, Realmente, as novas dinastias gregasin- troduziram uma sobrecarga ideolégica no peso preexistente da autor dade real na rezito, com o estabelecimento da adoragio oficialmente seeretada de governantes, A divindade dos reis nunca foi uma doutrina do Império Persa derrubado por Alexandre: fol uma inovagao macedé- nia, ptimeiroinstituida por Ptolomeu no Egito, onde o antigo culto dos faraés existira antes da absorgdo pela Pérsia, © 0 qual dai em diante ‘naturalmente proporcionou um solo fecundo para a adoragio 20s sobe- ‘anos. A divinizacho dos monareas logo se tornou uma norma ideold- sica geral em todo o mundo helénico. © modelo administrativo dos novos Estados reais revelow um desenvolvimento similar — uma estruy ‘ura fundamentalmente oriental refinada pelos aperfeigoamentos gre- £05. O pessoal na lideranga civil e militar do Estado era reerutado entre s emigrantes macedSnios ou gregos e seus descendentes. Nao havia tentativa de realizar uma fusdo étnica com as arstocracias autéctones do tipo que Alerandre tinha imaginado um tanto superticialmente.® ‘Uma considerivel burocracia — o instrumento imperial que faltara tho completamente na Grécia clissica — foi eriada, com ambiciosas tare. fas administratvas distribuidas — acima de tudo, no Egito ligida, {6 Rostov, The Social and Beonomic History ofthe Hellenistic World, vol I p, 86,1106, 1188, [161, Or esravs também eram aimplamente empregadey ast ‘4s cindistins reals fe Pérgamo. Restovzevachou que continugsie« hater vee aden, incl de eseravos nas prépras terra reges durante t epoca helena op. cl. pps oe 626, 1127. (9) © cesmopottisme de Alexandre te sido exagerado com fre ‘sem provasisufientes; para una efetva erica atl feivindcegio, ver “Alesandes the Great and the Uniy of Mankind”, de E. Badan, emt Alexander the Great he Mate Problems, Cambridge. 1966, pp. 287-306, PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISM * ‘onde eabia por sucesso grande parte de toda a administracao rural e ‘econdmica. O reino seléucida sempre foi mas livremente integrado, ¢ sua administragao compreendia uma porgo maior de ndo-gregos do ue as burocracias atélida ou légida;? era também de eardter mais militar, como era adequado a sua vastidao, em contraste com os funcio- nitios escreventes de Pérgamo ou do Egito. Mas em todos estes Esta- dos, a existéncia de burocracias reais centralizadas se combinava com a auséncia de quaisquer sistemas legais desenvelvidos visando estabilizar u universalizar suas fungdes. Nenhuma lei impessoal poderia emergit ‘onde a vontade arbitréria do governanie era a \inica fonte de todas as decisbes piblicas. A administragao helénica no Oriente Préximo jamais ¢laborou cédigos legais unitérios simplesmente improvisando de acordo ‘com os sistemas de origem grega ou local, ¢ todos sujeitos a uma inter- {eréncia pessoal do monarca.*t Por isso mesmo, a maquina burocrética do Estado estava ja em si condenada a uma supremacia dos “amigos do rei", 0 grupo mével sempre cambiante de cortesios e comandantes que ram o séquito, o circulo mais préximo ao rei. A deformidade maxima dos sistemas estatais helénicos refletia-se na ausncia de quaisquer demonstrado na Italia © Espanha na metade do século II a.C,, concomitantemente com ‘ expansio romana no Mediterraneo ocidental e simboto de seu di- namismo rural. Gxito. da organizagio da produgio: agricola. em arande eseala pelo trabatho escravo foi a condigio primeira da con ‘Quist ecolonizagdo permanente das extensas errs interiores do Och dente e do Norte/A Espanha e a Gali junto com a Ilia permanece. ‘am as provineias romanas mais profundamente marcadas pela exer. vido até o final do Império|* O comércio grego permeara 0 Oriente — 13) L, A, Mort, Grain-Mils and Flour i Clasical Antiquity, Oxford, 1958, p.74, 108, 115-116, (1) Jones, "Slavery in the Ancient World, pp. 196198, Mais tarde Jones tenia ‘separara Gila, confinando as zona de mac alta desidade de eserviduo 4 Espasa ¢ Aidit: The Later Roman Empire I, pp. 90-794, Mas ma verdad ests Sto boss Fazbes ars sustentar seu julgamento origin. Calla do Sul em notade por sua prosimidade "iu ea ns estutura socal eecondmics, do primcito pera imp iio encsrava como sendo virtualmente wma extensio da penigsula — Zale ners ‘quam provincia, lia que uma provnca A hipStese dos atifndioscom trabalho ‘sravo na Gils Narbonense assim nos parece de confiaage, A Gilia do Norte, contas. undo com isto tina ume feigdo bem mal primitirae mato nenceurbanizada, Mas era Deisamente ana reeibo do Lodge. que explorist grandes reblites bec mo final do Impéro,expicitamente descritas em relatos comempordneax com levantes de ‘sravoscuras: vr a nota 82 deste cpttlo,Parece plats alinhar dal por dante & Giliaem seu todo com Espana ea Tia como uma das grandes eides de ecravara agceoa spaz de doming-las. AS rotas a) PERRY ANDERSON ‘ agricultura latina “abriu'”o Ocidente. Naturalmente os romanos fun- daram aldeias an longo das margens dos rios navegavels no Mediter- Faineo ocidental. A eriagto de uma economia rural trabalhada por es- cravos dependia da implantago de uma préspera rede de cidades que representassem os pontos terminals para a produglo de excedentes € seu principio estrutural de articulag2o © controle, Cérdoba, Lyon, Amiens, Trier e centenas de outras cidades foram construidas. Seu né- ‘mero jamais se equiparou ao da sociedade oriental mediterranea, muito ‘mais antiga e mais densamente povoada, mas foi bem maior do que 0 das cidades fundadas por Roma no Oriente. — Acxpansio romana na zona helEnica seguiu um curso muito dife rente de seu modelo assummido no interior celta do Ocidente. Por muito tempo ela foi mais hesitante e incerta, orientada mais para intervengdes bloqueadoras para conter grandes rupturas no sistema politico existente (Filipe V, Antioeo IND, eriando reinas dependentes em vez de provin- cias conquistadas.15 Assim, ¢ de se assinalar que mesmo depois da der~ rota do iltimo grande exército seléucida em Magnésia em 198, nenhum territério oriental tenba sido anexado por mais de cinqdenta anos; e nilo foi sentio depois de 129 a.C. que Pérgamo passou a administraga0 romana pacificamente, pelo testamento de seu leal soberano e nao por decisio senatorial, tornando-se a primeira provincia asiftiea do Impé- rio. Daf em diante, uma ver. inteiramente conhecidas em Roma as imensas riquezas disponfveis no Oriente ¢ os comandantes do exéreito tendo obtido podetes imperiais sempre erescentes no exterior, a agres: Silo tornou-se mais rpida e sistematica no séeulo I a.C. Mas os regimes republicanos geralmente administravam as provincias asifitieas lucra- tivas que os generais agora tomavam de seus governantes helénicos com uum minimo de mudanga social ou interferéneia politica, alegando havé-las “libertado" de seus déspotas reais econtentando-se com as ext- berantes taxas que a regido proporcionava. No houve uma introdugao ‘generalizada da escravido agricola difundida no Mediterraneo orien- tal — os intimeros prisioneiros de guerra escravizados eram enviados ao Ocidente para setem utilizados na prépria Italia. As propriedades reais eram tomadas per administradores romanos e aventureiros, mas seus sistemas de trabalho foram deixados efetivamente intactos. A principal inovagiio do govemo romano no Oriente ocorreu nas cidades gregas da regio, onde a qualificagao de proprietirio agora era exigencia para © exercicio de cargos municipais — para deixi-las mais de acordo (15) E. Badan, Roman fmperiliom inthe Late Republic, Oxford, 1968, yp, 2-12 contrast demodo atid as polteas romance no Oriente no Ocicente PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUEALISMO a ‘com as normas oligérquieas da propria Cidade Eterna; na pratica, isto lapenas den uma codificagdo juridica ao poder de facto das nobrezas Jocais que jé dominavam estas cidades."* Umas poucas coldnias urba- has especificamente romanas foram criadas no Oriente por César e Au- uusto para aecomodar proletarios e veteranos latines na Asia. Mas dei- aram mareas muito pequenas. Significativamente, quando surgiu luma nova onda de cidades construfdas sob 0 Principado (acima de tudo, na época de Anténio), estas eram essencialmente fundagdes gre~ gas, em conformidade com 0 anterior carter cultural da regio. Jamais hiouve alguma tentativa de romanizar as provincias orientais — foi 0 Ocidente que sofreu toda a forga da latinizagdo. A fronteira da lingua — que ia da Ilia a Cirenaica — demareava as duas zonas basicas da nova ordem imperial. ‘A conquista romana do Mediterrfineo nos do's diltimos séculos da Repiiblica e a maciga expansao da economia senatorial que ela promo- via eram acompanhadas na capital por um desenvolvimento superes- Lrutural sem precedentes no Mundo Antigo. Foi este o periodo em que ‘ legislag2o civil romana emergin em toda sua unidade e singularidade. Desenvolvido gradualmente de 3002.C. em diante, osistema juridico ro- mano tornou-se essencialmente preocupado com ¢ regulamentagao de clagies informais de contrato e permuta entre cdadios. Sua orien lagi basiea reside nas transagdes econémicas — compra, venda, alu: uel, contratos, heranga, seguranga — e nos agregados familiares — ‘matrimoniais ou testamentérios. O relacionamento péblico entre cida- iio e Estado e o relacionamento patriarcal entre c cabega da familia ¢ seus dependentes eram marginais ao desenvolvimento central de teoria f pritica legais; o primeiro, considerado mutavel demais para estar sujcito & jurisprudéncia sistematica, ao passo que o segundo cobria mais a esfera inferior do crime.” O verdadeiro esforgo da jurispru- déncia republicana nfo dizia respeito a nenhum destes casos: nao era a lei publica ou criminal, mas a lei civil administrando processos entre partes em disputa sobre propriedade, 0 que formava o peculiar campo ide seu notdvel progressa. O desenvolvimento de uma teoria juridica ge- ral como tal era inteiramente novo na Antiguidade. Nao era uma cria- io de funciondrios do Estado ou de legisladores praticantes, mas de juristas especializados e aristocréticos que permaneciam fora do pro (49) somes; The Crock Cie frm Aeron ho asin, pp-5-58, 1602 (1D Para uma argumentagho sobre osorgimento ea setureea da jursprudéncia tse perodo, vet FH. Lawson, "Roman Law", em J.P. Basdon (ed), The Romans, Tamas, 1968, pp. 102, 110 segs o PERRY ANDERSON propre de tengo, fornecendo opines ao judcirio em extn Tes ert apenas om ago quests de princi leg eden lado a materian de to Os juris epanicanes om ene ia Otic dcnvlveram wa sve de gues contestants indie de ats prvados de inlcdnbe conan sage tina tenia mats anata do que sstemddca ase sea ae mulatv ge seu taatho fo susnnent, pols pintne ee seis tra, dun ent orgniado de juruprusdnca cel ecco aa iment comico dat operates eomeca slis eres 8c trogto do stem npr mane, e basa tt ace cae exravio esi encontrou seu ele Juri aa cones aa comercial em antcedentes ofa! de Repbla, A ec Sa relat de nova fe romana fo bavane ade tengo do oneilo de propidadeabolta dominion uns ‘tum. Nonny sistema legal anterior jamais conhecees noe oe Sma Propiedad particular desqualitcsdt na Grice: Pose nso Eto, « poprldade sempre for lara, em aus see Coney cioadt deltas superits ou coterie owns atetoneese ee ts ond osigates referents cas Fla juapdénce reasen tela rina ve emscipou a propredascptnbe fe cakes iizagoesexiascas ou rates, desntends s aene ae, entra mer pose ~ DcOnTO facial de bom ex pogreanae bleno deta legal aces All de popreade mene te enone Sto multe sbstancial er maturainens dedicat piceseac toe cccrevos, representa dslgto coneinl pagina sea comerciatizada eda roca de mercedoras tank seme Suara oy mais amplo que o inperialemo republican toraata sect en mente come a lag gega fora a primcina sds © aks thst da iberdade do sntinuam pale Se congo Gres lathes, clisagto romana oe prmela atop noe js Propidade do expctoecondmico ba pone open ¢indcerencs Ae, de modo ger, precedera A propedade quiioay ne ago legal da economia exrava extent Ge Rome, ft oy ane tine avenb,desinado a sbronversomundoe Sesser eee thew (/A Replica dra a Roma seu Impti, eee emoticon {18) A inportncia desta realizago recebe a devidsfnfase no mettor estudo me- {ermo sobre a leiromans: H.F_lolowia, Mistrial Inrxueton n he Study of Rory ‘an, Cambriogy 992, pp, 142-143, 46, A completa propicdade prude oe, cae tei", por serum atibuto de cidadania romana como tal era brute, ate art nese a PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISMO 6 por suas proprias vitérias. A(oligarquia de uma Gnica cidade nao pode: ria manter 0 Mediterraneo unido numa politica unitéria — ela fora superada pela imensa escala de seu proprio éxito. O século final da conguista republicana, que levou legides ao Eufrates e ao Canal da Mancha, foi seguido por tensdes sociais em espiral dentro da propria sociedade romana — resultado iireto dos mesmos triunfos obtidos regularmente 14 fora, A agitagdo camponesa pala terra fora sufocada pela supressio dos Gracos, Mas tepetia-se agora cm formas novas ameagadoras dentro do proprio exército. O recratamento constante ha- via enfraquecido e reduzido invariavelmente toda a classe dos pequenos proprietdrios como tal: mas suas aspiragdes econdmicas continuaram & agora entcontraram expresso nas crescentes pressbes da época de Mé- rio em diante para distribuisio de terra a veteranos exonerados — os endurecidos sobreviventes dos a militares que caiam to pesada- mente sobre o campesinato romang/A aristocracia senatorial se bene ficiou imensamente dos saques financeiros do Mediterrineo que se su- cediam as anexagdes progressivas realizadas por Roma, formando for- tuna iimitndas em but, extort, tera eeeavs: mas ela nfo desejava absolutamente fornecer sequer uma pequena quantia ema com- Bliss Wso\dsdnra, far ras propre esses gamhos, de que jumais se ouvira Talar/Os legiondrios recebiam vil pagamento e eram bruscamente demitidos, sem indenizago alguma por longos periodos, de servigo nos quais no apenas arriscavam suas vidas, mas muitas vezes também perdiam suas propriedades na pétria, Pagar-Thes recom ppensas pela dispensa teria significado jogar taxas sobre as classes pos- suidoras, embora levemente, e isto @ aristocracia dominant se recu- sava a considerar. O resultado foi criar-se uma tendéncia dentro dos exéreitosrepublieanos posteriores a un desvio da Tealdade militar para fora do Estado, que era canalizada para os generais vitoriosos, que podiam garantir as pilhagens de seus soldados ou os donativos por seu poder pessoal. © vinculo entre legionério e comandante comegou de modo crescente « parecer-se com o que havia ene patrdo e empreyado a civil: a partir da época de Mérioe Sila, os soldados procuravam \ enerais para uma reabilitagdo econémica, eos generais usavam soldados para algum avanco politicd}Os exéreitos chegavam a set ntos de comanndantes populares eguerras eomecavam a se tor- wenturas particulares de c®nsules ambiciosas: Pompeu ne Bitinia, Crasto na Pirtia, César na Gilia determinavam seus préprios planos estratépicos de conquista ou agressio.” As rivalidades de faegbes que 09) A noridate dose desenvolvimento & efaiada por Balan, Roman Impe ration the Late Republi, p77 ha li | es « PERRY ANDERSON hhaviam tradicionalmente lacerado politicas municipais conseqdente- ‘mente foram transferidas a um estagio militar, muito mais amplo que os estreitos confins da propria Roma. O resultado inevitével foi a eclo- so de guecras civis em grande escala,/ Ao mesmo tempo, se a miséria dos eamponeses era o subsolo da turbuléncia e da desordem militar da iltima Repdblica, a condi¢to das ‘massas urbanas agugou intensamente a crise do poder senatorial. Com ‘ ampliagdo do Império, a cidade capital de Roma aumentou de tama- tho de maneira incontrolavel. A erescente evasio da populagéo rural era combinada a uma importagiio maciga de eseravos, para produzir uma vasta metrépole. Pela época de César, Roma provavelmente con- tinha uma populagio de uns 750 mil habitantes — ultrepassando ‘mesmo as maiores cidades do mundo helénico. A fome, a doenga ¢ a pobreza comprimiam as favelas apinhadas da capital, cheias de arte- siios, trabalhadores e pequenos comerciantes, fossem eles escravos, li bertos ou naseidos livres. \O populacho urbano fora habilmente mobi- lizado por nobres manipuladores contra os reformadores agrérios no séeulo II — operagio mais uma vez repetida com o abandono de Cati- lina pela pbe romana, que se deixou influenciar por uma propaganda oligarquicacontra um inimigo “incendiério” do Estado, tendo somente 0s pequenos proprietérios da Etriria permanecido fiéis até o fim. Mas este ndo seria o tiltimo desses episédios. Daf em diante, o proletariado Fomano parece ter escapado irreversivelmente & tutela senatorial, e se tornou cada vez mais ameagador e hostil a ordem politica tradicional no transcorrer dos iltimos anos da Repiiblica. Dada a virtual auséncia de qualquer forga sblida ow séria de policia numa fervilhante cidade de trés quartos de milhao de habitantes, a pressfo imediata de massa ue os tumultos urbanos podiam exercer em crises da Repiiblica era considerével. Orquestrado pelo tribuno Cl6dio, que armou setores dos pobres da cidade nos anos $0, o proletatiado urbano obteve uma dis- tribuigho gratuita de cereais pela primeira vez em 53 a.C. — a partir dal fato permarente na vida politica romana: o nimero dos recebedores ha- via subido para 320 mil por volta de 46 a.C. Algm disto, foi oclamor po- ular que deu a Pompeu os comandos extraordinérios que puseram ‘em movimento a desintegragao militar final do Estado senatorial; o en- tusiasmo pepular por César que o tornou tio ameagador para a aris- tocracia uma década mais tarde; ¢ foi a amavel acolhida popular que garantiu sus recepedo triunfante em Roma depois de cruzar 0 Rubicio. Apés a morte de César, mais uma vez foi a bulha popular pelas ruas de (20) P. 4. Brunt, “The Roman Mob", Past and Present, 1966, pp. 9-16 PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISMO @ How devido a auséneia de um seu herdeiro que forgou o Senado a pes ily 4 Augusto que aceitasse poderes consulares e ditatoriais em 22-19 WC, que foio sepultamento definitivo da Repiblica. / Finalmente, e talvez o mais fundamental de tudo, o imobilismo uloprotetor ¢ 0 mau governo fortuito da nobzeza romana na adminis ‘qugho de seus preceitos sobre as provincias a tornavam cada vez mais npropria para dirigir um império cosmopolita. Seus privilégios exclu fvos eram incompativeis com qualquer uniticagdo gradual de suas con- aquisias de além-mar, As provincias como tais ainda estavam por de- ‘mais desamparadas para impor qualquer séria resisténcia a seu egofs- ‘myo voraz. Mas a prépria Itélia, primeira provincia a atingir a paridade fivion formal depois de uma violenta rebeliac na geragao precedente, hilo estava. O povo italiano ganhara integragio juridica & comunidade romana, mas até agora nfo pudera romper o cfreulo interno do quadro ‘do poder senatorial. Com a explosao do dltimo ciclo das guerras civis fonlte os triinviros, sua oportunidade para uma intervengao politica \ecisiva havia chegado. A nobreza provincial da Ita reuniu-se « AU- {yuslo, autoproclamado defensor de suas tradigbes e prerrogativas con: {1 0 orientalismo sinistro e remoto de Marco AntGnio e seu grupo." Fol sua adeséo & causa dele, com 0 famoso juramento de fidelidade por ‘ora Talia no ano 32 que assegurou a vit6ria de Atio, E signi- fieativo que cada uma das trés guerras eivis que determinaram o des tino da Repiblica tenka seguido o mesmo padrio geogrifico: foram lodas yeneidas pelo lado que controiava o Ocidente, e perdidas pelo que estava baseado no Oriente, apesar de seus muito maiores recursos ¢ Fiqueza. Farsala, Filipi e Atio foram tutas sustentadas na Grécia, 0 posto avangado do hemisfério derrotado. O ceatro dinamico do sistema ‘imperial romano mais uma vez mostrou estar no Mediterraneo ociden- lal, Mas, considerando que a base territorial original de César fossem 4s provineias barbaras da Galia, Otaviano forjou seu bloco politico na prOpria Itilia— e sua vitéria, em conseqiiéncia, provou ser menos pre- toriana e mais duradoura, ‘Onova Augusto acumulou o poder supremo unindo atris de si as ‘iltiplas forgas de deseontentamento e desintegrago dentro do tltimo priodo da Repdblica, Foi capaz de reunir uma desesperada ralé urbana ‘© camponeses reerutados exaustos contra umaelite dirigente pequena e ‘odiacla, cujo conservacionismo opulento a expunha a um desprezo por 1) © papel da case propre alana nascent de Augus ao poder Andon omas crs docads mat tamona ae proce: R Sys, The Raman Reo It Ofer, 196 pp. 8 286250, 388395, 384,33 8 PERRY ANDERSON ular ainda maior: acima de tudo, ele confiaya na pequena nobreza rovinciana da Itilia que agora visava sen quinhto no quadro e nas hhonras do sisema que havia ajudado a construie, Uma estavel monar- quia universal emergiu de Atio, pois sozinha ela podia superar o es- treito municipalismo da oligarquia senatorial em Roma. A monarquia ‘macedénia fora epentinamente superposta a um vasto continente al nigena e falhara em apresentar uma classe governante unificada para governéla post facto, embora seja possivel que Alexandre estivesse ciente de que este fosse o problema estrutural central que a situagao apresentava, A monarquia romana de Augusto, por outro lado, chegou za hora certa, nem cedo, nem tarde demais: a passagem critica da ci dade-Estado ao império universal — a transiglo cilica familiar da An- Sguidadeelisien — foi reaizada com mareante dito sob 0 Princ- ado. As tenstes mais perigosas da diltima Repiiblica agora eram ali- viadas por uma série de polfticas astutas, planejadas para reestabilizar toda a ordem social romana. Em primeiro lugar, Augusto forneceu lotes de terra 20s mithares de soldados desmobilizados depois das guer- ras civis,Financiando a muitos com sua fortuna pessoal, Estas doages = como as de Sila antes dele — eam em sua maioria as custas de outros pequeros proprietarios, que eram expulsos para dar espago aos veteranos que retornavam, © conseqtientemente pouco fizeram para ‘melhorar a situagio social do campesinato como um todo, ou para al- terar 0 modelo generalizado da propriedade agricola na Ttélias2 mas efetivamente elas apaziguaram as demandas da minoria critica da classe camporesea armada, a fatia principal da populacio rural. O Pagamento pelo servigo ativo jé fora dobrado por César, aumento antido sob o Principado. Mais importante ainda, do ano 6 em diante, Eaten oe ir tte + See ae or Augusto tem: leva multas interpreta diferentes. Jones acrdia gue ieee nee ae ee saratianaiee satis aeotenerraeremnee eae cosa cea ee Sis mesth esos ane carrageenan oor need me eee DIST senate creme ae PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISMO. « su veleranosrecebiam normalinentereeompessas em dinheiro quando thonernos, no valor do slo de teze anos, que eram pagos Por um Jeu militar ciado especialmente para iste financiado por vendas Inniesis por taxas de heranga das classes propretrias da Tia, A fligarguia senatorial resistra até o fim a tals medidas, desejando sua High: mas com inicio do novo sistema, a dsciplina ca lealdade follaram ao exéreto, que foi adaptado de 50 para 28 leites e conver {ido numa forga profissional permanente.” O resultado foi tomar pos- fel a mais siqifcativa mudanga de todas: o reerutamento foi sus fenso ao tempo de'Tibério,aliviand desta meneira a carga secular dos flequonos proprietérios italianos que provaccra um Uo grande soft fetta sob a Repablica — ese talver um besefcio mais tangvel que {qualquer um dos projetos de lots de tera. Na capital, o proletariado urbano foi apaziguado com bigdes de cereais, que novament subiram de nivel em relagdo& época ‘We César, que agora estavam melhor garantidas desde-wincorporagio ‘dos celeiros do Egito ao Império. Foi langado um ambicioso programa tievonstrugio, que du consideravelemprego aos plebes, eos servos, Inunieipais da cidade melnoraram muito cox x eriayfo de corpo de Hombelos efornecimento de &gua efetivs. Ao msm tempo, dal em ilane as cortes pretorianas ea policia urbana fcaram sempre postadas fa Roma para dominar tumultos. Enquantoisto, as fortulta e dsen- freadas extorstes dos coletores de inpostosrepublicanos nas provincias tm dos pores abusos do antigo exime — faram defasadas foram fubwtituidas por um sistema niforme de trivuos sobre a terrae c piltagies baseados em recenseamentos exatos: aumentaram os rendi- fentos do Estado central eas repiesperifrica 6 rifosofiam mais as pilhagens dos publicanos. Os overnadores provincia dai por diane r- (chia sliiosregulares, O sistema jucirn fi revisado pera expan- Mliramplamente suas faiidadesepelatiries contra as decsbesarbitr- iss, tanto para os Htallanos, quanto para os provincianos. Foi eriado lim serigo postal imperial para unir as vastts provincias do Império por meio de um sistema regular de comunicsgbes pe primeira vez Fram instladas coldnias © municipalidadesromanas e comunidades Iatnas em reuiesafatadas com grande concentragdo nas provincias 2 Ccidente, Apos uma geragto de guerras eiviscestrutvas, fol rstaurada {par domestica c, com ea, a prosperdade das provincia, Nas fron- tclas,o Grito da conduistae integraglo dos corredores critics entre distri- (23) Jones, Aupusas, pp. 110-11 ess (OA) Tones, Auustas, pp. 9596, 17120, 129-10, 10-14, ~ PERRY ANDERSON leste e oeste — Rétia, Norica, Pandnia e liria — completaram a uni- ficagto geoestratégica final do Império. A Ilia, em particular, passou a ser dai em diante o elo militar central do sistema imperial no Medi terrane. Dentro dos novos limites, 0 advento do Principado significava a Promogio de fumilias municipais italianas as fileiras da ordem senato- rial e a mais aka administragao, onde agora formavam um dos bastices do poder de Augusto. O préprio Senado ja nl era mais ¢ autoridade central no Estado romano: nio era desprovido de poder ou de prestigio, ‘mas, dai por diante, um instrumento geralmente obediente e subordi, nado de sucessivos imperadores, revivendo politicamente apenas du. rante disputas dinasticas ou a intervalos. Mas, enquanto o Senado era, ‘como instituigdo, apenas a casca majestosa de sua aparéncia anterior, ‘4 propria ordem senatorial em si — agora purgada e renovada pelas reformas do Principado — continuava sendo a classe governante do Império, dominando amplamente a méquina do Estado imperial mes- ‘mo depois que as nomeagses de cavaleiros se tornaram normais para lum maior nimero de cargos. Sua capacidade de assimilagao cultural ¢ ‘ideol6gica de recém-chegados em suas fileiras era notivel: nenhum re- bresentante da velha nobreza patricia da Republica jamais dew uma "xpressio to poderosa a sua visio de mundo quanto Técito, 0 ou. {ora modesto provinciano da Galia do Sul, a0 tempo de Trajano, © oposicionisn:o senatorial sobreviveu por séculos depois da cria. 20 do Impéric, em muda reserva ou recusa a autocracia instalada pelo Principade. Atenas, que conhecera a mais livre democracia do ‘Mundo Antigo, nao produziu teéricos on defensores importantes desta, Roma, paradoxal mas logicamente, que no conhecera nada senio uma oligarquia estreita e oprimente, deu & luz as mais elogiientes odes 4 liberdade da Antiguidade. Nao houve um verdadeiro equivalente ‘srego ao culto latino da dibertas, intenso ou irdnico nas paginas de Ch. cero ou Tacito." A razto é evidente na estrutura contrastante das duas sociedades eseravagistas. Em Roma, nao havia um conflito social entre 25 Syme, Te oman Reluion, p90. ena de Avs de congisat Gemini a epee qu mats etnies mo pat sane Sa hese do Bilin fl um malogo eo imparted eae hee evi ater dla ao sono deepen poe Fae sare rene kos bin eaaepos romps toe peel ne ee Wale The Geren Pl ef Augusta, Oto 972 oh E13. TOAST ase (35) "Para cigs vain det conic. es Ch Wine esa ‘Pea est Rae tar the Late Repl ond Eos pre Cae i a as lpi da lier tare Cro auanas Sear eo abi an nla Sensor pe de Ties Winns PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISMO " Iiteratura ¢ politica: poder e cultura estavam concentrados numa aris- (oeraeia compacta sob a Repdblica e o Império. Quanto mais restrito fun o cireulo que gozava da liberdade municipal caracteristica do Mundo Antigo, mais pura era a reivindicagio de liberdade que legou & Posteridade, memorévele formidével ainda Inje, transcorridos quinze Meulos. O ideal senatorial de Hibertas, foi, & caro, suprimido ¢ negado Vola aulocracia imperial do Principado, ew fesignada aquiescéncia das _ ‘sses proprietérias da Italia ao novo regime foi a estranba feigia da ‘Ain propria dominagio na época que se seyuie. Mas a liberdade nunca ‘Mhoyou a Ser completamente anulada, pois a estrutura politica da mo- ‘urquia romana que agora abarcava todo © mundo mediterranco ja- ‘nis foi a mesma das monarquias do Oriente grego que a preceder Estado imperial romano estava apoiado num sistema de leis ‘ilo nosimples eapricho rea, e sua administragio pdblica nunca inter- fori muitorna estrutura legal basica deixada pela Repiibliea. Na ver~ ‘hci 0 Principado peta primeira vez clevoujuristas comanos-a posigbes ‘ficiais dentro do Estado, quando Augusto selecionow-jurisconsultos piveminentes como consultores e conferiu autoridade jmperial As suas Interpretagdes da lei, Por outro lado, os proprios imperadores deveriam dia em diante logislar através de edits, sentengas e decretos em res- posta a petigbes deindividuos. O desenvolvimento de um direto piblico ‘uloertico por meio de decretesimperiai, & claro, tornou @ legislagdo Fomana mito mais complexa do que sob a Repablica. A disian- ci politica entre o legum servi sumus ut liber esse possimus (“Obede- ‘emos as leis para que possamos ser livres") de Cicero eo quod principi placuit legis habe vicem ("A vontade do governante tem forga de lei") {lo Ulpiano fala por si.”” Mas as doutrinas-chave da li civil — acima de todas, as que regiam as transagdes econémicas — foram deixadas subs- {uncialmenteintactas por esta evolugio autoritéria da ei pablica, que tn geral nfo ultrapassavam o dominio das rages entre cidadios. As lasses proprietérias continuavam a estar jurieamente garantidas em In as conotagdescontrastantesdefbertaseeeutheria, pp. 13-14. A tims estar asso. ul da de governo pope: amis fol corpative om a dghidade aistocritea gue fs nseparivel da primeite,e assim nde recebou honvas compardvis no peasament9 polo da Grecia, z (21) importante nto anedatar ae sucessivas fate nesta evolvgto, A’ maxima ‘chia de odes us es durante o Prineipado, masque ce p>dern caneclar esas rests Sie dsponas era pesvellegalmente. Fo somente sob 0 Senbori que fase ches a ‘iquirt um siguiicado mais amplo. Ver Jlovie, Histonoa! Introduction 10 he Study (Ronan Lane. 337 n PERRY ANDERSON suas propriedades pelos preceitos estabelecidos na Repiblica. Abaixo deles, 0 direito criminal — destinado basicamente as classes baixas Permanecia t20 arbitrério ¢ repressive como sempre tinha sido: uma Protesao sociel para toda a ordem governante, O Principado pre- servava assim o sistema legal cléssico de Roma, enquanto superpunha a ele os novos poderes inovatorios do imperador no campo da Iei pi- blica. Ulpiano foi o ditimo a formular a distingdo que articulou todo o Corpo juridico sob o Império com uma clareza caracteristica: o direito privado — quod ad singutorum utilitatem pertinet — estava especial mente separada do direito piiblico — quod ad statum rei Romanue spectat. O prinieito nio sofreu um eclipse real com a extensio do al- timo Foi reaimente o Império que produzia as grandes sistematiza. ‘Ses da jurisprudéncia civil no século III no trabalho dos prefeitos dos Severos Papiniano, Ulpiano ¢ Paulo, que transmitiram o direito ro. mano como wm conjunto codificado as eras posteriores. A solidez © a estabilidade do Estado imperial romano, tao diferentes de qualquer coisa que o mundo helénico produziu, estavam enraizadas nessa he- ranga. A histéris subseqiiente do Principado foi muito a da crescente “provincializagio" do poder central dentro do Império. Destruido o ‘monopélio da fungdo politica central que desempenhava a aristocracia Tomana, um processo gradual de difusto foi incorporando no sistema imperial um efreulo eada vez maior de membros das classes fundidrias Ocidentais de fora da Itélia.” A origem das sucessivas dinastias do Principado ¢ um registro franco dessa evolugao. A casa patricia romana dos Tilios e Cléudios (de Augusto a Nero) foi seguida pela linha italiana ‘municipal de Flivio (de Vespasiano a Domiciano); a sucesso passou ent2o a uma série de imperadores de origem espanhola ou da Galia do Sul (de Trajano a Marco Aurélio). A Espanha e a Galia Narbonense foram as mais antigas conquistas romanas no Ocidente, cuja estrutura Social conseqtientemente era a mais proxima da propria Itflia, A com- osigdo do Senaco refietia muito este mesmo modelo, com uma entrada ccreseente de digritérios rurais da Itilia Transpadana, da Galia do Sul © da Espanha Mediterranea, A unificago imperial que Alexandre so- nahare outrora foi simbolicamente realizada na época de Adriano, o (25) Netucalnente, os imperadons ingivduat learamentefortunassenatriais. Tals extorsbeseram a mares vine goveenncte ‘Sector pls aisoericia; mas elas nio adquftram uma forma conta ou nsatuces ‘al endoaftaram substancialmente a natureeacoetva da clase propre, 2) Symo, Tacitus, 1, Onfrd, 1938, pp. S85-606, documenta acensto dos rovinciis no prime secu do Impéri como Noto confissertm arbi- PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISMO » Drlineiro impetador a viajar por todo seu imenso dominio de ponta a Ponta em pessoa, O império foi consumado formalmente pelo decreto tio Caracala de 212 d.C., que concedia a cicadania romana a quase \orlos os habitantes livres io Tmpério, A unificagio politiea ¢ adminis- Ltwiva foi equiparada pela seguranga externa e prosperidade econd- Inlea, O reino décio foi conquistado e suas minas de ouro anexadas, fs fronteiras asiéticas foram estendidas e ccnsolidadas. As téenicas luysicolas e artesanais foram ligeiramente aperfeigoadas: prensas de Hpatafuso favoreciam a produgao de leo, maquinas misturadoras sim- Plificavam a manufatura do pio, disseminou-se © vidro soprado.® ‘Avima de tudo, a nova pax romana foi soguida por uma onda vivida de ‘ivalidade municipal e embelezamento urbano em virtualmente todas tx provincias do Império, explorando a descoberta arquitetural do arco da abobada feita por Roma. O periodo antonino talvez tenha sido o ‘apoxeu: da construgao de cidades na Antiguidade, © crescimento eco- ‘nomico era acompanhado pelo florescimento da cultura latina no Prin ipado, quando desabrocharam a poesia, a histéria e a filosofia depois ds relativa austeridade intelectual e estética da primeira Reptiblica, Hista foi uma idade de ouro para oiluminismo, 28s palavras de Gibbon: ‘0 periodo na Histéria do mundo durante 0 qual a condigtio da raga Wumana foi a mais feliz e préspera”. Por uns dois séculos, a trangiila magnificéncia da civilizagao ur- ‘bana do Império romano escondeu os limites sabjacentes e as pressbes in base produtiva sobre a qual repousava. Ao contririo da economia {ous que.o-seguiu, mode de producto eseravo da Antiguidade ndo \inha wm mecanismo interno natural de auto-reproduglo, porque sua forga de trabalho nunca poderia ser uniformemente estabilizada dentro ilo sistema. Tradicionalmente, o suprimento de escravos dependia muito das conquistas estrangeiras, é que os prisioneiros de guerra pro- Yvavelmente sempre haviam proporcionado a principal fonte de trabalho servil na Antiguidade. A Repiiblica saqueara todo o Mediterraneo para ‘ohter sua mio-de-obra, para instalar o sistema imperial romano. O Principado deteve uma expanso maior nos tréssetores remanescentes disponiveis para um possivel avango — a Germinia, a Dicia ¢ a Meso- poldimia, Com o encerramento final das fronteiras imperiais depois de (G0) F. Kochi, Shievonarbeit und Pecnacher Procite wp 20460, 109-10. (ivr de Kiechletm'oobjetino de refvar as feces martisas da ceravito na Antic uidades mas, de fata, a evidéncas por ele feunida, a quis dd wna iaportncia tm Tame exagerada, nada apzesentay de era tos chnones do materi i (1) The story ofthe Dechinand Fllofthe Roma Empire. p78. 1” PERRY ANDERSON Trajano, 0 pogo de eatvos de guerra inevtavelmentesecou, O negéci de eseravos a nivel comercial nko podia compensar as defiidneias que dist resultarar, pois sempre fora amplamente parasitrio das opera: ra formagio de seus estoques. A periferia bérbara ‘Junto ao Império continuow a fornecer escravos, comprados por mer- ‘adofes nas froateras) mas no em nimero suiciente para resolvet 9 problema do abasiesimento em condigBes de paz. Como resultado, os pregos comiecaram a subir Muito; nos séculos Te I d.C., estavam umas. ito ou dez vezes acima dos ssa ingreme subida dos eusios expds as contradigdes eos riscos do trabalho escravo para seus proprietirios. Cada escravo adulto representaya um invest mento de capital perecivel para o seu proprietirio e que era perdido n ‘oto com a morte do excravo, de mareira que a renovagao do tra- batho forgado (a0 contréro do trabalho assalariado) requeria um de- tembolso pesedo naquilo que se tornara um mercado cada vez mais restito. Pois, como observa Marx, "o capital pago para a compra de um escravo nio pertence ao capital por meio do qual o lucro, @ mais-ralia, 6 dele extrafdo. Ao contriri, € 0 capital do qual pro- Prictario do escravo se desfez, uma dedugao do capital de que ele dis- punha para a produgdo real”. Além do mais, € ela, a manutengio da prole escravaera uma carga finaneira improdutiva para o propre. trio, queineviavelmente tendiaaser minimizada ou negligenclada, Os escravos agricola eram abrigados em ergdstulas que eram uma espéele de galpves, em condigSes aproximadas As de prises rurals. AS mulhe- res escravas eram poueas, por seem geralmenteinaproveitaveis a seus proprietirios a ato ser para as tarefas domésticas, porque havia uma falta de emprego adequado para elas.™ Portanto, a eomposigao sexual da populagdo excrava rural era sempre drasticamente assimétrca, constituida pela virtual auséncia de eonjugalidade nela. O resullado deve ter sido um costumeiro baixo indice de reprodugio, que diminui. ria a extensio da forga de trabalho de geragio para geragto.® Para contrabalangar esta queda, a procriagio de escravos parece ter sido (32) Jones, Sher he Ancont World po. 191-194, (33) Marx, O Capital Moscou, 1962, It pp. 78.739, Marx refera-e so uso da ‘scrvidzo dentro domodocapitalista de produsno do século XIX, ¢ — come ser spon ‘ado — ¢ perigoso extrapolar suas observardes aplicando-is som maiores comet os & Antguidade. Mas, neste caso, o poato essenial de seu comentario se apct mutatis mutandis 0 movi de producto escravo camo tal. O mesa nonte e vst fl ‘etomago mais tardepor Weber. "Agrarerhltnse im Alteran’ PT equ (34 Brunt, falien Manpower, pp. 13-144, 707-708 (35) Classicanente enfatizado por Weber ém “Die Sorinlen Grunde des Unter- ‘gangs der Anicen Kultur", pp, 297299, “Agrarverhaltise im Altrtum”, . 19: "Os cee ae ae ea PASSAGENS DA ANTIGUIDADE AO FEUDALISM % ‘cada ver. mais praticada pelos proprietarios de terra no diltimo Prine: ‘ado, que dava prémios ds escravas que tina filhos.®* Embora haja Pouca evidéncia sobre a procriagdo de eseravas no Império, pode ter sido este recurso 0 que por algum tempo mitigou a etise em todo 0 modo de produgao depois do fechamento das fronteiras: mas isto nao podria proporeionar uma solugao a longo prazo. E, entretanto, nem a populagio rural livre aumentaya para eompensar as perdas no setor fieravo. As ansiedades imperiais sobre a situaglo demografica no campo foram reveladas pela época de Trajano, que instituiu emprés- fimos paiblicos aos proprietérios para a manutengdo de étfiios locais, lim prességio das deficiéncias por virem. © volume decrescente de trabalho também no poderia set com- Pensadlo por aumentos em sua produtividade, A agricultura escrava na lilima fase da Repiblica e no infeio do Império era mais racional e mais proveitosa aos proprietérios de terra que qualquer outra forma de exploragao do solo, em parte porque os escravos podiam ser utilizados ‘om tempo integral, onde os rendeiros eram improdutivos por conside- riveis perfodos do ano.2” Cato e Columela enumeraram cuidadosa- mente todas as diferentes tarefas dentro de casae fora deestagdesparaas sjuais eles deviam ser levados quando nao havia campo a cultivar ou sos da manutengBo de vidvas eda educa de crancasteréfigurado come lstro no Jivestimente de capital d propria (G6) Columelaresomendou bonus pera « maternidde esrava no séevlo 1€.C., nas exatem pousos cass registrados de uma eragto sstemdtca, Finley aegemestan he, desde que a cragdo de esravos fo praticada com sucesso entre os plantadores do Sulnos Estados Unidos durante eséeulo XTX, onde « puagto escrave realmente ae Imontou depois da abolldo do comérco de escravos, no bi razio por que @ mesma ‘smversto nto posa te ocrrido no Império romano depo dofechamento Ga foster {ver The tourna of Roman Studies XLVI, 1985, p. 58, Mas a comparaedo € fala plantadres de algo do Sul fernesiam a maténa-prina para indsiia mantle (urea central de una economia capitalista mundi seus ensos ederim ser ajutados ' hlvesinernachonis de hucro, ge eater sem precsdentss Tues pelo ode de Droueto capitalist depois da ‘revelugdoindustil Join séeulo NIX. Merino ‘sim, a condigfo para a reprodugao de esravos era tavez a inegragdo nacional do S50) maior economia de trabatho assalatiado dos Estados Unides como umn todo, Nao fovam obtides indices de reprodugto comparivee na Amesica Latina, onde & meta Ase de eseravos era catstbfica de uma ponts 8 ovtra, no easo do Bras \iinuind aum quinto de seu nivel em 1880. gpoca dt aba formal Ver o insirutvo ensaio de C. Van Woednard, “Ematclpaton and Reconstruction, A Fompurative Sy" 10h Ftornrional Congron of Historia! Sciences, Mos, 1970, 1p. S.A esrevidto na Antiguidade Classica, aaforalmere, era bool mais pring ‘qve ada América do Sul, Nio hd possbiliade objetiva de alguna antesedende Vexpe ‘Nba do Su ds Eetados Unidos. (3D K-D, White, “The Producthity of Labour in Roman Agrcultun ‘quits, XXXIX, 198, pp 102-107 6 PERRY ANDERSON colheitas a fazer. Os artesios escravos eram exatamente tio proficien- {es quanto os lives, pois tendiam a determinar o nivel geral de tarefas em qualquer negécio por seu emprego nelas. Por outro lado, no ape- has a eficiéncia dos laviundia dependia da qualidade de seus feitores vilicus (sempre o ponto fraco no fundus), mas a supervisto dos traba- Ihadotes escravos era notoriamente dificil nas safras de cereais mais extensivas.2* Acima de tudo, no entanto, alguns limites inerentes de rodutividade eserava nao poderiam nunca ser ultrapassados, O modo de producto escravo nfo era ce maneira alguma desprovido de. pro. sFESSo téenice; como {A vimos, sua escala extensiva no Ocidente foi mareada por algumas inovagses agricolas significativas, particular. mente a introduso do moinho rotativo e a prensa de parafusos. Mas Sua dindmica era muito restrta, pois repousava essencialmente na atte. agio do trabalho em vez da exploragio de terra ou a acumulagao de capital; assim, ao contrério dos modos de produgio feudal ou capita. lista que deviam sucegl-o, o modo de produgio escravo tinh muito ouco impeto objetivo para o avango tecnolégico, jé que seu tipo de ‘erescimento aeumnulativo de trabalho constitula um campo estrutural resistente, ao final das contas, as inovagdes técnicas, embora no ini- cialmente desprovido delas. Assim, porquanto néo seja totalmente exato dizer que a tecnologia alexandrina permaneceu como base imu. tével dos métodos de trabalho no Império romano, ou que nao fol intro- duzido artifcio algum para economia de trabalho durante os quatro steulos de sua existéncia, os limites da economia agricola romana logo foram alcangacos e rigidamente fixados. Os obsticulos sociais insuperiveis a maiores progressos téenicos = €0s limites fundamentais do modo de producao escravo — ficaram, de fato, flagrantemente ilustrados pelo destino das duas maiores ‘Yengies registredas sob o Principado: o moinho de 4gua (na Palestina, (98) Nests ass de propredadesardveis, os comentios de Mars sobre a eficién

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