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Aga Khan
Líder dos ismaelitas
investe milhões
em Portugal
Por Alexandra
Carita
A Revista do Expresso
EDIÇÃO 2341
9/SETEMBRO/2017
Ana
Paula
Vitorino
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2 NO MENU PRINCIPAL, ESCOLHA: CÓDIGO DE ACESSO
OS FILHOS DE NINGUÉM
J
AUNG SAN SUU KYI TEM AS MÃOS ATADAS. CULPÁ-LA E EXIGIR QUE DEFENDA COM VEEMÊNCIA
OS ROHINGYA É CONDENÁ-LA A FICAR REFÉM DOS MILITARES E A PERDER O APOIO DA POPULAÇÃO
immy está sentado num dos degraus do templo Enquanto conversamos na sombra de um Buda doirado e
budista, a limpar o suor da testa. A anglicização impávido, a quilómetros dali, numa zona tornada inacessível pelos
do impronunciável nome torna as coisas menos checkpoints, os militares queimam e exterminam a insurreição
complicadas. Jimmy fala inglês e repete que não é a que chamam terrorismo. Os rohingya têm uma espécie de
“bengalês”. Leia-se rohingya. A família veio da Índia novíssimo líder que decidiu pela resistência armada, sacrificando
no tempo do império britânico, os antepassados milhares de vidas à retaliação. Mataram doze soldados num
foram soldados coloniais quando Birmânia fazia parte posto, e os soldados queimaram as aldeias e mataram cem vezes
da Índia. As fronteiras e os vizinhos são o principal mais rohingya. Os outros fugiram para o Bangladesh. Dezenas
problema birmanês, além da história de violência, do de milhares. Um êxodo bíblico. A população budista maioritária
passado ditatorial, das etnias e tribos, da pobreza, do do estado de Rakhine exige proteção contra os terroristas, que
subdesenvolvimento, da ausência de infraestrutura, da têm a sua quota mínima de atrocidades e são pelo recrutamento
fragilidade da democracia, do budismo ultramontano, à força de homens e crianças. Ao mesmo tempo, da Turquia à
dos separatistas armados, da economia incipiente, da predação Indonésia, os muçulmanos ricos ensaiam uma resistência política
do capitalismo chinês, da cobiça do turismo, da decadência e preparam-se para financiar secretamente a resistência armada
do património, da poluição, da corrupção, etc., etc., etc. E os que degenera no pan-jiadismo do costume. O perigo que isto
militares, o Tamadaw, uma classe à parte que se reclama protetora representa para a recente democracia birmanesa é brutal. Aung
do povo. A Birmânia tem demasiados problemas e tragédias San Suu Kyi tem as mãos atadas. Culpá-la e exigir que defenda
para considerar os rohingya um problema. Um rohingya é um com veemência os rohingya é condená-la a ficar refém dos
bengalês, dizem. Não é deste país. Um mês na Birmânia e não militares e a perder o apoio da população. Um dos oficiais do
encontrei um defensor dos rohingya. Jimmy, é por causa de seu partido foi condenado a anos de prisão e trabalhos forçados
serem muçulmanos? Não, devem regressar de onde vieram, ao por esse “crime”. Myanmar não atingiu o estado da consciência
Bangladesh. O Bangladesh não quer os rohingya. Nem a Índia. A liberal do Ocidente, que sofre pelos rohingya mas ignora
Índia tenta deportá-los, voltem para Myanmar, e o Bangladesh, olimpicamente as vítimas do Iémen da guerrazinha dos sauditas
um país miserável e inundado graças ao aquecimento global, por nós armados. Exigir que retirem o Nobel à senhora é um
junta-os em “campos de refugiados” que fazem a selva de disparate. Pensem primeiro em Henry Kissinger. A situação pode
Calais parecer um hotel. São corpos amontoados, esfomeados e piorar e pode saldar-se pelo fracasso político de Suu Kyi e do seu
rejeitados. Ninguém quer os desgraçados rohingya. Não há pátria titubeante Governo e o regresso do poder autoritário e absoluto
para os acolher. Nem as muçulmanas Indonésia e Malásia. Nem da Junta, que nunca foi embora. Espero que António Guterres
a budista Tailândia. Morrem na terra e no mar. Ninguém sabe ao não embarque na retórica fácil e compreenda a complexidade de
certo quantos são. metermos as brancas mãos neste vespeiro à toa. E quem se dispõe
Jimmy é muçulmano. E tem a pele da cor dos bengaleses. a acolher os rohingya e dar-lhes uma casa? Ninguém. Haverá de
Confessou-se muçulmano só ao fim de algum tempo. Em reserva um futuro igual ao dos naufragados do Mediterrâneo. b
Mandalay, onde vive, fica a sede da resistência budista aos
muçulmanos, um movimento racista liderado por um monge
aparentado com a rapaziada de Charlottesville. Um racista na
Alemanha, na América ou na Birmânia dá no mesmo. Um tipo
inchado de ódio que agarra no megafone e quer expulsar os
que não se parecem com ele. Ashin Wirathu tem uma vasta
audiência e é poderoso. Tem as costas quentes dos militares.
Nem todos os budistas são assim, nem todos os muçulmanos são
extremistas. A maioria não é. Jimmy é muçulmano e esclarece
que os muçulmanos são boas pessoas e não são terroristas. E
os rohingya? Os “bengali” têm um grupo terrorista. Jiadis?
Jiadis, diz ele. Como os da Europa. A fissura entre muçulmanos
e outros credos, sobretudo o budista, é antiquíssima. Noutros
lugares da Birmânia, como o estado Chan, sempre houve brigas,
pogroms. No Bangladesh, a violência vira do avesso e os budistas
são perseguidos e assassinados. Na Índia, os muçulmanos são
indesejados. Para não falar de Caxemira. As feridas coloniais
foram reabertas por uma insanável intolerância religiosa. Jimmy / CLARA
diz que os muçulmanos têm má reputação, a de tratarem mal as
mulheres e de serem cruéis. Não é verdade, lamenta. Na Birmânia,
FERREIRA
as mulheres não são maltratadas. ALVES
E 3
AKDN
em Portugal e na Europa portuguesa contam tudo sobre o novo
álbum 98 | Receita
10 | Do Céu ao Inferno 42 | Basquetebol A história Por José Avillez Aga Khan O perfil
+ Batata Quente de Kevin Durant, o melhor 68 | Veneza Primeiras de um dos homens
jogador do mundo que tinha impressões a meio do Festival 99 | Vinhos
12 | Pimenta na Língua tudo para não o ser Por João Paulo Martins mais ricos e influentes
+ Números Primos 70 | Marco Rodrigues O do mundo prestes a
48 | Cérebro Balanço de novo rumo de um fadista 100 | Sobre Mesa
14 | Déjà Vu + Altifalante dez anos de atividade do Por Fortunato da Câmara estabelecer residência
Programa de Neurociências 71 | Serralves “O Museu em Lisboa
16 | O Que Eu Andei da Fundação Champalimaud como Performance” 101 | Recomendações
para Aqui Chegar Graça De “Boa Cama Boa Mesa”
Mira Gomes 56 | Entrevista Ana Paula 74 | Livros “Atos Humanos”,
Vitorino tornou-se ministra de Han Kang 102 | Sentir
18 | Oito da Manhã O início do Mar e doente oncológica O papão da matemática
do dia com Jorge Corrula ao mesmo tempo. Continua 78 | Cinema “Sorte à Logan”,
de Steven Soderbergh 103 | Há Homem
20 | Planetário “Tunnel no Governo e venceu o Por Luís Pedro Nunes
of Love” em Cascais cancro 82 | Televisão “The Deuce”,
no TVSéries 104 | Passatempos
22 | Passeio Público
20 Minutos com... 84 | Música “American 105 | 10 Perguntas a... FICHA
Ruy de Carvalho Dream”, dos LCD Soundsystem Tarantini
Por Inês Maria Meneses
TÉCNICA
88 | Teatro & Dança Diretor
“Trilogia Antropofágica”, de Pedro Santos Guerreiro
Tamara Cubas Diretor-Adjunto
Miguel Cadete
90 | Exposições Coleção La mcadete@impresa.pt
Caixa na Cordoaria Nacional Diretor de Arte
Marco Grieco
92 | Obrigatório Tudo o que Editor
não pode perder Jorge Araújo
jmsaraujo@expresso.impresa.pt
CRÓNICAS Coordenadores
Ricardo Marques
rmarques@expresso.impresa.pt
Rui Tentúgal
3 Pluma Caprichosa por Clara Ferreira Alves | 24 Cartas Abertas por Comendador Marques de Correia rtentugal@expresso.impresa.pt
75 Isto Anda Tudo Ligado por Ana Cristina Leonardo | 79 O Cinema Dá o Que a Vida Tira por Manuel S. Fonseca Coordenadores Gerais de Arte
Jaime Figueiredo (Infografia)
85 A Desarmonia das Esferas por João Lisboa | 94 Que Coisa São as Nuvens por José Tolentino Mendonça João Carlos Santos (Fotografia)
102 Diário de Um Psiquiatra por José Gameiro | 106 Fraco Consolo por Pedro Mexia Mário Henriques (Desenho)
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Porque
vamos
ao bloco
operatório?
CATARATAS, APENDICITE, OPERAÇÃO ÀS
AMÍGDALAS, BYPASS, TRANSPLANTES. QUAIS SÃO
AS CIRURGIAS MAIS RECORRENTES NA EUROPA
E SOBRETUDO EM PORTUGAL? AVALIÁMOS
O PANORAMA E DAMOS-LHE A RESPOSTA
E 7
PORTUGAL 132.363 PORTUGAL 8477 PORTUGAL 3870 PORTUGAL 12.167 PORTUGAL 9832 PORTUGAL 16.609
que as torna mais comuns e recorrentes. Fomos aumentou, uma vez que a recuperação se tornou A Alemanha e a Letónia andam lá perto com
avaliar o que se passa na Europa e sobretudo em “excelente”, com as novas técnicas e tecnologias 400 doentes operados. Já Portugal sobe de nível
Portugal e chegámos a essa conclusão. À qual se de intervenção, a capacidade operatória idem de ocorrências no que respeita às angioplastias.
ajustam as principais patologias dos habitantes aspas, bem como a sua funcionalidade. Por Vasco Gama Ribeiro, presidente do Colégio da
de cada país. Só em Portugal realizam-se outras palavras: “Dantes só operávamos as Subespecialidade de Cardiologia de Intervenção,
568.765 operações por ano (excetuando cataratas quando a patologia estava madura, hoje não tem dúvidas do porquê. “A causa mais
pequenas cirurgias) de acordo com as estatísticas operamos muito mais cedo — passámos de 1/10 frequente de morte em Portugal são as doenças
hospitalares de 2016. Especialidades como a de antigamente para 7/10 de hoje”, continua cardiovasculares.” A angioplastia coronária,
oftalmologia, a cardiologia, a obstetrícia fazem Augusto Magalhães que não deixa de frisar que esclarece, é uma intervenção percutânea que
parte de um top cinco de doenças atualmente o paciente está recuperado 24 horas depois e a consiste num cateterismo terapêutico, ou seja,
tratadas através das mais eficientes operações. ver perfeitamente, pronto para desempenhar com um cateter introduzido pelo braço em 90%
Um estudo da Eurostat põe os pontos nos is no todas as funções do seu dia a dia. “As taxas de dos casos (e pela perna em casos particulares)
que se refere ao número e ao tipo de intervenções recuperação são excelentes.” Outro motivo dilatam-se as artérias. Este procedimento evita
cirúrgicas realizadas no Velho Continente, ainda para o aumento desta cirurgia aos olhos a cirurgia. “Há estudos comparativos com a
indicando simultaneamente de que padecem os prende-se com o facto de ela ser prescrita e cirurgia que provam que a eficácia é igual”,
europeus. tomar o mesmo nome nos dados estatísticos adianta o cirurgião da especialidade. E, tal como
E se há cirurgia que bata recordes de realização, da cirurgia refrativa à remoção do cristalino no caso das cataratas, os pacientes não ficam
ela é a operação às cataratas. Em 2015, data transparente, aquilo que se faz a partir dos 50 mais de 24 horas internados, tendo complicações
dos últimos dados disponíveis, mas revistos anos, quando a grande maioria das pessoas passa mínimas. A angioplastia coronária serve ainda os
já este ano, 4,3 mil milhões de europeus com a ver mal ao perto e nessa remoção se insere uma doentes que, por razões específicas, não podem
residência nos Estados-membros da EU, tinham lente multifocal. Esta operação é em tudo igual à ser sujeitos a cirurgia. “Não é nada descabido que
sido intervencionados às cataratas. Só em cirurgia às cataratas. Acresce ainda a todas estas este seja um dos procedimentos mais comum em
Portugal esse número definia-se como mais de razões uma outra que não deve ser descurada: “É sala de operação em Portugal. O nosso historial
1300 pessoas por cada 100 mil habitantes. Um aceitável operar oito cataratas por cada período patológico assim o determina”, continua Vasco
valor semelhante aos números apresentados por cirúrgico de seis horas”, diz o presidente do Gama Ribeiro. No serviço que dirige, só no
países como Malta, República Checa, Alemanha, Colégio de Oftalmologia. Um número que, no ano passado realizaram-se 1100 angioplastias
Suécia, França, Áustria ou Estónia. entanto, pode duplicar dependendo do cirurgião. coronárias. O médico estima que entre 30 a 30
“Trata-se de uma doença própria da idade e “Numa manhã, das 8h às 14h pode operar-se 15 e poucos por cento dos portugueses sofram de
com o aumento substancial da esperança média ou 16 cataratas.” doença coronária severa, sendo muitos deles
de vida, o número destas cirurgias cresceu Muito frequentes em toda a Europa e também tratados através deste método procedimental.
muitíssimo”, explica Augusto Magalhães, o com números elevados no nosso país, são as Uma operação, de resto, que sobe para números
cirurgião que preside ao Colégio da Especialidade broncoscopias e angioplastias coronárias. a rodarem as 200 em cada 100 mil pessoas em
de Oftalmologia, apontando esta como uma das O país onde mais se realiza este primeiro países como o Reino Unido, Espanha, Finlândia e
razões para a frequência da operação. Por outro procedimento médico é na Croácia, com uma Irlanda.
lado, adianta, a indicação cirúrgica também média de 685 cirurgias por 100 mil habitantes. Em França, no Reino Unido, na Irlanda, em
Malta, Dinamarca e Bélgica as colonoscopias
assumem-se como o segundo procedimento
clínico em sala de operações mais frequente. O
exame ao cólon é, de resto, tido como o mais
comum na Europa. Os valores estão em quase
AS CATARATAS SÃO UMA DOENÇA PRÓPRIA DA IDADE todos os países acima dos mil realizados por
E COM O AUMENTO SUBSTANCIAL DA ESPERANÇA MÉDIA ano em cada 100 mil pacientes. Seguem-se-lhe
DE VIDA, O NÚMERO DESTAS CIRURGIAS CRESCEU MUITÍSSIMO. as apendicites. Uma cirurgia aparentemente
simples mas que pode trazer complicações,
AO MESMO TEMPO, OS EXCELENTES RESULTADOS FAZEM nomeadamente, se se tratar de uma peritonite.
COM QUE A SUA PRESCRIÇÃO TAMBÉM AUMENTE Costa Maia, membro do Colégio de Cirurgia
E 8
Alemanha 173.360 França 3109 Alemanha 25.482 Alemanha 124.341 Turquia 683.916 Alemanha 237.067
França 152.872 Turquia 2924 França 24.302 França 64.733 Alemanha 220.306 França 158.124
Itália 139.614 Espanha 2678 Itália 23.701 Itália 60.918 Reino Unido 195.552 Reino Unido 119.806
PORTUGAL 16.734 PORTUGAL 450 PORTUGAL 2630 PORTUGAL 9361 PORTUGAL 261 PORTUGAL 9101
Luxemburgo 1002 Estónia 35 Chipre 120 Malta 602 Chipre 1425 Chipre 412
Chipre 883 Chipre 27 Luxemburgo 85 Chipre 428 Malta 1357 Malta 326
Liechtenstein 40 Malta 20 Liechtenstein 2 Liechtenstein 26 Liechtenstein 18 Liechtenstein 17
Geral, faz notar que o envolvimento do risco os gregos chegam às cerca de 200 operações às médicos”. O presidente do Colégio de Obstetrícia
não deixa nunca de estar presente mesmo nas hérnias pelos tais 100 mil habitantes. Realizadas considera que os números de cesarianas podem
operações menos complexas. Mas o aumento de forma eletiva, só o volume da hérnia não ser reduzidos mas “de forma cuidadosa,
do número de casos bem sucedidos prova que permite catalogar a operação como simples, monitorizada e acompanhada, de maneira a não
a evolução ajuda à prescrição das apendicites. explica ainda Costa Maia, que refere que se prejudicarem os altos índices de natalidade dos
“Atualmente trata-se de uma operação com trata das hérnias não complicadas. Contudo, o bebés no parto”.
menor nível invasivo através da técnica médico frisa e mostra a sua preocupação para Ainda no domínio da obstetrícia, a histerectomia,
laparoscópica. Isto significa que a cirurgia com o crescimento das doenças oncológicas vulgo a retirada do útero, surge com um valor
envolve mais conforto, menos dor e muito (que necessitam de intervenções cirúrgicas) e da relativamente alto em Portugal. Cerca de 100
melhores resultados do ponto de vista estético.” obesidade, que sobrecarrega muito os serviços de mulheres em cada 100 mil recorrem a este
No entanto, convém frisar que o número de cirurgia. procedimento, que ocorreu precisamente
apendicites agudas operadas é um valor estável. Já no ramo da obstetrícia, realizam-se por ano na 9326 vezes em hospitais públicos no ano de
Segundo Costa Maia, isso deve-se ao facto de Europa pelo menos 1,38 milhões de cesarianas. 2014, avança um estudo da Universidade de
existir já um tratamento médico com antibióticos Dados referentes a 2016 estabelecem o número de Coimbra. Mas esse valor tem vindo a diminuir
que se aproxima da intervenção cirúrgica, à cesarianas em Portugal em 35 mil ano, uma taxa substancialmente, à volta de 20% nos últimos
qual antigamente se recorria sempre. Já no que de pouco mais de 40% em 82 mil partos ano. 15 anos. Porquê? “Surgiu uma nova forma de
respeita ao risco de que fala o cirurgião Costa Estes valores são assumidos como excessivos pela intervenção cirúrgica minimamente invasiva,
Maia, ele é mais comum nestes procedimentos Direção-Geral da Saúde e por muitos médicos. O a histeroscopia, um método que permite ver
operatórios uma vez que eles podem surgir em presidente do Colégio de Obstetrícia, João Silva dentro do útero através de um sistema ótico e
urgência. “Nesses casos não há preparação pré- Carvalho, também acha que há cesarianas a assim tratar a doença que lá esteja”, explica
operatória, conhecemos o doente no próprio mais, no entanto, frisa que é prioritário termos, o cirurgião. Outra inovação que concorre
dia da cirurgia, ele pode ser idoso, o que torna como temos, os maiores índices de natalidade para a mesma diminuição do número de
as coisas mais complicadas, ou mais jovem, em parto do mundo. Nesse campo, a Holanda histerectomias são os novos tratamentos médicos
que normalmente torna tudo mais fácil. Mas o situa-se no pior lugar da Europa e a Inglaterra por comprimidos que permitem controlar
espectro de doentes é muito grande.” O mesmo também apresenta valores muito baixos de várias outras patologias, nomeadamente
acontece no âmbito das operações à vesícula, natalidade à nascença. Vejamos as causas para “os fibromiomas, a principal causa das
outra cirurgia muito comum em Portugal e tais números de cesarianas em Portugal. Uma das histerectomias” em Portugal. Ainda dentro da
que tem vindo a aumentar nos seus números variáveis que influi na sua grandeza é o índice área cirúrgica, a também minimamente invasiva
absolutos. Um padrão de crescimento que se de doenças do aparelho ginecológico (doenças laparoscopia permite cuidar quase todas as
prende também ao aumento de tumores no urinárias, etc.), outra é o número de processos patologias ginecológicas anulando as retiradas
intestino, tumores no fígado, biliares, muitas médico-legais levados a cabo contra os médicos. do útero. “Isto veio trazer uma enormíssima
vezes por infeção por vírus, mas também por via “Quando algo corre mal, é recorrente pensar-se vantagem para o sistema de saúde e coloca-nos,
do álcool. que o médico poderia ter feito uma cesariana e a nós Portugal, no lugar de um dos países mais
Com um número de pacientes a rodar os 160 por não o fez”, diz João Silva Carvalho. Portanto, avançados nesta matéria”, conclui João Silva
cada 100 mil portugueses a serem submetidos “isso gera uma atitude de defesa por parte dos Carvalho. b
a operações para retirar hérnias inguinais, esta
cirurgia “rotineira”, como lhe chama Costa
Maia, este é outro dos procedimentos operáticos
mais frequentes no nosso país, apresentando-se
mesmo num top cinco, se o quiséssemos fazer.
De resto, nos últimos cinco anos, as operações UMA DAS VARIÁVEIS QUE INFLUI NA GRANDEZA
às hérnias inguinais recorrendo à técnica DO NÚMERO DE CESARIANAS É O ÍNDICE DE DOENÇAS DO
laparoscópica quase triplicou em Portugal, sendo APARELHO GINECOLÓGICO (DOENÇAS URINÁRIAS, ETC.),
este o país onde se realizou um maior aumento
deste procedimento cirúrgico. Mas mais do que OUTRA É O NÚMERO DE PROCESSOS MÉDICO-LEGAIS
no que respeita aos números, os austríacos e LEVADOS A CABO CONTRA OS MÉDICOS
E 9
BATATA
QUENTE
Barack Obama PERGUNTAS
Certeiro, chamou Hemiciclo.pt IMPERTINENTES
“cruel e errada” à de- Criado por David
Onde está o
cisão do sucessor de Crisóstomo (estudante
revogar a amnistia às
Tribunal de Justiça da UE
de Economia) e Luís
dinheiro de
800 mil pessoas leva- A rejeição dos recursos húngaro Vargas (designer), este
das ilegalmente para e eslovaco contra a obrigação de novo sítio dá conta de
Pedrógão?
os EUA quando eram acolher refugiados foi um gesto de toda a atividade par-
crianças, sujeitando- defesa dos valores comuns da UE e lamentar, num esforço
-as à deportação. A do humanismo, num momento em meritório por aproximar
questão é, recordou, que só foram relocalizadas 28 mil a política do cidadão. Depois da tragédia a 17 de ju-
de “decência básica”. das 160 mil pessoas previstas. nho, dos 64 mortos, 254 feri-
Agora está nas mãos dos, 491 casas destruídas, 477
do Congresso. cabeças de gado perdidas, só
a onda de solidariedade dava
ânimo para continuar. Logo
nas primeiras semanas, entre
contas, concertos e fundos,
em Portugal e no estrangeiro,
Fernando foram angariados cerca de
Medina €14 milhões. Não chega-
O debate televisivo vam para curar, mas eram
não correu mal ao indispensáveis para tratar as
Catalunha autarca de Lisboa: dores mais urgentes. Agora,
O Parlamento regional sem brilhar, ficou quase três meses depois,
aprovou o pretenso refe- claro que não tem
rival à altura. O pior os autarcas dos concelhos
rendo à independência,
marcado para 1 de outubro. foi a Comissão Naci- mais atingidos — Pedrógão
Mas fê-lo atropelando as onal de Eleições ter Grande, Castanheira de Pera
suas próprias regras e a mandado a Câmara e Figueiró dos Vinhos — falam
consulta não terá garantias suspender a publici- de desvio de verbas e pedem
jurídicas. O impasse man- dade institucional,
que roça a
a intervenção do Banco de
tém-se e ninguém parece Portugal para, através do
capaz de um golpe de asa. propaganda.
Ministério Público, rastrear
os donativos tresmalhados.
António Costa apresentou
Bashar al-Assad as primeiras contas: no fundo
É improvável que isto in- Revita, criado pelo Governo
Aung San Suu comode o Presidente sírio, com donativos particulares,
Kyi Manuel Machado mas a investigação das estão depositados €1,96
A crise do povo A promessa de um aeropor- Nações Unidas concluiu milhões, podendo subir para
rohingya terá nu- to internacional em Coimbra que foi o seu Governo que
(convertendo o aeródromo de os €4,95 milhões se se efeti-
ances, como todas. orquestrou o ataque
Mas é confrange- Cernache) vem na linha dos com gás sarin contra varem todas as intenções de
dor alguém com a piores vícios da política local. civis, em abril. Este tipo ajuda. A maioria dos donativos
autoridade moral Candidate-se antes a Beja, onde de barbárie tornou-se ficou fora do fundo estatal e
da Nobel da Paz já existe tal equipamento, “padrão”, acusam está a ser gerida por enti-
de 1991 negar as de resto vazio. os inspetores. dades sociais, como a União
notórias violações das Misericórdias e a Cáritas.
dos direitos daquela
minoria muçulmana Marcelo Rebelo de Sousa já
da Birmânia. pediu a divulgação de quem
gere o quê. Entre entradas e
saídas, é só fazer as contas. E
ver se dá negativo. / RAQUEL
MOLEIRO
Candidaturas
abertas 1–27 set
Matemática Tecnologias Quânticas Inteligência Artifical
Para estudantes Para estudantes de Para estudantes
universitários do 1º-, 2º- licenciatura ou mestrado do 3º- ano de cursos de
ou 3º- anos de cursos com de cursos com uma licenciatura ou mestrado
uma forte componente forte componente em integrado com uma
em Matemática. Ciências, Matemática forte componente em
ou Engenharia. Informática.
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MILHÕES DE DÓLARES PARA RIO
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/ JOÃO SILVESTRE
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1962
DÉJÀ VU
O FUTURO FOI ONTEM
E 14
1961
Perfil discreto
Sabe-se muito sobre os cargos de 2017
política externa que ocupou, mas
pouco sobre o seu percurso pes- A primeira
soal. Nasceu no início da década de É escolhida por António Costa
60, é casada com João Mira Go- para secretária-geral do Siste-
mes, embaixador e ex-secretário ma de Informações da Repú-
de Estado da Defesa e Assuntos do blica Portuguesa. É a primeira
Mar, e tem dois filhos. O casal gosta mulher no cargo.
de praticar ténis e ciclismo.
1984
Carreira
na diplomacia
Tem feito carreira no
Ministério dos Negócios
Estrangeiros. A sua for-
mação é em Direito,
licenciatura tirada na
Universidade Cató- 2016
lica, e tem também
uma pós-graduação Voos de observação
em Estudos Europeus, Na qualidade de embaixadora
feita na mesma universidade. portuguesa na OSCE destacou-
-se na presidência à Comissão
Consultiva do Tratado Open
Skies, que estabeleceu um regi-
me de quotas de observação de
voos desarmados nos Estados-
-membros da organização.
1989
Experiência
internacional
2011 2015
São vários os cargos no
currículo da embaixadora. Visão Reputação positiva
O primeiro, poucos anos estratégica Há dois anos que representava, em
depois de entrar na diplo- Viena, a Organização para a Segurança
macia, foi na Representa- 1993 Foi durante três
e Cooperação na Europa (OSCE).
ção de Portugal junto das anos representante
É conhecida por ser rigorosa e afável.
Comunidades Europeias, Currículo mundial permanente de Por-
em Bruxelas. A longa experiência levaram-na a percorrer várias tugal no Comité Político
geografias. Foi vice-chefe, em Macau, do Grupo e de Segurança da União
de Ligação Luso-Chinês até 1996; representante- Europeia, em Bruxelas, o
-adjunta na Missão de Portugal na OCDE, de 2000 que lhe permitiu ter uma
a 2005; e ministra-conselheira na embaixada em visão estratégica sobre
Berlim, de 2005 a 2008. Foi também, em represen- defesa e segurança.
tação do MNE, conselheira para a Igualdade.
E 16
OITO DA MANHÃ
PELA FRESCA
Jorge Corrula
O ator começa os dias a levar a filha, Beatriz, à escola. São três quilómetros que
ele percorre de bicicleta, “já equipado”, aproveitando para “fazer o aquecimento”.
Desde que terminaram as gravações da novela “Amor Maior”, passa os dias a
correr no Passeio Marítimo de Oeiras ou no Jamor. Os olhos estão postos na
mítica Maratona de Nova Iorque, em novembro, a primeira que o ator, de 39 anos,
vai fazer. “Era uma ideia que tinha desde que vi o Carlos Lopes e a Rosa Mota
ganharem as medalhas olímpicas, mas achava que era um sonho impossível. Nos
últimos três anos comecei a correr algumas provas nacionais e este ano consegui
inscrever-me.” Além de “muitos quilómetros nas pernas”, tem feito reforço
muscular e “alguma fisioterapia”. “Vão surgindo pequenas lesões e é preciso
tratá-las, porque quero chegar bem a Nova Iorque. O objetivo é sofrer o menos
possível”. / JOSÉ CARLOS CARVALHO (FOTOS) E NELSON MARQUES (TEXTO)
E 18
CULTURA POP
Economia chega
à edição deste ano
da Comic Con
A edição deste ano da Comic Con Portugal, que decorre de
14 a 17 de dezembro na Exponor, em Matosinhos, apresentará
uma nova área no evento com a designação Comic To
Business na qual “existirá a possibilidade de verificar como
se movimenta” e quais são “as tendências e oportunidades
que existem na indústria da Cultura Pop em Portugal, no
momento e no futuro”, revela ao Expresso Paulo Rocha
Cardoso, diretor-geral da Comic Con Portugal.
Entre os nomes já confirmados para esta edição estão
Dominic Purcell, da série “Prison Break”, e Edward James
Olmos, que agora retoma, ao fim de 35 anos, a personagem
que criou em “Perigo Iminente” no novo “Blade Runner FESTIVAL
E 20
RUI OCHÔA
Joe” esta ideia de Adam Reid está
durante anos a fio.
neste momento a angariar fundos
através do Kickstarter e quer levar
A exposição que
aos pequenos ecrãs uma sitcom de inaugura hoje no
ficção científica na qual os dois pro- Mira Forum, no Porto, junta olhares dos podemos ver agora em “A Propaganda
tagonistas viajam no tempo onde fotógrafos Alfredo Cunha e Rui Ochoa Nas Eleições Presidenciais dos EUA
tentam mudar o curso dos acon- e também materiais do Ephemera 2016”, que estará parente no Mira
tecimentos, tendo Neil DeGrasse do arquivo de José Pacheco Pereira, Forum até 21 de outubro.
Tyson como seu guia. propondo um reencontro com esses Durante este mesmo período estarão
dias de intensa luta política. ali igualmente expostas, em “América
A Ephemera tem por objetivo América”, fotografias que mostram
“promover livros, jornais, efémeras e “os contrastes existentes nos Estados
Cascais
materiais de arquivo pertencentes à Unidos da América, de Nova Iorque
biblioteca pessoal de José Pacheco a Washington, passando por São
Pereira”, que é o maior arquivo privado Francisco, entre outras cidades, quase
do género em Portugal e que tem como se estivéssemos a assistir a uma
um blogue (em ephemerajpp.com) espécie de road movie”, como afirma
destinado a tornar público os materiais Vasco Rato, presidente do Conselho
Numa outra dimensão, “Seasons” MÚSICA deste acervo. O arquivo inclui milhares de Administração da Fundação Luso-
(na foto), do mesmo ateliê, é Gravações de espetáculos do pro- de exemplares que cobrem os mais Americana para o Desenvolvimento.
uma obra que, usando tecnologia grama que assinalou o fim de ciclo diversos tipos de objetos como, entre Tanto Alfredo Cunha como Rui
NeoScope, procura transformar de 15 anos de atividade do Proge- outros, pins, flyers, cartazes, T-shirts, Ochoa são profissionais com enorme
o público no elemento central de tto Martha Argerich (e do festival autocolantes, panfletos, fotografias experiência no fotojornalismo, com
uma experiência imersiva. A obra, anualmente realizado em Lugano, publicadas na imprensa, recortes, reportagens feitas pelo mundo fora e,
para ser vivida, exige o download na Suíça) vão chegar a disco numa posters e também manuscritos que ambos, com livros publicados.
de uma aplicação que permite edição em triplo CD da Warner
Classics. Realizada em junho de
depois um tipo de envolvimento
2016, a última edição do festival
numa viagem de 360 graus que
assinalou os 75 anos da pianista e
passa pelas quatro estações contou com as presenças de nomes PHOTO
do ano, estabelecendo, como como os do violinista Renaud MATON
sugere o mote desta edição, um Capuçon, dos pianistas Steven
relacionamento com a natureza. Kovacevich e Nicholas Angelich e
Dos artistas António Rafael e João ainda da filha de Martha Argerich, a
Martinho Moura “NaN:Collider” violetista Lyda Chen.
é um projeto que propõe “a
exploração de dados, técnicas, HISTÓRIA
algoritmos e representações, Os 100 anos da revolução russa
inspiradas no contexto da pesquisa são tema de um ciclo que o CCB
e desenvolvimento da exploração apresenta este mês. Abre dia 14
espacial, criando um concerto com uma palestra por Stephen
audiovisual imaginário”. Lovell (Professor de História
A Bélgica vai ser o país em destaque Moderna no King’s College, em
na programação do Lumina. As Londres), inclui dia 19 um programa
potencialidades culturais e as de música pela Orquestra Sinfónica
Metropolitana com obras de Shos-
tradições vão estar em destaque
takovich e Prokofiev, um debate
numa programação promovida
dia 23 com José Pacheco Pereira,
pela embaixada da Bélgica e que Raquel Varela, Rúben Carvalho e
permitirá, além de acompanhar Jaime Nogueira Pinto, leituras de A passagem dos 40 anos sobre a edição do álbum “News Of The World” dos
atuações musicais e ver a obra de poemas de Vladimir Maiakovski Queen vai ser assinalada com o lançamento de uma edição especial que inclui
luz do artista belga convidado, por José Fanha (dia 26) e cinema, 3 CD (dois deles com raridades descobertas nos arquivos da banda) e um DVD
experimentar ainda os sabores da dia 29, com “Ivan, O Terrível”, de com o documentário “Queen: The American Dream”, com imagens captadas
culinária do país. Eisenstein. nos bastidores da digressão que acompanhou o lançamento deste álbum.
E 21
RUY DE CARVALHO
“SOU UM CIDADÃO NORMAL
COM JEITO PARA REPRESENTAR”
O ATOR PARTICIPA HOJE NA HOMENAGEM TEATRAL Dizia-me que há tudo no teatro, e no teatro, como no “Peter Pan”,
A PAULA REGO, NUMA APRESENTAÇÃO ÚNICA PELO também não se envelhece?
O teatro é que não envelhece. Nós envelhecemos e os autores também.
TEATRO EXPERIMENTAL DE CASCAIS DA OBRA “PETER O que lhes acontece é que vão buscar a sua velhice e são recordados com
PAN”, ÀS 19H, NO CENTRO COLOMBO, EM LISBOA muita ternura. O Liszt e o Beethoven já não existem e, no entanto, gostamos
de os ouvir. O Tchaikovsky também. O teatro pode recordar isso tudo.
ENTREVISTA ALEXANDRA CARITA Quando digo que no teatro não se envelhece é porque a personagem
FOTOGRAFIA JOSÉ CARLOS CARVALHO não tem idade...
Vai participar num espetáculo a partir da obra de Paula Rego sobre Ah! Isso não. Quer dizer, ela tem idade, nós é que nos adaptamos à idade
a história do Peter Pan. Gosta da pintura dela? que ela tem. Eu, por exemplo, ainda não tenho 90 anos para o teatro,
Não é bem o meu estilo de pintura. Mas reconheço-lhe o talento. Acho dou para os 70. Dizem-me que ainda acreditam que tenho 70! Mas
que é uma grande pintora. Na arte é tudo muito subjetivo. Podemos até realmente só envelhecemos quando acabamos.
não gostar do que estamos a ver mas querermos que essa obra exista. A
obra da Paula Rego vale realmente a pena ser mostrada ao público. Ela Qual foi a personagem mais jovem que fez?
pinta maravilhosamente, disso é que não há dúvida nenhuma. Fico um Talvez num Shakespeare, “Medida por Medida”. Era um jovem, o Lúcio,
bocado impressionado com a pintura dela, mas... um menino maluco. Mas já fiz muitos jovens. Há 75 anos comecei por
fazer jovens e galãs. Era chamado galã. Não sei se era o galã bonito
Neste “Peter Pan” do Teatro Experimental de Cascais encenado se o galã ator, porque existem os dois. O Humphrey Bogart era galã e
por Carlos Avilez qual é o seu papel? não era bonito. Hoje há muitos atores que são galãs e não são bonitos.
Sou o narrador. Um papel que pode parecer fácil mas que não é. Tenho Antigamente até tínhamos nomes, o galã de ponta, o galã central, o galã
de me coordenar muito bem com as falas e as entradas deles todos. Há mais velho. Hoje isso perdeu-se.
uma narração e um espetáculo ao mesmo tempo e há muita dificuldade
de conseguir isso. Gosto de narrar e de contracenar com as personagens É muito diferente contracenar com os atores mais novos?
enquanto faço a ligação entre cada episódio. É muito bom contracenar com eles, porque eles reciclam-nos. Nós, se
ficarmos na experiência não progredimos, não avançamos. Precisamos
Qual é a moral da história? de alguma coisa que nos desperte, que nos torne a acordar para a vida.
O Peter Pan não quer morrer, é um velho. O Peter Pan é um malandreco. É o olharmos a experiência que eles nos vão dar. Eles trazem o caos,
É uma figura deslumbrante. Ora quem é que quer envelhecer? Quem é normalmente, mas depois tudo isso começa a harmonizar-se. A nossa
que gosta de envelhecer? Acho que toda a gente gostava de ser Peter experiência com o caos deles resulta numa coisa muito bonita. Hoje não
Pan. E de ter uma apaixonada como a Wendy, então... Um sininho, uma se representa como se representava há muitos anos. Para nos fazermos
índia simpática... ouvir, tínhamos um empolamento para as palavras chegarem ao longe.
Hoje há uma procura da chamada sinceridade, eu não lhe chamo
Lembra-se de quando ouviu pela primeira vez a história do Peter Pan? naturalidade. A naturalidade faz parte do ser ou não ser de cada pessoa.
Não me lembro quando foi a primeira vez que ouvi a história mas o nome Acontece que no teatro, o que o ator tem de procurar é ser sincero para
do Peter Pan conheço-o desde que me lembro de ser pessoa, e já são com a personagem que o autor escreveu. Fiz há pouco tempo o pai dos
90 anos. Já vi o “Peter Pan” muitas vezes. Tudo isto tem passado por Karamazovs, que era bêbado e mau.
mim em 90 anos de idade e 75 de profissão, 60 de televisão.
Mas normalmente dizem que faz personagens ditas boas?
Vai contracenar com o seu neto, Henrique Carvalho. É comovente? Pois é. Mas não é que eu não goste muito de fazer os maus. É aí que
Já contracenei muito com o meu neto. Ele agora faz o pirata Estrelado. É o ator tem de aparecer. É sair de si completamente e contrariar tudo
jeitoso sabermos que temos um filho e um neto atores, não é verdade? aquilo que pensa. É um trabalho interessante de se fazer. Aliás, há maus
Eles é que escolheram, não fui eu que lhes disse nada. Mas a primeira
pessoa a quem contaram foi a mim. “Olha, avô, eu vou para o teatro!”;
“Olha, pai, eu vou ser ator!” Acho que ele tem muito talento, e não o “SE NOS FICARMOS PELA EXPERIÊNCIA
digo por ser avô, se não tivesse eu dizia que não tinha e tentava que NÃO PROGREDIMOS. PRECISAMOS SEMPRE
ele desistisse da carreira. Há muita outra coisa para se gostar no teatro,
não é só ser ator. Há figurinistas, cenaristas, iluminadores, contrarregras, DE ALGUMA COISA QUE NOS DESPERTE,
carpinteiros, pode ser-se muita coisa no teatro. QUE NOS TORNE A ACORDAR PARA A VIDA”
E 22
Porque aceitou narrar a história do Peter Pan? Vestir a pele de tanta gente não é fazer algo um pouco diferente?
Aceitei porque queria absolutamente participar numa homenagem à É. E é sobretudo bom para as doenças!
Paula Rego, uma pintora portuguesa reconhecida mundialmente. Chega
a muita gente com a sua fantasia e a sua imaginação e isso é uma coisa Então?
que me dá um grande orgulho e uma grande satisfação. A verdade é Quando vestimos a pele de outra pessoa não sentimos as doenças.
que tenho mesmo um grande orgulho nos portugueses que aparecem
e que vingam no mundo. E são muitos. Nós é que não sabemos. Não nos Que sentido de humor tão aguçado!
interessamos muito por aquilo que é nosso. É verdade. A minha profissão obriga-me a isso. Sou um observador e
para isso tenho de ter sentido de humor. Passo a vida a observar os meus
Às vezes até os deitamos abaixo. semelhantes. Aliás, nunca estou sozinho, como digo, estou sempre com
A tentativa é sempre essa. Deitar abaixo. É querer sempre mais do que. um canhenho a tomar notas sobre casos conjunto, não individuais. Há
É, por exemplo, um filho querer ser mais do que o pai, um neto melhor do cidadãos semelhantes, do mesmo tipo, gordinho, meio gordinho, loiros,
que o avô. Não. Cada um é o que é. O meu neto é o meu neto e o meu morenos e há muitas formas de proceder, avarentos, generosos.
filho é o meu filho. Cada um tem uma personalidade e uma maneira de
ser. Gostam é da mesma coisa que eu. Gostam de teatro. Observa, toma nota e quando vai para cima do palco replica?
Claro. Quando é preciso uso. Temos de ter um armazém de coisas
Influenciou-os? guardadas para nós. Isso só é possível se vier da observação da vida e
Influenciou-os a minha vida. Quando escolheram ser atores já eu tinha daqueles que vemos de passagem. Há vidas que levam anos e que são
30 anos de teatro. Acharam que ser ator era uma profissão digna, como contadas em três horas! b
E 23
/ COMENDADOR
MARQUES DE CORREIA
N
IMPOLUTOS (OU SEM POLUIÇÃO)
PENSAVAM QUE PODIA HAVER GÁS NATURAL OU PETRÓLEO NOS MARES
AO LARGO DO ALGARVE? POIS PODIA, MAS NÃO HÁ! PASSOU DO PRAZO...
o geral, pensa-se que a plataforma petrolífera passou a ser especialista dessa matéria,
passagem do tempo, falo de opondo-se a qualquer buraco, mesmo que esteja tão longe que
milhões de anos, contribuiu para nem em cima de um prédio de 60 andares plantado na praia
a existência de combustíveis fosse visível. A maioria deles esqueceu a questão da curvatura
fósseis. Assim sendo, poderemos da terra e o facto de as Caraíbas, destino turístico não menos
dizer que Portugal será o único importante do que o Algarve, estar mais furado do que um
país do mundo (mas não somos queijo suíço.
únicos em tanta coisa?) em Mas isso, agora, não interessa nada. Entre o para a frente e
que a passagem do tempo o para trás, o furo ao largo de Aljezur caducou. Ou seja, o
contribuiu exatamente para prazo dado à concessão foi-se. E haverá outro prazo? A Galp
a impossibilidade de haver quer, mas os municípios não. Ao mesmo tempo existem três
petróleo, gás natural ou qualquer processos a correr na Justiça, que é garantia de que nunca
coisa que tenha valor económico a sério. mais se chegará a nenhuma conclusão, até porque está cada
Há uns anos dizia-se que nós precisávamos de uns poços processo em seu tribunal. Um no Supremo Administrativo,
de petróleo para fazer a vida que fazemos. E toda a gente outro no Tribunal Administrativo e Fiscal e outro no Tribunal
se regozijaria pelo facto de tal matéria-prima surgir, fosse de Loulé.
no mar fosse em terra. Andou-se à procura dela ali para a Assim, meus caros amigos, se vê como o tempo, que
Lourinhã e Torres Vedras... mas não só, em muitos outros habilidosa e pacientemente contribui para a formação de
locais houve buscas, embora sempre mal-sucedidas, com petróleo e gás natural através do carbono jurássico, em
exceção para o Beato, uma vez que a peça de teatro de revista Portugal, através de processos arqueológicos, contribui para
“Há petróleo no Beato” ainda conseguiu uns rendimentos para que nunca tenhamos a possibilidade de saber se temos gás ou
os envolvidos, entre os quais o saudoso Raul Solnado. petróleo.
Eis, no entanto, que chegam hipóteses mais modernas e É por isso que a Galp e a Eni deviam fazer como os tuk-tuks e
determinadas com equipamentos mais sofisticados. Haveria os Uber: primeiro faziam o furo, depois logo pagavam a multa.
petróleo e gás offshore, quer dizer no mar. O problema é que Eu sei que dá muito nas vistas, mas é eficaz. b
era no mar do Algarve.
Muita gente ficou contente. Era uma espécie de galinha de
ovos de ouro sem turistas a chatear a molécula no centro de
Lisboa e ainda mais os tuk-tuks e as camionetas de camónes.
Era só fazer o furinho a uns bons quilómetros da praia, o
que até tornava as torres das plataformas invisíveis de terra,
e começar a esperar que o gás ou o petróleo jorrasse para
dentro dos bolsos dos exploradores e para as folhas de Excel do
Ministério das Finanças. Alguns, mais afoitos, chegaram a ter
esperança de que os impostos baixassem.
Para tal, constituíram diversas parcerias. Tanto a Costa
Vicentina (ali para Aljezur, onde primeiro se colocou a
hipótese) como a Costa Sul do Algarve iam ser perfuradas.
Na Vicentina, seria um consórcio da italiana Eni com a
ILUSTRAÇÃO DE CRISTIANO SALGADO
E 24
TEXTOS
ALEXANDRA CARITA
E 26
E 27
2
ROBERT KNUDSEN/AKDN
GARY OTTE/AKDN
3
4
ganha. São milhões e milhões que a Rede Aga Khan
para o Desenvolvimento (Aga Khan Development
Network — AKDN), uma espécie de Nações Unidas
privadas, como já foi descrita, põe ao serviço dos
PÉRIPLO 1 No Paquistão,
fiéis e da sociedade onde se inserem, em mais de 25
em 1970, numa visita a uma escola
países situados maioritariamente na Ásia Central, fundada pelo avô Aga Khan III
na África Subsariana, no Médio Oriente, na Europa 2 Em Porshniev, no Tajiquistão,
e na América do Norte. em 2008, com membros
Com funções múltiplas e muito além da orienta- da comunidade ismaelita
ção religiosa e da interpretação do Corão, Karim Aga 3 Com o Presidente Kennedy,
Khan tem a seu cargo a educação cívica da comuni- na Sala Oval da Casa Branca,
dade, que o adula. Significa isso cuidar do seu bem- em Washington, a 14 de março
-estar e guiá-los no sentido de criarem os seus pró- de 1961 4 Com Nelson Mandela,
prios meios de subsistência e as suas carreiras com já Presidente da África do Sul, em
base nessas orientações. “Os meus deveres são bem Moçambique, em agosto de 1998
mais latos do que os do Papa. Ele só tem de se preo- 5 Com a então primeira-ministra
britânica Margaret Thatcher,
cupar com o bem-estar espiritual do seu rebanho”,
na inauguração do Centro Ismaili
disse um dia. O príncipe Aga Khan encaminha os
em Londres, em 1985 6 No
seus fiéis em termos de educação e saúde, bem Paquistão, com os habitantes
como de finança e economia, valores éticos e soci- de Jaglot, perto de Gilgit,
ais. Um rol de áreas que a constituição que criou em em maio de 1983 7 Na Muralha
1986, ratificada em 1998, descreve com clareza e faz da China, em outubro de 1981
seguir em todo o mundo e em todas as comunida- 8 Com o Presidente Cavaco Silva,
des através de conselhos nacionais. Portugal não é em junho de 2014
5
E 28
E 29
EM PORTUGAL
1983 Implementação
da Fundação Aga Khan
em Portugal
E 30
completamente britânica, antes de se mudar para O Imamato não divide mundo e fé. E muito poucos
a Europa, já depois de ter recebido da Rainha Vitó- compreendem isso fora do Islão. No Ocidente, os
ria o mesmo título de Sua Alteza, corria o ano de vossos sistemas financeiros são todos construídos
1886. Este cidadão britânico, tal como agora o neto, segundo essa divisão”, explica o príncipe noutra
pelejou por melhores condições de vida para a sua entrevista, justificando ao mesmo tempo a preo-
comunidade e para os que lhe estavam próximos e cupação constante com o bem-estar dos seus fiéis.
não deixou de construir uma enorme rede de hos- A mesma afirmação serve ainda para fundamentar
Guinness, uma bonita aristocrata inglesa. Conta-se pitais, escolas, bancos, mesquitas. No entanto, foi a existência de tanta riqueza e criação dela tanto na
que na noite em que a encontrou pela primeira vez, quando, já no início do século XX, chegou ao Velho AKDN como na vida ativa de cada membro da co-
num jantar dançante em Deauville, lhe segredou ao Continente que tomou consciência de toda uma ou- munidade, que se esforça sempre por uma vida me-
ouvido se queria casar com ele. O casamento viria tra filosofia de vida, a de um mundo moderno que lhor e menos carenciada.
a acontecer três anos depois, em maio, na magnífi- quis também doar aos seus fiéis. Com uma persona- Todas as diretrizes de Sua Alteza, de resto, vão
ca Paris. Em dezembro desse mesmo ano, 1936, no lidade fora do comum e uma capacidade intelectual nesse sentido. Se até 1995 os objetivos eram os de
dia 13, nascia Karim Aga Khan. Não tardaria muito forte, passou a mensagem à sua comunidade. Entre obter uma educação superior para o maior número
a nascer o seu irmão Amyn, logo em 1937. Até onde os ismaelitas portugueses, há quem ainda se lem- possível de ismaelitas, hoje os mesmos objetivos, no
reza a história, tudo bem. Mas é no pós-guerra que bre bem de quando Aga Khan III disse aos seus que que respeita ao campo educacional, são os de obter
o galã Aly dá mais que falar. O seu romance com deveriam aprender inglês, “era a Europa um con- ensino superior de excelência para todos. Não é por
a estrela de Hollywood Rita Hayworth foi o apo- tinente francófono”, ou quando chamou pela pri- acaso que Aga Khan tem vindo a criar as suas pró-
geu de uma vida de grandes aventuras. Conheceu- meira vez a atenção para a igualdade de género. “Se prias instituições, desde as aAcademias às univer-
-a em 1948, em plena Riviera francesa, tinha esta tiverem dois filhos, um homem e uma mulher, e se sidades (Universidade Aga Khan e Universidade da
acabado de se divorciar do cineasta Orson Welles e só puderem dar educação a um deles, privilegiem as Ásia Central), abertas a toda a sociedade. Além de-
vinha substituir Pamela Harriman na vida do prín- mulheres”, relembra Nazim Ahmad, representante las, porém, uma nova diretriz toma conta das preo-
cipe. Chegaram a casar, também em maio, a 27, e diplomático do Imamat Ismaili em Portugal. A ideia cupações do príncipe: a educação parental, ou seja,
também em Paris, em 1949, e tiveram uma filha, a era não só fazê-las evoluir geracionalmente de for- aquela que tem início no ventre e se prolonga até aos
princesa Yasmin. Mas não foram felizes para sem- ma rápida como preservar a educação — a mulher 5 anos. É nessa idade que as crianças recebem mais
pre e separaram-se quatro anos mais tarde. E, em como educadora e mãe é a sua principal transmis- estímulos intelectuais, cognitivos e motores, tor-
1960, Aly Khan morria num acidente de viação, às sora. Adorado como ninguém, Aga Khan III viu o nando-se essencial no seu desenvolvimento. Outra
portas de Paris. seu peso ser-lhe doado em ouro no seu Jubileu de das suas prioridades é neste momento uma chama-
“As minhas responsabilidades religiosas come- Ouro, em 1936, na cidade de Bombaim, e depois em da de atenção para a saúde no campo das doenças
çam a partir de hoje”, declarou Karim a seguir à lei- diamantes e platina, nos jubileus correspondentes. psiquiátricas, neurológicas e oncológicas, além da
tura do testamento, que chegou à Suíça numa cai- O mesmo não aconteceu a Karim Aga Khan normal medição dos parâmetros de saúde que su-
xa fechada enviada pelo Lloyds Bank de Londres. IV. Mas os seus jubileus têm sido marcados por gere a todos os fiéis. Esta é só uma amostra do tipo
E 31
E 32
tribuir generosamente de si próprio, a ir além dos ralmente, são visitas a escolas e a hospitais, a cen-
requisitos mecânicos de uma tarefa. Tais homens e tros desportivos ou a mesquitas, durante a manhã, e
de normas que Sua Alteza dita, muitas vezes em mulheres, remunerados ou não, expressam o espí- reuniões e encontros com líderes para planear o de-
campanhas de sensibilização, mas que não deixam rito voluntário, literalmente a vontade de criar um senvolvimento futuro da comunidade, mais tarde.
de ser levadas à letra. Já num raio de ação vasto, produto melhor, uma clínica mais solidária e eficaz. E devo dizer que estar ali por inteiro é muito, muito
as prerrogativas para os próximos 10 anos incluem O seu espírito, gerando novas ideias, resistindo ao pesado, até para quem acompanha este tipo de di-
ainda o combate à pobreza e a mobilização dos jo- desânimo e exigindo resultados, anima o coração de gressões”, explicava numa entrevista de 1970. Vinte
vens para a cidadania (construtiva, ativa e consci- toda a sociedade eficaz.” É esse o seu credo, a sua anos depois, em 1994, a sua vida não tinha mudado,
ente). Para que se tenha uma ideia da precisão des- crença mais profunda e a sua interpretação do Islão. afirmava ao “Paris Match”. Continuava a levantar-
tas orientações, fique a saber-se que são impressos Um Islão muito especial. Aga Khan IV, o imã he- -se às 6h da manhã e a trabalhar praticamente sozi-
manuais escolares em Londres, no Instituto de Es- reditário dos muçulmanos xiitas ismaelitas, é des- nho até às 10h. Depois, até ao meio-dia fazia o pon-
tudos Ismailis, que estabelecem os currículos mui- cendente direto do profeta Maomé, o último profeta to da situação com o seu secretariado, e as reuniões
to bem fundamentados academicamente, depois enviado por Deus à Humanidade e aquele que reve- começavam. Almoçava, e o ritmo mantinha-se in-
traduzidos nas várias línguas das comunidades e lou o Sagrado Alcorão. Acreditam os xiitas ismaeli- tenso, prolongando-se muitas vezes noite dentro.
que significam uma estandardização perfeita da tas que, depois da morte de Maomé, Ali, o seu primo Nessa altura, ainda se queixava de não poder sair
comunidade a nível mundial. Em Portugal, decor- e genro, se tornou o primeiro imã, o primeiro guia para visitar amigos à noite, devido ao trabalho que
rem atualmente, por exemplo, cursos de orientação espiritual da comunidade muçulmana, e que essa o esperava no dia seguinte, logo cedo. Hoje, aos 80
de carreiras para alunos do 8º ano. É-lhes ensina- orientação hereditária continua através dos tem- anos de idade, não. A sua agenda continua lotada e
do até como poupar para o acesso a escolas de nível pos. Ao longo de 14 séculos de história, têm assim ele a não delegar muita coisa nos seus colaborado-
elevado, onde as propinas são caras. A ideia é que seguido os imãs hereditários descendentes de Ali e res, mas queixas sobre falta de tempo livre não há.
nem financeiramente lhes esteja limitado o acesso. de Fátima, filha do profeta Maomé. Nem sobre falta de nada.
No entanto, Aga Khan IV trabalha diariamen- Nessa qualidade, Karim calcorreia o mundo pra- De facto, a Karim Aga Khan IV não lhe fal-
te a uma esfera global. O seu lema é o do pluralis- ticamente de lés a lés. Encontra-se com altos digni- ta nada. A sumptuosidade e o luxo conhece-os de
mo de culturas, credos e ideologias, e acredita que, tários, chefes de Estado, líderes religiosos, políticos, cor. Trata por tu os bens materiais que quiser. No
aplicando estas noções básicas de ética, a socieda- embaixadores, homens de negócios, mas também entanto, humilde por natureza, como conta o seu
de pode evoluir, ajudando-se mutuamente. Acredi- gente humilde, carenciada, professores, médicos, embaixador em Portugal, é mesmo conhecido en-
ta na solidariedade e na cultura do voluntariado. É populações inteiras... Nas reuniões constantes, di- tre os seus como forreta. E desde sempre. É o seu
nessa perspetiva que cria a AKDN, a operar em 30 zem, é sempre um diplomata. Um diplomata no dis- colega de quarto de Harvard o primeiro a falar,
países diferentes e empregando mais de 80 mil pes- curso mas um soberano nas decisões, conseguindo mas seguem-se-lhe a mãe, a irmã e os amigos. Não
soas. Cinco centrais elétricas, companhias aéreas, levar a sua avante em praticamente todas as cir- compra nada, dizem, nem um par de sapatos, nem
empresas farmacêuticas, bancos, seguradoras, ca- cunstâncias, afiançam os que com ele têm traba- um fato novo, só gravatas, todas iguais. E se tives-
deias de hotéis de luxo, empresas de comunicação lhado. Aga Khan participa ativamente em todas as se, ou pudesse, deslocar-se sozinho, escolheria os
perfazem uma centena de empresas detidas pela iniciativas da AKDN, e não há embaixador seu que transportes públicos e pouparia no carro, no segu-
Rede, que utiliza os seus lucros — cerca de 3,5 mil não seja por si nomeado, desde os seus mais pró- ro e na gasolina.
milhões de euros anuais — em benefícios das po- ximos colaboradores aos “ministros” tutelares de Não só de pão vive o homem, talvez respondesse
pulações nos domínios do desenvolvimento social cada comunidade, nomeados por três anos para le- se não fosse muçulmano. A verdade é que, introspe-
e económico e também cultural. Em pratos limpos, var a cabo as suas orientações em cada nação. Es- tivo, Aga Khan carrega com ele um fardo que nunca
isto significa a criação e manutenção de fundos de colhe os terrenos para a construção das escolas, dos fez transparecer, pesada herança e destino traçado,
crédito, de escolas e hospitais e ainda muitos pos- centros ismaelitas (seis em todo o mundo, sendo o um mundo de gente que o segue e um novo mundo
tos de trabalho e micro/macroeconomias em países de Lisboa o terceiro a ser criado), dos hospitais, das a construir. O que tem feito sempre e sempre lhe foi
tão díspares como o Paquistão e o Afeganistão, onde creches, dos museus, de tudo... Designa os arqui- reconhecido. b
ofereceram escolaridade às mulheres, por exemplo, tetos, acompanha a obra, de sapatos sempre — as
até à Tanzânia, ao Mali, ao Burkina Faso, ao Uganda galochas não lhe assentam bem, acredita, conta um acarita@expresso.impresa.pt
E 33
E 35
U
m casal de japoneses de meia-idade passa numa uma zona urbana) e a respetiva saída dos mora-
destas manhãs pela Rua dos Lagares, no castiço dores, uma população maioritariamente de classe
bairro da Mouraria, e é atraído por um prédio cor média-baixa, carenciada, que não vê os seus con-
de salmão. Na janela do terceiro andar, um gato tratos renovados. Esta realidade está a gerar uma
cinzento e branco insinua-se por trás de umas crispação entre moradores e turistas, mas que ain-
cuecas pretas de senhora que estão a secar ao sol. da parece longe da tensão que se vive em Barce-
De máquina apontada para cima, fazem um dis- lona ou em Veneza, onde cresce a ‘turismofobia’
paro para memória futura. Mas a sua atenção de- (aversão a turistas e ao turismo, pelos efeitos per-
mora-se mais nas dezenas de retratos a preto e versos da atividade na qualidade de vida dos mo-
branco dos moradores do prédio que ornamen- radores). Nas ruas de Barcelona há muito que os
tam a fachada. Estes são os rostos dos despejados visitantes são agraciados com frases escritas nas
do nº 25, pode ler-se em português e em inglês. paredes como: “Gaudi odeia-te”, “Chega de es-
Junto às imagens estão cartazes que gritam pala- trangeiros” ou “Turistas voltem para casa, bem-
vras de ordem: “‘Terramotourism’ — instruções -vindos refugiados”...
de emergência em caso de transformação urbana Por cá, na capital, ainda não se chegou a esse
produzida por sismo turístico”; “Não queremos ponto, mas há quem vaticine o mesmo caminho se
ser despejados da nossa Mouraria”; “Há proprie- não forem tomadas medidas para atenuar ou dimi-
tários de má-fé, comprem prédios devolutos, não nuir os impactos negativos do turismo.
se aproveitem dos prédios com inquilinos indefe- Este ano, com o aumento das queixas e protestos
sos”; “Os bairros não podem morrer, e isso acon- na praça pública contra os efeitos do turismo massi-
tece por causa da lei de Assunção Cristas e Passos ficado, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) come-
Coelho”... Claro que isto ‘é chinês’ para aqueles çou a tomar medidas. Desde 1 de agosto, os gran-
japoneses, que apenas sabem responder de onde des autocarros turísticos que entupiam as ruas es-
vieram num muito mau inglês e parecem maravi- tão proibidos de circular na zona da Sé e do Castelo
lhados com a velha e típica Lisboa. (à exceção dos autocarros panorâmicos), e este mês
O que eles talvez não suspeitem é que o mais esta mesma proibição deverá estender-se ao eixo
certo é que, daqui a cinco anos, quem apontar uma Cais do Sodré-Rua do Alecrim-Príncipe Real-Largo
máquina fotográfica (ou um selfie stick) a este mes- do Rato. Também os tuk-tuks, que têm sido alvo de
mo prédio apanhará na janela outros estrangeiros a inúmeros protestos das populações, estão interditos
espreguiçar-se ao sol, a estender toalhas de praia de circular nas imediações do Castelo, e o seu horá-
ou a espreitar a vista, que chega até ao Castelo e à rio de circulação está limitado das 9h às 21h.
Igreja da Graça. Serão turistas a fotografar turis- A verdade é que Lisboa está na moda, vibrante
tas, em mais um prédio que esteve para se trans- e mais internacional e disputada do que nunca. Até
formar este ano num negócio de alojamento local. Madonna escolheu a nossa capital para morar. Na
Mas, por intervenção da autarquia, o processo foi sua conta de Instagram, escreveu há poucos dias:
adiado por mais cinco anos. “A energia de Portugal é tão inspiradora. Sinto-me
É esta realidade que se observa atualmente nas muito criativa e viva aqui. Estou ansiosa por tra-
principais zonas históricas da cidade, sobretu- balhar no meu filme ‘Loved’ e quero fazer música
do nas freguesias lisboetas de Santa Maria Maior nova.” E juntou um coração à bandeira lusa.
(onde se inclui Mouraria, Alfama, Castelo, Bai- No ano passado estiveram 5,6 milhões de tu-
TEXTO BERNARDO MENDONÇA xa e Chiado) e Misericórdia (Bairro Alto e Prínci- ristas na capital (Barcelona recebeu 32 milhões),
pe Real, entre outros), em que a pressão turística e por todo o nosso país passaram 21 milhões, de
ILUSTRAÇÃO GONÇALO VIANA e a procura maciça dos estrangeiros pelo aluguer acordo com números do INE. O Turismo de Por-
INFOGRAFIAS JAIME FIGUEIREDO ou compra de casas está a acelerar a gentrificação tugal indica que no ano passado houve mais de 10
E MÁRIO HENRIQUES dos bairros (processo de valorização imobiliária de milhões de dormidas de turistas na cidade. E este
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€466
zo, aproveitando a nova lei das rendas, e passam a
PROVEITOS orientar essa oferta para o mercado de alojamen-
(gastos e consumos no alojamento) to turístico, que cresce proporcionalmente todos
os anos. O problema é que é difícil contabilizar os
desalojados dos bairros históricos, porque é um
processo quase invisível, mas real e preocupante.
E isso pode afetar o próprio turismo. A população
dos nossos bairros históricos faz parte do próprio
imaginário do turista do alojamento local, que
quer imiscuir-se e estar na presença dessas po-
pulações. Para uma experiência mais típica. E se o
despovoamento já existia há anos, foi certamente
MILHÕES
agravado pelo turismo.”
De facto, não há números sobre este fenómeno
de esvaziamento de moradores de certos bairros
provocado pela ‘turistificação’, mas o último Cen-
sos, que data de 2011, aponta para outra realidade.
Existiam muitos prédios devolutos, abandonados
ou vazios nos bairros históricos, alguns dos quais
vieram a ser requalificados com a nova vaga de tu-
Percentagem de crescimento (22,1%) rismo. Na freguesia de Santa Maria Maior existiam
3498 casas vagas e 1290 que eram segunda habi-
FONTE: INE
tação. Hoje existem 2486 espaços para alojamento
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9389
ros são consumidos rapidamente enquanto relata
(até agosto)
a angústia que ela e mais 15 famílias sentem desde
então. A viver com a mãe e o filho de 16 anos num
T2, por 250 euros — metade do seu ordenado míni-
mo —, sabe bem que se tiver de sair da atual mora-
da não encontrará teto nenhum no seu bairro nem
em qualquer outra zona do centro de Lisboa que
possa pagar perante os elevados preços do merca-
do. Na sua freguesia, a média é de 12,80 euros por
metro quadrado. Ou seja, uma casa como a sua, de
70 metros quadrados, vale cerca de 900 euros (896
euros, mais precisamente). Ou bem mais. Mas Carla
e os vizinhos do nº 25 da Rua dos Lagares não bai-
xaram a cabeça à sorte, juntaram forças e pediram
ajuda à autarquia, ao vereador Manuel Salgado e à O QUE A CIDADE LUCROU COM O AIRBNB?
Assembleia Municipal de Lisboa. Depois de meses O Airbnb, plataforma online para a intermediação de alojamento, entregou à Câmara Municipal
de reuniões, a Câmara ouviu os seus apelos e con- de Lisboa 2,8 milhões de euros em taxas turísticas desde maio do ano passado.
seguiu entrar em acordo com o senhorio e resolver Só entre maio e dezembro de 2016 deu à Câmara Municipal de Lisboa 1,74 milhões de euros (pela coleta
temporariamente a vida daquelas 40 pessoas. Isto da taxa de um euro por pernoita), e no primeiro trimestre de 2017 mais 1,1 milhões de euros.
porque havia a intenção por parte do proprietário Em Lisboa, o Airbnb registou no ano passado 718 mil hóspedes, que geraram uma faturação
de obter o licenciamento de um logradouro, ane- de 72 milhões de euros para os proprietários dos imóveis.
xo ao prédio, para exploração turística, e a Câmara Segundo um inquérito do Airbnb, os hóspedes que ficaram alojados em Lisboa gastaram 404 milhões de euros,
concordou em fazer “uma análise rápida e expedita deixando um impacto na economia da capital da ordem dos 476 milhões de euros.
do processo” em troca da garantia de um contrato FONTE: AIRBNB
por mais cinco anos para aqueles moradores. “São
os tubarões contra os peixinhos. Mas desta vez os
NOVOS REGISTOS DE ALOJAMENTO
tubarões não nos ganharam.” Carla, que tem ta-
tuada no braço esquerdo a Fada Sininho, de Peter
Pan, espera que haja um pó mágico nesta história 878
Santa Maria Maior
e uma abertura de olhos da autarquia para a situ-
ação. Não se imagina a viver noutro lugar da cida- 587 626
de. “Temos o direito de continuar a viver no nosso 707
585
bairro. Nascemos e crescemos aqui. No nosso pré- 505
dio somos todos como uma família, ajudamo-nos Misericórdia
uns aos outros. Se precisar, posso pedir à minha
vizinha de cima, a Olinda, para ir buscar a minha
mãe ao Centro de Dia. Outra vezes, quando sei que 2015 2016 2017
outra vizinha, uma rapariga de 11 anos, está sozinha
em casa, bato-lhe à porta e pergunto: ‘Marlisa, está FONTE: ASSOCIAÇÃO DO ALOJAMENTO LOCAL EM PORTUGAL
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303,03
QUAIS AS NACIONALIDADES QUE MAIS COMPRAM IMÓVEIS EM LISBOA?
lata de atum. Também ela recebeu uma carta do
senhorio a pedir-lhe que deixasse a casa. Foi como
se lhe tirassem o chão debaixo dos pés. “Avisou-
CHINESES
265,5
água. Pela pronúncia, percebe-se que são france-
ses. Metemos conversa e ficamos a saber que San-
drine, de 28 anos, e Quentin, de 27, descobriram
FRANCESES
222,3
os ombros. “Já viram? É demais. Os franceses estão
a comprar o nosso bairro, todos os dias há mais ca-
sos destes, mas somos nós que votamos nos nossos
NÓRDICOS*
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BARCELONA
21
PORTUGAL
LISBOA
5.6
547.773 habitantes
1.609.000 habitantes
FONTE: INE
dois meses,
famílias de classe média, que procuram casas com da cidade e “representa cerca de 80 mil empregos
espaço, elevador e garagem.” diretos”. Mas a menos de um mês das autárquicas,
houve mais
Não é preciso andar muito por Alfama para en- em que será novamente candidato pelo PS, Medina
contrar quem diga sem travão na língua: “Odeio afirmou ao Expresso que, para lidarmos todos bem
um milhão
turistas!” Kikas, de 39 anos, morena de longos ca- com o crescente fluxo de turismo e para que seja
belos pretos, empregada de limpeza, está sentada preservada ou melhorada a qualidade de vida dos
de reservas,
na soleira da porta de casa, na Rua de São Pedro. lisboetas, “é preciso mais investimento nas infra-
Vive num T3 que é da Câmara, por isso paga uma estruturas da cidade. Seja nos transportes públicos,
o que
renda em conta, 230 euros. A mesma sorte não tem que estão a sofrer a pressão de terem mais pessoas
a sua mãe, que foi forçada a sair da casa onde vi- a utilizarem-nos, seja mais investimento na higi-
representa
via. “Transformaram o prédio onde ela estava num ene urbana e mais habitação de promoção públi-
hostel. E ela teve de ir viver para uma casa muito ca e regulação do mercado de habitação.” E já fez a
pequenina. Os turistas invadiram o nosso bairro, promessa de construir mais 6000 fogos ao longo do
fazem demasiado barulho, exibem-se nus à janela
e não têm respeito por ninguém. Raios os partam.”
um aumento próximo mandato, se for eleito. “Mobilizámos cer-
ca de 300 milhões de euros de património muni-
A crescente pressão sobre o mercado de arren-
damento em Lisboa levou a Câmara Municipal a re-
de 14,3% cipal. Trata-se de terrenos ou edifícios que vão ser
reabilitados ou construídos e que permitem rendas
orientar a sua política em relação às casas que tem entre os 200 e os 400 euros por mês, enquadradas
espalhadas pela cidade, principalmente no centro no programa Renda Acessível. Queremos ajudar as
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O desco E 48
nhecido E 49
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O cérebro tem amos perceber como é que ele funciona. Mas não.
Estamos a chegar à conclusão de que isso é insufici-
mos e conhecermos a geografia e os mapas que lá
existem. Mas o ponto de vista da complexidade é tal
dez mil milhões der a esse mistério. Uma delas é porque o cérebro
como órgão, o sistema nervoso em si, é muito, mui-
vação? Como é que as explicamos. Isso é verdadei-
ramente importante de saber”, continua Rui Costa,
E 51
A TOMADA DE DECISÃO
Porque decidimos fazer isto ou aquilo, uma coisa em
vez de outra é mais uma das grandes áreas de estu-
do dos cientistas. As decisões chamam-se processos
periféricos de sensação e estão associadas ao que ex-
plorar, ao que comer, com que parceiros nos deve-
INVESTIGADORES Zachary Mainen, aí encaixa como uma chave. Os cheiros são peque- mos reproduzir, que ações fazer, que estímulos pro-
nesta página, e Joe Paton, na página nas chaves a flutuar por aí e que encaixam num bu- curar. Vejamos porque decidimos. Será que o nosso
ao lado, são dois dos seis investigadores raco desses, umas vezes num, outras em muitos. É cérebro ainda manda em tudo? Pelo menos é essa a
principais da Fundação Champalimaud o padrão de interação entre as chaves e os buracos perceção que temos. Mas estamos errados. O cérebro
com quem falámos sobre o cérebro que define de que cheiro se trata. Tudo começa no per se, isolado, não é tudo. Mas a sua interação com
nariz, mas, depois, a abertura de um buraco ativa o mundo e com o organismo sim. Mesmo assim, se
determinada célula que envia uma mensagem para estamos sentados e não há nada a acontecer à nossa
o cérebro. “Imaginemos um teclado de piano. Di- volta, o que é que nos faz levantar e fazer outra coi-
ferentes acordes nesse teclado correspondem a um sa? É na área do cérebro chamada gânglios da base,
cheiro. Esse cheiro pode abrir a porta a uma me- que recebe atividade dos neurónios dopaminérgi-
mória que estava presente quando éramos novos, o cos, que tudo se passa. Esses neurónios estão ativos
cheiro da escola, do bolo da avó, da relva do nosso antes de nos começarmos a mexer mas não dizem
jardim. Cada vinho tem a sua sinfonia de cheiros. O que ação devemos fazer, dizem só que devíamos fa-
truque para sermos bons a classificar um vinho não zer algo. E outros neurónios no córtex também es-
é ter um bom nariz mas sim ser capaz de nomear tão ativos e dizem o que devemos fazer. Combina-se
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que medem o leciona o que fazer aciona a ação. Esse mapa é muito
importante para selecionar o que vamos fazer. É um
refinando as sinapses e os inputs para o mapa e no
fundo ele muda. É um mapa dinâmico, e que está
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A minha
preocupação
foi dizer a António
Costa que tinha
cancro e estava
disponível para sair”
Foi quase em simultâneo. Há quase ano e meio tornou-se
ministra do Mar e doente oncológica. Acumulou as pastas sem
faltas ao trabalho. Negociou em ambas as frentes — adora um
bom braço de ferro, seja com estivadores ou com a doença
que lhe ensinou que não se pode adiar a vida. O cancro perdeu
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A
O mar ainda é um mundo de Outras, antes de mim, ajudaram a
homens? mudar esse cenário e eu também es-
O mundo do mar tem cada vez mais tou a fazer o mesmo.
mulheres. Este verão, por exemplo,
entraram duas na comissão de li- Concorda com as quotas?
mites da plataforma continental das Não posso deixar de concordar.
Nações Unidas, que atualmente ana- Como muitas mulheres que cons-
lisa a extensão do território marítimo truíram as suas carreiras a ferro e
português para lá das 200 milhas. fogo, ao princípio sentia-me mui-
São as primeiras. No meu Ministério, to incomodada com as quotas. Mas
uma boa parte das nomeações para quem tem contactos com a política
‘número 1’ foi para mulheres: para a sabe que não pode deixar de ser a fa-
administração dos portos de Lisboa e vor. E nós, que chegamos a estes lu-
de Setúbal, para a Estrutura de Mis- gares, não podemos ser golden skirts
são para a Extensão da Plataforma, (saias douradas), não podemos achar
na Paula Vitorino recebe-nos no seu para a presidência da Docapesca, na que, se nós fizemos este percurso as
gabinete, no Terreiro do Paço. Para Direção-Geral de Recursos Naturais, outras mulheres também o podem
as fotografias basta descer a escada- Segurança e Serviços Marítimos há fazer sem ajuda. Não é verdade.
ria de pedra, virar à direita, dar uns duas mulheres subdiretoras. E eu, a
passos até ao Cais das Colunas que ela ministra. É um sinal dos tempos. Tirou Engenharia no Instituto Su-
mandou repor, em 2008, quando era perior Técnico, seguiu aí a carreira
secretária de Estado dos Transportes, Nomeia mulheres de forma académica, foi secretária de Estado
no governo Sócrates. Agora, aos 55 consciente? na área dos Transportes. Sentiu-se
anos, é ministra do Mar, ela, menina Sim. Obrigo-me a ter sempre opções discriminada neste percurso?
de Maputo, que não sabe viver sem entre homens e mulheres, com vári- Senti e ao longo de muitos anos. A
ele. Muito tempo longe e surge o des- os currículos, para fazer equipas co- discriminação não existe quando
conforto, um vazio. Gosta de portos, erentes em termos de competências e tiramos cursos ou mestrados, nem
navios, contentores, do vento salga- valências. Mas nesse puzzle tento que quando fazemos o doutoramento. O
do. Ali a aragem é quente, doce, de um terço sejam mulheres — até por- problema são as escolhas e isso vê-
rio, mas serve. Desce quase até mo- que agora é assim que dita a lei. Aliás, -se bem à medida que nos dirigimos
lhar os pés e sorri. Ri-se até. Fala de já fiz finca-pé porque num organis- para o topo. Quando toca a escolher
assuntos sérios à mistura com piadas. mo, de tutela conjunta, iam ser no- os petit comités de decisão, admi-
É preciso brincar com a vida, e com meados apenas homens. Não permi- nistradores de empresas, dirigentes
a morte também. Esteve próxima. O ti. Ainda me disseram que a lei ainda e ministros, há uma tendência para
cabelo curto não é opção, é o lado não estava em vigor, mas expliquei escolher perfis masculinos, porque
de fora do cancro que lhe diagnos- que era uma questão de princípio. se considera que são mais adequados
ticaram dentro, agressivo, há pouco
mais de ano e meio. Não tinha ainda
dois meses de Governo. Fala pela pri-
meira vez sobre o assunto. Há coisas
que conta a poucos. Contou logo ao
Eduardo, o marido, que é também
ministro. E a António Costa. Ali na-
quele gabinete. Só mudaram os sofás.
Agora que está bem quer dizer que
o combate é duro, vai-se às cordas
mas nem sempre se cai no chão. Não
deixou de trabalhar. Enfrentou duas
greves de estivadores, negociou com
Bruxelas sardinha suficiente para
Como mulher que construiu a
todos os Santos, deu mais um pas-
so (dos grandes) no alargamento de
carreira a ferro e fogo, no início
Portugal pelo mar. Porque aí não há
piadas. No trabalho é exigente, com-
bativa, intolerante ao erro. Esta se-
sentia-me incomodada com as
mana recebeu em Lisboa os seus con-
géneres internacionais, no Oceans quotas. Mas quem tem contacto
com a política sabe que não
Meeting. Ana Paula era das poucas
ministras. A conferência internacio-
nal foi na Fundação Champalimaud.
Ali, no exato sítio onde o médico lhe
disse que o cancro regrediu. pode deixar de ser a favor”
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depois de adoecermos uma segunda complicados. O dia mais difícil [25 me começou a incomodar muito. Es-
vez à séria, consolidamos: estamos de fevereiro de 2016] foi na semana tava demasiado certinha para mim e
sempre sujeitos a que nos aconteça de preparação do Conselho de Minis- fazia muito calor. Agora gosto do ca-
alguma coisa. Estamos habituados, tros dedicado aos assuntos do mar, belo curto. E já cresceu bastante, já
por uma questão de sanidade men- com o então presidente Cavaco Sil- tive de o cortar duas vezes. Até com-
tal, a não pensar na nossa dimensão va. Coincidiu com um Conselho de prei uma daquelas máquinas para
finita. Mas ela existe. Ministros, duas sessões de radiote- cortar rente.
rapia, uma sessão de quimioterapia e
Já está controlado? sete horas de discussão do Orçamen- Ao tirar a peruca assumiu o can-
So far, so good. Mas sei lá o que me to do Estado na minha área. Fiz rádio, cro. Antes era tabu. Agora já é mais
vai acontecer. Mas agora esse assun- fiz quimio, depois fui para o Conse- normal?
to deixou de me interessar. Faço os lho de Ministros, mais tarde arran- Há uma desmistificação. As pessoas
exames de controlo de três em três quei para a Assembleia para discutir devem assumir aquilo que têm. E
meses e está tudo bem. Vivo com o o Orçamento do Mar, e depois vol- é bom para todos que a sociedade
meu marido em Almoster, no con- tei à Fundação Champalimaud, às 21 não rejeite nem discrimine esta ou
celho de Santarém. Temos uma casa horas, para fazer a segunda sessão de qualquer doença. As pessoas que es-
muito engraçada, no campo. Adoro rádio. O pessoal médico foi fantásti- tão doentes não estão impedidas de
plantar coisas. Já tenho dois limoei- co. A Fundação fecha às 17h30, mas trabalhar.
ros em grande produção. É bom ter eles estiveram a ver-me na televisão
um espaço para pensar, porque ga- até às 21h, esperaram por mim, fize- A doença levou-a a repensar alguma
nhamos um certo distanciamento em ram a segunda sessão, e depois fui coisa?
relação às coisas. para casa. Na semana seguinte, uti- Com a idade ficamos mais tolerantes,
lizei pela primeira vez a peruca e lá mas também menos dispostos a ab-
Não deixou de trabalhar. Como foi fui para o Conselho de Ministros de- dicar de princípios. Só devemos es-
possível? dicado ao Mar. Esse cabelo é seu?, tar nas coisas quando vale a pena es-
Tive do meu secretário de Estado [das perguntaram-me. É meu é, que já foi tar nas coisas, quando achamos que
pescas, José Apolinário] um apoio pago! [risos] somos um valor acrescentado, por
inexcedível. O mal de se fazer quimi- um lado, e que estamos a trabalhar
oterapia não é quando se está a fazer, Usou peruca porque não queria a bem de qualquer coisa, por outro.
mas sim nos dias a seguir. Encostava perguntas? Não vale a pena estar nos sítios para
as sessões à sexta-feira, para poder Não faço comentários sobre o cabelo ter prestígio. Reforcei a certeza de
ter o sábado e o domingo para des- dos outros e, por isso, espero que os que este era o caminho. E também
cansar. E acontecia algo de divino: outros não façam sobre o meu. Se me sou um pouco mais assumida em al-
ressuscitava ao terceiro dia! [risos]. apetecesse agora pintar o cabelo de gumas coisas. Costumo dizer que não
A chatice maior foi engordar desal- loiro, pintava; se me apetecesse pin- me vendo em separado: ou me que-
madamente. Mas houve dias muito tar de preto, pintava. Tirei-a quando rem assim, com frontalidade, ou não
me querem de todo.
Num dia fiz rádio, fiz quimio, de ter tempo. Se uma pessoa precisa
de uma palavra de conforto, é hoje
que temos de a dar e não daqui a dois
depois fui para o Conselho anos, quando sairmos do Governo.
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mar. Querem ir à praia mas não Não valorizam nem querem nada do
mar. Ai, que agora vamos alargar o
porto: não pode ser porque fica com
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M
TEXTO ALEXANDRA CARITA cantava no café Luso, era então o
mais novo fadista do Bairro Alto.
E aquela que não tem ainda hoje
ver a colaborar com uma guitarra que se sabe fazer”, para, sim, não cada vez que vai, e vai muitas vezes,
portuguesa. Boss AC é um deles, “perder o ambiente de cada tema”. cantar e tocar a uma casa de fados.
Capicua outra. E tudo faz sentido “A partir de certa altura, cantar tem “Hoje o fado sofre outras influências
nas letras bem humoradas destes que servir a música e não servir-se e tem outro tipo de preocupações
dois músicos, que até com a métrica dela. Não quis cantar para me sentir com o som. É diferente de há 40
jogam. Palavras difíceis, que Marco bem comigo próprio e dizer-me que anos, não é melhor, nem pior. Mas
interpreta sem se engasgar (Biscuit, sou capaz de fazer isto e aquilo”, faz-se muito bem.” Tiago Machado,
croqui, Drácula...) marcam presença continua Marco Rodrigues. “O que produção, arranjos e direção mu-
numa divertida forma de estar. quis foi estar tranquilo e mostrar sical, teve um papel decisivo neste
Com a frescura da idade e a felici- essa tranquilidade, essa serenidade.” trabalho de encontrar uma sonori-
arco Rodrigues diz que ‘Não Podia dade de acabar de ter um filho, o De muito mais gente vive o disco, dade própria para o disco e aqui fica
Estar Melhor’ e apresenta um fadista reparte alegria com muita porém. Nomes como Mariza Liz, a referência ao esforço.
trabalho de acordo com esse estado gente. Agir é uma surpresa agra- com nota positiva, Guilherme Alface É assim, de avanços e recuos, de
de espírito. Longe do fado, só três dável com ‘Por Ti’. A composição e João Direitinho, idem aspas, Diogo altos e baixos, que vive o “Copo
temas são fados tradicionais e são agrada (filho de peixe sabe nadar), Piçarra, nos antípodas, ou Jorge Fer- Meio Cheio”. Depende de quem o
os melhores musicalmente — ‘A só a letra se revela demasiado óbvia nando, Luísa Sobral e Carlão, a meio olha, como o melhor do título pode
Tua Estátua’ (fado Tamanquinhas), e simples. Mas o disco vai abaixo termo, também fazem parte de um querer significar. b
‘Vapores’ (fado Pena) e ‘A Ruga’ com ‘Mal Dormido’, letra e música vasto conjunto eclético de músicos acarita@expresso.impresa.pt
(fado Latino) — o músico avança de Pedro Silva Martins, o tema que ao serviço de Marco Rodrigues. “Foi
por terrenos movediços dos quais Marco dedica ao filho e que poderá muito fácil convencê-los. Aceitaram
se sai bem de vez em quando e nos espelhar essa vida de pai recente, de imediato. E as letras começaram
quais se atola outras tantas ve- mas que peca por uma leviandade logo a aparecer e alguns deles nem
zes. No entanto, tem o condão de a toda a prova e a rondar a festa de os conhecia pessoalmente como é
manter uma coerência na variedade aldeia. Assim influenciado, como o caso do Agir.” A justificação para
de ritmos, divertidos é o adjetivo, assume o músico, o disco “tinha de o fenómeno Marco também a tem.
que assentam muito no piano e na falar de coisas boas e alegres, embo- “O fado deixou de ser uma música
harmónica. ra se sinta a tensão nalguns temas”. à parte. Deixou de estar fechado
Risco assumido, o fadista brilha neste Fugindo ao fulgor da voz de Marco num nicho. Os fadistas, os letris- QQ
“Copo Meio Cheio” pela inovação nas Rodrigues, “propositadamente”, o tas e os compositores tiraram-no COPO MEIO CHEIO
letras, convidando letristas e também álbum, diz o intérprete, “ultrapas- desse nicho. Deixou, portanto, de Marco Rodrigues
compositores que não esperaríamos sa a fase de querer mostrar tudo o haver uma barreira tão alta entre os Universal
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N
TEXTO CLAUDIA GALHÓS
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Cabeça, coração
província de Cáceres, dois cadáveres
de meninas assassinadas levam-no a
uma investigação sem tréguas. Neste
e estômago
quarto volume da série do escritor
asturiano Ignacio del Valle (n. 1971), em
que o capitão é protagonista, a igno-
mínia é apresentada como uma coisa
natural, protegida por uma rede de
interesses, por “lacaios viciados na sua
N
inguém pode acusar não lhes tentar impor as suas “Ninotchka”. Aí, a doença não própria loucura”. Na base dos crimes
este livro de tardar a soluções meticulosas para tudo e era o autismo e sim o fanatismo está uma ideologia racista, decretando
estabelecer o tom. Ele mais alguma coisa. Tillman vive ideológico, mas, tal como na “uma hipotética condição biológica”
começa assim: “O sumo de obcecado com planos, sequências história de Tillman, o amor era a atribuída pelo regime aos que perderam
laranja não estava agendado para e repetições. Embora no casal solução. Em “O Efeito Rosie”, o a Guerra Civil, e que tinham de ser “pu-
as sextas-feiras. Embora eu e a de que ele faz parte o sexo seja caminho passa ainda por ajudar rificados” e “regenerados”. O escândalo
Rosie tenhamos abandonado o um dos poucos elementos não os outros a encontrarem-no ou a das instituições ditas de acolhimento
Sistema Padronizado de Refeições, agendáveis (“por acordo tácito”, recuperarem-no; e, curiosamente, social, com a total cumplicidade da
que resultou numa melhoria explica o professor), a verdade é é também por essa via que se chega Igreja, que davam ou vendiam as crian-
da ‘espontaneidade’ à custa do que constitui uma parte muito ao coração desejado. ças órfãs ou retiradas às mães presas,
tempo passado em compras, importante da relação e tende ele Sentimentais q.b., como convém não podia ser exposto à luz do dia, mui-
do inventário e do desperdício próprio a acontecer como elemento a Hollywood, estes livros têm to menos se alguém bem colocado se
de comida, concordámos que de uma rotina fixa. O advento outra característica que os dava ao desvario de matar inocentes.
devia haver três dias por semana inesperado de um bebé pode torna populares: a quantidade “O controlo da realidade começa pelo
sem álcool. Na ausência de uma ameaçá-lo. Também o ameaça a de lições sociais e psicológicas, controlo da linguagem”, e “se repeti-
calendarização formal, e tal como impreparação básica do prospetivo entre o elementar e o subtil, que mos muito a verdade, acabamos por
eu previra, este objetivo revelou-se pai, que ao longo dos meses de apresentam em versão cómica. duvidar dela, e se se repete muito uma
difícil de alcançar.” gravidez se esforça por compensar “O Gene é um especialista em mentira, acabamos por acreditar nela”.
A voz pertence a Don Tillman, essa falha, ao ponto de quase interação social. Dirigiu-se na O capitão está ciente dos poderes que
o professor de genética que já provocar a ruína do casamento. minha direção como que para me enfrenta nesta investigação, mas não
conhecíamos de “O Projeto Não vamos dizer como a história abraçar; depois, detetando a minha desiste de um módico de justiça nem
Rosie”. Este romance, igualmente termina, mas podemos adiantar linguagem social ou recordando-se que seja à sua maneira. Com o ajudante
editado na Presença, inaugurou que não há aqui nada suscetível dos nossos protocolos do passado, Manolete, sobrevivente como ele da
o que deverá ser pelo menos de ameaçar, por implicação, a limitou-se a apertar-me a mão.” campanha russa, não deixa pedra por
uma trilogia. Isto porque o êxito instabilidade de casais de classe / LUÍS M. FARIA virar, incluindo a presença de uns restos
espetacular da série — com um média que apreciam cozinhar e de guerrilha nas serras. Nada é a preto e
milhão de exemplares vendidos, outros prazeres domésticos ao branco sob o céu azul e o calor impe-
adaptações previstas ao cinema, mesmo nível dos protagonistas. nitente da Extremadura rural, pobre e
louvores de gente conhecida, Até experiências um pouco oprimida pelos poderes vigentes. “Está
incluindo Bill Gates — poderá mais alheias à maioria das fodido, capitão, muito fodido, muito
determinar a existência de mais pessoas soam confortavelmente mais do que pensa”, diz-lhe um preso,
alguns volumes, sobretudo se os familiares. A solidão compulsiva, “porque já não acredita nas ideias e,
filmes forem mesmo realizados. o desprezo intelectual ou a falta de o que é pior, os seus preconceitos já
Tillman é um herói para o nosso flexibilidade são traços habituais não o deixam acreditar nos homens”.
tempo: levemente autista (com de pessoas inteligentes que vivem Ele esforça-se por provar o contrário,
aquilo a que costumamos chamar centradas nelas próprias. QQQQ extraindo-se da roda do sofrimento,
Asperger), os seus problemas giram Quanto à incapacidade emocional, O EFEITO ROSIE “que imensa dor e desalento atestam,
sempre à volta da dificuldade em é uma fonte tradicional de Graeme Simsion soberba empedernida, ódio constan-
entender os outros. Sobretudo, humor, como sabe quem recorda, Presença, 2017, trad. de Pedro te”( Milton, “Paraíso Perdido”).
de os entender ao ponto de por exemplo, o velho filme Elói Duarte, 342 págs., €17,90 / JOSÉ GUARDADO MOREIRA
E 76
QQQQ
NOTAS PARA UM
QQ
O ESSENCIAL SOBRE carmina
burana
PREFÁCIO... VERGÍLIO FERREIRA
Vítor Silva Tavares Helder Godinho
Viúva Frenesi, 2017, 28 págs., €7 Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
Ensaio 2017, 73 págs., €6
Ensaio
Divulgado agora pela primeira vez, Terminada a leitura deste livro, fica-se
este texto de Vítor Silva Tavares é uma com a sensação de que foi escrito
tentativa de prefácio ou posfácio para sem grande brio, como quem cumpre
“Relógio de Cuco”, de Virgílio Marti-
nho (Estampa, 1973), que os editores
mecanicamente um compromisso ou
encomenda. Se a ideia era despertar o
Orquestra Gulbenkian
preferiram não publicar. Por “tentati- interesse de potenciais novos leitores COrO Gulbenkian
COrO infantil dO institutO
va” entenda-se, aqui, uma admirável de Vergílio Ferreira, a intenção ficou
sucessão de “rabiscos” feitos por quem pelo caminho, ao mesmo tempo que
não tem qualquer pejo em afirmar: “É
que não gosto de prefácios, mesmo da-
defrauda as expectativas de quem, já
conhecendo a obra do autor de “Apari- GreGOrianO de lisbOa
queles que, enfim, escapam.” Ou ainda: ção”, pretende compreendê-la melhor.
“O tempo (assim a prazo) oprime-me.” Helder Godinho é um especialista na
O que se dá a ler, nestas “Notas para obra de V.F., com vasta bibliografia
um prefácio (a haver) com pedido de ‘vergiliana’, e o seu conhecimento do
posfácio”, texto nómada que “remete tema não está em causa. O que se
9 setembro
para o companheirismo, a amizade, a questiona é a adequação do seu discur-
irmandade e outros acidentes de for- so ao formato da coleção “O Essencial
tuna e azar”, é a atitude extremamente sobre…”, cujo propósito consiste em
vertical de Vítor Silva Tavares, para oferecer, de forma sucinta, rigorosa e
quem “a literatura, por si só, não deve
nem pode preencher uma existência
inteira”. Estamos perante “um irreme-
apelativa, a síntese de um determinado
tema. Ora, esta abordagem à escrita de
Vergílio Ferreira é tudo menos apelati- 21h30
vale do
diável inimigo da literatura-quando- va. Após um brevíssimo esboço biográ-
-frete”, coisa que se tornou raríssima. fico, Godinho traça o percurso intelec-
Porém, enquanto foge exemplarmente tual de V. F., sinalizando a passagem,
silêncio,
da sua missão de prefácio, este texto logo nos primeiros livros, do neorrea-
desmonta sem complacências os lismo ao existencialismo (após a leitura
bolores burgueses de certo neorrea- de Sartre e Hegel), bem como a noção
lismo, ao qual contrapõe o “realismo de “romance-problema”, a evolução de
olivais
poético” (aqui e ali surrealizante, mas uma “arquipersonagem” que atravessa
nunca ortodoxo) de Virgílio Martinho. E toda a obra (marcada pela busca de
confronta-nos com sínteses cirúrgicas uma “presença ausente”, reflexo de
e inapeláveis como “fixar na escrita a perdas concretas, inscritas na biografia
memória da infância é de certo modo do autor), um trajeto que parte da in-
fotografar a morte”. Além do seu méri- quietude do contínuo questionamento
entrada livre
to próprio, que é imenso, estas “notas” para chegar a uma espécie de aceita-
deveriam convidar-nos a revisitar a ção, nos romances finais, da “vivência
obra não muito lembrada de Virgílio simples na ordem universal”. Pena é que
Martinho, que tem em “Relógio de esta panorâmica se perca numa prosa como chegar
Cuco” um dos seus momentos cimeiros, excessivamente densa, opacamente carris: 717, 731, 732, 744, 759, 778
mas que é também autor do magnífico académica e estilisticamente des- metro: olivais (linha vermelha)
“Rainhas Cláudias ao Domingo”. E man- cuidada, com ideias repetidas e linhas
tém-se válido, para não dizer urgente, argumentativas confusas, funcionando
o seguinte repto: “Mas que importa a em circuito fechado (a esmagadora
literatura se não tiver por trás um desti- maioria dos trabalhos citados são do
no humano que se cumpre?” De modos próprio autor). Injustamente esquecido
diferentes, mas solidários, Vítor Silva pelas gerações mais novas, Vergílio
Tavares e Virgílio Martinho cumpriram Ferreira merecia uma introdução ao seu
esse destino, saindo o mais que podiam universo que fosse estimulante e atra-
da literatura. / MANUEL DE FREITAS tiva. Em vez disso, coube-lhe este mal
amanhado estudo. Uma oportunidade
perdida. / JOSÉ MÁRIO SILVA
Eficiência saloia
O novo filme de Soderbergh é a versão pacóvia de “Ocean’s Eleven”
TEXTO VASCO BAPTISTA MARQUES
Q
uatro anos após o anúncio dos túneis do autódromo
da sua retirada do cinema, de Charlotte, na Carolina
Soderbergh regressa do Norte. Não se estranhe
com um filme de produção pois que, quando o patrão o
independente, que reata laços despede por motivos irrisórios,
com a mais popular das suas Jimmy sugira aos irmãos (um
obras. Entenda-se: o que “Sorte taciturno bartender maneta
à Logan” nos propõe é, na que combateu no Iraque e uma
verdade, uma espécie de versão cabeleireira que anda sempre
white trash e ‘desglamourizada’ seminua) que embarquem com
de “Ocean’s Eleven”, um ele num projeto arriscado: o
caper movie provinciano onde de assaltarem o cofre que está
a competência anda de mãos situado sob o autódromo, no dia
dadas com a vacuidade. em que nele se disputará uma
No centro do filme, está um dos corrida de NASCAR. De modo a
membros da família de losers consumarem o furto, os irmãos
do título. Falamos de Jimmy urdirão também um plano para,
Logan, um trintão da Virgínia nesse dia, retirarem por algumas
Ocidental que pouco tem a que
se agarrar: uma lesão no joelho
que o força a coxear impediu-o
de jogar na NFL; a sua ex-
mulher trocou-o por um seboso QQ
vendedor de automóveis… Como SORTE À LOGAN
se não bastasse, este pobre diabo De Steven Soderbergh
sem qualidades notáveis tem Com Channing Tatum, Adam
ainda de percorrer diariamente Driver, Daniel Craig (EUA)
centenas de quilómetros, para Comédia/Thriller M/12
trabalhar nas obras de reparação
E 78
E 79
vidas
É claro que não é bem assim (o
resultado depende, e de que
maneira, da inspiração do guião
que o filme vai ‘escondendo’),
E
m 2010, Michael mas Coogan e Brydon têm estaleca
Winterbottom teve a suficiente para aguentarem a
peregrina ideia de filmar parada, fingindo que falam de
Steve Coogan e Rob Brydon a tudo e de nada só porque lhes
Charlie Sheen em percorrerem restaurantes gulosos apetece. A vida dos dois homens
“9/11”, um filme e a divertirem-se com a viagem é distinta: Coogan, solteirão, está
baseado numa de turismo gastronómica que o livre para a aventura, fala de affairs
peça de teatro primeiro deveria descrever nas e do envelhecimento; já Brydon
páginas de um jornal britânico. deixou família e filhos pequenos
Esse filme, que não tardou a cair em casa e, talvez por isso, parece
O cárcere do cliché
no goto, chamou-se “The Trip” e mais tenso. Ao longo do road
tornou-se popular no cinema e na movie, estas diferenças vão-se
série de TV complementar. A um sedimentando, e o par cresce com
ponto tal que, quatro anos depois, elas. Nem tudo o que cai no prato
N
a base de “9/11” está uma mundo (que, como se sabe, adoram lá foram os compinchas para Itália, é iguaria, contudo. Sorri-se dos
peça teatral de Patrick espetacularizar o trágico). em aventura semelhante, para sonhos de Coogan com os Óscares
Carson (“Elevator”, de seu No entanto, mesmo quando a mais seis repastos que arrancavam (ele que foi nomeado em 2014 pelo
nome). Nela — como no filme que a câmara de Martin Guigui permanece na Liguria e terminavam em Capri. argumento de “Philomena”) ou
adapta — somos devolvidos à Nova ancorada àquele exíguo elevador, Para quem não está familiarizado das piadas que mencionam o facto
Iorque do dia 11 de setembro de as coisas não correm melhor. Desde com o projeto, sublinhe-se que de Mick Jagger ter sido pai aos
2001, para seguir o suplício de cinco logo, porque só muito raramente Coogan e Brydon, atores britânicos 72 anos. Tudo desliza como faca
personagens (um abastado casal em conseguimos investir a nossa fé sobejamente conhecidos (mas não em manteiga. Mas, no fundo, a
processo de divórcio, um estafeta, na autenticidade das personagens, vedetas do star system, do qual ambição do filme também se queda
um porteiro...) que, naquela manhã, que compõem uma espécie de até fazem pouco), respondem aí, nesse name dropping incessante,
se descobrem encurralados num dos mostruário da diversidade racial pelos seus próprios nomes, isto é, nessa cansativa mecânica de
elevadores do World Trade Center, da Big Apple (um latino, um negro, simulam ser eles próprios, diluindo referências mais ou menos
sem saberem o que nós sabemos: uma russa...). Na realidade, os a personagem no cameo. Este “A inspiradas à vida dos famosos.
que o estrépito que precedeu a seus atos e as suas palavras serão Viagem a Espanha” é o terceiro O divertimento está lá, mas é
paragem do elevador foi provocado quase sempre tolhidos pela força capítulo da empreitada. É pedido superficial, a curto prazo. Quanto à
pelo embate de um avião contra o gravitacional dos clichés e dos a Steve que dê continuidade à gastronomia, francamente, pouco
edifício. lugares-comuns: alguém acredita ‘receita milagrosa’, e este volta ou nada se aprende. Neste aspeto,
De modo a encenar o drama deste que, numa situação como aquela, a desafiar o amigo Rob para o filme é um desperdício.
grupo de figuras, o argentino cinco criaturas começariam de livre uma viagem ao país de nuestros / FRANCISCO FERREIRA
Martin Guigui abraçará a lógica e espontânea vontade a contar as hermanos. Dito e feito: metem o
teatral da peça, condensando suas vidas umas às outras? Há, é Range Rover londrino num brittany
o espaço e o tempo (um único verdade, um ou dois planos que ferry para Santander e dali, da
décor central, um par de horas) e nos ficam na memória (como, por Cantábria, rumam a leste, para
encerrando a câmara no elevador, exemplo, aquele que fixa o esforço o paraíso gastronómico que é o QQ
para descrever as reações dos seus das mãos de um bombeiro em País Basco, descendo depois na A VIAGEM A ESPANHA
ocupantes à situação. Estamos missão de resgate), mas eles são a península, de Rioja à Castela- De Michael Winterbottom
perante um dispositivo cujo carácter tal ponto esparsos que dificilmente Mancha de Dom Quixote até à Com Steve Coogan, Rob Brydon, Rebecca
claustrofóbico será atenuado por chegam para justificar uma ida ao Andaluzia. Tal como os tomos Johnson, Marta Barrio (Reino Unido)
duas ‘condutas de ventilação’, cinema. Uma última nota, ainda, anteriores, “A Viagem a Espanha” Comédia M/12
isto é, pelo contacto que o grupo para o casting do filme, que, num
estabelece com a gestora dos bonito gesto — deliberado ou não,
elevadores do World Trade Center pouco nos interessa —, volta a dar
(que depressa os informará acerca visibilidade a alguns atores (Charlie
da verdade dos factos), mas Sheen, Gina Gershon, Whoopi
também por uma série de planos Goldberg...) que, de 2001 para cá,
que reproduzem as imagens foram progressivamente caindo no
televisivas da tragédia e as reações esquecimento de Hollywood.
dos familiares das personagens aos / VASCO BAPTISTA MARQUES
eventos. Neste ponto, o filme tem
sérias dificuldades em libertar-
se do kitsch do 11 de setembro,
articulando imagens da colisão
dos aviões contra as Twin Towers Q
com uma banda sonora musical 9/11
delicodoce e repetindo assim — em De Martin Guigui
piloto automático — um movimento Com Charlie Sheen, Gina Gershon,
mil vezes realizado, à época, pelas Whoopi Goldberg (EUA)
estações de televisão de todo o Drama M/12 Rob Brydon e Steve Coogan em “A Viagem a Espanha”, de Michael Winterbottom
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Os Desastres de Sofia Q QQ E BASES I E II
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Índice Médio de Felicidade Q PARA BEBÉS [ATÉ 12 MESES]
28 SETEMBRO | CONFERÊNCIA
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S
ubindo ou descendo um degrau, Jesús Alemañy música francesa por intermédio de um 2007 e 2014, Buck e Tucker
esticava bem os braços e fazia sucessivos dos maiores coros ingleses”. Apre- começaram, sem demasiada pressa, a reunir as
enquadramentos com as mãos. Estávamos cia-se o guisado de aparentes con- peças para o que, sob o nome de Filthy Friends,
numa coxia do Grande Auditório do Centro Cultural tradições, na frase, mas nada é assim haveria de ser a mais recente encarnação de uma das
de Belém, em 1999, e o líder dos Cubanismo tão simples nem tão complicado. No assombrações da história do rock: o ‘supergrupo’.
verificava a disposição em palco dos seus músicos entanto, a referência à sensibilidade Acolheriam a bordo Scott McCaughey, Bill Rieflin
durante o ensaio. “Isto não é muito diferente da gálica do coro de St John’s College, da (antigos compagnons de route dos R.E.M.), Kurt
pintura”, dizia-me. “Olho para as secções da Universidade de Cambridge, que Guest Bloch (veterano da cena alternativa de Seattle), e,
orquestra como se fossem cores numa paleta: dirigiu por quatro décadas, é absolu- episodicamente, Krist Novoselic (Nirvana). Se, de
os sopros ali, o piano acolá, o par de bailarinos tamente certeira, conquanto pudesse início, o pretexto era o de atuar como banda de covers
ao centro. É o mesmo que representar volumes tê-la o artigo localizado num contexto de David Bowie — e foi nessa qualidade que, em
coloridos numa superfície plana. E, depois, na hora mais competitivo, comparando-a, por janeiro do ano passado, uma semana após a morte
do concerto, tudo ganha vida com o som.” Como exemplo, com a prática de um coro de Bowie, se apresentaram no Todos Santos Music
numa composição cubista, sugiro, algo inutilmente. rival, como o de King’s College, em que Festival, anualmente organizado por Peter Buck na
“Pois claro”, responde. “Um cubismo cubano.” nos anos 60 se cantavam línguas vivas Baja California —, ainda em 2012, Buck e Tucker
Agora, através da intromissão de um discreto como se provocassem abcessos den- tiveram uma visão do futuro e ele era assustador. E,
parêntese no título deste seu CD, é a vez de Aruán tários. Era um coro muito mais humano, meio século depois de Dylan, decidiram-se a escrever
Ortiz se socorrer da analogia, remetendo para a o de St John’s, por vezes gerando todo a ‘The Times They Are a-Changin’’ contemporânea.
obra de Wifredo Lam, arauto da arte afro-cubana. o tipo de perplexidades, como naquele Só a publicariam, porém, em 2016, no último mês da
Aliás, em termos afetivos, dir-se-ia, até, que este instante irrepetível, em 1974, em que campanha presidencial, no site “30 Days 30 Songs —
“Cub(an)ism” evoca a geração de Nicolás Guillén, grava o “Requiem” de Maurice Duru- Musicians for a Trump Free America”, declarando:
Alejo Carpentier ou Emilio Ballagas, herdeira do flé, na versão para coro e órgão (com “Já antes de Trump anunciar a candidatura,
modernismo finissecular, dada à observação dos Stephen Cleobury), de modo a abalar o apercebemo-nos de quanto o país estava a mudar
escritos de Fernando Ortiz e que teve, na música, próprio espaço-tempo, eras medieval e cultural e politicamente. A realidade é ainda mais feia
Amadeo Roldán e Alejandro García Caturla como coetânea subitamente transformadas e desanimadora. Desejamos de todo o coração poder
expoentes. Bastará lembrar o que, em “Music noutra coisa qualquer, sob influência de dizer adiós a Trump no dia da eleição.” Como bem
in Latin America and the Caribbean”, escreveu feitiços. Será um dos pontos altos da o sabemos, não puderam. Mas, agora que os Filthy
Malena Kuss acerca dos dois: “Ao jeito dos cubistas, presente integral, não obstante gostos Friends publicam o primeiro álbum (“Invitation”),
trataram de agrupar e justapor padrões rítmicos e mais canónicos procurarem antes na voz de Corin — algo entre Grace Slick e Patti
blocos tímbricos como se fossem formas abstratas, conforto nas missas de Haydn acom- Smith —, ‘Despierta’ soa, paradoxalmente, ainda
estilhaçando o que na música tradicional se panhadas pela Academy of St Martin mais poderosa: “Despierta, senador, the time is
enunciava de modo contínuo.” Também Aruán in the Fields, de Neville Marriner: a nearly here, the gold watch strapped around your
Ortiz descontextualiza materiais, apropriando-se “Theresienmesse”, a “Harmoniemesse”, wrist must have stopped some time ago, the day
de marcadores encontrados na semântica da rumba a “Heiligmesse”, a “Schöpfungsmesse” is fading quickly and the hour is nearly here, the
ou da tumba, por exemplo, e colocando-os lado e a “Paukenmesse” — registos de tal whitest chalk upon this land is about to disappear,
a lado com os do serialismo e indeterminismo. maneira exemplares que o primeiro- holding onto the past won’t make it repeat, it’s time
Há estruturas que se contraem, outras que se -ministro inglês Edward Heath decidiu to get up, I think you’re in my seat (...), your time
expandem, alusões a motivos familiares, mas não oferecê-los a Paulo VI na sua visita ao is over, your power’s peaked, adios, senador, I have
se busca tanto o transe quanto a transição: o piano, Vaticano de 1972, adquirindo o último come to get the keys.” Será, inevitavelmente, a
como diria Lorca, tornado uma “harpa de troncos deles, mais conhecido por “Missa em bandeira que irá à frente num desfile de 12 belíssimas
vivos”. / JOÃO SANTOS tempo de guerra”, e tendo em conta o canções sobre as quais, naturalmente, a sombra dos
assunto na agenda (o conflito na Irlanda R.E.M. paira. Mas também as dos Television, dos T.
do Norte, no ano do Domingo San- Rex ou dos Pixies contribuem para que, neste caso,
QQQQ grento), uma ressonância atual. É uma ‘supergrupo’ deva ser lido literalmente. b
CUB(AN)ISM — PIANO SOLO sensação extensível a muito do que se lishbuna@gmail.com
Aruán Ortiz reúne aqui, com cerca de 400 anos de
Intakt/Distrijazz música (de Tallis a Britten e de Palestri- INVITATION
na a Langlais) encerrados numa cápsula Filthy Friends
multivitamínica. / J.S. Kill Rock Stars/Popstock
E 85
TOMÁS MONTEIRO
O
fado, dizem, nasceu em dá vida ao mesmo palco, no dia
Lisboa, lá para os lados seguinte. Este ano, a programação
de Alfama. Pelo menos, do palco do Grupo Sportivo
é lá que sempre se cantou e que Adicense está nas mãos de quem FESTIVAL CANTABILE FESTIVAL
sempre encantou. Nas próximas melhor conhece os fadistas do Fundação Calouste Gulbenkian, Museu do MONTEVERDI
Dinheiro, Lisboa, e Palácio Nacional de Sintra, CCB, Lisboa, de 14 a 17
sexta-feira e sábado, dias 15 e 16, bairro de Alfama, a própria Junta
de 14 a 16. Entrada livre
o festival Caixa Alfama regressa às de Freguesia de Santa Maria Maior.
suas ruas. São dez palcos a receber Esperam-se duas noites em que o Vamos para um festival que já se en- Claudio Monteverdi foi, ‘só’, o pai da
mais de 40 fadistas em dois dias. lado mais bairrista do fado surge contra com uma boa rodagem, entran- ópera. E se em termos de revoluções
Cartaz cheio, portanto, com Gisela num espaço cheio de passado. do agora na sua oitava edição e tendo isso não bastasse, compôs também
João, António Zambujo e Marco A 15, a jovem Ana Marta, uma visivelmente conquistado uma assis- alguns dos mais belos madrigais de
Rodrigues a abrilhantar a festa filha de Alfama, partilha o palco tência regular que, desta feita, usufruirá todos os tempos. Nasceu em Cre-
no palco principal. Mas há muito com Jaime Dias, uma voz bem de três espetáculos de entrada livre. mona, em 1567 — há 450 anos que
mais. Destaque para os concertos conhecida de todos aqueles que Não é um ‘navio’ gigantesco a atrair não podem deixar de ser celebrados.
dos irmãos Pedro e Helder vivem o fado no terreno. E, na milhares de ‘passageiros’, tratando-se É isso que está a fazer o CCB, com
Moutinho, na noite de dia 15, no mesma noite, também sobem ao de um curto festival com programas um programa dedicado à sua música
Palco Santa Casa, que também palco os fadistas Pedro Galveias e muito criteriosamente selecionados no e outro integrado no ciclo de litera-
recebe, no dia seguinte, a atuação Vera Monteiro. O primeiro traz na seu trio de concertos. O primeiro dos tura e pensamento. Para o primeiro,
de Alexandra, Rodrigo Costa bagagem um disco novo editado espetáculos do Festival Cantabile está convidou-se o agrupamento que mais
Félix e Bárbara Santos. No Largo este ano e a segunda promete marcado para a noite de quinta-feira tem investido na interpretação das
do Chafariz de Dentro há violas mostrar porque é uma das vozes (Auditório da Fundação Gulbenkian, suas obras: La Venexiana, ao qual irão
e guitarradas com concertos de mais promissoras da atualidade. às 21h) com um programa festivo e juntar-se o Officium Ensemble, o Coro
Luís Guerreiro e Pedro de Castro, Já no dia 16, a responsabilidade generoso onde se encontram o “Con- Ricercare, o Ludovice Ensemble e o
na sexta-feira, e de José Manuel fica a cargo de Vítor Miranda e certo para oboé e violino BWV 1060” Olisipo Grupo Vocal para três dias de
Neto e Paulo Soares, no sábado. Henriqueta Baptista, artistas de J. S. Bach, o “Concerto para viola, concertos que começam esta quinta-
Músicos como Diogo Clemente e que aliam a garra à experiência. coro e orquestra” (“Styx”) do compo- -feira, às 21h, com o Ludovice a tocar
Miguel Ramos, no Palco Ermelinda Nota ainda para os concertos de sitor georgiano Giya Kancheli e ainda as “Vésperas de Nossa Senhora”. Esta
Freitas, atuam também na sexta- Gonçalo Salgueiro e Maria Ana o “Concerto para violino, violoncelo obra monumental, que Monteverdi es-
feira. Ainda no mesmo palco mas Bobone, no sábado, na Igreja de e orquestra em Lá menor Op. 102” de creveu em 1610, ainda em Mântua, viria
no sábado, há fado a sério e um São Miguel. / ALEXANDRA CARITA Brahms. Estabelecida a parceria com as a ser tocada na Basílica de São Marcos,
pouco mais alternativo para ouvir. equipas do Goethe Institut e a da Fun- em Veneza — e é este o ambiente que
São concertos de Paulo Bragança, dação Gulbenkian, a diretora artística o Grande Auditório do CCB tentará
Edu Miranda Trio e o Júlio Resende do festival criado em 2010 é a viole- recriar. No dia 16, às 20h, apresenta-se
Fado Ensemble. Filipa Cardoso e tista alemã Diemut Poppen (Munster, “Orfeu”, a primeira obra catalogada
Carolina atuam no Palco Amália, CAIXA ALFAMA 1960) — na foto —, uma aluna de mes- como ópera, composta em 1607 para a
no auditório Abreu Advogados, Vários locais, Alfama, Lisboa, dias 15 e 16 tres ilustres como Yuri Bashmet, Bruno corte de Mântua. São cinco atos e um
na sexta-feira, e Ana Sofia Varela www.caixaalfama.pt Giuranna e Peter Schidlof do Amadeus prólogo sobre o mito grego de Orfeu,
Quartet. O festival prossegue (sexta, com libreto de Alessandro Striggio.
Sala dos Cisnes do Palácio Nacional Cabe aos italianos de La Venexiana,
Gisela João atua de Sintra, 21h30) com as “Variações conduzidos por Davide Pozzi, levá-los a
sábado à noite no Goldberg” de Bach interpretadas em bom porto, ao lado de um elenco com
Palco Caixa, o versão para trio de cordas. Para o último nomes como Riccardo Pisani, Ema-
mais importante concerto está agendado um programa nuela Galli e Sophia Patsi. Por fim, oito
do festival onde se encontra a “Serenata nº 10 em concertos em dois dias — 16 e 17 — é
Si bemol maior KV. 361, Gran Partita” quanto basta para a execução dos oito
de Mozart e também o “Sexteto para livros de Madrigais, que congrega o
cordas Op. 4” (“Noite Transfigurada”), Coro Ricercare, o Grupo Vocal Olisipo,
de Schoenberg (Museu do Dinheiro o Officium Ensemble e La Venexiana
situado no edifício do Banco de Portu- em torno desse objetivo comum. Estas
gal, dia 16, 21h). Desta forma, o festival peças de puro artesanato musical,
despede-se do público com a afamada criadas entre 1587 e 1638, atravessam
peça composta em 1899 pelo com- quase toda a vida do compositor. Do
positor vienense que se inspirou no outro lado desta programação estão
poema germânico “Verklärte Nacht” as conferências proferidas por Miguel
de Richard Dehmel. Ao longo de 30 mi- Santos Vieira (“O Mito de Orfeu na
nutos, verso a verso, a partitura segue a Literatura e na Música”, às segundas-
inquietação do poema, escutando-se, -feiras, dias 11, 18, 25 e 2 de outubro) e
através das metáforas musicais, como por Maria Alzira Seixo (“O Barroco na
RITA CARMO
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MARCELO MACHUCA
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Falamos de Violeta Parra, “La encetava os projetos artísticos com
Violeta”, essência musical do Chile, a mesma cabeça, as mesmas mãos,
que esquadrinhou os recantos mais o mesmo coração.” As recordações,
remotos do país para esclarecer o seu diz Isabel, são “infinitas”, mas são
som, as notas que sempre estiveram mais do que isso: “São situações de
lá, o timbre que se cola àquela tal forma marcantes que nos fazem
terra como a voz a uma pessoa. E seguir um caminho similar.”
a que soa o Chile de Violeta? Aos De facto, tanto Tita como Isabel
circos populares, à guitarra que seguiram os passos de Violeta Parra.
aprendeu com os pais, no campo da São cantautoras que se movimentam
sua infância; à investigação sobre no mesmo espectro musical. “Em
o folclore empreendida nos anos geral, os filhos de músicos não
50, que lhe renova o repertório e a têm grande apoio em casa. Os pais
torna pioneira na interpretação de nem sempre querem que os filhos
um cancioneiro até então pouco também sejam artistas. Violeta era
valorizado. Curiosamente, cem justamente o contrário: estimulou-
anos depois da sua morte trágica, nos de forma permanente, para que
tudo o que Violeta fez em vida aprendêssemos com ela. E a minha
continua atual. “Vigente é a palavra filha desde muito nova foi integrada
usada no Chile para descrever a sua neste grupo familiar estranho, que
obra”, diz ao Expresso a neta Tita fazia digressões, concertos, que
Parra, ao telefone desde Paris, onde viajava e gravava discos. Sempre em
está em digressão com a sua mãe, família — isso espelha o modo como
Isabel Parra. A próxima paragem Violeta foi criada, sempre a cantar
será Portugal — Lisboa na terça- com os irmãos”, diz Isabel. Em
feira e Loulé na quinta —, para dois família também ouviremos as suas
concertos em homenagem à pessoa canções — quem não se lembra de
“genial” que foi a avô. ‘Gracias a la vida’? — num concerto
“A atualidade de Violeta tem que que, segundo Tita, é “uma síntese o
ver com a lucidez com que abordou mais rica possível” do trabalho das
os problemas do seu país — a três Parras. / L.L.
injustiça social, a desigualdade —,
que ainda continuam. A América
Latina continua, mais do que nunca,
a precisar de Violeta Parra. É um
continente abandonado, à mercê ISABEL E TITA PARRA —
de interesses alheios às pessoas. CONCERTO PARA
Não são ditaduras militares, mas VIOLETA PARRA
de pensamento, de educação, CCB, Lisboa, terça, 21h; Cine-teatro
de propaganda e de controlo”, Louletano, Loulé, quinta, 21h30
Canibalismo amoroso
A antropofagia como possibilidade há de vir. Nesse estado intermédio, quais se enamorou. O primeiro, que
interroga “como se formula o coletivo corresponde ao “Ato 1 — Permanecer”
de relacionamento com ‘O Outro’ constituído de heterogeneidade”. (dias 15 e 16), tem por inspiração
no regresso de Tâmara Cubas A sua experiência é de vida numa
imposição de “homogeneidade”.
“Vestígios”, de Marta Soares. O
segundo, “Ato 2 — Resistir” (dias
TEXTO CLAUDIA GALHÓS Interroga ainda como se articula o 19 e 20), parte de “Matadouro”, de
presente. Um hoje sistematicamente Marcelo Evelin. O “Ato 3 — Ocupar”
interrompido por esse passado dos (dias 23 e 24), a estrear, debruça-se
O
que fazemos com o que que desapareceram, que “é mais sobre “Pororoca”, de Lia Rodrigues.
amamos e queremos possuir?” forte do que qualquer coisa que No final, o que procura é algo que não
A questão chega do Uruguai, façamos”. Prossegue: “Perdemos é identificável com a obra original
pela voz da coreógrafa Tamara Cubas, muito quando fomos colonizados. e também não é uma expressão
ao Skype com o Expresso, que está de Não temos indígenas, não temos pessoal. “É isso que procuravam
volta a Lisboa com mais uma proposta língua, não temos cultura. O que os índios quando faziam o ritual
mal comportada para desestabilizar aconteceu foi um ‘epistemicídio’. Esta de antropofagia. Eles reconhecem
ideias feitas. Em 2014, no Próximo é a maior destruição, o arrasar uma que o outro os pode modificar.
Futuro (Gulbenkian), apresentou forma de conhecimento profundo.” Está relacionado com reconhecer
“Puto Gallo Conquistador”. Era então Por tudo isto, Tâmara procura “uma a possibilidade de afetação desse
programador António Pinto Ribeiro, língua que já não existe e uma forma outro em você.” As peças podem ser
o mesmo que a traz de volta, agora no de conhecer o mundo”. Desse vistas individualmente ou como um
contexto da Lisboa, Capital Ibero- caminho de investigação poética todo. Tâmara apresenta: “No ‘Ato 1’
Americana da Cultura 2017, de que artística e do viver chega à “Trilogia há um chão de carvão, é um lugar
é coordenador-geral. A conversa é Antropofágica”. Inspirou-se na onde tudo está queimado. O ‘Ato 2’
sobre “Trilogia Antropofágica”, três teoria de Suely Rolnik (psicanalista seria como um passo anterior, em que
peças que Tâmara apresenta no São e crítica de arte brasileira) sobre a está tudo coberto de madeiras, com
Luiz. “antropofagia” e encontrou nesta cinco performers e um cão, que fazem
A voz vibrante de Tâmara carrega uma “uma possibilidade de relacionamento um percurso de um lado ao outro à
experiência de vida no coração da com ‘O Outro’, que está do outro lado, procura de um corpo selvagem. No
turbulência política, com a ditadura, o que é colonizador, que hoje pode ser ‘Ato 3’ fazemos um muro com as
exílio em Cuba e a história de família ‘colonialismo capitalista’.” Os atos mesmas madeiras do ‘Ato 2’. Se for
TRILOGIA com episódios de desaparecimentos. antropofágicos são, assim, “processos visto do fim para o princípio tens um
ANTROPOFÁGICA Nasceu em 1972 e diz que faz parte de relacionamento amoroso com ‘O muro, as madeiras no chão e, por fim,
De Tâmara Cubas de uma geração de transição: “A Outro’”. Para Tâmara, neste caso, ‘O vês tudo queimado.” Qualquer que seja
São Luiz Teatro Municipal, anterior tinha ideia de futuro, de Outro’ consta de três peças de dança, a ordem, ainda estamos antes de tudo
Lisboa, de 15 a 24 utopia e coletividade” e uma outra que de coreógrafos brasileiros, pelas isso: o que fazer com o amor? b
E 88
DIDIER CRASNAULT
de que chocou muita da sociedade e do concelho de Alcanena partilham as
MIGUEL MARES
Setembro 2017
Teatro Teatro Carlos Alberto · 7-30 set TeCA · 21 set · qui 21:00 Mosteiro de São Bento da Vitória
Carlos
14-24 set · qua+sáb 19:00 qui+sex 21:00 dom 16:00
TeCA · 22 set · sex 21:00 Nacional-Material,
Alberto Quem Tem Medo Eles Não Usam Paisagem com
Mosteiro
de Virginia Woolf? Tênis Naique
direção Isabel Penoni
Argonautas
direção artística Alfredo Martins
produção Companhia Marginal (Brasil) coprodução teatro meia volta…, TNDM II,
de Edward Albee
São Bento direção Diogo Infante
M/14 anos Festival Internacional de Almada
M/12 anos
da Vitória produção Força de Produção
M/12 anos
TeCA · 23 set · sáb 21:00
Quando o Mar É Mais MSBV · 27-30 set · qua-sex 21:00 sáb 19:00 · Estreia
Teatro Carlos Alberto direção artística Hugo Cruz, Susana Madeira Días Hábiles
O MEXE no TNSJ coprodução Câmara Municipal de Esposende, direção artística Alfredo Martins
Triumph’arte coprodução teatro meia volta…, TNSJ
IV Encontro Internacional de Arte e Comunidade M/6 anos M/16 anos
TeCA · 18 set · seg 19:30 · Estreia TeCA · 24 set · dom 16:00 MSBV · 30 set · sáb 15:00 · Antestreia
O Que Acontece La Vida en Una Maleta Manoel Congo
Quando a PELE se Mexe? direção Arantxa Iurre
produção Aullidos de Otxar (Espanha)
um filme de Alfredo Martins, Rui Santos
seguido de conversa com o público
um documentário de Nuno F. Santos
M/6 anos M/12 anos
coprodução PELE, TKNT
M/6 anos
www.tnsj.pt
dobra
Um mundo perigoso
Os conflitos de
M
esmo quando criada por do MACBA de Barcelona e da social progressista que vê na obra
uma única pessoa, o que própria Gulbenkian. de arte um motor transgressivo e
hoje e as injustiças não é o caso, uma coleção Agora, integrada na programação transdigressivo.
é uma grande encruzilhada, com da Lisboa Capital Ibero- Que um banco se proponha a
de sempre ecoam múltiplas ramificações e visões Americana 2017, chega a adquirir obras deste género e
em obras parciais passíveis de serem ativadas.
Pela diversidade de pontos de vista
Lisboa “Turbulências”, mostra
comissariada por Nimfa Brisbe,
a mostrá-las sob esta temática
genérica pode parecer um
pertencentes que permite, a coleção espanhola diretora da coleção, e que reúne paradoxo, em tempos de
La Caixa, pertencente à fundação cerca de 40 obras no espaço da tardocapitalismo, mas há muito
a uma grande bancária com o mesmo nome, é um Cordoaria Nacional. A exposição que a instituição aproximou a
coleção de um desses casos.
Na verdade, não é a primeira vez
tem um tema ou, se se preferir, um
mote, que o título de algum modo
sua coleção de uma zona mais
crítica e contundente da arte
banco espanhol que obras suas se veem em Lisboa. sumariza. São maioritariamente contemporânea.
Em 2008, o Museu Coleção Berardo obras de artistas ibero-americanos Sem estar organizada por secções
TEXTO CELSO MARTINS recebeu “Espaços Sensíveis” com (mas sem portugueses) que ou subtemas, que por vezes
obras escolhidas em torno da ideia nelas têm inscritas signos de orientam demasiado a leitura das
de espaço e, em 2015, Isabel Carlos conflito, instabilidade política, obras, a exposição conduz-nos
mostrou, na Fundação Gulbenkian, injustiça social ou perseguição por um percurso que marca o seu
“Tensão e Liberdade” para onde e preconceito, ou seja, a quase compromisso com o presente logo
confluíam obras daquela instituição, totalidade do espectro da crítica no seu momento inicial.
QQQQ
TURBULÊNCIAS
— OBRAS DA
COLEÇÃO LA
CAIXA DE ARTE
CONTEMPORÂNEA
Cordoaria Nacional, Lisboa,
até 3 de dezembro
E 90
LEVI MARTINS
DANIEL DENT
THX 1138 LISBOA SOA UM D. JOÃO PORTUGUÊS
De George Lucas Estufa Fria, Lisboa, de 14 a 17 — AS ÁRVORES (DOS DESGOSTOS)
Jardim do Palácio Pimenta – Museu de Lisboa, A partir do “D. João”, de Molière
hoje, 21h30 O Lisboa Soa — Encontro de Arte Sonora, Urbanis- Teatro Viriato, Viseu, quinta e sexta
mo e Cultura Auditiva ocupa durante quatro dias o
Num futuro distópico, a Humanidade vive sob a jardim da Estufa Fria, no Parque Eduardo VII, com É a terceira parte do projeto que Luís Miguel Cintra
tirania de polícias-androides e o efeito de drogas que workshops, instalações site-specific e performances. concebeu depois do final da Cornucópia. D. João
anulam qualquer emoção. Este cult movie de ficção Música ao vivo por Adriana Sá & John Klima (quin- encontra-se em fuga, depois de ter abandonado D.
científica foi a primeira longa-metragem de George ta, 18h30), Mileece (quinta, 19h30), Jen Reimer & Elvira. A permanente mobilidade da personagem
Lucas. Com Robert Duvall e Donald Pleasence. Max Stein (sexta, 18h30), André Gonçalves (sexta, parece coincidir com a estrutura do projeto, que se
19h30), Juan Sorrentino (dia 16, 18h30, na foto), passa em quatro lugares diferentes do país, antes de
OUTUBRO AGAPEA aka Sasa Spacal (dia 16, 19h30) e So- a totalidade vir a ser apresentada em 2018. O ponto
De Sergei M. Eisenstein
noscopia (dia 17, 17h30). Muitos destes performers de partida é uma tradução anónima de “D. João”, de
Cinemateca Portuguesa, Lisboa, hoje, 21h30 também conceberam instalações (acrescentem-se Molière, que circulou em Portugal como teatro de
os nomes de Cláudia Martinho e de João Ricardo) cordel. E cada parte funciona, também, como um
Dez anos depois da Revolução Russa de 1917, Eisens- e irão dar workshops ou orientar passeios sonoros espetáculo independente e fortemente heterodoxo.
tein recebeu de Estaline a encomenda deste filme (outros nomes a reter: Peter Cusack, Sam Auinger,
para o jubileu daquele aniversário e reconstituiu os Luís Antero, Maile Colbert & Ana Monteiro e Joana BIOGRAFIA DE UM POEMA
acontecimentos de Petrogrado até à vitória defini- Estevão). A partir de Carlos Drummond de Andrade
tiva dos bolcheviques. Embora duvidoso no plano Teatro do Bairro, Lisboa,
histórico, cristalizou a Revolução no cinema. NITE JEWEL de 13 de setembro a 8 de outubro
ZDB, Lisboa, hoje, 22h
SILVESTRE Carlos Drummond de Andrade publicou, em 1928,
De João César Monteiro
Um noite de nostalgia para matar saudades de divas na “Revista de Antropofagia”, o poema ‘No Meio do
Cinemateca Portuguesa, Lisboa, segunda, 19h tipo Sade ou Whitney Houston com a cantora de Los Caminho’, mais tarde incluído no livro “Alguma Poe-
Angeles a apresentar o álbum “Real High”, editado sia”. O poema provocou um escândalo, e o poeta foi
Baseado em lendas e histórias tradicionais por- este ano (e no qual colaboraram Dâm-Funk, Droop-E guardando tudo aquilo que, sobre esse texto, se foi
tuguesas, “Silvestre”, realizado em 1981, é um dos e Julia Holter). A ZDB promete que nessa noite se vai publicando. Para assinalar os 40 anos da publicação
mais belos filmes de César Monteiro. A Cinemateca transformar no “melhor clube noturno da cidade”. de tão polémica obra, foi publicado o livro “Uma Pe-
programa-o no âmbito da homenagem a Luís Miguel dra no Meio do Caminho — Biografia de Um Poema”,
Cintra. que consta de uma seleção daquilo que sobre esse
famoso texto modernista foi escrito. É a partir deste
livro que António Pires cria o espetáculo “Biografia
de Um Poema”, com os atores Chico Diaz e Cassiano
Carneiro e com a atriz Rita Loureiro.
E 92
Ficção
de distribuição: livrarias/outros (hipermercados e supermercados). Esta monitorização é feita semanalmente, após a recolha
Estes tops foram elaborados pela GfK Portugal, através do estudo de um grupo estável de pontos de venda e de dois canais
Exposições Livros
Semana
da informação eletrónica (EPOS) do sell-out dos pontos de venda. A cobertura estimada do total do mercado é de 75%
anterior
I SPEAK TO PEOPLE ON THE TELEFONE Umberto Eco foi tam- 2 1 Receitas com Segredo Marco Costa
Ryan Gander e Jonathan Monk
bém um académico
3 2 Chegar Novo a Velho Manuel Pinto Coelho
Galeria Cristina Guerra, Lisboa, até 28 de outubro importantíssimo na
área da Semiótica. Este Sapiens — História Breve
4 - Yuval Noah Harari
Uma colaboração entre artistas a partir da ideia de livro denso é um bom da Humanidade
falar ao telefone enquanto lugar de intimidade, mas exemplo desse labor 5 - As Primeiras Vítimas de Hitler Timothy W. Ryback
essa é também uma referência ao jogo do “Telepho- intelectual, ao fazer As categorias consideradas para a elaboração deste top foram:
Ciências; História e Política; Arte; Direito, Economia e Informática; Turismo, Lazer e Autoajuda
ne” (passa-palavra) que é, no fundo, um jogo con- uma síntese das grandes
ceptual assente na linguagem e que aqui se constitui teorias em torno do
em trabalhos em materiais diversos. conceito de “signo”,
mostrando como ele
TENSÃO E CONFLITO. ARTE EM VÍDEO tem implicações não
DEPOIS DE 2008 apenas na linguística,
Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, Lisboa, atravessando toda a
de 13 de setembro a 19 de março história do pensamento
filosófico.
O museu apresenta uma mostra alargada da pro-
dução videográfica contemporânea com obras de
Patrícia Almeida, Halil Altindere, Marilá Dardot, Bofa DEOLINDA
da Cara, Burak Delier, Melanie Gilligan, Lola Gonzà-
lez, Hiwa K, Silvia Kolbowski, Nikolaj Bendix Skyum
Larsen, Marc Larré, Jorge Macchi, Paulo Mendes,
Mario Pfeifer, Francisco Queirós, Anatoly Shuravlev,
Federico Solmi, Pilvi Takala, Maria Trabulo, Dragana
Zarevac, Artur Zmijewski, e Yorgos Zois.
Vários autores
Uma artista que foi prémio fundação EDP em 2013 Parsifal, €16
HELDER
e prémio AICA em 2014 apresenta um conjunto de
gravuras recentes num espaço dedicado ao múltiplo. Além dos textos analíti-
MOUTINHO
cos de Francisco Louçã,
Miguel Pérez Suaréz,
Fernando Rosas, José
Manuel Lopes Cordeiro,
TABOO Thaiz Senna, António
AMC
Louçã e Constantino
Sexta, 13h Piçarra, destaque neste
(Temporada 1) livro para o excelente
ensaio de Rui Bebiano
Maratona de oito episó- (‘Não Há um Outubro —
SETEMBRO
M/6 Sábado 23 às 21h30
dios, apresenta a história Paradigma e Variações’).
da série oitocentista
britânica protagonizada
por Tom Hardy.
E 93
/ JOSÉ
TOLENTINO
MENDONÇA
T
O ELOGIO DO DESENCONTRO
EXISTE NO DESENCONTRO mais tarde, publica uma crónica no “Jornal do Brasil” intitulada
“Fernando Pessoa me ajudando” (1968), partindo das noções de
A POSSIBILIDADE DE UMA fingimento e de sinceridade.
COMUNICAÇÃO A OUTRO NÍVEL Cada um de nós pode contar os seus desencontros estimáveis. Por
QUE NÃO FICA COARTADA exemplo, estive em Belo Horizonte cinco vezes. Em cada visita, e
sem que eu o sugerisse, houve sempre alguém a oferecer-se para
PELA AUSÊNCIA levar-me ao encontro de Adélia Prado. Telefonaram para o filho, o
marido, para ela própria diante de mim. O gosto existia,
ambém nos acontece pensar que mas nunca se efetivou: o dia em que eu podia ela não; por minha
combinámos encontros e, afinal — depois parte, estava prisioneiro dos compromissos que me prendiam
compreendemos —, eram desencontros a Belo Horizonte (ela mora numa cidade satélite, Divinópolis) e
o que empenhadamente estávamos a tinha pouca flexibilidade de tempo; o melhor seria adiar. Mas
organizar. Claro que há desencontros também não estive quieto: tentei trazer Adélia Prado a Portugal.
dececionantes e que lamentámos por Removi mundos e fundos: articulei o projeto com a embaixada
muito tempo, mas o mesmo se pode dizer do Brasil, ela recebeu um convite do Ministério da Cultura do
de certos encontros. Existe, porém, no seu país, participei na organização de uma antologia da obra dela
desencontro a possibilidade de uma comunicação a outro nível que a Assírio publicou. À última hora Adélia escreveu, depois
que não fica coartada pela ausência. O vazio, por incómodo que de tudo acertado, passagens reservadas inclusive, confessando
seja, pode revelar-se um dom. Idealizamos demasiado o contacto uma impossibilidade de viajar. Não fiquei menos feliz do que
com a alteridade, enredamo-nos em expectativas, projetamos se ela tivesse desembarcado. Acho que percebi a grandeza do
tanto que a relação se torna um precipitado jogo de sombras. O desencontro.
desencontro corrige muitos desses equívocos internos. Deixa-nos Este mês de setembro voltei a Belo Horizonte. Sem esperar, no final
de mãos vazias, é verdade, mas dessa maneira devolve-nos de uma conferência, uma pessoa que eu nunca vira veio oferecer-
a nós e recoloca-nos, perante o outro, mais conscientes da se para promover um (des)encontro com Adélia Prado. E eu
irredutível distância que nunca é vencida, mesmo na intimidade. sorrindo disse: “Mas ela não lhe contou que eu já a encontrei?” b
Fernando Pessoa escreveu que “falar é o modo mais simples de
nos tornarmos desconhecidos”, relativizando assim as ilusões
imediatistas da viagem entre o eu e o tu. O caminho para o outro
é sempre uma longa estrada. Por isso, à medida que os anos À MEDIDA QUE OS ANOS
passam, aprendemos a agradecer não apenas o que os encontros
nos trouxeram — que foi quase tudo —, mas também o que nos PASSAM, APRENDEMOS
chegou através de desencontros.
Há um curioso entre Fernando Pessoa e Cecília Meireles. Em
A AGRADECER NÃO APENAS
finais de 1934, a poetisa veio pela primeira vez a Portugal e
marcou um encontro com Fernando Pessoa ao meio-dia na
O QUE OS ENCONTROS
Brasileira do Chiado. Passando já das duas, e sem que Pessoa NOS TROUXERAM,
aparecesse, Cecília Meireles levantou-se e foi para o hotel.
Ao chegar, tinha em seu nome, na receção, um exemplar MAS TAMBÉM O QUE
autografado da “Mensagem” e um bilhete com as desculpas de
Pessoa. Este captara vibrações mediúnicas e, tendo consultado
NOS CHEGOU ATRAVÉS
o seu horóscopo, percebeu que os dois não se deviam encontrar. DE DESENCONTROS
Ela retorquiu com um cartão lacónico: “Cecília Meireles —
cumprimenta e agradece”. Mas o desencontro deles foi um
encontro que não acabou ali. De regresso ao Brasil, Cecília escreve
um dos primeiros textos críticos a respeito do universo pessoano
na antologia “Poetas novos de Portugal” (1944) e, duas décadas
E 94
ExpEespecial
à meriência
dida s
O céu é o limite
Chama-se Luxury Concierge e quer estar uns furos acima da experiência
turística habitual para usufruir em Lisboa (e não só). A ideia é proporcionar
experiências inesquecíveis — qualquer que seja a sua definição do luxo
TEXTO KATYA DELIMBEUF
E 95
E 96
E 97
Ingredientes
D
escongele e lave as tiras de choco. Leve ao 1 kg de tiras de choco congeladas; envolva. À parte, bata levemente os ovos. Gra-
lume uma panela com um litro de água e 1 dente de alho; 1 cebola; 1 folha de louro; dualmente, junte os ovos batidos à farinha, me-
um de leite, o azeite, o alho, a cebola e a fo- 20 ml de azeite; 800 ml de óleo xendo sempre. Quando os ovos estiverem bem
lha de louro e tempere com sal. Quando levantar para fritar; 1 l de leite; 1 l de água; envolvidos com a farinha, acrescente, pouco a
fervura, junte as tiras de choco e deixe cozinhar raspa de limão q.b. pouco, água e vodka em parte iguais, até ob-
em lume brando durante cerca de 20 minutos. PARA A MAIONESE ter a consistência de um polme homogéneo.
Prepare a maionese juntando num recipi- DE MALAGUETA E CEBOLINHO Por fim, acrescente a cebola picada e envolva
ente a gema, o vinagre de arroz, sal e pimenta. 1 gema; 250 ml de óleo amendoim; novamente.
Misture com a ajuda de uma varinha-mágica e, 15 ml de vinagre de arroz; sal q.b.; pimenta Quando as tiras de choco estiverem cozi-
em seguida, vá juntando o óleo em fio, emul- q.b.; 1 malagueta; 2 g de cebolinho das, retire do lume, coe e deixe arrefecer li-
sionando até obter a consistência pretendida. PARA O POLME geiramente. Passe cada tira por farinha e, em
Retifique os temperos, se necessário. Corte a 160 g de farinha; 2 ovos; 2 colheres de sopa seguida, pelo polme. Leve a fritar em óleo bem
malagueta ao meio e retire as sementes. Pique de cebola finamente picada; água q.b. quente. Quando as tiras de choco estiverem
o cebolinho e a malagueta finamente e junte à e vodka q.b. em partes iguais; sal fino q.b. douradas, retire e seque em papel absorvente.
maionese. Finalize as tiras de choco frito com um pou-
Para preparar o polme, coloque a farinha co de flor de sal e raspa de limão. Sirva com a
numa taça, tempere com um pouco de sal fino e maionese de malagueta e cebolinho. b
E 98
N
este fim de semana todos os cami- cedo se dedicaram à produção deste tipo de carregados e densos e outros mais abertos
nhos vínicos levam ao velódromo de vinho. Muitas entretanto desapareceram e e que se ligam muito bem com outras cas-
Sangalhos onde está a decorrer uma os espumantes atravessaram nos anos 70, tas, como a Touriga Nacional, por exemplo.
festa de vinhos e sabores da região. A en- 80 e 90 um período menos interessante, vi- Para espumantes as provas da Baga já estão
trada é livre e quem quiser pode comprar nhos sem graça a que apenas o gás natural dadas mas também dá bons resultados em
um copo à entrada que depois servirá para ajudava. Exceções havia mas o panorama destilados. É essa variedade de estilos que
provar nos vários stands onde é possível era algo desanimador. Atualmente temos será possível provar hoje na Bairrada — vi-
contactar com os produtores. Hoje e ama- uma situação bem diferente. Os produto- nhos e sabores. Por experiência de anos
nhã, das 15h às 22h é possível provar vi- res aprimoraram a escolha de uvas para os anteriores, é expectável que apesar de es-
nhos mas também conhecer outras iguarias vinhos-base e deu-se um salto qualitati- tarem em vindimas, os produtores não dei-
da região. Todos sabemos que a Bairrada é vo. Mais recentemente foi criada a desig- xem de estar presentes, sendo assim possí-
conhecida pelo seu espumante. Aqui terão nação Baga-Bairrada, uma aposta na casta vel o contacto direto. Bem que a restaura-
sido feitas as primeiras experiências, ainda típica da região mas aqui para fazer espu- ção e os responsáveis pelos vinhos podiam
no século XIX, por Tavares da Silva, estan- mantes brancos. A adesão tem sido grande aproveitar para conhecer novos produtos,
do estabelecida a data de 1890 como a que e neste momento já existem 17 espuman- estabelecer contactos e provar novidades.
marca a produção do primeiro espumante tes de 14 produtores diferentes com aquela Uma boa gestão da carta de vinhos obriga a
feito pelo método usado em Champanhe. designação. Destes escolhemos três para a um trabalho atento e permanente, algo que
Tal designação (método champanhês) dei- nossa seleção da semana. A casta Baga, ca- é muito fácil neste tipo de encontros. Neste
xou de poder aparecer nos rótulos, uma vez racterística dos tintos da região, era outro- e noutros que terão lugar até ao fim do ano.
que Champanhe designa uma região e exis- ra difícil e indomável em nova e precisava Também vão ter lugar provas comentadas
te a proteção legal do nome idêntica prote- de anos e anos em cave para que os vinhos mas estas estão sujeitas a inscrição. Não
ção existe com o nosso Porto; por isso apa- resultassem equilibrados. De facto é uma só provas de vinhos como ligações vinho/
rece no rótulo a designação Método Clássi- casta muito plástica e polivalente que gera comida, um tema que cada vez interessa a
co. As inúmeras caves existentes na região desde bons rosés até bons tintos, uns mais mais consumidores. b
FORNECIDOS PELOS PRODUTORES)
(OS PREÇOS, MERAMENTE INDICATIVOS, FORAM
E 99
A
brir portas na avenida mais para sublinhar o carácter especial da te nova’) de batata frita de excelente sobre os gins e as vodkas.
cara e exclusiva da cidade já casa. Embora seja um local publico o qualidade, a parecerem da variedade Este cocktail não é uma
novidade por cá, apesar de a
é um ponto de partida para recato é subjetivo, pois os tetos exi- gaulesa ‘agria’.
alguns lhes parecer que está
as pretensões e expectativas com que bem várias câmaras de vigilância sem Carta de vinhos muito completa
fora de moda. São inici-
abriu o JNcQuoi. O foyer do Teatro Ti- que seja visível a placa indicadora de a preços elevadíssimos, apenas com ativas como o Port Wine
voli está transfigurado na sala de re- que se está a ser filmado como é habi- um ou outro escape para aligeirar a Day que fazem ressurgir
feições deste espaço luxuoso do gru- tual nestes locais. Por via das dúvidas conta. O serviço está uns furos abai- bebidas como “P&T” —
po Amorim que se desdobra num bar é melhor sorrir… Pourquoi? xo da ambição evidenciada. Desco- além dos magníficos Portos
para refeições ligeiras na parte de Porque Lisboa não tinha muitos ordenação na sala, ausência de in- clássicos — que agora está
baixo com um recanto dedicado às espaços assim. A chegada da Ladu- formação do que está a ser servido, e a conquistar os ingleses,
especialidades de pastelaria da pari- rée cria uma bitola para se aferir a falta de referência de ‘quem é quem’ e certamente irá cativar
siense Maison Ladurée. e numa loja fraca qualidade dos muitos curiosos através dos uniformes. As mesas são os turistas que estiverem
de roupa. Com poucos dias de aber- que andam por aí a fazer macrons, abordadas por empregados sem pa- no Porto por estes dias. O
tura, o balcão do DeliBar parecia um naperons… oh là là!, qualquer coisa drão de roupa de brigada de sala, o auge das comemorações
plateau de ficção. Os clientes pareci- indefinida e presunçosa que pode que se estranha. é amanhã, pois foi a 10 de
setembro de 1756 que o
am ter estado ali desde sempre, agin- ter qualquer nome, menos ‘maca- As sobremesas, porém, entra-
Marquês de Pombal iniciou
do com a ‘naturalidade’ dos figuran- rons’. Depois, a carta do restaurante nham-se com um belíssimo “Pu-
o processo de criação da
tes que preenchem ambientes de ce- tem uma oferta abrangente em pra- dim Abade de Priscos (€9) vindo de Região Demarcada do
nas bem coreografadas. tos de cozinha francesa, portugue- um pasteleiro de Braga, um delicado Douro. O quarto ano deste
A casa soube comunicar-se, e sa e internacional. Veja-se o arran- e deliciosamente frutado “Cheese- evento bem merece um
tantos os clientes potenciais — a co- que com um quinteto de “Espargos cake de alperce” (€9), e o poderoso Porto Tónico pela tarde, e
munidade francesa triplicou na regi- brancos” (€15), naturalmente tenros “Plaisir sucré” (€9) com camadas de um Porto com indicação de
ão de Lisboa, além de haverem novos e adocicados, guarnecidos por um chocolate e avelã (em pasta e pedaços idade (10, 20, 30 anos, etc.)
moradores cosmopolitas e abastados molho forte de mais, à base de pas- crocantes), a formarem um retângu- em parceria com um pouco
— como os eventuais, acorreram as- ta de trufa e vinagre balsâmico, cujo lo divino. de queijo Stilton, a fe-
sim que as portas abriram. Ambiente cariz acídulo retirou espaço aos aro- O JNcQuoi dá à cidade um spot char o jantar, e as-
requintado e decoração exuberante mas trufados. Muito boa a “Terrina de que mistura glamour e uma cozinha sim celebrar esta
boa e velha
foie gras de pato” (€22) com pedaços de produto certinha, mas sem cativar
aliança di-
evidentes do valioso e saboroso fíga- logo à primeira. Sairá ‘satisfeitinho’
plomática e...
do, acompanhado de uma compota quem espera encontrar uma grande económica.
JNcQuoi de cebola pouco doce (e ainda bem) cozinha, ‘satisfeito’ quem quiser co-
Av. da Liberdade, 182-184 — Lisboa e pão brioche em fatias torradas. Das mer corretamente num espaço atra-
Telefone: 219 369 900 entradas quentes, a “Bisque de lava- ente, ou ‘satisfeitíssimo’ quem bus-
Encerra ao domingo (reserva recomendada) gante” (€18) veio de cúpula folha- car sair deslumbrado pela vizinhan-
da, pronta a ser rompida para que ça do lado. b
E 100
Cais da Villa
Rua Monsenhor Jerónimo
Vindouro
Rua Macário Castro, 39, Lamego.
onde dormir
do Amaral, Vila Real. Tel. 254 401 698 Hotel Rural
Tel. 259 351 209 Localizado no centro histórico, Quinta do Marco
Quando olhamos para a carta, inspirou-se nas encostas do Douro Sítio do Marco, Santa Catarina
identificam-se os produtos da para oferecer uma evocativa de- da Fonte do Bispo, Tavira.
cozinha tradicional com uma rou- coração das vinhas das redonde- Tel. 281 971 500
pagem contemporânea. Exemplos zas. Oferece serviço à carta, mas
disso são o lombo de bacalhau harmoniza algumas especialida-
cozinhado a baixa temperatura des em menus de seis pratos, com
e as bochechas de porco bísaro o vinho produzido na região. Preço
com risoto. Preço médio: €30. médio: €30.
Cêpa Torta Loja C1, Peso da Régua. com cogumelo Portobello e risoto Cozinha da Clara
Rua Doutor José Bucelas da Cruz, Tel. 254 336 052 de salpicão. Preço médio: €40. Quinta de La Rosa, 215, Pinhão. a não perder
Alijó. Tel. 259 950 177 Tel. 254 732 254
Quem ainda não provou o Toca da Raposa Conhecedor da matriz gastronó- Rota das Adegas
bacalhau com broa e o arroz de Rua da Praça, 72 A, Ervedosa mica duriense, o chefe de cozinha
línguas de bacalhau, a bochecha do Douro, São João da Pesqueira. Pedro Cardoso está apostado
de porco bísaro, o famoso pudim Tel. 254 423 466 em servir uma gastronomia de
de azeite com gelado do mesmo Na carta surgem sugestões raiz portuguesa, privilegiando
e as canilhas de leite-creme deve regionais e familiares, como os produtos locais e sazonais, sem
fazer-se ao caminho. E até pode milhos de bacalhau com filetes de esquecer a herança gastronómica
ser que consiga aproveitar um bacalhau ou a massa meada de da família. Preço médio: €40.
jantar temático ou vínico. Preço Fica junto ao local onde se apre- cabrito. Deixe espaço para o pu- Com o objetivo de unir o turismo
médio: €30. goam os famosos rebuçados e dim de Tawny Poças Júnior. Preço Tasquinha do Matias de natureza ao universo vínico,
deu uma vida nova aos antigos médio: €20. Lugar da Ponte, Ucanha. decorre amanhã mais uma “Rota
O Tachinho da Té armazéns dos caminhos de ferro. Tel. 254 678 241 das Adegas”, que através de
Rua Conde Ferreira, Tabuaço. Um espaço que promete colocar Terra de Montanha Na esplanada ou na sala, ser- dois percursos permite visitar
Tel. 254 787 082 o leitão como novo conquistador Rua 31 de Janeiro, 28, vem-se petiscos e pratos que diversos produtores da região
Tudo o que aqui se pode provar da região. Faz-se assado no forno, Vila Real. Tel. 259 372 075 remetem para o passado e a de Torres Vedras. Em época de
é típico e tradicional, feito com como mandam as regras de um Glorifica a gastronomia regional, tradição locais, como os milhos, vindimas, os participantes (€8)
a única regra que impera, que é a bom assador, mas usa-se apenas onde os presuntos, os chouriços e o bazulaque à abade de Cister, podem optar por um passeio
de não adulterar os bons produtos o porco pequenino, de raça bísara, as alheiras introduzem com mes- o cordeirinho em forno a lenha, a de 5 km, por uma caminhada de
que a natureza oferece. Na época, para servir os comensais. Durante tria iguarias como as favas à terra marrã à Matias ou as tripas com 10 km, ou por uma corrida de
há uma açorda de perdiz digna de a semana obriga a marcação com de montanha, o joelho da porca feijão branco. As sobremesas 20 km, sempre num contexto
ser provada. Conte sempre com o três horas de antecedência. Ao e o bacalhau à moda da casa, continuam na senda da tradição: ligado à produção de vinho. Os
cabrito assado e a posta arouque- fim de semana é servido a todas as que recupera uma receita antiga. recomendam-se o arroz-doce e o produtores de portas abertas
sa. Preço médio: €20. refeições. Preço médio: €30. Preço médio: €20. leite-creme. Preço médio: €20. são a Quinta da Viscondes-
sa, a Adega Mãe, a Quinta da
Almiara, a Adega Cooperativa
“BOA CAMA BOA MESA” NA SIC NOTÍCIAS: de São Mamede da Ventosa e a
A BELEZA NATURAL DA RIA DE AVEIRO Quinta do Vale Galegos. Às 13h
COM ESTREIA ESTE SÁBADO NA SIC NOTÍCIAS E REPETIÇÕES AO LONGO DA estão marcadas degustações.
SEMANA TAMBÉM NA SIC MULHER E NA SIC INTERNACIONAL, O PROGRAMA Esta é uma iniciativa da Asso-
LEVA-NOS À DESCOBERTA DA BELEZA DA RIA DE AVEIRO, COM PARAGEM EM ciação de Marchas e Passeios
SÃO JACINTO E NA POUSADA DA RIA-AVEIRO. CONHEÇA AINDA AS FAMOSAS (tel. 969 841 310), com o apoio
CONSERVAS DE ENGUIA E A SABOROSA CALDEIRADA DO RESTAURANTE A CAVE. da Comissão Vitivinícola da
Região de Lisboa.
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E 102
O espermatozoide cobarde
Acabou o mito do campeão invencível. Ei-lo stressado e sob ameaças várias
S
ei que aparentemente o ciclo noticioso tem Tenho constatado que a teoria dominante tem o que nos diz ela? Que os espermatozoides necessi-
dado coisas mais importantes para nos ralar. vindo a mudar. Lembro-me de ter ficado a matutar tam de guarda-costas. Os pobrezinhos. Para fazer o
A eventual guerra nuclear com a Coreia do com o depoimento de um cientista a alertar que o caminho até ao óvulo, os fulanos careceriam de um
Norte (uma excitação), os saltos altos da senhora comportamento tribal dos espermatozoides em di- corpo de segurança — compostos por uns tais de
Trump nas cheias (um must) ou as batalhas pela reção ao óvulo não era o mesmo que se via na lâmi- macrófagos —, não vão ser atacados, ai, tadinhos.
razão no caso dos labirintos do género nos livros na vidrada bidimensional de um microscópio. Os Sinto uma certa aproximação do húmus trumpiano
para infantas e infantes (a luta pelo Bem e pelo Mal, bichos, no seu meio natural, teriam reações national ao sistema reprodutor masculino.
pois está claro). Mas perante esta profusão temá- geographic mais diversas que não apenas aquela do Se fosse um tipo com eles no sítio, diria que a
tica que vai do Apocalipse a qualquer momento ao acelerar unidirecional louco, sem olhar para trás. ciência está a copiar os movimentos da sociedade.
nosso desprezo civilizacional atirado à dama norte- Estive até agora a omitir deliberadamente o li- Do espermatozoide musculado yuppie que seguia
-americana — sem esquecer a luta de valores mo- vro “Guerra do Esperma”. Quem está interessa- só e valente a assobiar até ao óvulo, passou-se a um
rais pela igualdade cromática — eis que um título do neste tema sabe que o espermatozoide nunca ungido que necessita de ser conduzido e finalmen-
do “El País” capta o meu olhar: “Los espermato- mais foi o mesmo desde que, em 1996, o biólogo te a um acagaçado que tem de contratar uns ma-
zoides van con guardespaldas”, os girinos mascu- evolucionista best-seller, Robin Baker, conseguiu tulões para o levar até ao porteiro. Mas não o faço
linos tem guarda-costas. Eh lá! Ora, isto sim, se não vender a ideia que há um “mortal kombat — you porque não sou tão afoito assim.
é uma revolução copérnica, anda lá perto. win!” pelo ovo feminino, tanto fora como dentro E nada disto é para rir. Note-se outra notícia re-
Ainda só escrevi um parágrafo e já sinto ondas da mulher. Esqueçamos a questão exterior — pois cente e que tem a ver com a queda a pique do nú-
telúricas de choque vindas do repúdio de dois tipos é disso que falamos todos os dias quando falamos mero de espermatozoides nos países ocidentais –
de leitores: o primeiro a perguntar-se porque diabo de comportamentos —, mas, dentro, Baker defen- números revelados há três semanas. Segundo es-
este tema pode interessar; o outro, que se dedica às deu que o sistema reprodutivo masculino está feito tes dados , e com base em 185 estudos realizados
coisas da Ciência, a questionar-se, porque raio um para tentar anular a presença de outros machos (a em cinco continentes, a quantidade e qualidade
leigo se atreve a entrar em temas que obviamente forma do pénis é a de falo que suga matéria) e os do esperma dos homens dos países ocidentais caiu
não domina — com riscos evidentes de dizer asnei- espermatozoides travam uma guerra na qual uma abruptamente, na ordem dos 50%. Passou-se de
ras. Tenho saco para responder. A ideia de que so- espécie serve para matar os rivais de outros ma- qualquer coisa como 99 milhões por mililitro para
mos fruto de um estupendo espermatozoide vence- chos — caso os encontre dentro da mulher. Es- 47 milhões. Imagine que era a dívida pública. Está-
dor, que derrotou toda a concorrência para chegar tudos posteriores não encontram estes kamikazes vamos aos saltos de alegria. E não é só a quantidade,
ao óvulo — o melhor dos melhores — e que, numa nos humanos. é a qualidade. É que os bichinhos estão stressados,
corrida insana, se atirou de cabeça e a abanar a cau- Ora, isto já por si era complicado. A meu ver. cansados, desanimados. E sim, o culpado “é o esti-
dinha feito doidão, é uma imagem redutora e mera Em vez da analogia olímpica do “que vença o me- lo de vida ocidental”. Ora, já disse que não vou en-
propaganda sexista à ideia de um vencedor que faz lhor bichinho”, não. Havia uma pré-escolha di- trar em questões de género, nem tomar as dores dos
o seu destino com a sua própria cabecinha cónica. nástica. No interior das profundezas masculinas homens. Mas isto não vai acabar bem. Para todos.
Basta ter uma oportunidade, estar na hora certa no haveria um sistema de castas, nada democrático, Ah, e tenha cuidado, leitor. Sabe que, com a ida-
momento certo, para vencer a concorrência (e quan- nada casuístico. O escroto masculino seria tipo de, vai perdendo ainda mais capacidade de produzir
tos milhares de milhões não tiveram as suas hipóte- Downton Abbey. Havia a classe dos que poderiam os ditos? A juntar a essa quebra civilizacional, qual-
ses cerceadas por uma pílula ou um preservativo). chegar ao “prémio”. E os outros, a ralé, os que ser- quer dia ainda lhe vêm dizer que tem uma dívida
Isto era mais o espermatozoide american dream dos viam apenas para proteger o “o eleito”. ao Estado de alguns biliões de espermatozoides. b
meados do século passado, quer-me parecer. Eis-nos, pois, chegados à notícia do “El País”. E lpnunesxxx@gmail.com
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4 7 3 5
2. Sertório; al 3. Praia;
3 2 6 4 1 7 9 8 5 4 9 5 6 7 2 1 8 3
de imortalidade. É um arbusto 9. Tornar medieval. Quando a fibra da pele
forte 10. O quente sobe. Em ovos, é destruída 11. Rei assassinado. suave 4. avul; rim
quando toda a cautela é pouca (inv.) Apanha lixo 5. nominativo 6. acólito
11. Tudo o que vem fora de época. 7. at; in; Rãs 8. lr; estrela
Palavras Cruzadas Premiados do nº 2183 9. hospitais 10. oferta;
Vogal repetida
“Para Lá das Palavras”, de Carl Safina, para Rui Gon- ae 11. Arão; coral
çalves, de Santo António dos Cavaleiros; “Vitória
— A Jovem Rainha”, de Daisy Goodwin, para Isabel
Melo, do Porto; “Os Últimos Dias do Rei”, de Nuno
Galopim, para Manuel Cruz, de Vila Nova de Gaia. Participe no passatempo das Palavras Cruzadas enviando as soluções por correio para
Rua Calvet de Magalhães, 242, 2770-022 Paço de Arcos ou por e-mail para passatempos@expresso.impresa.pt
E 104
TARANTINI
“SOU MUITO
COMPETITIVO
MAS JUSTO”
1. NO MEIO DE TANTA ADRENALINA
E DESGASTE O JOGADOR NUNCA SE ESQUECE
DE QUE É CAPITÃO?
Passo por momentos que me apetecem esquecer. Mas o
gosto de sentir sucesso no resultado final, aquele prazer
do contributo vale por tudo. Sinto que tenho de ligar as
coisas e se cada um de nós acrescentar coisas diferentes
para o todo estamos no caminho certo.
E 105
/ PEDRO
MEXIA
E
ABANDONO VIGIADO
OS ENSINAMENTOS BUDISTAS pequenos, que devemos esmagar e que depois lançamos uns aos outros.
Mas demora o seu tempo. Esperamos mais de uma hora sem munições,
E OS AFORISMOS DE PASCAL gente jovem ou de meia-idade, quase todos vestidos de branco, gozando ou
AVISAM QUE “EU” É UMA antecipando o culto dionisíaco do caos e da catarse. Às 10h54 um petardo
MALDIÇÃO, E QUE A FELICIDADE anuncia o início das festividades. Dos terraços, membros da organização
despejam, um a um, uma imensidão de tomates. Lutamos por agarrar
ESTÁ EM SAIRMOS DO “EU” algum, como se fossem notas de cinquenta. Por enquanto as pessoas
ainda ficam com os tomates na mão, porque ainda é um bem escasso,
stou irreconhecível, ensanguentado da mas a situação está prestes a mudar. Ouve-se um clamor, lá do fundo, e as
cabeça aos pés, como se viesse da batalha hordas saúdam as descomunais camionetas, seis ou sete, que transportam,
de Hastings, ou como se, viking anafado, ao todo, 162 toneladas de tomates, que voluntários, dentro dos camiões,
transportasse um javali aos ombros. Na atiram, desvairados, às ruas ávidas. A oferenda é saudada como se viesse
verdade, a situação é bem menos heróica, de Baal ou de um desses deuses ameaçadores de épocas longínquas.
bem menos brutal, e quem vir com Já não vivemos em sociedades repressivas, como em 1945 ou 57, mas
atenção, ou mesmo sem atenção, há-de mantém-se a vontade de quebrar as normas de comportamento
notar os ténis baratuchos, as manchas estabelecido, de instituir uma espécie de igualdade. Aqui toda a gente
grumosas, os óculos de mergulho. Estou em Buñol, arredores de Valência, “transgride”, uma transgressão socialmente aceite, codificada, e que
em manhã de Tomatina, peixe fora de água como todos fazem questão de implica estar pouco vestido ou de tronco nu, aos pulos, aos gritos, aos
comentar, incluindo uns portugueses em despedida de solteiro que me encontrões. A igualdade que nos une é a da sujidade, que transforma os
lançam um “ó Mexia” afavelmente atónito. corpos em objectos que se distinguem apenas como massa corporal, não
Os ensinamentos budistas e os aforismos de Pascal avisam que “eu” é nas feições ou em qualquer atributo. É isso que se celebra em La Tomatina:
uma maldição, e que a felicidade está em sairmos do “eu”. Acredito, mas o abandono vigiado, para citar um poeta português. Não é uma festa
sou avesso a multidões, manifestações, colectivos. Então como é que me religiosa, nem cívica, nem de “calendário”, não há pedidos aos céus nem
fui meter aqui? Bem, já não vou para novo, e esta, parafraseando David acções de graça: são milhares de pessoas em trajes progressivamente
Foster Wallace, é uma coisa supostamente divertida que nunca mais hei- nojentos, ou rasgados, esmagando tomates, atirando tomates, levando com
de fazer. Além do mais, a Tomatina é especial. Talvez não seja um caso de tomates na cabeça, por vezes caindo de bruços no rio vermelho que inunda
“invenção da tradição”, mas quase. Começou espontaneamente, em 1945, as ruas, como se o sangue corresse pelas calçadas em forma de vitamina C.
com uma briga de rapazes que, recorrendo ao que tinham à mão, atiraram É bom estar no meio deste entusiasmo infantil, dissolvidos numa massa
tomates uns aos outros. No ano seguinte, gerou-se a expectativa de que de gente, encharcados de água, encardidos de tomate, cuja acidez fica na
o evento se produzisse outra vez. E assim aconteceu, ainda que a Guarda boca e faz arder os olhos. Mas o tempo passa veloz, e quando se ouve o
Civil franquista tenha desmobilizado os foliões. Ano após ano, a Tomatina petardo das 11h58, terminando os folguedos, um brado unânime anuncia,
torna-se um hábito. As autoridades ainda a interditaram em 1957, mas desapontado, que voltámos ao “eu”. b
dois anos depois a proibição caiu. Cooptada pelo Ayuntamiento de Buñol, pedromexia@gmail.com
a festa acabaria por se tornar uma atracção turística nacional, e depois Pedro Mexia escreve de acordo com a antiga ortografia
internacional, com bilhete pago.
Este ano, como todos os anos, uns milhares de pessoas, 22 mil desta
vez, apresentaram-se ao serviço na última quarta-feira de Agosto.
Dois terços éramos estrangeiros. A organização recomenda como
vestimenta uma T-shirt velha, calções, sapatos fechados e óculos de
protecção. Assim apetrechados, com algumas variantes de inventividade
e exibicionismo, acotovelámo-nos nas ruas do centro histórico, a Calle
de San Luis e a Calle del Cid, e estacionámos numa rampa. À janela das
casas, protegidas com plásticos, os locais observam e fotografam a fauna.
Há muitos americanos, muitos orientais. O ambiente é de animação e
expectativa. Embora não esteja calor nenhum, uns “puestos de bombeo”
varrem a multidão com jactos de água, para que nos refresquemos. Com
este friozinho, as mangueiradas são um choque. Dobrado, defensivo,
sinto-me como um manifestante anti-G8. Além do mais, das varandas
e das janelas os moradores atiram baldes de água, escusados agora, mas
providenciais mais tarde, quando estivermos imundos.
Há outros festejos europeus que envolvem projécteis: uvas, ovos, laranjas.
Mas estes é que se tornaram populares. Dão-nos tomates maduros
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