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A ESCAMOTEAGAO DA HETEROGENEIDADE NOS DISCURSOS DA LINGUISTICA APLICADA E DA SALA DE AULA Maria José R, Faria CORACINI UNICAMP-IEUDLA, Este artigo pretence discutir a questdio da heterogeneidade nos discursos da linglistica aplicada e da sala de aula, postulando a hipete- se de que, apesar de linglistes aplicados declaratem explicitamente peocupacées com a diversidade, predoming, em ambos os discursos, a homogeneidade, a unicidade, como forna de camuflar a heteroge- neidade constitutiva de todo discurso, enquanto manifestagdo de rela- 60s de poder (ct. Foucault 1979), Num primeiro momento, procederemos a uma rapida conceitu- agao terminolégica, para, em seguida, aiscutir, ainda que brevemente, @ nogao predorminante de heterogeneidade no discurso da linglistica aplicada, a partir da analse de traoalnos publicados, sobretudo no que diz respeito a metodologias de pesquisa © de sala de aula. Finalmente, tecerernos comentarios sobre o tema, resullantes de andlise de aulas de esorita (leitura © redagao) em lingua matema e estrangeira, nos pr meito @ segundo graus de ensino da tede pliblica do Estado de Sao Paulo (a partir da 5° série} LETRAS - Raviata do Mestrado em Letras da UFSN (RS) janeirojunhe, 1957 s | Heterogeneidade: Heterogeneldade, dialogismo, alteridade constituem termos que, embora com diferengas de uso conforme © autor, questionam a unic- dade de todo o dizer, apontande para a presenga do outo no dizer daquele que aparenta 0 “um, Presenga do outro que se da ao *um', na forma de pensar e de ver © mundo, na forma de ser... Falar do outro nGo € simplesmenie falar do “alter ego", nem da presenca do intetlo- cutor com quem se dicioga prevendo suas reagdes em todo e qual- quer esforco de comunicagao. Falor do outro significa postular sua pre- senga na constituigao de todo e qualquer aiscurso e, consequente- mente, a ideologia como constitutiva das relacées sociais, Segundo Bakhtin (apud Todorov 1981:98), [..1]Seul Adam mythique, abordant avec le premier discours un monde vierge et encore non dit, Ie solitalie Adorn, pouvait viaiment éviter abso- Jument cette 1éorientation mutuelle par rapport au discours cfautul, qui se produit sur le chemin de fobjet. Pestular a alteridade no discurso significa, ainda, considerar 0 es- facelamento do sujeito ¢ a pluralidade descontrolada e desordenada de vozes na voz, aparentemente Unica, de qualquer inalviduo. significa considerar © sujeito esicanaiitico, inconsciente, cindido, disperso, cujo dizer resvala sentidos indesejados, incantrolados, em aposigao ao sujeito. cartesiano, uno, racional (in-diviso), no qual se baseia a cultura ociden- fal, como mostra Augé (1994:70], co comentar a conttiouigao de Freud No século XIX: w LETRAS - Ravista do Mostrada em Latras da UFSM (RS) janeivaljunho, 1997 Denibie [6 COmiudS Close du mol oocidental. Freud découve un mon- de, faure dansle méme, pourai-on cite, les aventules et les avatas de ego renvoyant & son crgine pluiele, au complexe cOedipe et & la scéne pimtive, Vaute proche. c'est mol. Se acettarmes essa linha de pensamente ficard mais facil com- pieender a frase imputada a Rimbaud, Je est un autre (Eu é um outro}, ‘ou a de Kristeva (1988), Létranger en nous-méme (O estrangelro em nés mesmos}, ou Mme Bovaty, c'est moi (A senhora Bovary sou eu), de Fiou- bert, enunciades que apontam para a constituigée heterogénea de todo sujelto, “estranho pais de frontetas e de alteridades incessante- mente construidas ¢ desconstiuidas’, come afirma Kristeva (op.cit.:283) E em conffonto constante com ols) oulro(s} (confonto nem sempre consciente nem controlado) que se constéi a identidade do sujelto que, longe de sor integral, origindria € unificada (cf. Hall 1996: 1), corre como conseqtiéncia ce miitiplas re-significagées (cf. Serrani-infante 1997) piovocadis pelo estranhamento da presenge do{s} outro{s} Finalmente, vale acrescentar, nesta breve conceltuagao tedrica, que tralar da heterogeneiddade nos leva inevitavelmente & nogdo de texto enquanto intertexto, nao como decorrente da Intencionalidade que Ihe confere a lingtistica do texto, mas enquanto portador de senti- dos miulttiplos, enquanto vocacionede ae que Dertida chama de disse- minagdio de senticos: todo tevto, embora necesscriamente ccute [dssimule) ao primsio thar, a0 pimeiro encontio a lei de sua composicao € a regia de sou Jogo, ja que essa € uma condigdo de textualidade, se apresenta ine cabado porcue se care @ cecisGo de coda leitura J. resenanco sem- TETRAS Revista do Mestrado om Letras da UFSM (FS) iofunho, 1987 a re ume surpresa @ anatomic ou 6 fisologia de ume erica [e eu acres. centatia de uma ciéncial que acreditaria deminar a jogo, vigiot de uma: 86 vez todos 0s fos, iludindo-se, também, ao querer olhar o texto sem ele tocar, sem pdr as méos no “objeto”. sem se attiscar a he acres. centar aigum nevo fio, Unica chance de entrar no jogo tornando-9 en- te as méos (Derida:191:7) Enretanto, apesor de consiitur um conceito muito dlscutido nos Uitimos anos nas clénoias da linguagem, que ém colocado em xeque © stjetto psicologizante, centrado em si mesmo, tacional tai como Des- Carles 0 definiu na sua famosa frase: Penso, logo existo; apesar, entéo, ce aparentemente Sbvio, ja que constitui pressuposto bésico das teorias ctuais do aiscurso (cf. Foucault 1969; Pecheux 1984), da Linguistica do Texto e da Argumentagdo (ef. Koch 1984; Duciot 1984), © até mesmo da Semiética (cf. Bakhtin 1977; Todorov 1981; Kristeva 1971}, esse pos- tulado, o da heterogeneidade constitutiva de todo discurso (of. Authier- Revuz 1989) e, portant, de todo texto (enquanto manifestagao con- cteta do processo {histérico-social’ discursive) e de todo sujeite, nao parece tao evidente assim, quando se trata de discuti, descrever ou propor préticas de ensino-aprendizagem ou métodos de investigacao no discurso dominante da Linguistica Aplicada. 2. Aquestdo da heterogeneidade na Linguistica Aplicada Varios linguistas apiicades, nos ultimos anos, tém defendido a ne- cessidade de se aprender a lidar com a diversidade ou heterogeneida- de de situagées, de sujeltos (informantes), de alunos (no que diz respeito z LETRAS -Ravista do Westrado em Letras da UFSM (AS) anelrajunho, 1057 Gs linguas, Gos conhecimentos e aspectos culurais que os fornam dife- rentes), 0 que tem provocado uma revisdio de métodos para a sola de aula, go lado de uma revisdo de metodologios de Investigagdo para, de um lado, melhor atender as diferencas incivicuais, e, de outro, me- thor dar conta de um objeto de estudios to diversificade quanto aquele da linguagem em interagdo, escopo da Lingllstica Aplicada (cf. Motta Lopes 1996; Dabéne 1993). Trata-se, entretanto, de Um tipo particular de heterogeneidade que nGo contempla a nogao que apresentamos no item anterior. Vejamos, entéo, brevemente, como tem sido tratado esse as- pecto pela Linglistica Aplicada dominante. 2.1, Em algumas metodologias de pesquisa No terreno da metodologia de investigagdéo em Lingtistica Apt cada, defende-se, de um lado, a inter(trans)-cisciplinaridade como a unica maneira de dar conta dos diferentes problemas de uso de fin- guagem (em L1, L2 ou LE) (cf. Cavalcanti 1986:9) e, por outro, a pesqui- sa qualitativa ou de cunhe interpretativista, por oposigdo 4 pesquisa quantitativa ou de cunho positivisia, por permitir iangar um olhar diteren- ciado sobre as varias stuagdes, contextos de investigagdo e suieitos Enquanto a pesquisa posttvista enfatiza o produto e visa 6 generaliza ¢@0 (universclizaco dos resultados) a partir de dados estatisticos, a pesquisa de cunho interpretativista reconhece que o pesquisador inter- pieta os dados, pde énfase no processo e se preocupa com o particu lar, 0 contingente (cf. Moita Lopes 1994), Sobressaem-se, nessa vertente, TETRAS- Revista do Mestrado om Letras da UFSM (RS) lanelrofiunho, 1097 a @ pesquisa einogidfica © a pesquisa introspectiva que preconizam a coleta de dados a partir das falas e do ponto de vista dos sujeitos da pesquisa: {2 pia] 6 coractereada por colocor 0 foco na percepgde que os pattclpentes tém da interagdo linguisica e do contedo scclal em cue esto ervohidos, attavis da ulizagdo de insttumentos tals como notas ce compo, cftos, enirevstos etc, /../ A pesquisa inrospectiva centta 56 10 estudo dos procestos © estrotégias subjacentes Go uso da inguat gem através da utlizacés da técnica chamada de protocols, cue Sbjetivo € toinar ccessivels estes procestos © estratégias ao fazer 0 usu Gitto pensar ato, isto 6, relatar passo a asso 0 que est fazendo ao de- sempennar ume toreta especitca de uso ca Inguagem, por exempio, Jet um foxto, produzt um texto, ofc. (Motta Lopes 1996:22} Sabe-se que a pesquisa etnogratica tem suas origens na saciolo- Gia @ na antrepologia como maneira de integrar a teoria € a prttica [of Hammersley 1992) e de apresentar os fenémenos de uma maneira “nova", a partir das vozes dos varios sujeitos participantes de uma situa- eGo em andise, para, a parti da interpretagde dos varios significados, descrever ou analisar um determinado tipo de interagde social. A pes- quisa etnogratica tem o mérito, entao, de investigar os sujeitos nos gru- Pos aos quais perlencem e, dessa manelia, descrever os contextos so- iis, A introspecedio, por sua vez, 6 de natureza psicolégica e faz uso do protocolo verbal, originaimente desenvolvido na Teoria da Resolugdo de Problemas em que se solicitava que © sujetfo sob investigagao rela- LETRAS - Rovista do Meirado om Lotras da UFSW (RS) jancirallunha, 1967 fase 08 Passos EnvoWvidos na resolugdo de uMa Tarefa-probiemia [Ca- valcanti 1987:234; ef. também Moita Lopes 1994), Acredite-se, no primelto caso, que 0 uso de mais de um infor mante © de mais de um tipo de registro [entrevistas, gravagées em du- dio ou em video, didrios de campo, diatios dos Infomantes), procedi- mento metodolégice que recebeu 0 nome de tangulagGo, garante a testagemn da contiabilidace das observagées, podendo, assim, ser jub gato © viés do observador (of. van Lier 1988:5), No segundo caso, da introspeceao, acredita-se que € possivel 0 acesso, ainda que parcial, ao processo de leitura e de escrita através da verbalizagéo do que esta ocorrendo na mente de quer Ié ou es- cteve, para, depois, a parr da observagdo cas Indivicualidaces, che- gar & construgao de um modelo de lettor € de produtor de textos profi- cientes. Trata-se, ainda que se tente negar, de uma generallzagdo que tem efeitos castradores no ensino-aprenaizagem de linguas. Vottaremos @ isso mais adiante. De quciquer maneira, essa viséio, meramente ou sobretudo cognitivista, se baseic no pressuposto de que ler e escrever sd0 atos meramente mentals e, portanto, Individuals, Neste caso, o componente social parece se limitar a incorporagées (abstratas) de elementos adquiidos no contacto com outros suieitos, como a constu- G0 de esquemas “schemato’, “frames” e "scripts" (of, Rumethart, 1980), descritos como sendo pacotes de conhecimentos, sociaimente adaui- ridos e armazenados na mente de todo individuo que pertencer a um dado grupo cultural. Trata-se, em ambos os casos aqui mencionades, de uma con- cepgdo de heterogeneidade como mera diversidade que poderia ser LETRAS - Revista do Mostrado om Letras da UFSW (FS) janeirofunho, 1987 e definida como um Conjunto de individuos ou de caracteristicas individu- ais que, justemente por serem singulares, carregam ciferengas entre si: o sujetto, embora participante de grupos sociais, continua centrado em si mesmo, racional ¢ in-diviso. Tanto no caso da inlospeceae quanto no da einogiafia, fica clara a ciicuidade em se lidar com © confit, advindo da pluraiidade die vozes, inerente & consttuigéo do sujeito @ a todas as relagdes soci- ais. Quando algum confito emerge, tenta-se resolvé-lo, j4 que consttul problema tanto para os estudos cientificos quanto para a prdtica das telagdes socials. Assi, apontam-se-as contradigdes como problemas para os quails é preciso trazer solugées. Em amibos 0s casos, embora cle maneira diferente em relagdo a pesquisa posittivista, pressupde-se, come jG dissemos, uM sujeito in- diviso, centrado em si mesmo, capaz de controlar (ou monttoran) os pré- ptlos processos de aprendizagern e cle proporcionar condigées, através do ensino de estratégias e técnicas, para que © outto (aluno, por exemn- plo] atinja, consciente e paulatinamente, os modelos idealzados. Alem da primazia da consciéncia, postula-se a transparéncia da linguagem; a ptova disso 6 a n&o problematizagdo do que é dito: na pesquisa et- nogranica, 0 que se dz comesponde a verdade de cada um que s6 & relativizada pela opinido, também individual, de outro informante; na Pesquisa inrospectiva, o informnante explicita o que de fato ocone em sua mente, da maneira exate (ou quase) como se da 0 processo; des considera-se 0 fato de que toda expresso, verbal ou néo, jd é resutia- do, jd & produto € jamais proceso cognitivo. Quando algum questio- namento € feito nessas Pesquisas, ele se dé no confronto do dizer de We TETAS - Revista co Mestvado om Lots da UFSM (RS) Janelrofunho, 1987 ‘determinados sujetos com o seu fazer, melhor dzendo, do que se. aprende na teoria @ do que se faz {ou se aplica} na pratica (ef. Coracini 19974). A néo-problematzagao do suieito e de seu dizer, a descrigao das situagées que se quer “intersubjetiva’, como forma de atingir 0 rigor ch eniifico, a pariicularizagdo, por vezes excessiva, que acaba levendo, seja a um esfacelamento das relagées sosicis 6 uma conseqilente ir- responsabilidade dos sujeitos com relogdo aos destinos da sociedade, seja a uma espécie de generalizagdo [embora muitos 0 neguem) que tende a classtficar os sujeitos a partir de modelos, sempre idealzados, 80 aspectos que nos tazem considerar que, embora se fale em hete- rogeneidade ou diversidade, continua-se, na pesquisa cominante da LingUistica Aplicada, a homogeneizar, como forma de apagar os con- fitos e resolver os problemas. : Essa mesma tendéncia parece ocorter no discurso sobre © ensi- no-aprendizagem da leitura ¢ da produgdo de textos, sobre © qual te- ceremos algumas consideragées a seguir. 2.2, No Gmbito do ensino-aprendizagem Com relagdo aos métodos para © ensino-aprendizagem em go- ral, Brown (1980), em pleno auge do ensino comunicativo de linguas, advoga em favor do ecletismo metodolégico na busca de uma ade- quagdo do ensino 4 diversidade dos modos de aprendizagem. Larsen- Freeman (1992), or sua vez, argumenta por uma diversidade metodo- fogica que caraoterizaré 08 anos 90, por oposigdo 4 unicidade dos anos 80. Alids, tal profecia se faz em fungao da légica das décadas onterio- Fes: Como 08 anos 69 se Caractetizcram pela unidade metodologica ‘8m tomo do behaviorismo estruturaiista, os anos 70, pela diversidade, e 0s anos 80, novamente, pela Unicidade, ¢ de se esperar, segundo a autora, que 0 mesmo ocora nas décadas seguintes. Neste caso, em particular, diversidade 6 tomada corno a coexsténcia de diferentes modos de ensinar, no mesmo momento histérico-social, diferentemente de Brown (op.cit) que preconiza a coexisténcia de modos de ensinar na mesma situagdo de ensino-aprendizagem, como se os métodos fossem neutios, NGO caregassem ideolagias capazes de toind-los incompat!- veis uns com os outros. A tespeito dos aspectos teéricos € préticos da leitura e da escrita, Varios sG0 0s trabaihos que fazem referéncia & contribuigéo do sujeito na construgdo do significado (Kleiman 1989, Covalcanti 1989, Kato 1988), Visto nesses casos como resulfante da interagae Ieitor-autor via texto, o que, de certa manera, conttibui para a aceitagdo de que o texto possibilta mais de um sentido e de que este dependeria daquele gue Ié. Enretanto, vale observar que a polissemia continua sob 0 con- trole do texto, ou melhor dizendo, daqueies que detém a autoridade reconhecida para determinar quails os sentidos “autorizades por ele” (ct. Coracini 1998), Dente as obras que discutem a questio oo ensino- aprendizagem da escrita, hd aquelas que, embora de modo camufla- do, jG que parecem contemplar as incividualidades, segundo reco- menda a aborcagem comunicative, constrdem paradigmas, estabele- cendo, de maneira mais ou menos genética, as necessidades, os obje- = LETRAS - Revista do Moatrado em Letras da UFSM (RS) janeirajunho, 1957 fivos Gos Glunos, categorizando-os quanto ao nivel de conhecimento, coma € © caso, por exemplo, de Grabe & Kaplan (1996) a resgeito do cluno intermediario: The Intermediate student is one whe is cble to write on a basic level and ow must use wiiting to ‘earn a wide range of ather academic informa (07 fu. Students at this level must loan how to 1600 from multiple sources ‘and waite from these sources. Otten three students will be engaged in longer projects which require speciic types of analyses. syntheses, and cititical evaluation, At the some time. intermediate students are continu ally golning contiol over additional vocabulary and mare complex sen: tence sttucture while growing sense of purpose end audience in their vi ting. All of these changes in witing expectations retiect a greater em phasis on Informational wilting and ts various genres anc constraints {p.303) © catéter prescritive desse tipo de generalizagdo do estudante intermediério, como sendo aquele que precisa aprender a ler e a es- crever a partir de varias fontes, aprender a fazer varios tipos de andlises, sinteses, avaliagées criticas, anula os suieitos da sala de aula, ja que os igual pela abstragao das particularidades, ao mesmo tempo em que a imanente anula o professor € a sua histéria, e desconsidera a existénci do confito, Isso talvez se explique pela busce de cientificidade nos es- tudos do ensino-aprendizagem de linguas. Vale ressaltar, a esse respei- fo, que, capitulos antes, esses mesmos autores (op.cit,) argumentavam ‘em favor de uma maior cientificidade dos estudos da esertta enquanto proceso, O1a, embdora 0 proceso seia considerade como de caréter individual, tem sido tomado como conjunio de estratégias ou de hebil- LETRAS - Revista de Mestrado om Lotas da UFSM (AS) janelrojunho, 1987 @ dades mentais que podem ser captadas por uma mefodologia ade- quada de investigagéo (a introspecedo, como vimos em 2.1), Apesar de ter objetivos inaividualizantes, os autores partem de oressupostos ted. ricos generalizantes e chegam a madelos igualmente generalizantes. Os estudos da escrita enquanto proceso (mental) estéo paute- dos na psicologia cognttvista, A perspectiva cognitivista surgiu por opo- sigGo ao chamado expressivismo, para © qual a escrita constitula a ex- presstio do ego, de uma inspiragéo "magica’. Essa visdo foi defendida Dor professores ndo ditetivos, para quem era necessario escrever livre- mente sem nenhume critica, jG que Wilting was considered “an art, a cleative act in which the process - the discovery of the tue self - is as important os the product - the self disco- vored and expressed (Berlin 1988:484, apud Johns 1990:25), Os cognitivistas, por sua vez, tratam a esciita como solugao de problemas (cf. Hayes and Flower 1983). Nessa visdo, ¢ importante pro- duzir bons esciltores (no sentido de rediatores) e para isso faz-se necessé- rio que tenham um amplo repertoric de estratégias € que desenvolvam suficiente auto-consciéncia de seu préprio processo, e, asin, possam sé servit dessas técnicas alternativas sempre que delas precisarem; ensi- nar @ escrita significa, pois, nessa perspectiva, ensinar o aluno a dirigir se préprlo processo (cf, Flower 1985). Essa mesma visdo cognitivista norteia os estucios sobre a iettura: como processo interativo, embora muitos autores j& estejam integrando do seu modelo fatores socials - conhecimentos prévios, experiéncias anteriores, esquemas culturcimente adiquitidos, dentre outros - capazes 3 ______ LETRAS Rovista do Mestrado om Letras da UFSM (RS) janeirojjunho, 1887 de explicar as diferencas de inierpretacao enire os grupos. Assim, do ponto de vista da pecagogia da leitura, faz-se necessario ensinar estra- tégias que levern 0 alluno a compreender as intengdes do autor, per- cortendo as pistas deixadas {propositalmente) por ele. Nessa perspecti- va, quanto mais consciente for o uso das esratégias, melhor sera o let for, porque mais rapidamente, ele chegaré ao sentido que o autor quis imprimir ao texto. Atente-se pare a preacusacde com a consciéncia dos processos meniais, como forma de controle das técnicas a serem utlzacas no momento adequado, Mas a quem cabe determinar quais as técnicas coretas para levar os alunos a aprenderem as estratégias “corretas’ para uma compreensdo “coreta" do texto? Certamente, aqueles a quem é dada autoridade (poder) para decidir o sentido dos textos, a adequagdo ou néo da(s} metodologials} ern curso. A esses, geraimente, € imputado, na nossa sociedade, 0 conhecimento tedrico, visto como. determincnte para 0 estabslecimento da pratica (ct. Coracini 19979) As vertentes cognitivistas subjaz, como se pode perceber, a no- 0 de sujeito cartesiano, racional, idealista, para quem € possivel o auio @ hetero-contiole a partir da tomada de consciéncia dos proces- 308 Em questao, Em lugar de respeitar as diferengas, 0 que, de falo, parece ocor- rer 6 uma outta maneia de conceber a uniformidade: néo mais a ge- neralizagéo universalizante dos positivistas, mas ¢ padronizagéo dos su- jeitos a partir de crtérios homogeneizadores de proficiéncia: bom/ mau Ieitor, bom mau produto de textos, bom/ mau aluno, bom/ mau profes sor. Ainda que se considerem cotegorias infermediarias, postulando TETRAS - Revista do Mestrado om Lotas da UFSM (RS) janeirofunho, 1597 oi “uma espécie de continuum, os ctitéios de classiicagéo continuam os mesmos, © respelto & diveisidade, nos casos aqui apontados (2.1. € 2.2), parece se dar, pois, em termos relatives, ou seja, trata-se de uma diver sidade de ordern metodolégica (metodologia de sala de aula ou me- todologia de pesquisa] que consistria na soma de aspectos individuals que, na verdade, se desvinculam das situagdes reais: € proprio de todo estudo cientifico matar o ser vivo, transforrnanda-o em objeto e estan- cando © movimento continuo inerente a todo process histérico-socicl. Por outro lade, a homogeneizagdo do sujelto leva a desconsideracéo. dos confitos inerentes & heterogeneidade que o constitu. Essa: mesma manetra “unifornizadora” de encarar a diferenga foi assimilada pela sala de aula em contacto constante, sobretudo nas uttimas décadas, com especialistas (pedagogos, linguists aplicados, metodéiogos ou autores de livtos dicéticos) que, de aigum modo, ten- tam interpretar essa tendéncia & civeisidade, buscando apresentar “no- vas" altemativas para 6 ensino! aprendizagem de linguas em cursos de formagao ou de treinamento. 3A Heterogenei site lleitur emle No raro encontra-se nos cursos de formagdo e, em decoréncia, nos progromas escolares nas falas dos professotes, a referéncia 4 ne- cessidade do respelto 4 civersidade, 4 heterogeneidade, ds diferentes stuagées: adequar 0 materiol pedagégico a cada grupo de alunos, "TETAS “Ravista do Mestrado om Letras da UFSM (RS) anevroljunho, 1697 ‘observar como aprender para melhor escolher as estratégias de ensi- NO, Ou entéo, respeitar ais) variante(s) inguisticals) que os caracterizaim), permit que cada um expresse seus pensamentos, tanto nas atividades de redagdo quanto nas atividades de ieitura. Nao € dificil perceber na fala dos professores as vozes multipias, € muilas vezes contitantes, dos linguistas apiicados, professores em cursos de formagdo, na tentotiva de aplicar os resultados de pesquisa como solugéo para os problemas pra- tices (ef, Coracini 1997c} e, como decorréncia, a concepgde de hete- rogeneidade como problema ou como a soma de individualidades que levam & compreensdo de processos € contextos socials. Por outro lado, a sala de auia se caracteriza por uma forte ten- déncia 4 homogeneizagao, em particular nas aulas de leitura e reda- G00, objeto de estudio do projeto de pesquisa no qual sé inserem as reflexes deste artigo’. Em outos trabalhos (cf. Coracini 1995, 1996, 1997), co estudar detalhadamente as aulas de leitura, mostramos como se organizam e como se caractetiza a metodologia utiizada: vimos que, tanto em aulas de lingua portuguesa quanto em aulas de lingua estrangeira (francés ou inglds), 0 professor apresenta um texto e, a partir de perguntas, culas fespostas se acham localizadas na superficie do mesmo, espera que todos os alunos cheguem a uma Unica resposta. Tal expectativa se confirma pela attitude de professores e alunos: estes tentando “acertar’, Por enscio € erro, e aqueles, conduzindo os alunos & resposia pretendi- da, repetindo a pergunta até obté-la, todas as vezes em que os alunos ‘Trata-se do Projo inlegraco Da Torre de Mardim a Tome de Babe: uma abordagom ascusiva do ensino- aprendieagam da tinguagem escita (iigua mater e lingua asirargeira, sob mintva coardenagae, LETRAS Ravista do Mastvado em Letras da UFSM (RS) jancirojjunho, 1997 3 ‘ndo conseguem “acertar’ de imediato, ou ainda, lendo em voz alta a frase onde se localiza a resposta correta. Na verdade, como atimamos em outros momentos, prevaiece, na maioria dos casos, a compreensdo, do professor, ndo como uma das possiveis leituras, @ talvez como ‘caquela que teria respaido nas ideoiogias vigentes ou na versdo dos es- pecialistas, crticos literdrios (no caso de obras iiterdrias), mas como a Unica possivel, como se 0 sentido do texto nele estivesse alojado, en- clausurado. Mesmo quando a metodologia se diz diferente, como € 0 caso do ensino instrumental de linguas' em geral, no terceiro grau), @ se air ma a pluralidade de senticios como propria de todo 0 texto, a leitura que predomina como a coreta é @ do professor, que acredita ser aauela que melhor conesponde as intengdes ou 4 mensagem do au- tor, Paralelamente, apesar de se dizer que se respeita 0 modo particular de proceder de cada um (que, na verdade, deriva de hébitos escolares © de experiéncias pessoais), preconiza-se um conjunto de estratégias, abstraidas de experiéncias cientiicas, como se apenas elas fossem ca. pares de possibilitar a leitura adequada, de permitir compreender 0 ponto de vista do autor @ 0s seus objetivos, de evidenciar os aspectos convencionais do texto, Queremos com isso dizer que, a todo © momento, sem que se explicite (ja que nem sempre € consciente], toma-se como ponto de partida modelos, cujo mérito ou demérito nGo interessa discutir aqui, que determinam em Uitima instancia, 0 comportamento e as atitudes de professores e clunos diante do texto, ao mesmo tempo em que si- LETRAS jevista do Mestvado em Letras da UFSM (AS) jenelrajjuah, 1087 lenciam uns @ ouiros e Impedern, ou dificultam, a dissemninagéo de sentidos. Nas aulas de redagdo, quacto semelhante se apresenta: ou se coloca © aluno diante de um papel em branco para que produza li- vremente um texto sobre tema iguaimente live, como uma das ma- neites meis eficazes de provocar a criatividade, a originalidade, sem que se pare para refietir sobre © aue isso significa; ou, embora se diga explcitamnente cos alunos que eles deverdo usar a sua Imeginagdo, a ctiatividade de que sao capazes, tomam-se os édeas do significado do texto, conduzindo ao extemo o tratamento de um deterninado tema, através de perguntas e respostas, de modo a estimularem um Conjunto de tedagées muito semelhantes (cf. Coracini 19976); em ca- sos como este, basta responder as perguntas € a redacéo estard pron- ta, Noutras aulas, edagdo poderia ser definida como transtormacéo, por exemplo, de um poema em prosa, na tentativa de mostrar ao aluno que é passivel guardar 0 significado do texto mudendo apenas sua for ma de apresentagdo; mais uma vez, subjaz a concepgao de transpa- réncia da linguagem e, portanto, de establidade do sentido. Noutras, ainda, redigir equivale a preencher esqueletos, arquétipos de textos, a partir cle convengées, como por exemplo, redigir requerimentos, cartas comerciais ete Embora seja importante ensinar as regras que subjazern & escrita, como modo de compreender que é preciso conhecer as regras do jogo para dele poder participa, reduzir do extremo a possibilidade de expressdo, de posicionamento, de retlexGo, para entatizar os aspectos formals, pode gerar, no aluno, a idéia de que esorever textos 6 reprodu- LETRAS - Revista do Mestrado em Letras da UFSM (RS) janeirojunho, 1997 5 Zi, sem saber bem 0 qué, nem por qué e para qué, Por outro lado, a atividade do tema live ou do tema imposto pode criar no aluno a fobia do papel em branco: serd possivel escrever livemente quando alguém determina o momento € 0 lugar da escrita, quando ndo se sente a ne- cessidade nem ao menos intima, pessoal, de registrar alguna idéia ou sentimento no papel? Em ambos os casos, a escrita na escola parece realmente secundéria e sem sentido. Vole lemorar que a redagdo escolar parecer ter pouco a ver com a produgdo de textos: alidts, perguntando outto dia, num curso de for- maigdio, come se podria definir e*caracterizar essa allvidade, nenhum dos quarenta professores presentes soulbe responder e a maioria defini texto como um conjunto de palavras ou de frases unidas por um tema comum. Pouces lembraram que escrever significa comunicarse com aiguém, sob certas regras ou convengées consttuidas pelo grupo social, respeito de algo que interesse a ambos, que escrever pressupée ter algo a dizer ou sentir a necessidade de dizer algo; que escrever pressu- Pde, em Liltima insténcia, envoiver-se envolvendo o interlocutor. Mas, ara isso, & preciso que 0 aluno ndo permaneca aquém do desioca- mento pelo qual o sujeto produz sentide e se assume enquanto autor, responsavel pelo dizer. Para isso, é preciso provocar o estranhamento (ct. Coracini 19976), permitr a busca de outros sentidos € 0 conftonto com 0 diferente, com 0 estranho, com o outro e, assim, construir sua prdpria identidade, que, longe de ser homogénea, integral, se consti na heterogeneicade, no estacelamento, na dispersdo ds miitipias vo- Zes € dos milltialos senticos. s Em todas os aulas de redagdo analisadas, predomina a impor tancia da conegao gramatical {taivez come a Unica maneira de garan- fir 0 aoesso ao pensamento e & sua subseqUente corregdo}, bern como ca concepeao de sujeito in-diviso, consciente e, portanto, capaz de dizer ‘© que pensa. A crenga na transparéncia da linguagem parece constituir um ttago comum tanto ao discurso da Lingtistica Aplicada quanto ao ensino de Iinguas na escola. Conciusdo Das reflexdes trazicas 4 balla neste texto, sempre a partir de um corpus, exttaido dos discursos da Linguistica Aplicada & da sala de aula - limitado, 6 verdade, mas suficiente, quero crer, para o objetivo pro- posto -, é possivel concluir que, na defesa da diversidade, o que se acaba por defender é a individualidede, caracterzada, também, pela unicidade e homogeneidade infemas. Mesmo nos trabalhos em que so defende a transcutturalidade, as ciferengas cuturais se limitam a apon- tar as ciferengas individuais como representagdes dos diferentes ma- neiras de proceder dos grupos em questdo. Considerar a heterogeneidade, tal come procuramos definir no iniclo deste texto, como constitutiva da linguagem e de todo sujeito bem como de todas as relagées sociais incluindo-se ai as maneiras @ os maodos de relacdo intersubetiva, levaria & a inclusdio e 4 compreensdo de situagées tidas coro desvios, falhas, contradigées... Assim, se os lin- Qllstas aplicados postulassem a atteridade ou a heterogeneidade, tal- LETRAS -Rovisia do Westrado em Letras 6a UFSM (RS) janclrajjunho, 1987 7 vez compreendessem melhor as raz6es pelas quals 0 sujelfo professor nGo consegue “aplicar” um metodologia, apesar de ter aiscutido e compreendido 180 bem as aulas tedrico-praticas ministradas por um especialisia numa situagGe de curso de “teciclagem” ou de “formagao" = ambos os fermos marcados pelo desejo do especialista, assim reco- nhecido pelos pares e por sau saber - que, inevitavelmente, he traz po- der - de transtoimnar o outto {professor de 1° ou 2° grau), a parlir de uma imagem idealizaca do que seja ser “bom” professor. A pluralidade de vozes, a assimiagao alinear € confusa conduz a uma concepgGo de ensino-aprendizagem onde o confilo, a dissondncia, a incoerncia € Parte constitutiva endo problema a ser sanado por estratégias de apa- gamento e de silenciamento. £ isso, com certeza, modificaia as ex- pectativas e reduziia as frustragdes. Postular a heterageneidade possibiltaria, ainda, para os profes- sores, entenderem melhor a aprendizagem, ou seja, por que seus alu- nos aprendem em momentos diferentes, de maneiras diferentes, fazen- do relagées diferentes e compreendendo de maneiras diferentes aquilo que, para © professor, deveria ser passivel de uma Unica compreensdo. E iss0, muito provavaimente, criaria condigdes para que a escola ques- tionasse, por exemnplo, o sistema tao arcaico de avaliagéo, ainda er vigor, € ndo considerasse como verdades os resultados obtidos, classifi cando 0s alunos a parr de padides naturclizados pela ideologic veicu: Jada pela escola Considerar a heterogeneicace conduziia, em ulima insténcia, do questionamento e 4 probiematizagdo da concepedio univoca, ho: mogeneizante de identidade do sujeito, de cultura, e, no caso que nos s LETRAS - Revista do Mostrado om Letras da UFSM (RS) jancirajunha, 1097 conceme mais de perlo, de leitor e de produtor de textos. Se conside- rarmos que ler © produzir textos signitica produzir sentido © que isso 86 é Possivel no confronto com o outro, com o diferente, com as miltipias vozes que nos constiiuem @ que nos transformam em estranhos para nés mesmos; que ler € produzir textos significa também nos inserir numa dada fornagdo discursiva, conhecendo a regia de seu jogo, entéo, compreenderemos porque a escola nao esté formando leltores, nem procutores de texto, mas, apenas aritices da reprodugéo e da possivi- dade, silenciando a uns e a outros, naturalizando as consttugées que server apenas G interesses escusos. Finalmente, importa lembrar que no estamos defendendo a anulagdo das estratégias de homageneizagdo, jé que essa nos parece uma tarefa impossivel, diante do desejo da verdade, do controle, da racionalidade individualizante, do ideal da objetividade, que parece caracterizar a cultura ocidental. Basta lembrar que € préprio do discurso € de todo texto a escamoteagdo cas regras de seu jogo, regras que dependem intrinsecamente do momento histérico-social em que se inserem os suleitos @, portanto, 0 abatamento da heterogeneidade constitutiva que, segundo Authier Revuz, se dé gragas a referéncia expli- cita do dizer de outros no texto, que, cons ntemente fazemos vir a tona para, por exemplo, respaldar nossos argumentos; tal recurso textual 6 responsdvel peia ilusdo de que 0 resto do texto tem origer naquele que 0 assina, apagando, assim, a heterogeneidade que o constitui. Essa forma de demarcagdo do outro na superiicie do texto colabora para © seu cardter homagéneo, uno, linear e original, levando-nos ao esquecimento de que o “novo (0 original! est no retorno do jé-dito, LETRAS Revista do Mastvado om Letras da UFSM (AG) [anelrollunho, 1997 8 ‘Tuma outta situagdo de énunciagdo, na capacidade de organizagao dessas varias vozes, desses varios textos - muitas vezes contracitérios - segundo, € claro, regros de funcionamento definidas pelas formagées discursivas (cf. Foucault 1983) Estarnos defendendo a consideragae da heterageneidade, nao como © outto lado da polarizagdo, mas como consfitutiva do sujeito e do dizer em confito permanente com 0 desejo da hornogeneizacao, da perfeicdo, da unicidade. Se ndo ¢ possivel apagar esse desejo, também néo € possivel apagar a heterogeneidade constitutiva, que torna complexo 0 que parece simples, miltisio, 0 que parece uno, contiante, 0 que parece controlavel, pela razGo ou pela ciéncia. No que di respetto & Lingtistica Aplicada e & saia de aula, este parece ser 0 grande desafio: aprender a lidar com o inefavel, com 0 instével, com as contradigées, no como problemas a setem resolvidos, mas como inerentes ao sujeito e a todas as relagdes socials. Mas, para isso, Importa rever a posigdo de linguistas aplicados que cefendem o cardter solucionista dos estudos da area, ao lado de uma concepgéo negativa € dicotémica da heterogeneidade enguanto desordem - in- controlavel -, a ser dominada, Dabéne (1993:14) explicita essa tendén- cia de uma das vertentes dominantes da drea! [..] 88 Pesquisas funcamertais em Linguistica Aplicada [ou methor, em “Didactique des Langues’] devern se interogar sobre a nogdo de hete rogeneidade, que significa rupture num continuum [auséncia de pontos comuns de referéncial, desordem, Néo seria préptio da diddtica cos linguas transforrnar & netetogeneicade, ingovemdvel, em. diversicade, gerencidvel se aceltarmos 0 postuicdo de vatiagées num continuo? Na 5 LETRAS, vista do Mestrado em Letras da UFSM (RS) Janelrofiunho, 1997 Glica inferacioniste evocada mols acime, o problema se coloca em teimos de levantomento dos pontos de ruptura. (trad minha} Vale, entretanto, ressaitar que essa nova maneira de “dar conta da diversidade”, transformando o caos da heterogeneidade, ingovend- vel, incontrolavel, em algo "gerenciavel’, sugete o prosseguimento a uma tendéncia que parece caracterizar a cultura ocidental, qual seja a de buscor a homogeneidade como fator simplificador da ago huma- na @ como fator positivo, rumo & hamonia, a unidade, ao controle @ ao triunfo da consciéncia, que iguala [ou deveria Ideaimente igualar) todos ‘0s homens, Nessa medida, a tendéncia 4 homogeneizacéo ndo seria piviégio de Linguistica Apicoda nem da aula de linguas, mas de toda qualquer ciéncia (ct. Coracini 1991 € Rajagopalan neste volume). de toda © quaiquer formnacdo discursiva, onde a regia convive com o he- terogéneo, o poder, com a resistncia, numa relagdo de contlitos e contadigées, Reférencias bibliogréficas Authier-Revuz, J. (1989) Heiérogénéites et Ruptures: quelques repéres dans le champ énanciatif. Documents de Travail. Universita di Uroino. Bakhtin, M. (1977) Le Marxisme et Ja Philosoohie du Langage. Paris: Les Editions de Minut. Brown, D. 1980} Principles of Language Learning and Teaching. N. J.. USA, Prentice-Hall, Inc. Englewood Clifs. LETRAS Revista do Hestrado om Letras da UFSH (AS) janelrajunho, 1887 HT Cavalcanti, M. (1986) A Propésito de Linguistica Aplicada, Trabaihos de Linguistica Aplicada, 7; p.8-12. __ {1989} interogdo: Leifor Texto, Campinas: Editora da Unicamp. Coracini, M. J. R. F. (1991) Um Fazer Persuasivo: 0 discurso subjetivo da cigncia, Campinas-Sa0 Paulo: Pontes-Educ, __ 11998} © Jogo Discursivo na Aula de Leitura. 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