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avws DUA bd RL q ideratipite gree: ccnp CIVITIZAGAO BRASILEIRA wr © 2000 by Mariza de Carvalho Soares copyniant ©? cara prelyn Grumac sgouet GRAFICO ; m/e Conumnact € Jodo de Souza Leite hb 0 DO ENCARTE prover he Fernando Braga frelyn Grumac PRE PARAGAO OE ORIGINAIS. Nerval Mendes Gongalves EDITORAGAO ELETRONICA Art Line CIP-BRASIL. CATALOGAGAO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ s655d Soares, Mariza de Carvalho evotos da cor / Mariza de Carvalho Soares. - Ri Janeiro: Civlizagao Brasileira, 2000. Rio de Anexo Inclui bibliografia ISBN 85-200-0552-7 1. Escraviddo — Rio de Janeiro (RJ) — Historia — Século XVII. 2. Escravos — Rio de Janeiro (RJ) — Religiao. 3. Negros — Brasil — Religido. I. Titulo. CDD 981.04 00-1589 CDU 981 Direitos desta edigdo adquiridos pela EDITORA CIVILIZAGAO BRASILEIRA um selo da IMPRENSA S.A. 0S DE DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVIG Tel: 585-2000 Rua Argentina, 171 - Rio de Janeiro, RJ- 20921-38 PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL " Caixa Postal 23.052, Rio de Janeiro, RJ, 20922-971 Impresso no Brasil 2000 século XVIII esta marcado, em todo o Ocidente cristo, pela crise da cristandade constantiniana desencadeada pelo surgimento do Estado moderno. Os acontecimentos aqui analisados, entretanto, se inscrevem numa situagao histérica ainda pouco afetada pela mudan- canas relagGes entre a Igreja e o Estado que se desencadeia na Europa, ao longo do século XVIII. No Brasil, ainda profundamente marcado pelo instituto do Padroado! e pelo jurisdicionalismo, sao raras e pou- co eficazes as tentativas, por parte da Igreja, de cumprir as determina- goes do Concilio de Trento do século XVI, que dird as inovagées desencadeadas pelo florescimento do iluminismo europeu. No ano de 1707 realiza-se na Bahia 0 Sinodo Diocesano, que ela- bora e publica, em 1719, um cédigo eclesidstico para o Arcebispado da Bahia. As chamadas Constituigées primeiras... podem ser conside- radas como a primeira medida efetiva de regulamentagao da agao doutrinal da Igreja Catélica no Brasil, segundo as diretrizes do Con- cilio de Trento. As novas normas procuram regulamentar a religiosi- dade colonial tanto no que diz respeito aos leigos quanto a hierarquia eclesidstica. Dom Frei Francisco de Sao Jerénimo, bispo do Rio de Janeiro, é um dos bispos ausentes ao Sinodo Diocesano da Bahia e em seu bispado as Constituigdes primeiras... so pouco adotadas. A religiosidade catélica no século XVIII, denominada barroca,? caracteriza-se por uma grande participagao dos leigos, que realizam ceriménias religiosas em suas casas, nas capelas e igrejas por eles construidas. Promovem dessa forma uma grande variedade de devo- Ges que, instituidas em irmandades, transformam-se também em €spacos de sociabilidade.3 No Brasil os pesquisadores da historia da 133 / pevoros 0A COR rigiosidade leiga como fruto da distancia, arg {grcja endem a ver 2 FeNsion ganismos eclesidsticos € a populacio.« Jo MEANS canto de ewe no hes 2 fevamente ipl os aos i na primeiea meade do século XVII especialmen. seo cumprimento das recomendagies resultantes do novo modelo Sieidstico, mesmo nas cidades onde existiriam condiges para isso, somo é 0 c230 do Rio de Janeiro. Embora 0 abandono da populacag poss ser maior fora das cidades, a natureza do problema é a mesma tn Minas e no Rio de Janeiro. O distanciamento das orientagdes de Roma recai indiscriminadamente sobre escravos ¢ homens livres, negros e brancos, moradores da cidade e do campo, leigos ¢ clérigos, Na perspectiva do catolicismo tridentino, no século XVIII, a cidade do Rio de Janeiro é um exemplo de cristianizagao incompleta. A CONSTRUGAO DO ESPAGO RELIGIOSO URBANO Ao longo do século XVII, a cidade cresce em diregao a varzea eo niicleo urbano do Morro do Castelo — que reiine 0 Forte de Sao Sebastiio, a Igreja de Sao Sebastido (onde est instalada a matriz) 0 Colégio dos jesuitas — entra em progressiva decadéncia. Em 1634, a ermida da Candelaria € elevada a pardquia, numa demonstragao de que a populagao da varzea precisa de atendimento religioso. Na déca- da de 1640, a Camara atende a uma reivindicagao dos moradores € transforma o escoadouro natural das aguas, que passa no fundo da cidade, numa vala, com sistema de drenagem mais eficiente. Desde am ness ee delimita © espago urbano, separando a semana hh as alate o eto. A pari de entdo se alte- eee me le antes organizadas em torno da matriz. familias afastam-se das ladeiras do morro € RELIGIOSIDADE € ESPACO URBANO. mparecer as procissSes noturnas na matriz para se reuni- deixar eras das irmandades.6 Na empobrecida Terie de S30 rem nas Epermanecem duas devoses que desde o século XVI esti. Sebati? Pos escravos € pretos: as devocdes a Nossa Senhora do associa ie Sao Benedito, Nao ha registros sobre 0 ano de criagio des- Rosirio« Fes mas, ja em 1639, as duas constituem a Confraria de sas dor ra do Rosirio ¢ Sio Benedito dos Homens Pretos. $6 em Nossa ottea anos mais tarde, seus estatutos sio aprovados. ea 659, a Matriz. de Sdo Scbastido é elevada a Sé da Prelazia do jo de Janeiro, criada em 1576. A grea est velha eo cabo aim ioe, recursos para restauré-la, pleiteando ao rei sua transferéncia ho greia de So José. A pretensio é imediatamenterechagada pela i ‘andade que administra a capela, O rei termina por aceitar os argu- vreatos da irmandade ¢ a Sé permanece no Morro do Castelo, Esses to, entretanto, tempos dificeis para 0 cabido, que, cada ver mais smpobrecido, nao consegue atrair para o velho templo os moradores dh virzea, Em 1676 0 papa Inocéncio XI cria a Diocese do Rio de Janciro,? elevando a prelazia & categoria de bispado. Por fim, em 1685, a Séé elevada a Sé Catedral. A maior autoridade néo faz dimi- nuirem os problemas. Ali crescem apenas a pobreza, 0 abandono e as irmandades de pretos € pardos. Em todas as esferas da vida religiosa da populacio é grande a movimentagio dos moradores para a construgio de novas capelas que déem conta do fervor religioso, da variedade de devosées e da segmen- tasio social de uma cidade em pleno crescimento. Imagens, estandar- tes ¢ alfaias transitam em procissio pelas ruas.# O crescimento das irmandades faz também crescerem os conflitos. J4 no final do século XVII, 0 cabido esta decidido a expulsar da Igreja de Sao Sebastido a Irmandade de Nossa Senhora do Rosério e Séo Benedito (formada por pretos de Angola e crioulos) e a Irmandade de Sao Domingos (forma- da por pretos da Guiné),? como se fossem elas as responsdveis por ca abandono. As principais disputas giram em torno de duas quests fe uum lado, os conflitos entre irmandades ¢ o poder eclesistico, ¢ Outro, as disputas entre as proprias irmandades sobre 0 uso das igrejas aan pevores 04 con e sex10 Hierarquia e precedéncia so valo caper aera cada wma delAs, na sua a (eet st ces Seog pe precedencia nas procissoes como due eneenam a As dere Pal do Antigo Regine! Segando Schwartz socieda- ena pratica as hierarquias de gra essa forma é possivel definir a posigag duagio, privilé D de um individuo por suas insignias, | por suas obrigagbes. Nessas condi peyumem importante significado simbélico em eventos P ‘indo ainda para reforgar “as prerrogativas de cada grupo’ ‘Em junho de 1702, toma posse Dom Frei Francisco de Sao Jeré- iro bispo da Diocese do Rio de Janeiro, que ai permanece .do ver a falecer. Nascido em Lisboa, € doutor em teo- nimo, terce até 1721, quan Jogiae qualificador do Santo Oficio. Logo ao chegar a0 Rio de Janei- 10.0 bispo escreve a Lisboa, falando da ruina da Igreja da Sé e dando inicio a um século de conflitos com as demais igrejas da cidade.13 Desencadeia também uma longa polémica sobre os habitos e costu- mes das mulheres da cidade.¥ Por fim, é decisao sua a construgao de ‘um convento de religiosas, que, autorizada por provisdo real em 1705, 56 é levada a efeito anos mais tarde sob o nome de Convento de Nossa Senhora da Ajuda.15 Nese quadro, embora inspiradas no modelo das portuguesas, as irmandades criadas no Brasil apresentam um perfil bem especial. Em cada paréquia ¢ instituida uma Irmandade do Santissimo Sacramento, 4que, incentivada pelas autoridades eclesidsticas, é a preferida das eli- tes da cidade.'* Além dessas existe, em cada igreja, a irmandade, ou pelo menos uma devogao do orago da casa, e outras de menor desta- que. No Rio de Janeiro, Séo José ¢ a irmandade das familias mais ilus- tres da cidade. Os pretos e crioulos sio devotos de Sao Benedito ¢ Nossa Senhora do Rosério, e os pardos, de Nossa Senhora da Conesgn, No Rio de Jans ds séuls XVII e XVII € impos pensar a hierarquia social sem leva i ia dos ‘doe sano rem conta a hierarqui 136 principais eventos piiblicos da cidade estdo os cortejos fetivos€ fanebress 8 maior parte = organizada pelas irmandades. Na bierarauia das agremiagGes religiosas leigas, africanos e crioulos, ropardosstuam-se Sempre N65 mais baxosescaesdahira- pros © Pe amas alas das procssées. Mas também ene eles ha hon- avin igo. Entre os mai respitados eso os mulatosepretos for e ‘alguns com insignias militares, como os da companhia de orde- ro de preios frre, ciads em 1698, No outro extremo des hie maria estdo os africanos recém-chegados, chamados “pretos fers" “bogais” “inf. Comparada as cidades européias e mesmo as espanholas da Amériea 0 Rio de Janeiro do séeulo XV € uma cidade pobre. A luz do dia, ruas sem calgamento, casas baixas ¢ mal arejadas, sujeira, bar- aoee cambulantes vendendo toda sorte de coisas que hé para comer ce beber, escravos seminus por todo canto. A noite, a escuridao é inter- fompida apenas por prociss0es, funerais, velas€ lamparinas nos ore forios das esquinas, homens com sinistros chapéus desabados. Mulheres, ndo menos suspeitas, enroladas em mantilhas pretas, escondem sedas e balangandis. O tempo todo o mau cheiro dos detr- tos jogados em qualquer lugar e, vez por outra, grandes temporais arrastando tudo. Nas proximidades do mar, nas ruas calgadas, concentram-se as melhores casas, o melhor comércio, as igrejas mais ricas. Alguns ende- regos de pretos forros, entretanto, mostram que dentro dos limites da vala a cidade cresce misturando pretos e brancos,ricos e pobres num ‘espaco onde a hierarquia parece estar mais inscrita no corpo € mesmo nas casas que na distribuigao do espaco urbano. Mas é nos arredores do Campo da Cidade, para além da vala, que, na primeira metade do século XVILL, os pretos vio receber doagdes de pequenos terrenos pare construir suas capelas e abrigar os santos de sua devosio. Em 1700, junto a vala, comega a construgdo da Igreja do Rosario.18 Em 1706, € inaugurada a Capela de Sio Domingos, que veio a dar nome 20 ante ‘Campo da Cidade, que passa a ser chamado Campo de Sao Domingos: Referindo-se & expulsdo dos franceses, frei Vicente de Salvador, pevoros 04 COF psrando a terra de paz, se es. de sorte que a praia Ihe ide a cidade jd ocupa a € atacada por 607, escreve: 1 ao longo do mars im século mais ta 4 em paz. Em 1710 17 rye, depos deinvestirem sobre varias Possesseg ns Rig de Janeiro em busca do ouro trazido dag Jueio mostra como a cidade é desguarnecida, mal fim, pobre, ja que & pouco 0 fruto da pilhagem serve de rua princi vrzea, mas ainda nao corsirios fra menor ainda 0 prego do resgat . ns dos cosérios franceses desencadeia uma série de proje- tos para a seguranga da cidade. ao de um muro que, projetado em 1713, comega a ser construido em 1715. A pl por Joao Massé, autor do projeto do muro, mos- tra as dimensoes da cidade. A ‘pdieando também as duas capelas de pretos existent Domingos, esta extramuros. O pouco que chega @ muro cai em ruinas sem que tena tido qualquer ‘mo assim o “muro” (como a antiga vala) torna~ téria na geografia da cidade? Em 1719, toma posse 0 governac nha e Albuquerque Coutinho Matos ¢ Not ‘Aires Saldanha é um perfodo de obras pt dos 0s mais altos indices de batismo de a cresce a demanda de escravos na cidade. Vérias ruas acelerada a obra do aqueduto da Carioca. No ano de 1725 toma pos- se como governador Luis Vahia Monteiro.23 E também em 1725 que cchega a cidade Dom Frei Antonio de Guadalupe, quarto bispo do Rio de Janeiro. O novo bispo encontra uma cidade bem diferente daquela que vinte anos antes recebera D. Francisco de S. Jerénimo. A partir de 1725 a redistribuigao espacial das irmandades de pretos ¢ pardos?* acontece sob 0s olhos de um bispo ja mais atento as orienta~ (6s tridentinas e que tem por habito a celebracao didria da Liturgia das Howes a Missa, Reza regularmente o tergo € publica catecis- : c ni eae fons Anni de Guadalupe recomenda a observa \eiro das Constituigdes primeiras...25 dor capitao-general Aires Salda- ragao de ‘ RELIGIOSIDADE E ESPACO URBANO wnaugurada a Igreja da Irmandade de Nossa Senhora 725 € i ee Sao Benedito dos Hiomens Pretos, nas imediagoes apenas do Ross chiro. £ justamente af que, no ano de 1737, por fal ccaba sendo instalado 0 cabido e a Sé Catedral. oa acolhida, acab a cade one oa cidade | conta com vats frees cael const Nes oti de: Santa Lui, Sto Jose, Candelria, io Domingos raat igumas dels. Mas nem todas as agremiagbesrelgo- ia spel. Os africanos da Costa da Mina, pr exemplo s contmandades ea ant nas conagada igs ds pe csi se te ainda nas dependéncias da Igreja de Sao Sebastiao, um 2 cian cov minas organiza no ano de 175 Irmandade do q into Antonio da Mouraria. £ pouco o que se sabe sobre eles Glorioso Sai oe aro de que nao acompanham 0s imios do Rosétioe So Be- tem tampouco os de Si Domingos. Apenas em 1734, quando nella Iga de Sto Sebastido é abandonada pela Sé, mudamse com 2 wepido para.aTgreja do Rosério, Nos anos de 1730 écriada, na lreia $s Rosério, uma outra irmandade de pretos-minas, devota a Nossa Senhora da Lampadosa. Por fim, na Igreja de Sio Domingos, um gru- po também de pretos-minas eria, em data desconhecia, ainda na pri- Prira metade do século XVIII, a devocao do Menino Jesus.27 "Assim, ja na década de 1740 a cidade possui duas igrejas de pro- priedade de irmandade de pretos e uma onde esta instalada uma irmandade de pardos.28 Além delas possui ainda um grande nimero de pequenas irmandades e devogdes, muitas delas sem documentagio regularizada, que povoam os altares das igrejas da cidade. Se muitos desses devotos so escravos, os dirigentes dessas irmandades em sua maioria sio forros e, como demonstram herangas etestamentos, algu- mas vezes com patriménio. __ Como andar, o que usar e onde morar e aonde ir sio quesiot bie sicos para situar uma pessoa na hierarquia social. Os homens usam ‘vestidos curtos”, proibidos aos clérigos. J4 nas mulheres, € a cabega coberta pelas mantilhas, 4 moda ‘0 que caracteriza sua indu- mentéria, As pretas forras aplicam tudo que ganham em ouro ¢ Paros coloridos trazidos da Africa.29 O chamado pano-da-costa tem varios pevoros DA COR 0 carregadas as costas, joga. de forma casual e também a Hoe es do ae mantlhas. Esses panos, muito valorizados nq pe jwzem parte do pequeno comércio de produros que vio e vém nas embarcacdes. Panos colorides, azeite, noz-de-cola, gordura vege. tal, contas usadas no pescoso, amuletos, sabdo € muitos outros pro- ‘dutos africanos si consumidos na cidade.5° "No século XVIII quase nao existem carruagens na cidade. Mesmo ‘as pessoas de mais posse continuam, como no século anterior, a andar pelas ruas carregadas em redes ¢ palanquins. Andar a pé com ou sem on escravo portando um guarda-sol ¢ ser carregado numa rede ou tpuma liteira de luxo s4o alguns indicadores da posigio social de um homem e de uma mulher. O modo como uma pessoa sai 4 rua define seu lugar na hierarquia social. Um dos principais meios de transporte dda cidade é a rede que transporta tanto 0s vivos quanto os mortos, Enquanto a rede dos vivos €sinal de alguma distingao em relagao aos, {que andam a pé, a rede dos mortos é o mais barato meio de transpor- te para levar um defunto ao: cemitério. No inicio do século XVII as casas so em sua maioria térreas, ‘Numa cidade onde o comércio é uma das principais atividades, mui- tas delas sdo construidas em duas partes: na frente, abrindo portas para a rua, a loja. Um corredor lateral leva a parte residencial da casa ‘© a0 quintal. Ao longo do século XVIII, so utilizados cada vez mais 8 residuos das baleias para a confecgao da argamassa de arcia que cobre as paredes, jé entdo feitas com tijolo cozido. Nas casas mais po- bres o chao é de terra batida, nas demais, de tijolo ou pedra. Tanto as mais ricas quanto as mais pobres so caiadas e muitas deixam o bar- ro aparente, o mobilidrio é sempre escasso e pobre. Durante sua esta- da na cidade do Rio de Janeiro, um viajante anénimo citado por Fer- rez apaixona-se por uma vizinha e, vencido pela tentagao, resolve visité-la. Ao chegar encontra as mulheres na sala sentadas “a moda ‘mourisca, num estrado”. Além da cadeira, que Ihe ¢ dada para sentat, apenas uma mesa no meio da sala.3 ‘A falta de carpinteiros faz com que as portas e janelas, assim como 140 RELIGIOSIDADE E ESPAGO URBANO jério, permanegam POr mobili vera um metro de largura por dois de altura, abrem- uniforms, Tero em duas bandas de tabuas macheadas que se fecham se para dent a de madeira. Na parte externa fica a rétula, que nas com uma fra entrar oar eimpedea visio do interior. A porta alta cosas tertens mesmo padrdo das janelas, Para seguranca dos mora- e eeitaseaue © rumam ter “espiadeiras”, por onde ovsitanteinde- doce Pore evitado. Substituindo os antigos telhados fetos com sxnd ode ra, muitas casas da cidade sio cobertas com telhas de fla de pass menores duas Abas, uma para frente eoutra para canal, Nas Sores — que a arquitetura da época faz crescer ao compri- tds Nat go a0 fundo — 0 telhado se invert fazendo suri tac niga 22 O telhado, assim como a cobertura do chao, sdo indicarivos da nica Gedo morador. Um telhado com cia, beira ou tribeira tem, no sia Jas hierarquias, um significado semelhante ao homem que sine a pé sozinho, com dois negros que Ihe carregam o guarda-sol eos ands pos, ou com um séquito de escravos a seguir-he os passos. Taye gempo essas construgses, de estilo bastante padronizado, ao sendo alteradas pela incorporagio de “puxados” e também pela Teforma e ocupacdo dos s6tdos, que passam a ser habitados. Em 1749 ore Caetano da Costa, um preto forro morador de um sobrado de tua propriedade na Rua do Cano. Caetano é membro da Irmandade ddo Glorioso Santo Ant6nio da Mouraria e deixa um testamento que € transcrito junto ao seu assento de dbito. & possivel, dessa forma, ima- ginar como vivem Caetano e sua mulher, e também outros pretos- minas forros da cidade que conseguem reunir algum recurso.'8 ‘Manolo Florentino trabalha com 1.067 inventérios post-mortem rurais € urbanos do Rio de Janeiro, entre os anos de 1790 ¢ 1835. A partir deles afirma que “quase todos os homens livzes inventariados eam proprietdrios de pelo menos um escravo”.34 Nao seria um mole- cote mina recém-chegado — que desconhece a lingua ¢ o trabalho, 0 que o faz barato —, o primeiro bem a ser adquirido por qualquer homem livre ou forro em ascensao? A questao é saber quem esta em condigées de adquirir 0 primeiro escravo, quantos efetivamente 0 fazem e qual a diferenga entre tet um escravo ¢ ndo ter nenhum. 141 pevoros 0A COR fae escadas estreitas e ingremes. O quintal, geralmente no fun casa, integea a parte intima da moradia da familia. Uma cerca quintais.33 TABELA 11 DISTRIBUIGAO DAS CASAS, POR FREGUESIA FREGUESIAS| CASAS Térreas | Sobrados (1) | Sobrados @)] TOTAL = fe |e] *] % freoo J28_| 457 [8 Gandelina_[480 [8 | 676| 12] 188 Siojoe [860 [as | 338] 6 2 SanaRia fos [rr | 450] 8 20 Tora 3.586 [ez _[aszi] 33 | 300] 5 | 5.807] 100 Fonte: “Demonstragdo curiosa...”. 1779-1789.36 ASS, freguesia mais antiga da cidade, redine na década de 1780 um total de 1.600 casas térreas; impossivel saber quais delas possuem es- cravos.i7A medir-se a riqueza dos moradores pelas casas esto ai, sem diivida, os mais pobres. Mas a Freguesia de Sao Jose, que nos anos de 1751-60 reGne o maior mimero de escravas,38 apresenta um resultado de pouco destaque com relacéo a riqueza arquitetGnica, jé que possui apenas 26 sobrados de dois pavimentos. Os sobrados de dois andares, Se concentram na Freguesia da Candelaria, onde 0 comércio faz 08 moradores subirem para o segundo andar. 142 NS 4 pELIGIOSIDADE E ESPACO URBANO pos MORTOS® 1s mais bem classificadas sio enterrados no Mas mas, em se tratando de pretos, ndo existe chio das ign. Ja no século XVI, a alta taxa de mortalidade que sits MOF leva a abertura de cemi- za ae re mulatos. ‘Cemitério do Rocio da ra weg camber ‘conhecido como Cemitério dos Mulatos. Em 1623, é ‘Os mortos “ gados a Santa Casa, que detém 0 monopélio desse servigo. Em 1687, a Fendade de Nossa Senhora do Rosério e Séo Benedito dos Homens fimos recebe licenga especial para possuir esquife, pagando érdia apenas pelos sepultamentos, ¢ nao mais pelo translado dos corpos. No ano seguinte, a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte dos Homens Pardos consegue o mesmo privilégio, que em 1699 é concedido também aos irmaos de Sao Domingos. Dessa forma os pretos e pardos barateiam seus funerais e escapam com mais freqiién- cia as covas coletivas da Santa Casa, onde sio enterrados os que nao possuem recursos para pagar um funeral. A Misericérdia por sua vez é também beneficiada por essa concessdo, j4 que mantém sob seu con- trole os sepultamentos mais lucrativos ¢ desincumbe-se dos mais one- rrosos, que passam a ficar a cargo das irmandades de pretos e pardos, que com isso eximem a Santa Casa de arcar com o funerais gratuitos.40 Quando da inauguragdo da Igreja de Sao Domingos, em 1706, os sepultamentos passam a ser feitos nesta igreja e em torno dela. Em 1709, os franciscanos ganham um terreno para enterrar escravos 0 Pé do morro do convento, onde ja havia o costume de enterrar escra- vos. Em 1722 € criado o Cemitério dos Pretos Novos junto a Igreja de Santa Rita, construida na mesma ocasiao.41 ‘Ja existe nessa época o Cemitério do Rosario, que comesa a funcionar antes da inauguragdo a igreja em 1725. O cemitério da Misericérdia é 0 destino daqueles 143 pevoros 0A COR ‘em vida nao contratam com alguma irmandade © cuidadg com - Mas entre 0s pretos que tém um sepultamengs esté pelos cemitérios das igrejas de Nossa gq ¢ Sio Domingos, ambas pertencentes a irmandade, ,ém na Candelaria, sede da freguesia. Nos testamen, 0s € nos Gbitos de escravos so todos enterrados em, redes — “amortalhados com mortalha branca” ou “em um lengol” A justficativa para a criagéo das irmandades de pretos vem fre. aientemente associada ao fato de os escravos serem abandonados poy seus senhores depois de velhos ¢ doentes, tendo seus cadaveres jogs. dos nas praias € nas portas das igrejas: {..1]¢ da mesma sorte acontece freqitentemente langarem os defun. tos corpos nos adros das Igrejas principalmente de religiosos og ‘quais se véer precisados a dar Ihe sepultura, pois tem os senhores Por mais barato esta inumanidade do que experimentar as demoras, ‘eembaragos das averiguages da sua pobreza, com q. muitas vezes, além de se corromper primeiro 0 cadaver, fica totalmente dificulta. daa sepuleua [..}#2 O abandono dos cadéveres nao é praticado apenas pelos senhores mas também pelas proprias irmandades, quando ni Fecursos para enterrar seus mortos. A admissio dessa € relatada em petigdes da Bahia e na documentagao da Igreja de Santo Elesbao ¢ Santa Efigénia. £ importante lembrar que a descrigao das dificuldades por que passam os que se dirigem ao rei para suplicar ‘algum privilégio faz parte da retorica das petigdes. Proprios a esse enero de correspondéncia, os fatos narrados parecem nio estar lon- Be da dificil realidade da grande maioria dos escravos e forros das, ‘idades setecentistas diante da morte. A preocupagio com a morte faz com que muitos deles, mesmo ‘ndo possuindo bens, facam testamento para deixar ali registradas a5 144 yF RELIGIOSIDADE E ESPAGO URBANO ses do seu sepultamento, Em outros casos, mesmo sem o testa condisOr maples leitura do assento de ébito permite conhecer um senor f Nida do morto e de sua preparacio para a morte, Tereza de pou? hada no ita e sepultada em Santa Efignia. Antonia de Jesus, Ja Jodo ado com Anna Maria, também ito de Sdo Francisco e sepul- bao e Santa Efignia.43 Essa aparente mis- is de sepultamento € mortalhas mostra de um Indo a diversidade de opcbes na forma de tratar o morto e de outro ara uma infinidade de combinagées, rompendo com qual- Gur exclusivismo, por determinados santos ¢ também grupos de pro- Sedéncia. E, portanto, uma religiosidade que combina varios contra- tos de prestacao de servigos religiosos que so administrados de for- tna a maximizar as condigdes da salvagao da alma de cada um. Os enterros saem no final do dia. Desde cedo as pessoas se retnem em tomo da casa do morto, os pretos trazem seus instrumentos e en- toam cantigas. Os sepultamentos de homens ¢ mulheres sio identifica- os pelo toque dos sinos: uma badalada do sino maior para os homens ‘eduas para as mulheres, para quem se toca também o sino menor. Debret descreve 0 “enterro de uma negra” mogambique na lgreja da Lampadosa e reproduz em portugués uma frase repetida durante 0 velério: “nés estamos chorando 0 nosso parente, nio enxerguemos ‘Ainda segundo a descrigio de Debret, o enterro € acompanha- rdialmente por mulheres, que também encarregam-se da arre- cadagdo de recursos para o pagamento do funeral. Embora Debret nao Perceba que por trés daquelas mulheres existe uma organizagio érnica confessional, o uso a palavra “parente” atesta esse fato-# Apresento a seguir um levantamento de bitos de escravos da Fre- Suesia da Candelaria, entre 1724 e 1736, em que aparecem ao todo 17 locais de sepultamento. Séo 11 igrejas, 4 cemitérios e 2 mengdes, (onde ndo fica claro se € um cemitério, igreja ou convento (so as oor” vas pevoros 0A COR a dito apenas Carmo e Hospicio de So Francisco), P ‘ tamento mencionados nos assentos de Sbito 53, Pereas, em sua majoria, mostrando proximidade ainda existente ng erae entre os espagos dos mortos, dos vivos e dos santos.¢s ‘Os desenhos de Debret mostram que, um século depois, as con, «es de sepultamento na cidade pouco se modificaram.4 A inexistén. rere lugares adequados para enterrar escravos indica que esses locaig fio s4o considerados necessirios. Embora a doutrina oficial da Igrejq dé tratamento cristdo as almas dos mortos pertencentes a povos gen. tios, a maior parte da sociedade ainda vé os corpos dos povos gentiog como ndo merecedores de tratamento cristéo. Um aspecto curioso a ser notado é que mesmo aqueles que batizam seus escravos pouco se importam com 0 destino de seus corpos. Com seus cemitérios, as itmandades impedem que os irmaos permanegam insepultos por falta de recursos para pagar as taxas estabelecidas pelas igrejas ¢ pela Santa Casa. Falta de recursos para os sepultamentos nao decorre apenas do desleixo dos senhores, mas também da pobreza das confrarias. ‘Muitos assentos de 6bito indicam o sepultamento no adro da igreja. Diante do nimero de mortos ai enterrados pode-se concluir que, na verdade, sio pequenos cemitérios, extensées informais do adro. E 0 caso da Igreja da Candeléria, onde, no periodo levantado, sio sepultados 115 escravos. O alto niimero de sepultamentos no adro dessa igreja pode ser explicado pelo fato de ser a sede da fregue- sia, mas talvez esse ndo seja 0 tinico motivo. Embora essa igreja nao seja conhecida como uma igreja que abrigue irmandades de pretos, a devogdo a Séo Crispim e Sao Crispiniano esteve af instalada.4” nELIGIOSIDADE € ESPAGO URBANO TABELA 12 JBUIGAO DOS OBITOS DA CANDELARIA, DISTRI POR SEPULTAMENTO* rm eae bot ome vea cima roma eto tte pe se ee 34] 73 Cem 5 Domine oof a_ [3 | 4 fe fo [us sp 712 i TLL AS Kia F 2 F fgtonses Sa paps ig oaSe 12 12 ea 7 Tg. de S. Pedro 1 7 z Seno oT ph HospiioS. Feo. | 1 Gea Coven ‘sto. Antonio 1 1 2 ietiocs | 3] 7 7 ies bens 7 z TERS Oud i TENS dos 3 Gin Nocrsivtnf —[ 7 3 TOTAL Tiflis | 66 | 20 |i | 8 @ [a2 DP Fonte: Livro de dbs de escravos. Freguesia da Candeliria, 1724-1736. ACMRJ.® O levantamento indica a existéncia de quatro cemitérios distribui- dos de forma irregular por toda a cidade: o Cemitério de Sdo Domin- {0s fica junto da igreja; o de Santo Anténio, do convento dos francis ‘canos; 0 da Misericérdia, criado no século XVII, também préximo & sede desta Casa, junto do Morro do Castelo; e por fim 0 cemitério de Jodo Dias, sobre 0 qual nao consegui localizar nenhuma informagdo.*? Como mostra a tabela, a distribuigao dos escravos pelas igrejas ¢ cemitérios é bastante equilibrada, ndo indicando grandes preferéncias pevoros 0A COR de sepultamento de acordo com a procedéncia (nage so de sede da Feguesia os nimeros mostram que os pe de sao enterrados em dois cemitérios a eles dedicados, cGhuten da lareja do Roséro eo da lgreia de Sa0 Domingos, amie ta saida da cidade, sendo que o segundo € extramuros. Praticame Jp ynetade dos pretos-minas é enterrada na Igreja do Rosétio, Tal fary feforga a idéia, ja colocada no Capitulo 3, de que os pretos-mi rioulos, © que ndo elimina os confines convivem com 0$ anj ‘que possam existir entre Por outro lado, os cemitérios de Sao Domingos ¢ Rosério mostram uma alta concentragio de pretos da Guiné, talvez ligados ao primeira ‘grupo de pretos que sai da Sé, no inicio do século XVID, daf ser jé, em meados do século, considerada uma irmandade de crioulos. Também na Irmandade do Rosério, com o tempo, os crioulos assumem posiggg de destaque.5! Por outro lado, mesmo que minoritario, existe na Igreja de Sao Domingos um grupo de pretos-minas devotos do Menino Jesus {que podem justificar os oito sepultamentos desta procedéncia, Os sepultamentos mostram que, em vida ou depois da morte, os pretos partilham um pequeno niimero de espagos sagrados, 0 que tal- vez ajude a entender os confliros que ai se multiplicam ao longo do tempo. Devido a pequena variedade de locais para sepultamento, a concentracdo de mortos de diferentes procedéncias num mesmo cemi- tério encobre a diversidade de grupos.% A distribuicao dos mortos, combinada a distribuicao dos vivos, termina por mostrar que, tanto no cemitério da Igreja do Rosério quanto no da igreja de Sao Domingos, 08 pretos de Angola séo majoritérios. Assim os dois grandes conflitos centre a Sé e 0s pretos teriam ocorrido com pretos de Angola e da Gui- né que vieram a construir as igrejas do Rosdrio e de Sao Domingos. ‘Quanto aos pretos-minas, uma parte permanece na Sé, na Irmandade de Santo Anténio (1715), indo depois para o Rosario, outra constitui 1 Irmandade de Nossa Senhora da Lampadosa, na Igreja do Rosério (depois de 1725), ¢ uma terceira constitui a Irmandade do Menino ‘Jesus, na Igreja de Sao Domingos (antes de 1740). Por fim, um iltimo igrupo constitui a Irmandade de Santo Elesbao e Santa Efigenia (1740). 148 ae AELIGIOSIDADE E ESPAGO URBANO de suas agremiagBes, 0s minas dio a falsa impres- pelo {5 ‘um grupo minoritario quando, na verdade, ttm tao de consi ficativa entre os escravosafricanos da cidade.53 est I analisado dt respeito &distrbuio desses spl Um Pont ngo do tempo ¢ por sexo." Embora abranja um curo sament05 724 a 1736) € um reduzido mimero de sepultamentos vee 24 Sora pode apontar resultados interestantes. Uma pri- {499)s5 esta amoeijestacada € quanto ao niimero de mulheres sepul- wea sfjagio aos homens (248). De acordo com todas as radas (2% pre tréfico,a entrada de homens é superior a de mulheres.56 andlises sobre ro, mostram ndo s6equilibrio mas até mesmo um + ode mulheres com seputaras crits, Seas dados do tré- mero mai os, ent parece set indisutvel ofato de que as ecra fee a longo de sas vidas melhores conde de aso “cristo que 0s escravos. Os recursos mobilizados por oan Teneficio de suas almas incluem no apenas sua ci a irmandades, mas freqientesesmolas,acumulaslo de algum Pause, bas ragBes com seus senhores¢ senoras ( destaque pea essa questio é importante porque mostra que esas mulheres Reraen ver também grande influéncia na administracao das irmanda- pertencem, onde disputam cargos ¢ titulos com tanta ou tras disposiga0 que os homens, os quais, por seu lado, esmeram-se ‘im limitar a atuacdo feminina, como se vera no Capitulo 6. ‘Essa ocorréncia tem especial destaque justamente entre os minas, com 35 sepultamentos de homens e 44 de mulheres. Luciano Figueiredo aponta para a alta proporcio de mulheres nas irmandades de pretos € pardos em relagio as de brancos em Minas Gerais, associando isso a0 fato das mulheres serem, em Minas, 0 elemento mais estavel da popula 40.7 A significativa presenga de mulheres com sepultamento cristo no Rio de Janeiro indica que 0s motivos dessa forte presenga feminina ras associagdes leigas possa ultrapassar as condigGes locais. ‘Outro ponto que merece destaque diz respeito ao perfil da popu lagio escrava da cidade, formada por dois grupos bem distintos: um Primeiro grupo constituido por escravos africanos de varias procedén- cias liderado por pretos angolas (117), minas (79) ¢ guinés (68). Um 149 TABELA 13, bisTeisut {UIGAO DOS SEPULTAMENTOS, POR ANO E POR 7 SEXO, pave & ESPAGO URBANO (68), pardos (47) escravos 147). Entze os crioulos e pardos o sepulta- ‘da mais diferenciado (sao 19 criou- ra 32 pardas), 0 que mostra que na ide homens e mulheres nascem em sara defasagem é ainda mais facilmente nova iéia de que sao as mulheres as que tem ‘9 cristao. E dificil avaliar 0 que esses populagdo escrava ¢ forra da cida- edo cuja margem de confiabilidade ido de levantar quest6es, mais pericios! ido por crioulos se 15 pardos Pa ‘mais antiga (on! ter o senti nso populacional no século XVII impede aqui apresentados, com base nos mas os nuimeros cao dos casos de podem dar uma nogao da distribui Considerando apenas os trés gentios major entre 1718 a 1750, chega-se aos seguintes mime~ aa rrgo 958 batismos de filhos de mulheres da Guiné para 66 ébitos ‘os Srrens e mulheres do mesmo gentio; 238 batismos de filhos de Sbitos de pretos e pretas da mesma procedéncias mie angola para 115 «por fim 296 batismos de filhos de mae mina para 71 Sbitos de homens e mulheres minas.58 Considerando a baixa natalidade e a alta mortalidade da popula- cdo escrava, é possivel coneluir que um reduzido mimero de escravos tem acesso 20 batismo e um contingente ainda menor ao sepultamen- ae Considerando ainda que a maioria dos escravos seria dado sal oe e, quando muito, enterro sem pompa, pode- safirmar que os sepulamentos feitos de acordo com as normas ecle- ee ee nanenear once modo, ao universo dos escravos Bade a inmandades que conseguem cumprt todas as exigéncias do earn sti, © qu, mesmo nes irmandades, nem sempre € memcttcntncias sf: sempre que possivel, administrar os sacra- econ mer €, apés 0 falecimento, realizar a encomendagéo Preparacdo em mortalha adequada, o transporte € 0 se- céleulos rigorosos hatismos € 6bitOS, rnascimento € morte. na Freguesia da Sé, Fonte: Livro de Sbitos de excravos.Freguesia da Candelévia, 1724-1736. ACMRJ. ojamnbique ‘TOTAL ebolo cabra ‘mulato niu Tadino Taio 151 TABELA 13 DISTRIBUIGAO DOS SEPULTAMENTOS, POR ANO E POR SEXO f ‘Ano € Sexo dos Obitos ‘Ti sexo [Ti geral | TT 1723[ 1726 | 1727 | 1728] 1729] 1730 | 1731 1 \ qualifcagoex | mf] mf fmf Pm] tf} ml tml ttm ttm T { | fez J 2 4 at a] 242-2 als Sf 35 aa] 79-| t i 24 sf] 133] 35| ee] a 3-4 3-3, apt 2-63] 6 143 Ol ae si a7] : 7 7 at mi { =| 7 Ta 34 2s] a isp 20-| i 7 1 ‘congo T T 3 I anguela oo muxicongo Tt mosambique Z monjolo T ‘ambaca T ‘cacheu J s. lourengo, ‘massangana ‘mulato bogal rebolo crioulo, pardo escravo cabra jadino 3fi7 ts 18 ol ts] 22] 17] 25] Fonte: Livro de Sbitos de escravos. Freguesia da Candelaria, 1724-1736. ACMRJ. pevoros DA COR € velas. Paga-se a missa e também, puleamento com a presenga de um rel » barateia 0s custon padre, a mortalha, oaluguel do esquif Fe yelas. O transporte em rede, usual na Ci porque reduz a despesa com 0 aluguel do esquife de madeira, F especialmente alarmante a relagdo entre 0s 958 batismos com nies gunés para apenas 35 dbitos de mulheres do mesmo gentio, Dy todos os grupos, € o que apresenta maior defasagem. Em outro mo. mento da andlise aponto para a probabilidade de essas mulheres serem, pelo menos em parte, escravas domésticas, jd que entre elag¢ alto o indice de casamentos. Se essa condigio de escravas domésti é verdadeira, esta breve andlise permite questionar a imagem da senhora protetora de suas escravas nas primeiras décadas do séculp XVIIL Se tal protecio existe, parece excluir 0 cuidado com 0 sepulta. ‘mento cristo dessas escravas. E entre os escravos minas e angolas que s4o encontradas as me. Ihores proporgées entre assentos de nascimento € Sbito. S40 296 ba tismos para 79 sepultamentos de escravos minas e 238 batismos para 117 sepultamentos de escravos angolas. Essa proporcao provavel. ‘mente tem a ver com a organizacao desses dois grupos em irmandades que se fortalecem ao longo da primeira metade do século XVI. Jé os, escravos do gentio da Guiné sio um grupo que, como é mostrado no, Capitulo 3, esté se decompondo socialmente ¢ cujas formas de orga- nizagéo so quase completamente desconhecidas. A tinica referéncia a formas de organizacio dos pretos da Guiné é a indicagao de Vieira Fa- zenda de que eles fariam parte da Irmandade de Sao Domingos. Tal- vez essa escassez de informagées tenha a ver com 0 fato de que o cha- mado “gentio da Guiné” possa ser um rétulo para a identificagao de procedéncia mas nao tenha constituido mecanismos para a constr ‘do de formas de organizag4o com base nessa identidade. O reduzido mimero de assentos de Sbito é compativel com as indicagdes da documentago sobre a dificuldade em realizar o sepul- tamento nao apenas dos pretos (escravos ou nao) que ndo pertencem 4 qualquer irmandade mas mesmo daqueles que pertencem as irman- ddades mais pobres. A dramética descrigao do abandono dos corpos 152 FUNDADA EM 1740 RUA DA ALFANDEGA, 219 Insignia da Veneravel rmandade de Santo Elesbio € Santa Eigénia (século XX) Planta da cidade do Rio de Janeiro, or André Vaz Figueira (1750) Mo pevoros DA COR ntigo proprietério. Além das j6i, meu senhor”, provavelen do A acre decom pias een re Roskci, ‘além da devogao Virgem, possuj Pele vindades de pretos-minas em sua igreja no inj i nencionada Irmandade do Glorioso Sante ‘ca Irmandade de Nossa Senhora da Lampado. ‘sa, 0. que. ice de funerais de pretos-minas nessa igre. ja. Na segunda fo século XVIII, com a inauguragio da Igrejg Santo Elesbao e Santa Efigénia e da Lampadosa, boa parte dog funerais de pretos-minas passa a ser realizada nessas novas igrejas, ‘Dos 79 dbitos de minas, 32 sio sepultados na Igreja do Rosétioe 8 no cemitério da capela de Sao Domingos. E justamente essa elite liberta e com patriménio que se encarrega da organizacao das devo. des ¢ irmandades que tomam como modelo a Irmandade de Nossa Senhora do Rosario ¢ S40 Benedito. GRUPOS ORGANIZADOS: OS PRETOS-MINAS E SUAS FOLIAS ‘A mesa da Irmandade de Nossa Senhora do Rosario do Mosteiro de Sao Domingos, em Lisboa, é composta por cargos executivos e mais uma corte com rei, duque, conde e outros nobres, representando a sociedade estamental portuguesa, no interior da irmandade. Inspirada nessa tradicio portuguesa, a escolha de reis ¢ rainhas é uma tradigao também no Brasil. A diferenga entre a corte da irmandade portuguesa as cortes das irmandades do Brasil é que aqui os dois segmentos da mesa (os cargos executivos e os titulos de nobreza) se separam: en- quanto os juizes e a mesa se encarregam da diregao da irmandade, 08 reis encabecam agremiagdes chamadas “reinados”, “estados impe- riais” ou, mais comumente, “folias”. Cada rei possui um reinado composto por duques, marqueses ¢ condes, formando como que pequenas cortes onde a hierarquia s¢ reproduz em nivel mais baixo, conforme ocorre na corte portugues®- 154 pELIGIosIOADE E ESPACO URBANO a rua virias vezes a0 ano, de acordo com os recursos air am | compromisso € a coleta de es- . Assim como a irmandade sai pA COR pevoros ano aguardam © ran ea — ou Salauee adas nas igrela5 Si ga ora dda Peejatorio do marqués, ee de coneng0 ide capelas Pr6l See Domingos onde Se ods omement depois omodidade 6s aa oi rempo do marques do Lavradio que circula aide, ce Jas construidas pelos pret & Senhor Jes¥s seta com 2 oe ear dosa ¢ Mecem 10 tf década auereanias da cidade. Uma correspondéncia mg se pee ra que rasa conta com 0 apoio d0 vice-tei do bispo ¢ Fos irmaos 2° bém ido Rosério, que dela se beneficiariam. Stan. dita av ijas capelas até que elas estejam to de amaicadas, conforme prevéem as Constitui as..70 Com issO rodeia. Os devot ‘aumentaria sua receita, P* jendo entdo reunir fundos para a sua refoy ita, Para convencer o ei da justeza de seu pleito os irmaos do Rositig rreaminham & Coroa uma representagao: | vériasirmandades de pretos com Igrejinhas indignas, e indecey ‘nem devem ter este nome, como séo a Irmandade das «sao Domingos, S. Felipe Sd0 Tiago, O Menino Jesus, Sata S, da Lampadosa, S. Mateus, outra de S, Benedizoem S. Ant&nio, O Senhor Jesus do Calix, N. S. de Belémes, sKarénio da Mourara, as quais sendo VM servido ficarem anexase fecolhidas a esta Igreja demolindo-se os alpendres em que exisen ara cemiéros fria VM um grande servo a Deus, ¢ grande suns dispersas despesas que fazea, | Mercés, Efigénia, e S. Elesbao, N- reunidas, e incorporadas nela dade para a conclusio da obra.7* Segundo o marqués do Lavradio, nessas capelas, por “pessoas depravadas, e de ma vida, ¢ costumes”, 1 a Mi sas torpes, e indecentes”,72 0 que, por si $6, justfica sua destruigio. Esta polémica dé uma vaga idéia da aparéncia do antigo campo ac dade'na década de 1770. As devogoes, que até os anos de 1750 2 160 DS ML i perieiost0ADE € ESPACO URBANO do Rosério e Séo Domingos, partem para a prias. Algumas resistem a essa politica de He reformadas, transformam-se em peque- io cas de So Domingos Santa Efigénia, Lampar nas igrel9® ‘do Calix. As demais devem ter tido vida curta, ficado outros registros além do requerimento

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