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fes, merecia a pena ser lembrado. Ora, a crenga na continuidade exprimis. -& fandamentalmente pelo relato da protecezo dvina patente nos rilagres € vitérias contra os inimigos ¢ pela sucesséo ininterrupta dos chefs. A pessisténcia dos mitos f © triunfo da racionalidade modema demorot da Histéria, sobretudo quando se wratava da fenémeno nao se encontra s6 em Portugal mas teve aqui mani sine gularmente duradouras. A proteccao divina sucedeu 2 ideia de uma quase sobrenatural permanéncia do «espirito nacional» (Volk das as vicissitudes do tempo, a indesmentida capacidade de vencer os ini, rigor ou de renascer da monte apesar de todas as detroas, a inesgot pro ‘deal da heroicidade a todos os cidadios, pelo simples facto de 2 . ‘mo hietéria do povo lusiada, a pica quinhentista veio em socorto dos his. foriadores da nasio¢ marcou indelevelmente cronistar ¢ memorialistas pportugueses até aos nossos dias. De uma forma ou de outra, abcecou to- ‘minticos ¢ liberas, a geracio de 70 ¢ os integralistas, os republicanos ¢ os sacionalsts, A grande missio dos historiadores foi, para ‘eles, sucess mente, ensinar 2 preservar 0 wespirito nacional» presente nas insttuighes municipais, zer resurpir a pita de decdéncia en aoe havi ae "Peblicado ma reve Pendipe. Fer ¢ der « Hitria, 8 (1972) yp. 25 469 pois da epopeia maritima, ajudar a recuperar as boas tradigdes nacionais es- do as contaminacées estrangeiradas de ideais corrompidos ¢ cotry 0u, pelo contriro, difundir o espiito do progresso para Portugal s do seu passado. E, todavia, todos os historiadores modernos se con- i ¢ descrentes do mitos. Inconscientemente, punham a ciéncia 20 servigo do mito. De facto, desde o século xv7 que nenhum penetrar nos discursos constantemente nas comemoragoes de factos luz poderosamente at comissbes encattegadas de a promoverem. Reveste-se, entio, das cores seduroras de «busca da identi« 7 dade nacional». E verdade que os nossos historiadores proclamaram como ideal recons- tituir 0 passado real, desmascarando o que pudesse haver de imag inverprcages dos seus predecesore. Mas a inconsciate oud tendéncia para colocar a Histéria ao servigo da causa c que a narrativa do passado, — a nagio —, ocultava, sobretudo no passado longinquo, os discursos contraditérios de que essa mesma narrati- va havia, muitas vezes, nascido. ‘Tomada, portanto, como historia de um ente com vida propria, nto podia deixar de se acribuir uma atengio privlegieda ao momento da fiat- degio © & personalidade do fundador. E no seu traramento que melhor se revelam as concepg6es dos historiadores, aquelas que verdadeiramente os ‘conduzem na interpretacao dos documentos e do passado. De facto, o tra- tamento da figura de Afonso Henriques produaiu em Portugal os ms ‘curiosos resultados desde que a critica histotica penetrou entre n6s. conscientemente, mesmo os historiadores que professavam um tacionali ‘mo militante se empenhavam na tentativa de dotar alguns dos grandes tos nacionais de uma efectiva consisténcia histérica. Tomar 0 imagindrio nfo 56 verostmil mas também real, pelos mécodos seguros, cientificos, es- cnupulosos, do positivismo ¢ da erudicéo mais exigentes — eis 0 grande empenhamento, 0 persistente esforgo de muitos dos nossos mais venerdveis historiadores nacionais, desde a época roméntica até aos que ensinaram nas academias ¢ universidades nos anos 40 2 60, e cu} foram se- guides por nfo poucor vularadors de efctivo de hoje. Uma das suas figuras predilectas fo 470 car facilmente. e peer Herculano, que sofreu uma terrivel perseguigSo por ter ousado pr em lio milagre de Ours «au samen jar ume ener sobrenatural na vide politica, nem por isso deixou de escrev propdsito de Afonso Henriques ee ie ts de aguns ot dee se rope aie vgs ton not de A eo 9 aes num nec des que mais 108 ‘com aquele a quem muike deve Aleandee Heculano, Hae de (e. J. Maoso), £, Libes, Ber oo Pongal (ed. J. Masso), 1, Lihos, Berstnd, 1960, FL Gonzaga de Azmvede, Minti de Pregl 0, Libor, 1942 p 160 an =e paige coi cnn Gants Seber fe Cae todo problema de us 2 ite do 1 Sm pees ce, am apenas, nem seq principle Ae den mit spear Ss enon vince ac ange de deo Hela cot inde ‘meiro volume da sua difundida Histéria de Poreugal e escrevia, a0 tecminar 1 harnatva do tenado de Afonso Heniques Nad mas pad acractot ao mucante dogo, pogue sabia reponde ica. Bastia vericar © mapa perwaguts em 1185 pare te pala oa seaasio “ litade milter de. Alonso Hensiquem, in Academia Pon Frcuene dls do rane tempo, Lido, Aes da Hist, 1977, 1977, Joaquim Vertssimo Sertio publicava o pri- Exces exemplos da maneira como & inte mero tei de Portugal tomam extremamente ‘mais préxima dos acon acerca da sua personalidade © da sua funcio, Ao exami ‘ito simples, 0s primeiros testemunhos acerca dele nao ‘0, nenhum sentimento iconoclasta. Nzo rigem. Néo compete, porém, formagio dos mitos e muio menos tentat idade. no sée ‘otter ou se procuraram enterrar certastradigées que exquecidas em textos considcrados, desde entio, verdadel conhecidos apenas dos erudi Conta 9 mein epubdio cn oe ‘ar para a Academia da Hiscérias sua elicig critica da dns ae P070, Nacional, 1988 Sipe ds Bape 5. no 38° 473, mais ou menos exaltadas, mas sempre alt ‘luminando ore a faceca da santidade e de instrumento da ina do imeito rei, ora a faceta do guerreiro 0, ora a sua capacidade de habi ial heréi. Até arte Nunes de co ou de textos de a vigorosa per Hereulano ndtio nacion © instrumento de Deus A tradicfo do fundador movido pela mio de Deus nasceu cedo. Encontra- -se pela primeira ver, sob uma forma jé elaborada e ampla nos Aral dont Alon poreualltam im cdnego regrante de Santa Cruz de Coimbra 195, ampliando um texto anali precedente, m: {que se conhecem em resumo as ticias anteriores 2 1 ele conjunto a que Pierse David che mou Annales Portcalenes vetees, cujo testemunho mais importante & 4 chamada Cronica Gothorw ‘Ao mostrar que ele no dadciro instrumento de De ‘go sobrenarural para an Por isso acumula uma imps fine as dimensbes herdicas seat inclioy,ealoroo 0 nas obra, «de engenho pe “profandamente fl eligi ‘¢ devoto para com 05 ministros do cultos'*. Todas estas qualidades tomna- apenas um guerrero vitoriso, mas um ver © autor apelava para a conflanga na protee- lade de continuar 2 obra por ele encerada. ‘dia por Cals da Sra Tou, 1, Lisbon, p49 not 151. CE Monica Blocker Walter (opt mig Gai Peril VP a XIP sl, Usbon Pais nals dows Alot poral regs (od. Monica Bicker Wer, itp. 15 as fronteiras cris- tameng mercer de et eclhdo or Deus pra date lem ina para levar 2 1s ¢ de ser constamtemente ajudado pela bbom termo as suas empress! Na época em que o text fianga dos portugueses no filho do quele que desde entio tinha de andar numa care montar a cavalo & frente dos scus guetreiros. Desde ‘com terror a grande ameaga sas cristés nas décadas anteriores. Repetidam tinham vindo até Santarém, Torres Novas, Tomar ¢ Al dde Marrocos, em pessoa, Abu Yaqub Yusuf ¢ Abu Yusuf Yaqub al’Man- sut. Espalharam a desolacio ea morte nas campinas ribatejanas e mesmo na norte do Tejo, em muitos lugares de Estremadurs, enquanto 0 fas wopas cercava as principais cidades portuguesas da linha do Te jo'S Tinham-e apoderado de grandes prasas portuguesas para sul do mesmo tio, excepto Evora, reduzindo a nada 0 temezirio esforco de Sancho I, que, enquanto principe, havia chegedo com seus homens as por- tas de Sevilha e que tinha conseguido conquista: a longinqua ¢ bem defen- ida cidade de $i Era, pois, necessirio renovar a fé dos crs no abandona assim 0 seu povo e que eta ago resistir a eventuais novos ataques e recu a8 i800 propo Deus que ecolher primero ra de Donal ge cs seus patsos. Os seus vassalos deviam, pois, confiar na chefia do seu x8sor, mesmo que os tempos fossem dures. O fhe do rei que hav Fido pouco no podia ser abandonado por Des. S6 cle poi co 8 obra empreendida por seu pai. A demonstragéo acerca a pee Ti ls ac ne one bre os inimigos ds Cristandade, constituia, sem duvida, um encorajamento para o povo de Coimbra, que, durante a segunda invasio, nio esteve mul- to longe das cenas de carnificina que haviam vitimado, segundo parece, a comunidade de Alcobaca e que, por iss0, i eventual cereo"”. O povo tinha de confiar no Henriques. Pode-se imaginar que 0 texto incompleto destes Annaler, inter. rompidos abruptamente antes de terminarem a noticia da invasdo de Abu Yaqu, quando 0, relatar o seu falecimento durante a viagem de regresso a Sev is de mortalmente ferido is portas de Santarém, deveriam, ralver, ‘da conquista de Silves e com 2 |. Talver tivesse sido interrompido, justamente em virtude do terror incutido pela primeira destas ex De qualquer maneira, nfo admira o teor do texto ¢ 0 seu i dasério, Os aconcecimentas recentes jurificavam-no perfeitamen Ateredo -Coimbra sob ameaga de sso na imate sere ne Calestnee de eds orarisada plo Inte de Coimbra, Coe, preciso nio esquecer também que Sante Cruz de Coimbra era 0 mos fundado por Afonso Henriques ¢ como que o santuério a quem ele co: v2.2 fungao simbélica de garantir, aos olhos dos seus sibditos, o sanciona mento divino para 2 sua autoridade. Outros escritos aproximadamente conterposoee, «tame religs ex Sama Cru de Colin, oe ‘tram igualmente uma especial relagio com o rei, embora no acentuem ies arc yuo apoopticn nwa, hevandooue Annales tenharn sido comecados a escrever pouco depois das exéquias de ‘Afonso Henriques, pode-se pensar também que se destinassem a perpetuar a meméria das suas acgbes mais notdveis, justamente para mostrar que ape- sar da sua morte a monarquia continuava, que a linhagem se mantin assim exprimit, atibuindo um cardcter sagrado & obra de Afonso He ques, 2 fé na vitbria da vida sobre a morte. O reino por ele Fundado ct ‘nuava, apesar da mudanca do rei. Representava, evidentemente, a a ta capacidade de abstraceio, embora expri- les narrativa de factos por ele considerados sagrado e acerca da continuidade de ambos. tum rei valoroso e firme nao ficou s6 era Porta: sem tomar a dimensio sobrenatural, passou a orientar a historiograia pe- ninsular anterior a Afonso X, 0 Sébio. Apesar da concisio dos textos € 0 gue se depreende da mancira como Afonso Henriques € apresenrado por Lucas de Tuy © por Rodrigo de Toledo. O primeiro diz no Chronicon mundi E 0 segundo, no livro VII do De rebus Hipanize Exe Afonso fi valoroso ¢ persistent nas suns sees. gee Ren ip 25 ie goon eed ‘ripe era chamado di. Consus do pape Ea Feno como eributirio, muitos pivilgeee indalgenc! Esta imagem petmanece ainda, ¢ até com uma carga positva mais for- te, embora também sem a conotacio sobrenatural, na Primera Cronica Ge- eral de Expafa de Afonso X, o Sdbio! « através dela serviu de base para tuma espécie de primeira versio da «narrativa candnica», de que falimos sais acima “Tea waduido por A. de Magties Ban (el), Cuno de cine isd Prue 5, p38 ® Radio Ximéner de Rada, Oper, Va Gronie Grre de Epo (ed. Ramin Mentodes Pia), Madi, Gredon ‘ap. 970, 632 476 (eprodupio anti da ed Efinsi. De facto, © chefe do bando guerreiro Esta imagem no coincide facilmente com a apresentada pelo texto 2 que Anténio José Saraiva chamou Gerea de Afonso Henriques, nalid procedéncia e coeréncia foram por ele demonstesdas tn 19793 ¢ cujas conclusbes foram expressamente aceites em varias ocasibes por L.F, Lindley Cintra, nomeadamente num artigo publicado dez anos ais tarde. Antes deste dois autores, a maria dos mediealstas pote, sucses consideravam a natrativa apécrfa e tardia, pelo menos num dos ses episios mals importance avi © a nomeacio do «bispo negron; i nenhum intetesse histérico®. Estranhamente, nenhura medievaista ports. gués antes deles cuidado de procurar uma expli dda sua preservagio ou para 0 sent ‘A datacio de uma hipotética versio primitiva, tio préxima do desastre de Badajoz, levanta bastantes objeccdes. Parece-me, todavia, que o seu teor exprime uma certa meméria de grupo. Tendo esta ideia em conta, equcle ‘grupo que poderia ter procurado perpetuar esta meméria é o bando dos ‘avaleiros de Coimbra, que aparecem constantemente na cidade como um grupo coeso desde 0 principio do século xi e que foi certamente 0 que Constituiu o nicleo do exérciro de Afonso Hentiques®. Este grupo exisia ainda no fim do século x1, ou seja na mesma cidade ¢ época, em que, por goa alturao nego de Santa Cruz screviaem latim o¢ Annaler dm Al- 4 Geta, cimemos Ibe asim, ¢ ceramente produto da ins- piiracdo pottica leige para imitar a épica castelhana, com 0 intuito de exal- tar a figura do chefe militar, de explicar os seus teveses ¢ de mostrar que os Sania, opts 71 ‘Rarbomens inf cen, Lisbon, Guimaties Ed, 24 ed, 1985, 2 ‘encurs © Ans Stvigs Fase, Lira Sane de Sane Cre Cara de ‘hb, Coimbra, INIC, 19, pp 9-36. 4200 a7 de modo algum tocado cxcestias € 2 den Aqui nada se enconta, pois. de parecido com a perspectiva clerical Annales domni Alfonsi. Afonso Henriques tinha obrigagSes para com os bres e as comunidades ed ob pena de subve comportamento do heréi que ouse sai fora dos eaminhos conven Comins a todor os homens do que propramente come cage Je una, (do moralmente eproviel texto parece estar incompleto. Anténio José Saraiva admite, prova- velmente com razio, que relatasse com algum pocmenor a batalha de pie cn bees pis na ve 4: pelos desigos que no seeulo av copiaram ve ‘qu Ihes pareeeuc um relato demasiade difecate do que on dado pelos

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