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LETRAS CLASSICAS ANFITRIAO OU JUPITER E ALCMENA, DEANTONIO JOSE DA SILVA, E A INTERTEXTUALIDADE FLAVIA MARIA FERRAZ SAMPAIO CORRADIN Faculdade de Filosofia, Letras ¢ Cigncias Humanas. dda Universidade de Sto Paulo RESUMO: O ensaio tem por objetivo examinar o didlogo intertextual que a 6pera Anfitriéo ou Japiter e Alemena (1736), de Antonio José da Silva, o Judeu (Rio de Jancivo, 1705 - Lisboa, 1739), trava com seus paradigmas, nomeadamente, o Anfitrido (2), de Plauto (224 ?- 182 7 4a.C.), a Comédia dos Anfitrides (1587), de Camées (1525 - 1580), €0 ‘Amphitryon (168), de Molizr (1622 - 1673). Depois de caracterizaros niveis intertextuas e alguns de seus mecanismos, o ensaio acaba por con- cluir que a épera estilia os modelos, além de parafrasear 0 discurso barroco, criticando, através da autoparédia, os excesos a que chegara a poesia do periodo, PALAVRAS-CHAVE: Intertextualidade; Teatro; Barroco; Gongo- Preliminares ‘A metedrica carreira dramética de Antonio José da Silva! legou-nos segu- ramente oito pegas, encenadas no Teatro do Bairro Alto, em Lisboa, entee 1733 ©1738. Enfeixados em dois volumes do Teatro Cmico Portugués, editados em 1744, ppor Francisco Luts Ameno, estando jé 0 comediografo morto, contam-se of se- auintes titulos: Vida do Grande D. Quixote de ta Manca e do Gordo Sancho Panca (1733); Esopaida ou Vida de Esopo (1734); Os Encantos de Medea (1735); Anfieriao ou Jupiter ¢ Alomena (1736); Labirinto de Creta (1736); Guerra do Alecrim e Mangerona (1737); Precipici de Faetonce (1737); As Variedades de Proteu (1738). Resta ainda tuma peca, escrita em espanol, sem data e de autoria incerta, a qual foi atribuida 0 comediégrafo por Claude-Henri Fréches (Silva, 1967, p. 5s): tratacse de El Prodigio de Amarante. © exame dos titulos das dperas revela jé que, excegao feita a Guerras do Allecrim ¢ Mangerona, cujo tema foi baseado na realidade setecentisa portuguesa, todos os outros titulos remetem a fontes mitolégicas ou literérias, A intertextualidade abre-nos, portanto, um caminho promissor para a andlise da obra de Anténio José. Resolvemos trlhé-lo, limitando, contudo, 0 CCORRADIN, Flava M. Sampo Anftrito 1 pt Vemena de Antnio Jot d Si ‘campo de nossa incursio, Este ensaio restringir-se-é ao exame da dpera Anfiriao cu Jtpiter e Alemena frente atrés paradigmas: 0 Anfirido, de Plauto (século Ill ou Ta.C.), a Comédia dos Anfirises, de Camées (1587), ¢ 0 Amphitryon molieresco (1668). Em tomo da intertextualidade © Classicismo artistico, que tem por uma de suas caracteristicas 9 imita- «40 dos modelos greco-latinos, reutiliza 0 conceito de mimese aristotélica, acres centando-the a idéia horaciana de imitagao com o intuito deliberado de superar 0 modelo. Portanto, teriamos, na perspectiva aristotélica, a imitagio direta da rea- lidade que, por refratar 0 real, € idealizante. Horacio, por outro lado, propse @ imitagdo dos bons autores, isto ¢, a imitagio da imitagio, ou seja,reflexo e/ou refragio de um reflexo e/ou de uma refragao. Segundo Massaud Moisés, “por ser filtrada ou transmutada pela imagina- $40, totalidade do real sofre distoreio para adquiri forma; a realidade como tal _ndo se transpée, porque incompativeis o discurso da Natureza e o da Literatura (Moisés, 1982, p. 26). Assim, na tradugio das metéforas contidas no texto liter4- rio, ha to didlogo de miitua dependéncia entre 0 sujeito do texto literdrio ¢ 0 leitor", pois, “sem o leitor o texto ndo fala” (id, ib., p. 27). O universo literdrio torna-se, portanto, dialético, na medida em que, de um lado, constréi-se a partir da realidade; de outro, vé a realidade transmutada pela imaginacéo. Considerando sob outra éptica, temos, no texto literério, uma realidade nova ~ a literdria -, como tal também possivel de ser imitada ou, se quisermos, capaz de ser alvo da mimese. E 0 que acontece quando pensamos na intertextualidade, conceito batizado por Jlia Kristeva, ("todo texto se consti como mosaico de ctapdes, todo texto € absor- gto e transformacdo de um outro texto. Em lugar da nocdo de intersubjetvidade, instalase ade intertextuaidadee a linguagem poética le-se pelo menos como dupla.” (Kristeva, 1974, p. 64]) que “tradusiu" para 0 Ocidente aquilo que ja era matéria entre os formalistas russos. Definida por Massaud Moisés como a “convergéncia de varios textos anteriores ~ modalidades do real - no espago do texto novo" (Moisés, 1982, p. 76), aintertextualidade é, pois, o dominio em que se processa a mimese ~ livresca em segundo grau - da realidade literdvia, Parédia, estilizacdo e parafrase serio, portanto, modos de promover a intertextualidade. © objeto agora deixa de ser 0 universo do real, para ser 0 ~134- LETRAS CLASSICAS univerto das palavras ~ que no nos ouga Fernando Pessoa. Estamos tratando, pois, de uma imitagio; porém, na esteira de Horécio, temos uma “imitago de segunda mao”, ja que a realidade a ser imitada faz parte de um mundo novo recriado pelo homem ~ a realidade lterdria. E consabido que um determinado contesido deve ser expresso por meio de uma determinada forma, Néo aceitamos, pois, a idéia defendida por certos autores de que parédia se restrinja exclusivamente ao nivel da forma. A relagio forma/contetido deve ser considerada sempre que pensarmos na questio da pa- r6dia. Toda génese da teoria da parédia, da estilizagao e mesmo da parifrase parece estar no tipo de relagio que se estabelece entee a forma do modelo e a forma do novo texto, entre o conteiido do paradigma e o obtido posteriormente. ‘A tenso forma/contetido por si mesma explica a distinglo entre os ter mos parédia eestilizagao. Enguanto a parédia mantém aparentemente a essén- cia da forma original, deformando, ou melhor, contrariando 0 contetido do ‘modelo ~ ‘canto contririo® -, a estiliacéo, ainda mantendo em esséncia a forma do modelo, promove uma inovagéo, isto ¢, ume transformacéo do ou no contetido do modelo, sem negé-lo ou opor-se a ele, trazendo-lhe & tona 0 que cesté implicito. Ha, portanto, quando tratamos da esilzacdo, a tio falada subser- viencia recriadora, ou seja, imitagio com o deliberado intuito de superar 0 mode- lo ~ canto paralelo -, e ndo destrut-lo como propée a intengdo parédica.? 1H, pois, refracdo do paradigma em ambos os casos. A refracto maior promovida pela parédia leva necessariamente & destruicao conteudistica (e por que nao?) ideologica da visio de mundo proposta pelo autor do texto original, ‘enquanto a estilizagao The acrescenta novo contetido, ainda perfeitamente pert nente, abrigando a intengao de ser superior 2o original. Deste modo, seguindo a idéia da visio de mundo, temos que a cosmovisto obtida pelo segundo texto na estilizagao €, se ndo superior, ao menos pretende ser mais complexa que a do paradigma, porque procura levar as dltimas consegincias as entrelinhas do modelo, buscando superéclo através do preenchimento, do enriquecimento, en- fim, do que poderia ter sido dito, mas nao o foi, muito provavelmente por inca: pacidade ou talver falta de vivéncia do autor original! Intertexto versus paradigm: 0 cotejo de Anfitriao ou Jépiter € Alemena, de Anténio José, em relagio 20 paradigma primordial, de Plauto, bem como & Comédia dos Anfitrides, de Camées 20 Amphitryon, de Moliére, levou-nos a tirar algumas ilagbes que nos capacitam aguilatar o nivel de intertextualidade da dpera do Judeu frente 20s modelos arro- lados. ‘A intriga, oriunda da mitologia, € comum tanto aos paradigmas como & ‘pera de Ant6nio José da Silva, Trata-se do triangulo amoroso Jipiter/Alemena/ -135- ‘CORRADIN, Flavia MF Samp Anjana ow Hipter eMcmens, de Raia Jose a va Anfitrido, resultante de uma das aventuras adulterinas do soberano dos deuses ~ fabula que se cristalizou literariamente geagas a estilizagao imposta pelo comedidgrafo latino a0 mito paradigmatico. Embora a ordem em que as conas se apresentam sejaalterada dependen- do do texto considerado, aquelas que encerram situagées peculiares a intriga fundamental sio bastance semelhantes. As comédias latina e francesa, por exem- plo, iniciam, a primeira, com a exposicio do Argumento, a segunda, com 0 prélogo. Em ambas a enunciagao feita por Mercurio ¢ concomitante aos deleites ue Jupiter ja esta a colher no leito de Alemena, 20 passo que os dois textos, portugueses iniciam representando a chegada de hipter, transfigurado em Anfi trido, a casa de Alemena. episédio da chegada de Sésia (ou Saramago) ~ com o intuito de infor- mar Alemena acerca do breve regresso do general tebano ~, encontrando-se com Mercirio, transfigurado no criado de Anfitrido, é essencialmente o mesmo nas quatro pecas. Também o dialogo travado entre jipiter/Anfitrido e Alcmena, acerca da necessidade de retornar ao porto para, entdo, entrar triunfante em Tebas, existe em qualquer um dos textos examinados. O relato de Sésia/Saramago a0 amo, narcando o ocorrido diante de sua casa, bem como 0 fato de o general tebano it tiara limpo aquilo que o criado insiste em afirmar, € comum aos quatto textos examinados neste ensaio. Da mesma forma, 0 tratamento cheio de surpresa, dispensado por Alcmena 20 ver- dadeito e recém-chegado marido, que the traz, com o relato da vitsria sobre os inimigos, um presente, nio é fundamentalmente distinto. ‘A cena em que Alemena, mostrando-se confusa diante da situagao em que foi colocada, acaba por perdoar 0 marido fingido ¢ igualmente similar nas ppeyas consideradas. ‘Acabamos de sumariar aquelas cenas cuja similitude com © paradigm: primordial plautino é patente, Contudo, outras cenas existem na dpera de Ant nio José tomadas ora de um ora de outro paradigma. Exarinemo-las (O dislogo de Alemena e Cornucépia (Parte I, cenal, primeico e terceiro quadros) em torno da saudade que a ama sente do marido é inspirado na cena | do primeico ato da comédia camoniana, embora Anténio José Ihe aponha a comicidade proveniente da caracterizagio de uma Cornucépia graciosa que inver- ce derrisoriamente o diseurso elevado de Alemena. Esta mesma cena capacita ros perceber o lirismo que domina as Alemenas portuguesas, tornando-asdisere- tas chorosas « melodraméticas. Parece-nos, portanto, que a construgao da perso- ‘nagem Alemena nas pecas portuguesas tem um carater arquetipicamente luso. Acompanhando a mesma linha de pensamento, o ipiter desenhado por Camoes «© Antonio José reveste-seigualmente desse lirismo que o torna um amante discret €palavroso, atingido fatalmente pela *seta de cupido". Ainda no terceiro quadro da opera de Antdnio José, Cornucdpia traz a noticia da chegada de Anfitrito/ = 136— LETRAS CLASSICAS Jupiter e Saramago/Merciirio. A (6rmula af utilizada pela criada é a mesma que a ‘Bromia camoniana emprega: ‘Cornucépia: Alussaras, Senhora; alssaras! ‘Alemena: Que isso, Comucdpia? Cornueépia: Que hd de ser, Senhora? Ai, Senhora! Alvisaras! Alcmena: Alvssaras de qué? Cornueépia: Sabe que mais? Alcmena: O qué? Cornucépia: Pois saiba que... Ai Senhora, alvissaras, que ai vem mew rarido, Saramago! ‘Alemena: Ha maior loucura! estas alvissaras pede-as a ti mesma. Cornucpia: Nao, Senhora, que com ele vero Senhor Anfitrido (pp.104- 105); Bromia (dentro): Sosia parece que owi. Alvissaras, minha senhora, Que na fala o conheci (p. 34). Os excertos demonstram que, sem duvida, o Judeu tomou a formula de Camées, acrescentandorlhe, entretanto, a brincadeira verbal, cuja sonoridade, advinda da repeticio do vocsbulo, provavelmente agradasse ao espectador. Se confrontada com a cena I do quinto ato da comédia camoniana, a cena Tl, quinto quadro, Parte Il, da épera fornece outro exemplo do uso de formulas verbais bastante semelhantes: Jipiter: Quem & 0 atrevido que ousa a fazer tdo grande estrondo na minha casa? Mas que vejo! este ¢ Anfitrido! (A parte)” (p. 166); Jupiter: Quem €0arvevido Que aqui ousa de fazer ‘Tao revoltoso arruido (p. 96). O eptlogo de Anfitrido ou Jupiter ¢ Alemena explicta, mais uma ver, a vor do paradigma camoniano ai ressoando. Enquanto a comédia latina encena 0 nascimento de duas criangas - uma, filha de Jupiter, outra, de Anfitrto -, ‘pecas portuguesas trazem apenas a anunciagio do nascimento de Hércules. Des- te modo, temos a analogia entre Alcmena e Maria, porquanto ambas foram fe- ccundadas por um deus omnipotente e gerardo salvadores. Parece-nos, pois, que os dois autores portugueses se mostram, ao menos neste ponto, influenciados pela ideologia crista® que vinea os séculos cldssico e barroco, pertodo em que 0 -137- CCORRADIN, Flavia MF Supa. Anfirito ou Spier «Meme, ta Rio Sok a Siva exercicio da imitacéo dos pagéos modelos greco-latinos nao chega a sufocar ou enfraquecer a indole beatamente catdlica de Portugal. Se tomarmos o paradigma molieresco, veremos que diversas passagens da era usa enconcram all inspirecto, # interessante notar que a maloria dos pon- tos de contato entre as duas pecas reside em aspectos acessdrios, 0 que oferece, segundo nosso entendimento, indices elogtentes de que Antonio José teria co nhecimento do texto francés, (© exame da tébua de personagens de ambas as pesas fornece jé dois dos indices mencionados. © primeito € capital. Trate-se do fato de que Sosie ¢ Cléanthis sio marido e mulher, assim como 0 sto Saramago e Cornucépia, O segundo remete ao fato de que, nas pegas ora examinadas, 0 capitso tebano, amigo de Anfitriéo, chama-se Polidaz (Polidas, em Molitre). Se esta segunda semelhanga pode ser debitada & conta de acess6ria e/ou incidental, 0 mesmo nao se pode dizer da circunstincia de o Judeu ter reutilizado o expediente do “desdo- ‘bramento” do par amoroso elevado, obtido em Molitre através de Sosie e Cléanthis Em sua épera, Anténio José ha de levar as ultimas conseqiéncias © mote do “dédoublemene* do par amoroso elevado inscrito no modelo francés: Mercurio: Com qué, €0 mesmo nossos amos do que nds? Els, casadinhos de um ano, e nds hd wm séulo? Eles, Senhores e rapazes;e nds velhose rogos? Els, dous jasmin; ends douslagaras?E finalmente eles com ‘amor, € nés, ou pelo menos eu, sem nenkum? (p. 109); Mercure: Diantre! ou veuactu que mon esprit ‘Taille chercher des fariboles? ‘Quinze ans de mariage épuisent les paroles; Et depuis un long temps nous sommes tout dit (p. 394) ‘Também a oposisio proposta por Jpiter/Anficrido em rorno da distingdo entre marido e amante (Anténio José: Parte I, cena Il, quarto quadro) encontra correspondéncia na cena IV do primeito ato molieresco. Tal distingao, aliada & idéia do amor como cumprimento do dever (Antonio José: Parte I, cena V, Primeico quadro/Molitre, Ato Il, cena Il) que ambos os dramaturgos encenam, ressaltando 0 moralismo de Alemena diante do desejo de Jupiter, aproxima as duas pesas, na medida em que a moralidade crista sublima a carnalidade das ‘elagées conjugais aquém e além Pirineus. ‘Opresente que jipiter/ Anfitrifo traz a Alemena é, tanto na dperaportu- fuesa como na comédia francesa, o mesmo - uma jéia: Jipicer:(.) reserve esta j6ia que no elmo trazia El-Rei Terela, cujo ‘primoroso axtificio sé é merecedor de empregar-se em teu peito. Aceita-a, ~138- LETRAS CLASSICAS o's, que ndo serd primeira vex que se coroe Venus com os despojos, de Marte. Led Cornucépia: Ai, Senhora, que galantesorier! E como brtha! Pareceme sum cage-lume. Alemena: Néo dirds perilampo, que é mais proprio? Cornucépia: Tanto faz perilampo como caga-lume, que tudo é0 mesmo; ‘mas, ainda assim, aquele diamante é bem brilhante (. 108); Sosie: Parmi tout le buin fait sur nos ennemis, ‘Qu’est-cé qu’ Amphitryon obtient pour son partage? Mercure: Cing for ros diamant, en noeud proprement mis, Done leur chef se parait come d'un rare owrage. Sosie: Aqui destine-til un se riche présent? Mercure: A sa femme; et sur ele ill veut wor paratte (p. 392). A ironia que aflora no eptlogo da comédia de Moliére encontra ressonan- cia na dpera do Judeu, uma ver que, tanto numa pega como na outra, a desonca de Anfitrido compartilhar 0 télamo com Jupiter assume dimensoes de subida wl Anfitrido: Oh, mil vere feliz ew, que tive a fortuna de que 0 ‘mesmo Jiiter quisese divinizaro meu venturosotdlamo Led Anfitciéo:Sejam reciproces, queria Alemena, que, quando as tua ofensas para mim sto aléras, que fard quando me ndo ofendes?(p.221); Jupiter: Un partage avec Jupiter Nia rien du tout qui déshonore; Ez, sans dou, il ne peut erre que gloriews De se wir le vival du souverain des dieux (p. 410). Como jé observamos ao examinar a dbera de Antonio José frente & comé- dia camoniana, também o Amphitron de Molitre encena a anunciasdo do nasci- mento de Hércules. Desse modo, as duas pesas portuguesas e a francesa como que adaptardo mariana e catolicamente o paradigma latino, substituindo o nase mento de um semideus por sua anunciacao ~ indice de uma contaminagao religi- osa de cunho epocal, a que nao esto imunes Camées, Molitre nem tampouco 0 cristdo-novo Antonio José. Além do paradigma primordial - 0 Anfitrdo, de Plauto -, a pera do Judeu tava, corn vimos, didlogo intertextual com a Comedia dos Anfitries, de Camées, =139- CCORRADIN, Fave MF Sampai ‘Angra ou Hip Alemena, de Astin José daSilva de onde reaproveitou o lirismo que permeara os discursos de Alcmena e Jipiter. ‘Examninamos também a intertextualidade mantida entre Anfirido ou hipitere Alomens ©0 paradigma molieresco. Dai Antonio José retirou, por exemplo, a idéia de os criados serem casados, a circunstincia de Alemena receber uma jéia como pre- sente, 0 epilogo que ironicamente transforma em honea e gléria a desonra de Anfitrido, Nao poderfamos, nestes pontos, exaltar a originalidade de Antdnio José, uma ver que, parafrisico, 0 Autor ora reaproveita incidentes de Camées, (ra do comedisgrafo frances. Hé porém, no nivel do enredo, um motivo que torna a dpera do Judew original frente a qualquer um dos paradigmas arrolados. Através da inclusio de trés personagens - Juno, Tirésiase fis - AntOnio José encontra o caminho para uma recriagao estilizadora. A ago da opera, neste aspecto, distingue-se dos mo- delos, seguindo um rumo de promissor ineditismo. A deusa Juno deixa o monte Olimpo para, na Terra, vingar-se do amor adulterino vivido pelo marido, 0 om- nipotente Jpiter, com a formosa Alcmena, Se este motivo € totalmente original tem relagdo aos paradigmas, ndo 0 é, se tomarmos 0 modelo mitol6gico: Juno é af caracterizada como uma deusa que, extremamente ciumenta, se vinga de quantas ‘mulheres se interponham entre ela e 0 marido. ‘Seré que Anténio José teria deixado de lado seus modelos para spoiar-se na ritologia? Se o Judeu simplesmente colocasse em cena a vinganga de Juno, néo podertamos, pos, falar em originalidade. O comedigrafo aproveita-e do paradigma ‘mitol6gico com a inteneko de, também af, promover a esilizagdo, Para tanto, £32 0s rmitol6gicos Tirésas e Iris, fazendo-os desempenhar a funcio de agentes da deusa Juno em prol de sua vinganga. Aquele adivinho cego, conhecido pela sapiéncia de suas profecias, transforma-se na dpera num ministro tebano ‘eego de amor” pela deusa juno, transvestda, por sua ver em Flérida. Como observamos, Ant6nio Joré, mais uma ver, deixa de lado o paradigma, agora mitol6gico, para rerié-lo, Acrescen: ‘ese agi o papel desempenhado pela deusa da Concérdia~ Iris-, que, om intuito de socorrer a rainha do Olimpo, insinua-e para Saramago, provocando a discérdia conjugal do par gracaso. O“desdobramento" do tridngulo amorosoelevado —Jiiter/ ‘Alemena/Anfirio ~ num diplicetrisngulo amoroso plebeu ~ Mercirio/Cornueépia/ Saramago, ¢ Cornucépia/Saramago/ris Corriola—fornece o outro indice de estilizagao da pera do Judeu frente a seus paradigmas, notadamente Molitre, que jé trabalhara com a “repeticio". 44 dissemos algures que a Parte da pera lusa se afasta mais marcantemente dos paradigmas, uma ver que encena os ardis que Juno trama em fungao de sua vinganca. Tirtsias ~ vitimado pelos enleios de amor — condena & prisio © a0 sacrifcio Anfitrito, Alemena ¢ Saramago. O general tebano é condenado, uma vex que, afirma nao ter triunfado diante do Senado. Tirésias e Polidaz testemu- ham o triunfo que, na verdade, fora vivido por Jupiter transfigurado em Anfi trido, O soberano deus, tendo usurpado o triunfo de Anfiteiéo, fornece o motivo -140- IAS CLASSICAS para a condenacao do general. Alcmena é presa por ter tratado “ambos como @ esposo”, ofendendo deste modo “a seu marido verdadeiro". Tanto Antfitrido como sua muther sio condenados pela aparéncia, uma ver que “os ministros da Terra” sentenciam pelo que véem ‘exteriormente” ‘A acusago que recai sobre Saramago ~“introdusiuo fingido Anfitrifo em casa de Alcmena” - s6 Ihe pode ser aparentemente imputada, uma vez que Mer-

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