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VITORIA PBRES. DE OLIVETRA O CAMINO DO SILENCIO + UM ESTUDO DE GRUPO SUFI Diosertagie de Mestrado apresentada ao Departamente de ANTROPOLOGIA S0- CIAL do Instituto de Filosofia e Ciéneias Humanas da Universidade Estadual de Compinas, AU CARLOS RODRIGUE Grientador / sRANDAGT” Novembro/i991 lOL4c 16805/BC AGRADECIMENTOS ‘Aos professores: Carlos Rodrigues Branddo, meu orientador, que com seu apoio, sugestées e questionamen- tos enriqueceu este trabalho. José Jorge do Carvalho, meu co-orientador, que acrediteu neste projeto desde oinicio e com seu apoio, svgestées e discussdes afudou a conere- tint-lo. Rubem César Fernandes, que ao acreditar na idéia deste trabalho e me sugerir os orienta- dores, foi de ania ajuda inestimdvel. As tre pelo carinho e amizade que me dedica- ram o pelo exemple de dedicagiia ao ensino oA Antropelogia, agradepo de coracio. Aos membros do Grupo Su que por sua colaboragia tornaram possfvel esto trabalho, Em especial a Luts e Agha A todos 05 amigos: que me rjudaram das mais diversas formas com tanto empenhe ¢ cavinig. Em especial ua mou inno Edgard, polo apuro griifics deste trabalho. SUMARIO 10-INTRODUGAO ww ee ed 20-OSUFISMO 6 ee ee TD 2.1De que Sufismoestamosfalando . . . eT 220 ldedriodoGrepo 5 ee ee 0 221O motive 2. ee 8 2.2.2 Oidedriopropriamentedito . 2... 1 ee 10 8.0-OGRUPOSUPE) 2 6 0 3.1.0 Grupo —Duas Caracteristicas Morcantes 2... ss At 3.2.0 Grupo —~ A pesquisa, a constituig&o e a organizagdo externa do grupo. 46 B8O0Grupe—abistoria 2 6 AB 3.40 Grepo— Um esbogo a partir de biografias =. 2 2 2... 48 3.50 Grupo—Cingressonogrupo 6 ee ee OB 3.60 Grupo—Amulhernogrupo se ee ee ee BE 9.70 Grupo — As regras da ordemnagshbandi . . ss ew. 64 3.80 Grupo — Quadros Bstatisticos 6. ee ee 6 4.0-A NOVA CONSCTENCIA RELIGIOSAROGRUPO . . . . . . 9 5.0-OSRIPUAISOUEXERCICIOS 6. 2... ee 6.0-CONCLUSAG 2 6. ee D ANEXOS 0 0 ee 8 BIBLIOGRABIACITADA © 0 ee ee ee 108 BIBLIOGRAPIA SUPLEMENTAR SOBRE 0 SUFISMO soe ee 6 108 CAPELULO I INTRODUCAO O objetivo deste trabalho é fazer um estudo etnografico sobre 0 grupo de autoconhecimento denominado “grupo de estudes sufi”, “grupo sufi” ou “Tradigio”. Arelevancia deste estudo se deve a que vem preencher um espago no mapea- mento que esta sendo realizado ¢ que tem tentado apresentar de uma forma sistemdtica a diversidade e a mudanga no waiverso veligioso brasileiro. Com esta tese sobre o “grupo sufi’, “grupe de estudes sufi” ou “Tradigao” tenho a intengiio de contribuir para este didlogo sobre esta diversidade e também para o moior desta mudanga, ou seja a busca de sentido. Que tipo de sentido € este? Quem esta buscando sentido num grupo come esse? O que este grupo oferece? No caso do presente traballio tentaremos responder essas quostées dentro do grupo estudado ¢ tendo como universe os seus merabros. ‘Ac busear conceituar o grupo me deparei com uma série de desatios conceitwais, ou seja, como classified-lo? Uma seita, um grapo religioso, uma organizacio 9 ou um grupo de autoconhecimento? Rejeitanios a palavra seita pelu excesso de conotagSes associadas a esta palavra. Como explicou Leilah Landim (Landim, 1989:17): “mantenda sempre os termos utilizados nos textos, encon- tramos ai que as seitas 800 reing do inauténtice, da impos- tura, da charlatanice, da fraude.” Ademais se nur sentido 0 grupo poderia ser considerado uma seita, entenden- do scita em sua concepplo classica na soziologia da religiao, onde “serve como um modelo pere organizer uma minoria cog- nitiva contra um meio hostil ow, pelo menos, descreitte,” (Berger, 1969:173) Em outro, pelo seu carater individualizante, onde nao hd 0 proselitisme, nema a exigéncia de crengas em dogmas, mas uma forte énfase experimental ¢ mesmo psicolégica’, se alastaria desta concep¢ao. Por este motivo, recusamos também a definigdo de Troeltsch, citada por Abumenssur (Abumanssur, 1989:24), de “Crgani- zagao Mistica” : “caracterizada peloindividuatismo ea defesa da liberdade pessoal, a organizacdo mistica foge do radicalismo das seitas e da santidade institucional da igreja. Acaba por aglutinar-se numa associagda voluntdria de individuos com idéias ¢ pensa- 1 Paicologia entendida aqui, camo conceile araplo de estude de comportamantes, motivaries & meeanismos do ser humane, mentos iguais adequada W expresséo religiosa de algumas classes privilegiadas” Esta definigdo poderia estar mais préxima, mas é ainda restritive a0 onfatizar a “expressiio religiosa” (por nossa opeao de n&o usd-la, passaremos por alte outros pontos dessa definipao que também seriam problemdticos), Decidi, portanto, pelo termo:grupo de autoconhecimento, sem esquecer entre- tanto que este conceito estaria incluido em dois conceitos mais abrangentes como grupo religioso —entendendo religido como uma ligagao estavel com uma concepsaio transtemporal da realidade’; e grupo mistico — entendendo misticismo como 0 anseio humano por comunhdo pessoal com Deus’. Grupo de autoconhecimento descreveria mais especificamente o grupo estudado, j& que inicialmente muitas pessoas se aproximam buscando autoconhecimento, sem ter muito claro para si mesmas, se isso incluiria ou ndo, uma relagéio com Deus. Isto também € reforgado pelo préprio Sufismo, onde Deus nao é um coneeito 2 ser aprendido, mas uma experiéncia a ser feita apés um desenvolvimento de cerias capacidades de percepsdo do ser humano. Inicialmente, portanto, reforgando obje- tivos menos religiogos ¢ mais ligados A psicologia, percepgao e autoconhecimento. ‘Algumas vozes em um grupo sufi pode nfo haver, om certes perfodes, nenhera referéncia a Deus, trabalhando-se conceitos psicolégicos como condicionameuto ¢ fazendo-se exercicios respiratérios ou de visualizagao de cores ou outros. O religioso sendo entendido por vezes como um. contexto dentro do qual certos processes ¢ experiéncias podem ser descritos ou realizados de forma intelegivel. O mou interesse no grupo nav foi de inicio um interesse académico por wm objeto de posquisa, apesar de ter conhecide o grape pouco tempo apés a conclusiio dos créditos no Mestrado em Autropologia. Hé dois anos entretanto, quando veltei a estudar Antropologia, me surgin a idéia de pesquisar este grupo. (Par que nao!) Esta tese 6 0 resultado de 12 anos de convivéncia, participagao ¢ observarde neste “grupo de estudos sui”, Esta modificagao de foco de participante-observadora para observadora- parti- cipante, fo! muito rica, Comecei a viver a questdo do estranhemento no grispo do qual também eu participava. Tendo em mente a promessa antropoldgice exige que 0 sujeito consinte: em distinguir entre suas conviegces absolutas ¢ sua atividude especializada de antropdloge” (Dumont, 1983:204). Com o euidado constante de néo justificar ou usar os argumentos do grupo, que na verdade ou teria que explicar®, Ao mesmo tempo entendendo que a objetividade ‘como conceito absoluto nas existe assumindo que a antropologia € uma atividade também interpretative ¢ néo apenas observadora. 2 Geertz, 1968 3 Arberry, 1979, 4 Veracsse respeite Carles Alberto Pereira emt "Notas de uma viagem A curiosa tribe dus potas”, 1880:180 0 que chamamos nossos dados sdo realmente nos prépria construgio das construgdes de ouiras pessoas,...” (Geertz, 1989;19), “os textos antrapoldgicos sdo eles mesmos interpretagées e, na verdade de 2° ¢ 3° indo.” (Geertz, 1989:19). ‘No meu caso era ainda mais explicito que cu estudava na aldeia endo a aldeia’. O meu movimento era saix de dentro do grupo para observ4-lo de fora. Era comegar a “estranhar” algo que me era “familiar”. Bra utilizar um novo foco para perceber 0 grupo. Um enfocamento antropolégico, isto é, buscando entender 0 grupo nfio mais como alguém que o vivia, mas agora como alguém que o pensava’. O sentido que poderia fazor para mim como membro do grupo, j4 nao era © que importava, mas sim um sentido do pensamente e agdo partilhados pelo grupo, portanto, mais amplo, e dentro de um campo mais polémico, 0 campo da reflexdo antropoldgica. Se por um lado a minha participagéo no grupo era uma Timitagéo, por outro Jado era uma vantagem. A partir dela eu teria a possibilidade de fazer com muito mais facilidade uma descrigéio mais densa, diferenciando uma piscadela de um tique involuntério’, ou seja, seria capaz de entender certas sutilezas daquele universo, porque eu também partilhava do mesmo oédigo. Dizendo de uma forma estranha, eu poderia também ser uma informante. Por outro lado, 0 perigos exam evidentes e varios ¢ cu precisava estar ex um estado de constante alerta para nao tentar justificar o que deveria demonstrar, para néo deixar escapar os ponies de referéncia antropoléyicos através dos quais eu deveriu observar. Entretanto meu objetivo sempre esteve muito claro e serviu para me orientar durante 0 meu trabalho que pare mim era —ndo escrever um livre para o grupo mas sobre o grupo. Ficou claro no peéprio trabalho que para exerever sabre o grupo, eu teria que mostver o grupa sufi ¢, portanto, parte do trabalho seria tevar as pessoas para dentro do sufismo, para ento serem capazes de rofletir sobre 0 Sufism e sobre este grupe espectfico de estudes sus. Este grupo iniciow-se no Rio, onde tem o maior ndmero de membros, expan- dindo-se para varias capitais e cidades brasiletvas, Privilegiei o grupo do Rio, como foco central de observagdo, onde fiz av entrevistas num total de 20. O material “utilizado além das enirevistas foi o resultado da observacdo e participaciio cm reunides, encontros (nacionais e¢ internacionais), editora; anotagbes postericres de conversasinformais; livros sobre o Sufisnve; textos de leitura; palesivas; textos sobre os exerefcios. Durante o desenrolar de trabalho articule entrevistas com textes de Ieitura do grupo (que todos conhecera), ¢ observagses, para explicar certcs comportamentos © mostrar como se desenvolve ¢ estabelece uma construgdo de uma forma de perepe da realidade. O papel da leitura no grupo é muito relevante, se comparamos com outros grupos de objetives similares, A leitura é entendida como um estudo ¢ uma reflexdo, 5 Geertz, 1888.82, 6 Ver s este respeito “O Mundo Invisivel” de Maria Laura V. C, Cavalcanti (Cavaleanti, 1989), 7 Ver adiseussio de Geertz, sobre est conceite de Gilbert Ryle (Geertz, 1989216). 4 caliteratura sufi como analdgica ou provocativa® sendo sua intengao levar o leiter a fazer ou sentir alguma coisa, operando muitas vezes com um efeito retardada, isto 6, na hora em que se 1é, pode-se n&o compreender 0 sentido da Ieitura, mas posteriormente isto poderd acorrer quando uma situagdo vivida trouxer o sentido que naquele momento faltava. A citagao de livros @ textos lidos por todos do grupo, foi por isso considerada por mim como parte da etnografia. Dos livros sobre Sufismo, utilize apenas os considerados desta corrente ou ligados a ela de alguma forma, ja que nosso objetive nio é uma diseussiio do Sufismo (como categoria ampla e abrangente), mas uma descrigdo do “grapo de estudos sufi” ou “Tradigao” no Brasil e mais especificamente no Rio de Janeiro. Os autores utilizades para dar um ereabougo tebrico ao trabalho eo Clifford Geortz, Peter Berger, Gilberto Velho, Roberto da Matta, prineipalmente em torno do questdes mais gerais ou epistemoldgicas ou seja de uma visio da Antropclogiae da participagdio ¢ cavolvimento do antropélogo com seu abjeto de estudo, Quando discuto a categoria para denominar o grupo utilize o trabalho de Leilah ‘Landim junto com outros trabalhos da publicapao “Sinais dos Tempes”. A discussiio da Nova Gonsciéncia Religiosa parte dos trabalhos de Robert Bellah, Stoven Tipton, Luiz Eduardo Sonres ¢ José Jorge de Carvalho. _ Na parte sobre os rituais utilizo como interlocutor 0 antropélogo $.J. Tambiah e também o psicélogo Robert Ornstein ¢ ¢ psiquiatra Arthur Deikman, os dois Ultimos nos seus estudos sobre meditagdo, percepgiio 6 misticisma. O capttulo dois tem uma parte incial que é um esclarecimento sobre o Sufiemo do qual estamos falando, especificando 2 correnie (e porta-vozes) a que o grupo esté ligado, pois o Sufismo também é (como j4 dissemos) uma denominagao que abrange odd nome a diversos outros grupos distintos do aqui estudads, Explico aqui especificamente como o grupo entende a relagdo do SuGismo com o Islamismo, ja que Sufismo € comumente definido como tun “esoterismo islamic” Este grupo entretanto entande o Sufismo como uma verdade sem forma e apesar de reconhecer uma bese oriental e islamica, esta nfo implica em neohur tipo de conversiio ao Islamismo ou pratica de comportamentos e usosa néo ser os adequados aeste tempo ¢ a comunidade em que vivem, A ovtra parte deste capftula é um mergulho no universo conceitual do grupo com 0 objetive de parmitir ac leitor compreender os pontos de,referdneia no qual apéiam seus membros. Discutimes ali a compreens&o de conceitos e temas rele- vantes para 0 grupo tais como a experiéncia e seu papel, a percepeso, o condiciona- mento, a aprendizagem, a mecanicidade, a auto-observacao, as virtudes ¢ seu pape! a flexibilidade, o relativismo, a verdade, o papel da emiogéio # do intelecta, a reflexac, o humor, a ilogicidade, as coincidéncias, o“Homem Perfeito”, a disciplina, a respon sabilidade, o papol do Mestre, a velagdo mestre-discipulo, a ebediévcia, a trllopia “tempo - lugar - pessoa”, o papel do esforgo ¢ do sacrificis, a barakza, os milagres, 0 desapogo ov “estar no inunde sem ser do mundo”, a normalidade, o “estar presente”, aunidade, o amore Deus. 8 Shab LE, 197%). : 5 Nao pretendo fazer aqui uma exegese da espiritualidade sufi, mas apresentar como’o Grupo compreende esta espivitualidade ea utiliza na sua constragaio de uma visio de mundo. Optei por deixar o grupo falar através dos sous membros ¢ da sua Hieratura. Esta opgdo deveu-se prinzipalmente ao fato de que j4 que estamos falando de conceitos, de formas de perceber a realidade ou seja da construgdo de uma forma de percepeo, um meio vidvel de chegax até cla, seria através da deserigao dos membros, do que cntendem quando se fala sobze os diversos temas, como perecbem. Volto a falar sobre percepgae no capitulo 5, onde explico que através de exereicios de meditago e zikrs 0 grupo sufi muitae vezes busca tornar 0 sujeito consciente de que a consciéncia pessoal tanto como a realidade social sio construidas ¢, portanto, podem ser mudadas. Os livros bésicos de estudo e leitura do grupo, utilizados como fontes, publica- dos pela editora do grupo — edigdes Dervish — sfo os seguintes’: O Sufismo no Ocidente (5.0.), Textos Sufis (T.S.) — ambos coleténeas andnimas —, Os Mestres de Gurdjieff (M.G.} de Rafael Leffovt, O Caminho do Buscador (C.B.) transorigo de palestras de Omar Ali-Shah. Para facilitar, ao citar estes livros nos capitxilos que ge soguem, utilizarei as siglas indicadas entre parénteses apés cada titulo. Os outroslivvos citades sao de Iciturae referéncia, isto 6, necessariamenlenem todos do grupo leram todos, apesar de serem conhecidos. Muito do material utilizado estava em inglés e os traduzi para fazer citagdes, quando for este o caso, acrescen- tarei a letra T, apSs a eitagdo. Durante 0 desenrelar do trabalho cito varios contos suis que os informantes contavam para explicar certos aspectos e optei por transcrevé-los na verse em que aparecera nos livros. Nocapitulo trés deserevo a vida no grupo, como ogrupo se vé, como seidentiica, 6 os membros dizem buscar, que tipe le sentido encontram neste grupo, utilizande principalmente entrevistas e obs. vagées. Tenho tambérn em conta a discussdo da Nova Consciéncia Religiosa ¢ procuro trazer ao debate aspects especifices que servem para distingu’ te grupe de outros enquadrades nesta categoria. ‘A doserigo do Grupo por esse caminho se deve a que sendo um Grupo de autoconhecimento, ou ceja, uma via interior, nado é como uma igreja ou uma religid tradicional, portanto, o poder e as estruturas hierérquices nao t2m o mesmo valor ¢ peso que teriam por exemplo, num estudo que visasse aquelas organizagées. No capitulo quatro discutirei as caracteristicas da “Nova Consciéacia Religio- sa” procurando relacioné-las com o Grupo. Aponte quea preeniinéncia da cosmologia alternativa nesta “nova consciéncia religiosa” delineia este conceito ¢ cria novos pardmetros para qué se pensom os sujeitos ¢ os grupos des quais pariicipam, No capitulo cinco, diseuto os rituais ou excrcicios. A caracterfstica bisica dos imesties, a partir da qual cc descneadeia todas as cutras, é a forme de ver estes rituais e exercicios como formulagses tansitérias. 9 Ver areferéncia hibliogriifica para wo vutras iaformazées. 6 Para fazer a andlise dos rituais do grupo parto da abordagem performaiticu de S.J. Tambiah, Explico sua abordagem e trato o material aqui estudado segando a mesma, que me parcceu a que mais dava conta e explicava certos aspectos desses rituais. Passo entiio a explorar mais intensamente dois aspectos: a visdo do ritual como um “mecanismo gatilho” ou veiculo para um estado de consciéncia alicrado, ¢ também como algo oscilando entre dois pélos: ossificagao e revivificagdo, au seja como uma formulagdo transitéria, Introduzo no final uma discussdo sobre estados alterados de consciéncia e o aspécto terapéutico a que inicialmente serciriam as meditagdes utilizando os autores Robert Ornstein e Arthur Deikman. Aproveite entdo para doserever os varios tipos de meditagio c algumas de suas fungics ¢ qnais so as utilizadas pelo grupo. Mostro a partir desses estudos e da observagao de como o grupo vive esses rituais (meditagdes, exercicios), que uma de suas fungdns basicas é trabalhar a percepsao, procurando tornar consciente seus limites ¢ assim ampli Ja, Também ao buscar parar ou diminuir o didlego interno do sujeito, visa abrir espagos para que ele possa contactar com outras realidades inteviores. ‘Aconclusioé.utilizada para comparar o grupo estudado com outros que buscam autoconhecimente, ou com aspectos de outros grupos religiosos. Tomo 0s conceitos exotérico € esotérico para delimitar fronteivas e situar este Grupo frente a seus interlocutores mais ou menos préximos, Enfatizo caracteristicas do grupo estudado em relag&o 20 universo religioso brasileiro, principalmente o despojamento do grupo ndo 86 em termos de objetos, simbolos, rituais, cosmologias, como também de catarses ou vivincias e experiéneias emocionais, ou seja 0 cardter intrespectivo deste grepo. Apesar de estar consciente de que esta serd uma verséio do grapo sufi que concorreré com outras™, espero ter salvado o “dito” neste discurso de sua possibi dade de extinguir-se ¢ té-lo de alguma forma fixado em formas pesquisdveis". Ser tradutora do sistema stfi para a minha linguagem de antrepdéloga. nae foi uma terefa facil, principalmente porque ¢ Sufismo acredita ser impossivel explicar o Sufismo de uma forma académica. Jiria que mais que tradutora, tentei construlz uma ponte entre dois universos de significagao. 10° Ver Gilberto Velho em Nunes, 19744 11 Vor Geeriz, 1989:3. CAPITULO IE O SUFISMO 2.1 De que Sufismo estamos falando Este grupo Sufi é orientado por Gmar Ali-Shah, também chamado de Agha, polos membros do grupo. Ele, seu irmao Idries Shah e seu pai Ikbal Ali-Shak (jd falecido), so os expoentes desta corrente do Sufismo, ligada a escola Sufi Naqsh- bandi. A famflic Shah é “hasiemi” ou seja, efio descendentes do Profeta Maomé. O gropo sufi aqui eatudado 6, portanto, de escola sufi Nagshbandi. Eles entendom o Sufismo core algo viva, que se adequa ao tempo, Tuger © pessoa, ndo-apegado a uma forma externa rigida, e compativel com o modo de vida ocidental. ‘Todos os trés tém varios livros’ eseritos sobre 0 tema e sfio conhecidos intorna- cionalmente. Outras correntes, e 08 estudiosos em sua maioria, e6 aceitam 0 Sufisme camo oaspecto esotérico do Istamismo e pressuptem a necessidade da pratica mugulmana a0 Sufiemo”, Por entenderem alguns que a universatidede estaria justamente 3a sna particalaridade, no caso no Islamismo*, A corrente a qual este grupo est ligado afirma a ligagdo intrinseca (mas néo-excludente) do Sufismo ao istamismo, enizetanto nfo considera que os membres, dos grapos Sufis Ocideniais precisem se converter em mugulinanos para serem capazes de se beneficiar eparticipar destes grepos, o que de certa forma seria mesmo contrério 20 cardtor do Sufismo, gue sempre se adequox ao tempo, hagar e pessoa. Omar Ali Shah ¢ Idries Shah ao se referirem a este tema, sempre reforgam 0 cardter temporal do Sufisms e afirmeam sua presenga permanente, no importando om que forma, através de toda histéria humana, O Sufismo sendo entendido, portanto, come vma metdfora expressando a possibilidade eos meios do ser humano atingir um nivel de consciéncia mais elevado. “A tradigdo sufi néo conheve fronteiras. E uma tradigao que existiu nos coragdes e mentes dos homens desde os primér- dios da civilizagéo. Devido a seus embasamente oriental, alguns aconsideram apenas mais unt culto do Oriente. O Sufisine ndo é um eulto nem uma religizo: € uma filosofia prétioa baseada em téenicas experimentadas ecomprovadas. I, amo a historia mostrou, fuciimente assimilada pela cultura ccidental, 1 Verreferéncia bibliogratica. 2 Ver acsse respeito em Arberry, 1956 Lings, 1975; © Campos, 1996. 3. Bntretante proprio Lings ao falar do Sufiemo através dos séeulos ¢ confirs Sufismona atualidade diz "as manifestaroes do contate dirato coma Ori variadas” (Lings, 1978:123 T). pois suas verdades basicas sGo universalmente reconhecidas ¢ apenas sua técnica diferente. Mas serd que essa diferenca de técnica representa wna desvantagem? A resposta é ndo, pois essas téenicas, tal como sao usadas pelos mestres Sufis no Ocidente, néo reqwerem atividades incompativeis com a vida no Ociddente.” (C.B.:13) “Como os Sufis reconheceram 0 islamismo como manifes- tagdo do surgimento essencial do ensinamento transcendental, nao poderia haver conflito interior entre o islamismo e o sufis- mo. Admitiu-se que o Sufismo correspondia a realidade interior do islamismo, assim como ao aspecto equivalente de todas as outras religides e tradigdes genuinas.” (Shah [, 1977:53) Outros trechos de autores famosos como RUMI e IBN EL ARABI, que viveram respectivamente nos séculos KITT ¢ XII da nossa era, em pleno apogeu do Sufismo enquanto expressiio islmica dizem 0 seguinte: “Cruz e eristéos, palo a palmo examinei. Ble néo estava na cruz. Fui ao templo Hindu, ao antigo pagode. Em nenhum deles havia rastro algum. Fui ds terras altas do Herat, ¢ a Kandahar. Othei, Ele néo estava nos altos nem nos vales. Decidamente, escaleia (fabulosa) montana de Kaf Alisé havia a morada do (legendlario} péssare Anga, Fui a Kaaba de Meco. Hle nao estava ali, Perguniei por ele a Auvicena, 0 fildsofo. Ble estava além do aleance de Avicena.,,Olhei dentro do meu pré- prio coragéio. Neste, seu lugar, ev Ovi, Néo estova em nenium outro.” (RUMI, em Shah I, 1974:126, 127 T.) “Mew coragdo pode ossumir qualquer aparéicia. O congas varia deacordocom.as varlacées da consciéncia mais profunda Pode aparecer na forma de um prado de gazelas, um claustra de monjes, um templo de {dolos, uma Kacba de peregrinos, es tdbuas do Tord para certas ciéncias, 9 legads das paginas do Cordo. ‘Meu dever 6a divida do Amor, Aceito livre e desejosamente qualquer carga que me for imposta. O amor é como 0 amor des amantes, exceto que 2m vez de amar o fenémena, eu amo o Essencial. Hssa religido, esse dover, 6 0 meu, ¢ 6 a.minke fe." (IBN EL ARABI, em Shak J, 1974:99, 100 T.) Estas caracteristicas de adequagho & vida ocidental muderna ¢ pouca énfisse ago do Sufismo com o islamismo esto muito presentcs no grupo. Nas conversas ¢ entrevistas que tivemos com diversos membros, quase nunca se men- cionava o Islamismo ¢ apesar de diversas repetigdes que atualmente fazom, aerem em Arabe ¢ de tradigtio corfinica, as possoas tendem a toma-las como exereicios técnicos e a ndo associarem as meemas com # priica islimica propriamente dita, So reconhece uma base oriental, mas que é muito ampla ¢ nda implica em nenkum 9 tipo de conversdo islamica ou prdtica de comportamentos e usos a nao ser os adequados a este tempo e a comunidade em que vivem, Se diz que George I. Gurdjieff’ que viveu na Europa e Estados Unidos, entre a primeira ea segunda guerras mundiais, onde formou varios grupos de desenvol- vimento, atraindo intelectuais, artistas ¢ pessoas diversas; estaria ligado a uma divulgagio do Sufismo, adequade para aquela época, sem nenhuma conotagio mugulnana, apresentando-o como uma via para um nivel de consciéncia mais elevado. Autores cléssicos do Sufismo como Rumi, Attar, Ibn El-Arabi, Jami, Ansari, Al-Gazali, Halim Sana‘? sao conhecidos e lidos no Grups. Os contos e poemas do Rumi, 03 poemas do Ansari e do Hakim Sanai sao estudados. A tematica tratada nestes livros é atual e fala da busca do ser humano pelo autoconhecimento ¢ da transformacao que devo se operar nele para que tal objetive se realize. Se encontra nostes aviores, as dificuldades que 9 buscador encontra, os “véus” que Ihe atrapa- Tham como o egofsmo, 0 oxgulho, o auto-engano, a preguiga, ete, e também o papel do Mestre, da disciplina, da ohediéncia, o entrave do condicionamento, a necessidade de urna percepgaio adequada, o ongano das aparéncias. Observei que no Grupo todo este material se harmoniza de forma natural com o trabalho que o Grupo desenvolve eegundo as instrugées @ a guia do Mestre que seguem. Esta preocupagio, se de fato, o Sufisme 6 ou nfo islamico, se para ser sufi é necessdrio ser mugulmano, nao existe no grupo, a questdo para eles é bastante clara, por isso ndo me demorarei nesta discuss&o, para ndo me distanciar do meu objetivo —o grupo. “O Sufiemo é ume verdase sem forma.” Ibn el-Jalali. “O Sufismo é, de foto, nao um sistema mistico, nem uma religido, mas um corpo de conhecimente.” Idries Shah. Sobre esses autores, ver roferéneia iibbingrafiea, 10 2.2 O Idedrio do Grupo 2.2.1 O motivo Como disse anteriormente, esta parte do trabalho se propée a percorrer os pontos de referéncia do Grupo, que sao usados na construgdo de uma forma de perceber 0 mundo partilhada por seus membros, Com a convivéncia, a pratica ea leitura, eles vio se fanuiliarizande com os conceitos o temas. Usei o termo ponte de referéncia, pois enquanto pontos de referéncias, estes conceitos ¢ temas sao tomados como indicagéio de caminho ou orientagio, portanto, pressupondo uma trilha ¢ uma caminhada. Ou seja, é dada uma indicardo, um enfoque (pontos de referéncia) ecada um ao participar do Grupo (trilha), desenvolve isto segundo seu nfvel e sua expe- riéncia (caminhada), Por isso, apresentarei os pontos de referéncia desta construcaio, constatando porém que existe uma variedade de compreensdo dos mesmes pelos membros, ou seja, nfveis dos mais superficiais aos mais profundos podem ser encontrados, Nao discutirei os temas ou conceitos em si, ou seja tedrica eteclogicamente, mas 08 discutirei em situagao. Por entender que o meu objetivo aqui é mostrar que pontos de referéncia sdo utilizados pelo Grupo e de que forma, Jé que a meu ver, mais entre os Sufis do que em outras experiéncias religiosas, esta construcie de uma viséio de mundo é 0 que constitui as bases da propria identidade do grupo enquanto tal, como veremos no capitulo III com mais detalhes. Este grupo recorre em muito pouco a elementos cerimoniais externas existindo, portanto, pouco ritual no sentido da exteriovidade ceremonial tipics das religdes como a Umbanda, Candombié, Catélica. Também é quase inexistents uma cosmologia. Faz parte do sistema de idéias ¢ prinefpios deste Grupo nao valorizar nada extorno, por isso é através de sua visdo de mundo que se identificamn, de mundo, em detrimento de uma ctnografia mais porticulari social do Grupo e mesmo do seu processo ritual. Deixarei também para a conclusdo, a comparagiio deste Grapo com outros que tratam de alguns destes temas de uma forma diferente. 2.2.2 O ideario propriamente dito “Tentar transmitir o sentido do pensamento e da agao sufis de forma convencional, simplificada ou proseica é sinteti- zado na conkecida frase sufi: Mandar um beijo por men- sageira,” (Shah I, 1977-44) O Cariter Experimental de Sufismo th Sufisme segundo seus porta-vozes, mestres, estudantes, tem um card ter experimental, que por isto, além de certo ponte é impossivel explicd-lo ow mesmo aprecid-lo. Esta dificuldade bdsica, segundo os sufis, estaria sempre presente em dois nfveis, em qualquer trabalho que pretenda falar do Sufismo. Em primeirolugar pola necessidade imperativa de se fazer a experiéncia, Como dizem: “Quem prova, conhece”®, Porianto, sem prové-fo, seria impossivel conhecé-lo e isto ¢ constante- mente repetido. No grupo, esta caracteristica é ressaltada pelos membros quando falam da sua experiéncia e acham dificil tentar explicé-la a alguém que nao experimentou. Nas palavras de um informante: Como voce explica para alguém 0 gosto de um café. Sim, voed poderd dizer que é amargo, preto, liquido, mas enquanto a pessoa ndo experimentar, néo vai saber o que & 0 caf’. Vooe conhece aquela histéria sufi sobre o cha?" Isto é algo bastante real e vivido pelo grupo, que por exemplo ao falar dos exercicios que fazem, dizem: “VYooé tem que fazer os exerefctos para saber se eles funcio- nam ou néo?” “Como posso falar de uma técnica que ainda ndo apliguet no meu dia @ dia pare avaliar 0 resultado?” “Ralar dealgo que voce experimentou 6uma situagdo; falar de alge do qual vocé apenas tert uma teoria na cabega 6 outra situagdo bem distinta,” “B aguela historia do mapa e do territério, o mapa n&o & a terrilério.” Esta nceessidade de experimentar também nao invalida para eles que-voce néo possa se aproveiter de experiéncias anteriores de outyas pessous. Omar Ali- Shah, o mostre que orienta o trabalho do grupo, em uma de suas palestras alecta para ¢ fato de que a necessidade da experiéncia néo invalida que também ve tire proveito das exper s alheias. “Algumas pessoas insistem em que certas coisas devent ser experimentadas pessoalmente, Isso estd absolutamente correto, mas esis experiéricias nde se 080 wo acaso, As pessoas experi- mentam certas coisas correiumente depois de terem tido, ow tirado proveito de uma cérta quentidads de ensinamento e sabedoria de outras pessoas — entdo chega um ponio em que uma experiéncia pessoal de wma certa natureza se torna neces sdria, De forma que € isso: tirar proveito de um ensinamento, de umconselho, de uma sabeduria, de técnicas —e em ocasiées, quandoa pessoa estiver preparacdacu quandofor necessério que 6 Acompreensio do Sufismo como um "sebor" adéin do futo de que por buscar umn sonhecimenio direto, ta) tipo de esahecimente seria mais eomparével a experiénzias dos sentides do que 80 conhecimenta mental (Lings, 198827) 7 Vor esta histéria eornpleta nos anexos. tenha uma determinada experiéncia, gue experimente um deter. minado sabor, uma determinada sensagao — talvez Ue seja posstvel experimentar' ¢ compremnder. Como eu digo, o experi- mentar, o fazer, e aquilo qe voce poderia chamar de aspecto tedrico cuminham: juntos. wu. Ha pessoas que dizem: Experiéncias, étimo! Vou experimentar de tudo uma vez. E entéo voce diz: Certo, experimente cianureto; Vé e¢ experimente apanhar uma cascdvel — certamente esta sera uma experiéncia muito pro- funda , se a pessoa sobreviver, ficaré um. pouco mais sabia.” (C.B.:210,21D) Em um nivel, portanto, entende-se no Grupo, que hé que provar para conhecer, mas isto ndo invalida quo também se possa aproveitar até um certo ponto do conhecimento advindo de experiéncias de outras pessoas, ¢ mais ainda quo é necessario se preparar para ser capaz de tirar o proveito que a experiéncia pode dar, a experiéneia nao é imediata, apesar de ser direta. O segundo nivel da dificuldade basica, mencionada no infeio, € que além de certo ponto éimposstvel fatar de certas experiéncias usando a linguagem e termos de roferdncia convencionais, dado a carater indoseritfvel das mesmas nestes armies familiares. Esta caracterfstica da incomunicabilidade esta presente na maior parte das escolas misticas®. 0 Sufismo mesmo quando porvezesniio estd se referinde ‘auma experiéncia mystica propriamente dita, mas a umn certo tipo de percepsao que se desenvolveria com o trabalho, se refere a esta inconmmnicabilidade, a esta impos- sibilidade de descrever experiéncias nao familiares com termos familiares. Em sinteso, para falar do Sufismo com propriedade é necessério, portanto, té-lo de alguna forma experimentada, pois sendo é, segundo dizem, como querer ler umacarta, sem abrir envelope ou falar de um sabor (coisa jd dificil em si limitada) que nunca se provou. Para os sfis, sex um tebrico do Sufismo, cu um académaice do Sufismo, seria paralelo a ser um tedrico de natagéo sem nunca ter entrado em una piscina ¢ nadado na Agua. O Sufismo 6, portanto, uma experiéncia direta, apesar de néo serimediata, eo tipo de conheciments com o qual lida seria mais comparével a experiéncias dos sentidos (no que seja uma experiencia das sentidos, jé que as experiéncias misticas para um Sufi, esto além do mundo dos sentidos) do que ao conhecimento mental. ALeiiura ne Grupo — Os Contos Apesar desta ineomunicabilidade inezente @ este tipo de experiencia, muitos livros foram escritos por Mestres Sufis de passade ¢ do presente, que sempre tentaram ir um pouco além deste limite, mdi esquecendo de ressaltar a presonga desta limitagaio, ldries Shah, que 6 conhecide por scus muitos livros eseritos, explica que a fangio da literatura no Sufismo seria a seguinte: isar'o qué vp tnisticos dizem acerca da sus experiéneia, observa que o lo-as tumbémn fh no pratir para al mistice enfativa esta incomenicabitidade, mas que o faz com palavras, utiiizan para deserover suas experiéacias. (Firth, 1904:287-299) “Muita literatura suf 6 analdgica ou provocativa. Sua intengdo é levar voce a fazer ou sentir alguma coisa, Esta alguma coisa ndo estd vonfinada ao gosto ou ndo gosto, & esperanga ow medo, ao pensamento intenso, a discussao com seus amigos, Estas formas vostumeiras de lidar com quase qualquer coisa simplesmente mascaram o contetido educacio- nal e de desenvolvimento. E antes que a pessoa chegue a este onto, as coisas que foram lidas deixam um rastro. Este rastro, néo necessariamente regisirado pela pessoa. “adormecidas’, eré digerido emoutra drea quando experiancias adéquadasestejam. operando.” (Shah I, 1977(b):21 T.). A literatura sufi, portanta, teria seu lugar no processo de aprendizagem do disofpulo e 2 experiéncia 0 seu; ambos o¢ fatores, segundo dizem, estio presentes no grupo ¢ 0 disefpulo deveria aprender o valor de ambos na sua vida. No material de leitura do grupo encontramos as palestras dos Mestres sobre os diversos temas e principalmente 9s cgntas. Os contos e fitbulas so considerados vefculos ou formulas precisas? im- porlantes para a preservagdo e transmissio das idéias. Como um método antigo para formular e transmitir um conhocimento que ndo pode ser expresso do outra forma. Indica-se a familiarizagdo com os contes através da leitura, “considerando-o como um paralelo consistente ¢ produtivo de certos estados da mente, ou como ima alegoria deles, Os simboios do conto sito seus personagens; « conduta dos personagens sugere & mente a maneira como a conscitnela humana se comporte ds veces.” (8.0.21) Afirma-se, no Sufismo, que as histérias sao obras de arte conscientes, feitas intencionalmente para sevem utilizadas por pessoas que por sua vez soubes- sem como utilizé-las. Estes contos sdo usados freqientemente como analogias, metdforas e server para tratar de temas, que de cutra forma, seriam dificies de serem explica dos. "Nao se trata apenas de contar ume historia com uma moral primitiva; trata-se de fazer um comentario a respeito de alguas processos da vida.” (Shah I, 1977:74) Os varios niveis des contos « hietérias sdo também enfatizados. 0 conteddo emocional, intelectue!, humoristico, moral ou de entretenimento, seriam alguns dos niveis.de um conto ou histéria, sugerindo-se que haveriam outros niveis nos quais eles também operariam e pederiam ser proveitosos. Os contes utilizedos no Grape sido compilados dos grandes mestres Sufis do passado. Parte deste material est4 nos livros cldssicos de Sutismo come os de Rumi, Attar e outros, e parte foi compilada e adaptada para o Ocidente por Hcbal Ali-Shah, Idries Shah e Amina Shab, que tem diversos livros publicadcs com contes. 9 Vera esse respeito em 5.0. ¢% Mu Ao indicadas nos livros de Jeitura do Grupo certas técnicas de leitura dos contos ¢ outros materiais, tais como: ~ observar como um conto ou material de cnsinamento o esti afetando; — fixar sua atengéo sobre suas préprias associagées c fatores emocionais; -- familiarizar-se com certas histérias e reté-las 0a mente como se esti- vease memorizando uma férmula; — estudar 0 material: (1) em fungio de seu contetido evidente ou de scu significado de fato; (2) depois, em fungao da relagdo que tem com a pessoa, detectando os erros que o material poderia corrigir no modo de pensar da mesma; (3) e em fungao da comunicagiio deste material fora desses dois dominios. A partir do exposto, pode-se perceber o papel singular e especifico que tem, a leitura no Grupo. 0 Grupo, portanto, educa seus membros @ leitura, Adverte-se que esta leitura nfo deveria ser quantitativa —néo se trata de conhecer uma grande quantidade de hisiérias, mas qualitativa. A histéria é uma ferramenta que pode ser utilizeda, desde que se aprenda como fazé-lo™*. Aprendendo a Aprender — 0 condicionamento como barreira Distinta de outras escolas misticas, ¢ Sufismo entretanto néo reales 0 “quistrio” ov “coisas do além’, insistindo eempre que através de suas téonicas se pode desenvelver 2 pexcepodo ¢ fizer a experiéncia, Esta linguagora atuai do Sufiemo, que se refere a si mesmo como uma flosofia pratica e compativel com o modo de vida ocidental, parece ser o que atrai o tipo de pessoas que buscam este caminho. Pessoas estas que, como falaremos mais adiante, térm em sua grande parte uum nivel de escolaridade bastante elevado™, O Sufismo chega a ce referir a si mesmo'como uma eféneia ji owe como esta teria também seus métodos, téenicas e necessidade de treinamento na sua disciplina especifica. “Autoridades sufis cléssicas se veferem.a.este método como uma ciéncia no sentido em que é unz corpo especifico de conhe- eimento, aplicudo segundo principios conhecidos por um Pro- fessor, para atingir um resultado espectfico ¢ previstvel.” @eikman, 1979:182 T.) Segundo exemplificam, pare estudar matemética ou fisica, ote, tern que se obtcr um troinamento adequado, assim também ¢ com 0 Sufismo. Este atids é um tema sempre enfatizado: a necessidade de aprender a aprender. Segundo os sufis, devido ao condicionamento a que somos submetides torna-se muito dificil apren- der algo novo, pols estamos sempre roduzinde 0 novo aos nossus snodelos jé estabelecidos. 10 Atualmente hd no Grupo, algumas persons, que estio brabalhande eom contos so especiati- tando na arte de contar histérias tendo come panto de partida, as premissas deseritas na Sufismo. 11 Ver geiifices no final deste capitulo. “Se o individuo admite que suas bases de pensamenito séo incompletas ou inaplicdveis, estard ferindo sua auto-estima, algo que geralmente nao esté disposto a fazer. Uma vez que sua auto-estima se enconira alicercada no pequeno sistema que ele construiu, ou que outros construtram para ele, néo é de sur- preender que ele se esforce por proteger esse sistema.” (S.0.:2). Este tema do condicionaments que foi tratado por Mestres Sufis do passado, antes mesmo que a psicologia existisse como uma diseiplina cientifiea, tem atraido a atengdo de psicélogos e muitos estudos ¢ pesquisas tém sido feitos para estudar como as escotas sufis antigas (¢ também outras escolas esotéricas) traba- Thavam e atuavam no condicionamento”, O Sufismo, portanto, possibilitaria, “os métodos para esgueirar-se pelo complexo de treinamen- to que torna a maioria das pessoas prisionciras do seu meio ¢ do efeito de suas experiéncias” (Shah I, 1977:49). Este tema do condicionamento € bastante abordado pelas pessoas do grupo, quo se referem freqiientemente a necessidade de observar “sex proprio condicionamento” e “dar-se conta de como se é condicionado”, Nos textos recorre-se constantemente a este tema, enfatizande a presenga do condicionamento nas ati- tudes humanas ¢ ¢ obstacwlo que representa para a aprendizagem, “"Rejeigta e aceitagdo da mesina forma que esperanga e temor ado altitudes condivionadas, As pessoas Ihes agrada uma coisa ¢ thes desagrada outra, simplesmerte porque, sebendo-o ou ndo, foram anteriormente sensibilizades a esse respeito. Julgam de acords com critérios que ndo sto sendo medidas de avaliagde que, acidental ow propositalmente nelas foram im- plantadas.” (L.8..45) “O que ndo quer dizer que a tendéncia humana ao condi- cionamento no tenka vaior. Ela é essencial, pois do contrério o homem ndo aprenderia, Mas enquanto torna posstveis alguns processes de uprendizagem, inibe outros. ” (P.8.:47). “Esta em uma posigdo diftcil porque quer aprender, mas aprender de uma forma por ele mesrao estabelecida, Raramente o diz de forma ciara, Mas seu comportamento 0 demonstra. Quando faz perguntas, clas sdo enguadradas de tal forma que mostram 0 que se lhe est passundo na mente, Dificilmente se pode esperar de tal individuo scudagaes de boas vindas, quando pensa que esta sendo atacacto, e quando lhe € dito que seu ‘proceso de pensamento freafirmada por geragies de figuras de auioridade como intelecto soberano) néo pode. ser usado da forma que propés.” (T.S.: 48) 12. Ver sobre este assunto o capftule sobre Sufisme, basecde em ALGhazzali (Mestre suft do s60-XD, no livre “Teorias da Personalidade” (Padigan, 1986:889-870), Também em Shab I, 1974;05, e o eapstule 6 deste trabalho, . 16 “As pessoas sito condicionadas desde o tempo de bebés — socialimente, economicamente, politicamente, religiosamente ¢ de todos os modos possiveis. las crescem numa sociedade afetada de manciva semelhante. Oitenta por cento do condicio- namento que as pessoas recebcran & medida que forain cres- cendo aparece no seu compartimanto ¢ na sua atitude: Nos mexicanos somos assiin, Nés franceses somos assim, Nos isso ¢ aquilo somos assado. Nem todo esse condicionamento é nocivo — se for um condicionamento que o ajuda na vida, entéo quer se chame condicionamento ow experiéncie — 6 uma coisa valiosa. Mas se for um condicionamento que Ihe diz o que pensar e como reagir, isso pode ser perigoso, pois talues ignore ogue voc! poderia chamar de pereepgdo interior ou instinto.” (C.B.:200,201). Asreferéncias ao tema stio muitas ¢ enfatizam principalmente o papel no troinamento humano da recompensa e do castigo ¢ a desestabilizagao que acuntece num grupo quando se remover estes dois fatores™. Ha no grupo uma atengao constante a esses dois aspectos. O castige ea recompense sio vistos como dois lades de uma mesma meeda, o condicionaments. Os membros do Grupo entender que participar de um grupo exige certas atitudes (reqiiéncia, participago), mas que o seu comportamento deve ser fruto da sua necessidade e da compreenséo da importAneia do que tém que cumprir, sem entretante estar atrelado ao modo de sex castigado ou a esperanga de receber uma recompensa. Naturalmente esta questio é sutil e é vivida pelo Grupo de uma forma bastante realista, ou seja, como aprendizes: reconhecendo em si mesmos muitas vezes o medo & autoridade, ao castigo, como o motor de suas atitudes. Pelo menos de inicio, tendo conhecimento do que significa isto e sendo incentivados a observar dentro de si mesmos como funciona. Se fala om umaatitude superior do ser humano que ultrapassoueste nivel. Um dos exempilos citados o da mfstica sufi Rabiah al-Adauya que viveu no século a. “Oh Deus, se Te venero por medo da Inferno, queima-me nele, e se Te venero esperanda 6 Paratso exclua-me dele; mas se Te venere por Ti mesmo,ndo me negues Tue eterna beleza.” (Attar, 1985:72 T) ‘As pessoas do grapo tém bastante cuidado em nao buscar recompensa, em “fazer por fazer”, “dar por dar”, sem esperar algo em troca, Apesar de afirmarem ser muito dificil, como disse um: informante: “Passamos a conta do que pensanos que fezemnos por alguém ou pelo grupo, pots ne fundo estamos buscando recom pense”. No grupo, por isto, ndo hé “reconbecimentos” das pessoas que se dedicam mais ou menos, e nem prémios ado inctitufdos oficialmente, Entre as pessoas da 13 Reproduxi em anexos, 0 capitulo XI de §.0, intitulade “Recompensa ¢ Castigo", que trata especificamnente desta teinati 17 grupo ha por vezes comentarios sobre a dedicagdo de tal ou qual pessoa, mas esta nao 6 uma politica oficial do grupo. 0 condicionamento humano, como se estabelece, conto limita o sujeito, como pode ser ultrapassado é bésica nesta escola sufi, onde se ontende que sé afrouxanda 96 lagos do condicicnamento que prendem 9 sujeito, 6 possivel tomar contato com outra realidade ou seja, se permitir uma outra leitua do mundo, nem que seja como hipstese. O Homem esta dormindo — A Mecanicidade Junto com o tema do condicionamento vem a mecanicidade, A mecani cidade leva o ser humano a “dormiz”, ou seja, a um estado hipnético, onde o seu contato com o mundo deixa de ser vivo, atual, presente e passa a ser mecdnico, sexo vida, repetitivo, ausente. “O habito e 0 auttometismo tio titeis em certas fases da vida, to essenciais no dmbito da vida cotidiana, constituem os elementos da armadilha. Impedem 0 conhecimento da "ver- dade” ¢ « visito real do que nos rodeia. O homem adornizcido, preso por seus préprios laos, comporta-se. ou pensa que se comporta como se esses nds néo existissem. Ae mesmo tempo agrega. outros lagos e se adminisira ainda mais sontferos.” (7.8.83) Esta metéfora,do sono é muito eneontrada uo Sufismo, onde se repete constantemente quo o homem comum esta “dermindo”. O Mestre Sufi Hakim Sanai, que viveu no século XIE, no seu livro “O Jardim Amuralhado da Verdade” fala através da poesia sobre o significado deste “sono”. “Toda a humanidade esté adormecida, vivendo em um mundo desolado: 0 desejo de transcendé-lo é mere habito e costume, ndo religido — apenas futeis conios de fedas. Deixa de vangloriar-te na presenca dos homens docaminho: melhor extingue-te coma jaatha ardente. Se tu mesmo estas de cabeca para baizo na realidade, fatalmente tew bom senso ¢ fé estardo invertidos. Cessa de tecer uma rede ao teu redor; rebenia como um lede para fora da jaula.” (Sanai, 1985235) O Sufisme se reivindica como técnica para despertar o ser humano e diz que “Hé varias formas de despertar. Um homem pode estar adormecido, mas deve despertar corretamente. B é necessdrio que quando desperte ienha também os meivs para aprovcitar seu novo estado, Hi unta preparasio para isto bem como uma preparagéo para o despertar 0 que constitii nosso attal em- preendimento.” (L.8.:25) Segundo se diz no grupo, é atravén dac téenieas, dos oxercicios e do trabalho no grupo que se pode romper o “estado quase hipndtico” da possa vida didria e perceber a realidade de uma forma mais arapla. 18 “Romper a mecanicidade”, “se dar conta da mecanicidade” é algo que se referemias pessoas do grupo. Wspeciabmente ao comparar 0 grupo com outros grupos, sempre se reforem ao cardter mecinico e repetitive dos outros, ¢ da atengdo constante do grapo sufi de nao se mecanizar, de ndo se institucionalizar, se tornando assim algo morto. I uma das fungées do Mestre tornar o trabalho sempre vivo, através do técnicas, situagées propiciadoras de experiéncias, que no permitam que a mecanicidade se instaure. Ou como disse vim informanie (no grupo h4 mais de 20 anos); “Eu passei por udrias outras experiéncias como Budismo- Zen, estudei Teosofia e outras experiéncias mais, mas sempre esbarrava no problema da repetigéo, no problema de gue néo eram evolutivas, eran coisas formuladas ha séeulos, mas que néo tinkam mudado, eram aplicadas da mesma forma, em qualquer cultura, em qualquer sociedade, entéo em certo mo- mento a atividade comegava a se repetin, a setornar mecdnica, e nao produzia nenhum resultado. Ao conhecer 0 grupo sufi, ew comecei a experimentar outro tipo de dindmica, outro tipo de avengo.” ‘Um grupo de desenvolvimento, mesmo quando se propée a combater esta mecanicidade, correo risco dese deixar invadir por ela. No Sufismo se fala ers grupos de estudos sufis que foram dissolvidos por se terem mecanizado. A mecanizagiio é vivida pelo grepe como um risco real e presente, ndo sé no nfvel grupal mas individualmente, algo que nos acomete em pequenas ou grandes doses diariamente, Um mestre, segundo dizem, tem a qualidade da “Presenga”, ou seja, ele eatd totalmente presente, Quaido perguntei se a mecanicidade poderia ser evitada, encontrai as seguintes respostas: através da observagiio de si mesmo, da pratica da flexibilidede, do uso das isenicas sults. O Sufismo sendo entendido, portanto, como: “um transcender das limitagdes ordindrias,” (Shah 1, 1966:6) Esta consciéncia do perigo da mocanicidade leva o Grupo a ser muitas vores um pousd “frouxo” na parte organivativa, isto é, sem esquemas muito rigidos, sem muitas imposigbes, permitindo um espaco onde “as coisas acontecam, se fur momento.” Ac mesmo tempo observei que o Grupo tenta conciliar este “periza” com anecessidade da disciplina, por exemplo na pratica dos exeretcios, horatios, fre cia As reunides. Agui ve caminha por um) “fio”: ser disciplinado sem ser mecanico Pelo que vi no grupo, muitos membros se atrapalham nesta coneilingdo, indo muitas vezes para um lado, outras pars 0 outro, “A influéncia de mecanicidade que se abate constante- mente sobreo homem, tenrlea.se refugiar inclusive rum sistema destinado a combaté-ia, sempre que a flcxibilidade do mesmo tenha sedeteriorado. A conseqtencia éuma dupla mecanizacco, porque ume ecise inicialmente justa que tenka se corrampido, pode sofrer maior deterioractio que una. ceisc menos impor tante.” (P.8.25) 19 A mecanividade ameaga, portanto, o préprio grupo, ¢ 05 membros tém isto constantemente presente através das conversas e da Jeitura dos textos. A escola sufi com seu conjunto de priticas, exerescios, esiudes, 6 entendida como a possibilidade de romper esta mecanicidade da vida de todo dia, de despertax o sujeiie do sono, de quebrar este esiado hipnétieo que o prende a uma visfio de mundo mantida pela conversa da vida cotidiana”’. Quando faz isto, viabiliza os meios para 9 sujeito ir além desta visio de mundo particular, ou seja relativize esta visio, pela constatacio de que existem outras, abrindo assim um espago para o novo, expandindo uma possibilidade de conscidncia, e afirmando que outros enfoques siio possiveis. A Auto-ObservacgAe como fator essencial Aauto-observagio entra entdo como um fator essencial inclusive esta é uma das regras da Ordem Naqshbandi, da gual falaremos mais adiante. “A observagao de si mesmo e o “trabalho sobre si” sao absolutamente essenciais.” (7.S.:25) © membro do Grupo precisa se obsetvar, pois é através desta observacio de si mesmo que ele paderd entender e ver o seu condicionamento, a sua mecanici- dade, este estado hipnético que o prende a uma visdo de mundo. Hata observagdo entretanto deve ser feita de uma “forma, desapegada, trangiile, gentilmente critica, nao auto-ccusadora; aprendendo d2 seus proprios erros.” (Shah O, manual do grupo} Esta observagdo, portanto, nao é para que o sujeite se arto-acuse, ou se autocondene, mas para que 0 sujeita se compreenda, que aprenda sobre si mestao, Nao é para que estabelepa uma senteriga inexéravel ou sentimentes de culpa, mas antes é para que ao se perceber, ao olar para si mesmo, 0 sujeito se disiancie, sondo, portanto, capaz de se desapegar do que vé ¢ é este desapego entao que permiti muadanga (se for necessaria), e que ampliard @ sua visto de si mesmo. A culpa é vista como algo prejudicial ¢ desnecessdrio, pois cla leva 0 sujeito a se apegar aos seus erros a0 reforgar através dos sentimentas culposos 0 objeto desta culpa. Ao sv observar e constatar errs, a altitude correta segundo os Sufis, é pelo menos eproveitar algo positivo desta situagéo, que ¢ 0 que ela pode me ensinar sobre mim mesmo. A partir deste aprendizado. comegar a fazer diferente. O observar-se nfo ¢ descobrir erros para se arrepender ¢ se culpay, ou mesmo necescariamente descobrir eros, mas sim ser capaz de através desta cbservagao se conhecer e se transformar. E com isto vem também uma admonigio constante de ndo apontar as falhas alheias, de néo julgar os outros ¢ principalmente de nao fazer fofdcas. Em muitas falas este tema se repete e naturelmente é porque acontece no grupo, como frigum eles raesinos “aliés em todos o8 grupos humanos”. Agsisti por voues 2 conversas entre membros que antes de conientar algo, ja comecavam se explicando: 14 Ver a esse respeito Ruhem Alves: "A conversa colidiana este ténue fio que sustenta visSes de mundo.,."Alves, 3991:7. “Olha, isio que vou falar 6 fofoca!” - Ha um cuidado em néo julyar os outros e apontar-Ihes as fathas, pois se entende que ao julyar “de fora” nao sv sabe o que exatamente est acontecendo “por dentro” de cada um, e é por isso um julgamento limitado. “Cada um sabe de si” ou deveria procurar saber, deixando aos outros também este direito, Eptende-se aqui implicitamente que quando outro aponta sua falha, dificitmente 0 sujeito aceita, e quando aceita, o faz muitas vezes de forma defensiva, E56 quando o sujeito mesmo & capaz de ver por si préprio, com seus préprios olhos, ou seja quando 6 sujeito se obscrva e toma consciéncia do que 4, 6 que pode iniciar-se o procesee de mudanga, Portanto, n&o adiania muito que outro me diga quem sou, se eu nfio sou capaz de ver-me. Através da auto-observagao existe a possibilidade de tornar-se capax de ver-se. Isto se reflete no Grupo, e 6 comum ouvir-se: “Nao adianta falar para ele. Ele é que tem que se dar corta por si s6,” “A experiéncia € capaz de ensind-lo, € inwitil falar agora.” O Mestre soria néio agucle que Ihe diz quem vocd 6, mas aquele capaz de orioniar suas oxperiéneias, pars que voc’ pereeba por si mesme o que The acontece, Ha um conto que ilustra como um Mestre ensina desta forraa. “Um homem foi ao Iugar de residéncia de um dervine e lhe disse: Quero discutir meu problema contigo. E eu — disse 0 dervixe — ndo guero discuti-lo. O homem ficou aborvecido. - Como podes dizer isso, quando ndo conheces mex problema? O dervixe sorriu, — Por que deverias trazer-me um problema se néio sei nada sobre ele, ¢ nao tenho percepgdes maicres que os outros? Diante disto o visitante ficou. confuuso ¢ ansioso: — Diz-me qual é meu problema, ¢ entéo isto me convencerd. O ser humano! —~ disse o dervixe —, estds quase completa mente ao avesso, Se mostro que conhego oque tememsua mente, desviarei tua atengéo para “os milegres”, « falharei em met dever de Servigo, assim. como contra a atuagao teatral. —Bem, entdo— disse o homem —-, d4-metéa somente a ealugao do problema, cumprindy deste modo com os requisites do Ser- vigo. . — Isso eu jd fiz — disse ¢ dervixe. — Mas ndo posse compreender-te de modo algum —- disse visitante~, Néo tenho consciénein de que me ienhas dado nenhuma sclugdo. — Endo, toma teu caminho e busca a respasta em. outro lugar. Burante ndrios meses depois disio, 9 homem viajou e felou com muita gente, descreverido seu encontro com 6 dervixe. Um dia se deu conta de que seu problema tinha sido a auto-im- porténcia, @ que o dervixe ihe tinke indisada, Pste era sew verdadeire problema, néc a que ele hrvia tnaginedo que era. 24 Pouco depois, em uma cidade distante do primeira encontro, vit odervixe de novo. Disse-the: Agora me dou conta da sabedoriu de iuas palavras ¢ quero recompensar-te pelo servigo que me fizestes. -~ Jé me recompensastes — disse o derviae — porque ao contar atodos nossa conversa estivestes ajudandoaensinar, ainda que ndo desojasses fazé-lo, contigo mesmo como a ilustragdo viva da ignordneia eda perplexidade, como um hamem com uma flecha cravada em sua cabeca gue todos, exceto ele, podem ver, e com uma dor de cabeca que unicamente ele atribui as dificuldades de manejar pensamentos profundos.” (Shah I, 1988:99) Fsta auto-observagiio néo esté ligada a mudangas forgadas ¢ imitativas para um padréo ideal. © Sufismo afirma o carter funcional e corretive das viriudes, ea inutilidade de imitar o que se pensa ser uma virtude. “Copiar a virtude de outro 6 mais cépia do que virtude. Tente aprender em que a viriude estd baseada.” (Shah 1, 1978:91 T.) “As virtudes ndo sdo chaves para 0 céu mas passos essen- ciais que clareiam 0 caminko para unt entendimento maior”. (Kharkovli, 1980:14 T.) “A generosidade foi originalmente instituéda como ume forma. de ensinar o desapego ao homem."(8.0.:68) BE neste sentido que o Sufisme coloca a importancia fundamental da sabedoria ¢ do conhecimento, antes de uma mera imitapAo de pritica de virtudes, Ou soja, 6 necess4rio se reconhecer o que se 6, e tomar consciénsia de onde se cata ¢ através deste autoconheciments e do trabalho sobre si mesmo partir para uma transformagao real pele conhecimento cbtido. Isto se reflete no grupo, onde é mais valorizado a pessoa reconhocar sua situacio real (mesmo que este nao scje a ideal) endo tentar parceer algo que z O cophecimento de si mesmo, em um sentido mais profundo 6 també1 entendido no Sufismo como “Porque o verdadeiro conkecimento de si consisie nisto: gue és tu em ti mesmo, ede onde vieste?; aonde vais, ecom qual finalidade vieste a este mundo durante unt espaco de tempo, ¢ em. que consiste tun verdadetva felicidade e a tua miscria?” (Al- Ghazali, 1989:17) . Este conhecimento de si é, portanto, a realizacao do buscador. Observet que se coloca de inicio objetivos mais tangiveis como a auto-observagio desapogada desi mesmo, que pode ser praticada por um iniciante, mas ao mesmo tempo se eraplia a rioldura deste autoconhecimento de si, falondo sobre a nocessidade do ser humano de conhecer sua origem e destino’, como parte deste conhecimonto. Os membros léem sobre iste, mas na pratica se preceupam em realizar esta auto-chser. yagdo desi mesmo iam nivel mais eonoreto come por exempto, através ra observacdo 15 Vor aesse respcite 8.0.:66. 22, de como agiram/reagiram diante de situagées, que emogdes foram suscitadus por quais sitnagées. As regras da Ordem Nagshband da qual falaremos mais adiante, que sio ‘0 marco do trabalho sobre si, insistem em “recordar-se”, na “memdéria” e é enfulizado que o individuo deve.se contar a si mesmo sua prépria histéria Na histéria de Mushkil Gusha, histéria que ¢ repetida todas as quintas- feiras na rouniao do grupo, 0 “lenhador”, personagem da histéria, se conta a sua propria histéria. “O lenhador levantou-se e caminhou na direcdo de onde vinha a voz, Andou, andou e andou, mas néo encontrou nada, Entio sentiu mais cansago, frio e fome do que antes e, além do mais, estava perdido, Tivera muitas esperangas, mas isse ndo parecia té-lo ajudado. Ficou triste, com vontade de chorar, mas percebeu que chorar também néo o ajudaria. Assim, deitou-se eadormecex, Logo depois acordou novamente. Sentia frioefome demais para dormir. Foi entéo que lhe ocorreu narrar a si mesmo, conio se fosse um conto, tudo o que tinha acontecido desde que a filha Ihe pedira um tipo de comida diferente, Mal terminou suc historia, pareceu-the ouvir outra voz, vinda dealgum lugar no alto, como se saisse do amanhecer, que dizia: — Velho hamem, velho homem, que fiizes sentado aqui? <_Estou me contando minha propria historia — respondeu o lenhador. “... (S.0.:13) E contando a si mesmo sua propria histéria que se pode aprender sobre si proprio eisto é repetide de diversas formas e muito esquecido, néo ad pelos membros do Grupo na sua pratica, mas mesmo pelo lenhador da historia . satmas chegou a quinte-feira seguinte ¢, como é comum entre os homens, 0 lenhador se esqueceu de contar a historia de Mushkil Gusha.”.. (8.0.:15) © Grupo repete esta hist6ria e podemos ver como se utiliza 0 conto como uma metdfora. A metéfora podendo ser entendida como uma forma indireta de ensinar algo, de penetrar no individuo através dos seus mecanismos de defesa’®. Os membros do Grupo trabalham, cada um por sua propria conta, nesta auto-observagiio de si mesmos, nao ha reunides onde se partilhem este tipo de oxperiéncias, Neste sentido 6 um caminho interior, uma caminhada solitéria com um grupo. Dado a este carter introspoctivo, optei por neste capitulo tentar fazer este inventério deidéias ¢ temas, como sv apresentados nos textos e compreendidos @ conversados no grupo, deixando o Grupo falar para que digam o que ndo pode ser visto de fora, AFlexibilidade, o Relativo e a Intuigéo A diversidade de comportamentos no grupo 6 bastante ampla, Diria entretanto que hd uma tentativa generalizada de ser “flexivel” e procurar nado ter “padrdes mentais rigidos”. 16 Kinteressante notar os paralelos na Psicologia atual onde a Programagio Neuro-Lingitistica eoutras correntes trabalham com meLforas come instrumentos psicoldgicas eficientes na cura do paciente, 23. “Ser flexivel”, “vencer preconceitos”, “ir além da forma exterior” siio temas de conversas comuns. E que é ser flexfvel? “Ser flexivel, néo 6 nao ter uma. base, 6 a partir de uma base ter a flexibilidade que Ihe permita, fazer experiéncias ou aceitar proposigdes que nao estejam no seu modelo mental, Claro que ser flexivel nao implica ndo ter senso comum ou aceitar qualquer coisa. I! de uma certa forma estar disposto a aceitar algo novo, diferente ou se néo aceitar, pelo menos estar disposto a examind-lo ow experimentd-lo com a méxima isenedo de preconceitos possivel. E dificil, normalmente nds engancha- mas com coisas pequenas, maneiras deser diferentes das nossas, ea partir dat nos fechamos e nao nos permitimos aprender. Ser flextuel esté muito ligado com aprender. F aquela coisa que nos acontece por exemplo quando ao lermos unt livro dizemos: B Gtimo, disse tudo que eu pensaval . E este reforgo constante do nosso modelo mental, que tem que ser revisto, como abrir uma brecha, que nos possibilite ampliar nossa viséo. F néo estar demasiadamente apegado & nossa leitura do mundo,” (inform- ante) : E através da flexibilidade, como dizem, que se pode ultrapassar a meca- nicidade e a rigidez, Hla permite que se afrouxem os padrées e, portanto, abre a possibilidade para a aprendizagem de algo novo. Nas histérias de Nasrudin (Mestre que ensina pelo Humor) muito conhecidas pelo Grupo, aparecem muitas modali- dades do que seria a rigidez mental apresentada de uma forma iumoristice que faz a pessoa rir de si prépria. No desenrolar deste trabalho, varias destas histérias s46 contadas, procu- rei com isto recriar um clima que tantas vezes acontese no grupo, onde se contam estas historias quando quer que uma situagédo de vida faga com que alguém selembre de wma delas. Ser flexivel entretanto nao ¢ tao facil e os membros do Grupo sabem disto. ¥ bastante repetido nas entrevistas a palavra “relativizar”, “relative”. ‘As pessoas comegavam muitas vezes dizendo “na minha opinidc” e enfatizando 0 cardter pessoal da sua experiéncia. Este “relativismo”, “opinido”, sendo parte desta flexibilizagdo mental buscada. De uma tentativa de n&o se considerar o “dono da verdade", mas wn “buseador da verdade”. Também se encontza em muitos textos do Sufismo, a distingdo entre opiniao ¢ fato; ¢ a necessidade de se reconhecer vs dois. A opinido estando baseada em uma experiéncia fragmentaria ¢ nfo total. E ao me falar isto um informante lembrou do conto do elefante no escuro, de Rumi (pocta ¢ mestre sufi do século XIID, conto muito conhecido entre eles: “Um elefante pertencente 4 uma mostra ambitlante fora colocade num estdbulo perto de uma cidade que até entao nunca tinha visto um elefanie. Tendo ouside falar ne. maravilha escondida, quatro eidaddos curiosos foram tentar vé-la antes dos outros. Chegados ao estabulo, verificaram que nao havia luz. A investigagao, portrnto, teve de ser feita no escuiro. Um deles, tocando-the a tromba, supdsacriatura parecida com uma mangueira de agua; 0 segunide apalpou-the uma orelha e 24 concluin que era um leque. O terceiro, pegando uma perna, comparou-a a um pilar vivo; eo quarto, tendo posto « méo no dorso do animal, convenceu-se de que era uma espécie de trono. Nenhum deles pode formar uma imagem completa; e, partinde da parte com que cada um entrara em coniato, s6 puderam referir-se ao animal em. termos de coisas que j conheciam, O resuliado da expedigao foi uma confustio. Cada qual tinha a certeza de ter razéo; e nenfum dos outros habitantes da cidade compreendeu 0 que acontecera, nem o que os investigadores haviam, de fato, experimentado,” (Shah I, 1977-62). Este conto também é utilizado por Mestres Sufis para mostrar atondéncia da mente humana de generalizar a partir de uma evidéncia parcial. Tendéncia esta que muitas vezes, segunda cles, é encontrada no meio intelectual, Nas entrevistas as pessoas pareciam bastante conscientes do carater relativo das suas experiéncias e atribuem isto ao nivel preparatério em que estio, reconhecendo entretanto que hé um nfvel em que a verdade deixa de ser relativa, mas que ndo é ainda 0 caso deies. Sobre isto, um informante contou a seguinte histéria: “Um dia, Nasrudin estava sentado na corte. Queixava-se o rei de que os seus sitditos eran. mentirosos. — Majestade — disse Nasrudin —, ha verdude e verdade. As pessoas precisam praticar a verdade real antes de poderem usar a verdade relative. Mas sempre tentam inverter o processo. Resultado: sempre tomam liberdades com a sua verdade huma- na, porque saber, por instinto, que se trata apenas de umce invengdo. O rei achou a explicagdo compticada demais. -— Uma coisa tem de ser verdadeira ou falsa. Farei as pessoas dizerent a verdadz, com essa pratica, elas adquirirdo o habito de ser verazes. Quando se abriram as portas de cidade, na manha seguinte, uma forea se erguia diante delas, controlada pelo capitdo da guarda real. Um arauto anunciou: — Quem quiser entrar na cidade terd que responder primeiro com verdade a pergunta que the sera formulada pelo capitdéo da guarda, ‘Nasrudin, que estava esperando do lado de fora, foi o primeiro a dar um passo & frente. O capitdo dirigiu-se a ele: — Aonde vai? Diga a verdude; a alternativa é a morte por enforcamenio, ~— Vou — replicou Nasrudin — ser enforcado naquela forca. —NGo acredito em vocél —Pois, muito bem. Se eu disse uma mensira, enforque-me! ~~ Mas isso faria dela « verdade! — Bxatamente — confirmou Nasrudin —, a sua verdade.” (Shah I, 1977:86) 25 Ao falar-sobre isto, reconhecem a necessidade de desenvolver a intui¢gio comouma forma de conhecimento, que apesar de scr considerada relativa nos meios convencionais, 6 considerada no Sufismo quando desenvolvida, junte com a pereop- ¢éo, uma forma de chegar a verdades menos relativas. “Os sufis principiam, no raro, de um ponto de vista nao- religioso, E dizem que aresposta esté na mente da humanidade. Ela precisa ser liberada, para que a intuigdo, pelo conhecimento de si mesma, se torne o guia da realizagéo humana. A oulra maneira de consegui-lo, através do treinamento, suprime e silenciaa intuigdo, A humanidade transformou-se num animal condicionado pelos sistemas néo-sufis, ainda que lhedigam que ela é livre e criativa, que pode escolher o pensamento e a acdo.” (Shah 1, 1977:49) Através de varios textos se fala em abrir espago para a intuigdo, incenti- vando @ que & pessoa busque deniro de si mesma escuté-la. Também se fala em desenvolver a capacidade de ouvi-la, Muitos exercieios do Grupo sio entendidos como treinamento para a percepcdo, que permitirao se forem bem sucedidos, que se tenha um contato mais fluide com a intuigao. O papel do Intelecto ¢ das Hmogaes Tanto a abordagem intelectual, quanto aemocional sio tratadas como modalidades limitadas de conhecimento e sempre se est referindo a que estas duas abordagens néo esgotam a realidade. Como disse um informante: “Como elas nos séo familiares tendemos a querer aplicd- las onde muitas vezes nao se aplicam, e onde é necessdria outra modalidade de conhecimento. Buscamos onde tem, para nés, mais luz, onde é mais claro, e nao onde realmente temos que buscar.” Exemplificands isto, me contou outra histéria do Nasrudin: “Nasrudin estave de joelhos procurando algo em seu jar dim, quando passou um vizinko e perguniou: —- Que perdeste Mulla? — Minha chave — réspondeu Nasrudin. Apés alguns minutos de qjudar na busca, o vizinko perguntou: —E onde voce deixou cair? —Emcasa. — Entéo, por que esid procurando aqui? — Porque aqui tem mais luz."(Shah 1, 1977:88) Nao que o Sufismo negue o intoecto ou as emogies, mas apenas, como se apressam a dizer, ressalta 0 caréter limitade dos mesmos. “.. Quando o Sufi diz: "As pessoas nao desejam aprender, elas desejam sentir”... Ele nde quer dizer que as pessoas nao deviam sentir ¢ sim aprender. Ble quer dizer que sentir ndo é aprender, equeas pessoas deveriain em um certo pontoaleancar a capacidade para distingwi-los." (Kharkovli, 1980:7 T.) 26 Notei gne as pessoas ao se aproximarem do Grupo se confundem muito com isto, por entenderem que 0 “intelecto ou emocional” sao criticados ou que niio devem ser usados, ete. Varios textos repetem que nao é assim. Q intelecto ¢ o emecional tém seu lugar no desenvolvimento humano, o que se diz 6 que eles niéo esgotam todas as possibilidades humanas de aprendizado, eque se se utiliza apenas estes dois canais é impossfivel chegar 4 “verdade”. O pensar, o refletir é incentivado em varias palestras de Omar Ali- Shah. “Na Tradigdo, nés néo queremos marionetes. Nés quere- mos mostrar eensinar és pessoas a pensar ea. agir, por meio do seu desenvolvimento e da percepeao de sua propria capacidade crescente, com o auxilio da energia, com o auxilio de um guia —" C.B:200) Mas nunca se deixa de lembrar que 86 com o intelecto ou a reflexdo comum é imposstvel trilhar o camiaho. .. a experiéncia misiica e a iluminagdo ndo vém através de uma reacomodagao de idéias familiares, mas através de un reconhecimento das limitagées da reflexao comum, que serve apenas para propésitos mundanos.” (Shah I, 1977:103) Ou seja, pode-se explicar o que pode ser explicado através do pensamento intelectual. Deve-se utilizé-lo, portanto, como uma ferramenta, adequada em cartas situagdos, mas nao em todas. E interessante a forma como se aborda a emogéde. Sempre é ressaltado que a experiéncia emocional e mistica sio coisas bem diferentes. E que é necessario ultrapassar o nivel emocional. De inicio, pelo menos ¢ importante reconhecé-lo. Nos exercfcios, as demonstragées emocionais sic normalmente desestimuladas. “Repetidamente, a literatura mistica enfatiza que expe- rigneias sensitives ndo sio 0 objetivo do misticiscmo; pelo contrario, somente quando estas so transcendidas a pessoa pode aleangar o objetivo de um conhecimenta direto (intuitivo) da realidade fundamental.” (Deikman, 1979:199 7.) “Os Sufis consideram a maior parte das experiéncias mis- ticas como sendo essencialmenie emocionais com pouca impor- tancia pratica — exceto pelo efeito danosa de levar as pessoas a acreditarem que esido sendo espirituais quando ndo o esto: “Sahl Abdullah uma vez entrou num estado de agitagdo violen- to com manifestagées fisicas, durante ume reunido religiosa. Ibn Salim disse: O que é este estaclo? Sahl respondeu: Nao foi, como voce imagina, o poder entrando ean mim. Foi, ao contrério, devido « minka propria fraqueza. Outros presentes disseram: Se isto foi fraqueza, 0 que éo poder? “Poder,” disse Sahl, “é quando algo como isto entra em voce € a mente eo corpo néo menifestam absolutamente nada,” (Dei man, 1979:201 T:) ‘As experiéncias interiores que possam advir de aigum exere(cio, se reco- menda que se mantenha para si mesmo, ou no maximo que se fale com alguém mais 2T experiente, se 6 0 caso que a pessoa tenha alguma divida. “Sharings”, isto 6, compartir experiéneias, sio inexistentes. As demonstragdes emocionais ou fisicas nao tém miuito lugar neste Grupo Sufi, distanciando-o, portanto, de outros grupos ¢ religides to populares no Brasil que lidam com “incorporagies” de todos os tipos, como por exemplo a Umbanda e 0 Espiritismo entre outras. As pessoas no grupo por receio de serem emocionais s¢ comportam de uma forma brincalhona e gozadora, quando se trata de questées mais esotéricas, “para néo ficar muito sério, ndo é?", Ha 0 cuidado de ndo se empolgar e de sempre quebrar situagdes que comecem a ficar niuito “sérias” com 0 humor. O Humor e a Hogicidade Eo humor é um dos ingredientes desta receita sufi, onde h4 0 conhecido Mulla (Mestre) Nasrudin, que ensina pelo humor, No grupo, a referencia a este personagem, 6 fregiiente e alguém sempre conta uma histéria que se adequa & situagdo que esta sendo vivida. Os sufis ressaltam a importancia do humor, é rindo de si mesmo, que a pessoa pode deixar de se levar to a sério e comegar a aprender o desapego de sua aute-imagem e de seus padrées mentais fixes, entre outras coisas. “Se voc’ nao pode rir freqitente ¢ genuinamente, vocé nao tem alma.” (Shah I, 1978:92 T.) Nasrudin, segundo a tradigSo sufi, em seus contos que sfo muitas vezes ilégicos, mostra a forma de pensar da pessoa comum. E estudando estes contos ndo 86 no set pfvel superficial de apenas “engracados”, mas também tratando de observar que formas de pensar esio sendo exemplificadas, que segundo 08 Sufis, se pode aprender com este Mestre do Humor. Um dos livros editados pelo grupo em portugués, 6 do Nasrudin, e este componente de humor néo deixa de aparecer, mesmo durante os momentos mais sérios dos exercicios ou falas para os grupos. O Humor é também entendido como fator importante para o relaxamento. Quando rinios relaxamos, e 0 estado de relaxamento é fundamental para quo se possa aprender com mais facilidade ¢ fazer as “meditagées” e “exercicios” de uma forma mais adequada. A tensio impede o erganismo de fluir, e o humor € :nuito usado para soltar a tensio. “Como vocés todos sabeni, usamos um bocado de humor na Tradigao, muito especifica e particularmente. O humor eo riso relaxam, melhoram a atmosfera e melhoram o gue chama- mos entrada (in take}, O humor €0 que chamarios 0 sale @ pimenta da conversacio.” (trecko de palestra de Omar Ali- Shah) Apronder a relaxar 6 uma das tarefas do membro do grupo, entretante estar relaxado no se entende como “largado”, “roupas frouxas”, ct, mas sim sem tensao. Pode-se estar de paleté ¢ gravata ¢ relaxado e com “roupas frouxas” ¢ tenso. O relaxamento no depende de uma forma exterior, mas 6 um estado interne. Também se eselarece que estar relaxade, néo significa estar desligado ou desatento, Atengio nao & tenséo, Pode-se estar atento ¢ relaxado, exemplificam este estado como por exomplo o de um folino. 28 Os contos de Nasrudin, tanto quanto véirias dos outros contos conhecidos no Sufismo, n&o seguem a légica convencional e aparenicmente no tém lézica. Introduzem assim a ilogicidade. Como diz Sizajudin, letrado do séc. XVI “Lnquanto ndo pudermos compreender a ilogicidadee sua significéncia, evitemos os sufis.” (em Shah I, 1977:41) H interessante nolar que algumas pessoas do grupo, apesar de atuarem no seu dia a dia em profissées extremamente técnicas, aceitam com naturalidade que hé um espago para o “ilégico”, que “nem tudo pode ser explicado"!”. No Sufismo, segundo dizem, hd varias modalidades de conhecimento. Algo pode, portanto, néo existir segundo a légica convencional de uma dimensio, ¢ a0 mestio tempo existir em outva dimenséo ou segundo uma outra modalidade de conhecimento. Também se fala nos estudos sobre os hemisférios direito e esquerdo do cérebro, que explicitam sobve as diferentes modalidades de conhecimento, Fala- remos disto no capitulo sobre Ritual. As Coincidéncias e as Hipdteses de Trabalho Outro conceito também visto de uma outra perspectiva é aquele que trata das coincidéneias. Segundo se diz no Sufismo, as coincidéncias nao existem, j4 que 05 acontecimentos no acontecem unilateralmente e nenhum evento acontece num véeuo, “Narealidade, todos os eventos estdo associados a todos os outros eventos. B somente quando estamos pronios para experi- meniar « nossa relagéo reciproca com. o organismo da. vide podemos apreciar a experiéncia méstica. Se observarmos qual- quer ato nosso ou de outra pessoa qualquer, descobriremos que ale foi inspirado por um dentre muitos esttmulos posstveis; e também que ele nunca é um ato isolado — tem conseqiiéncias, muitas das quais nunca poderfamos esperar e que, por certo, ndg poderiamos ter planejado.” (Shab I, 197798) “Busque as coincidéncias ha vida didria. Examine-as ¢ vaja que sentido seu reconhecimento pode ter para voce. Busque a associagzo ou relagéo direta entre coisas que habitualmente ndo tem a menor relagéo. Detenha um pouco sew pensamento nesta idéia e deixe vir até voce a conseiéncia da coincidéncia.” (T.S.:22,23) Os membros do Grupo procuram, portanto, observar as coincidéneias na sva vida cotidiana e tirar delas alguma consciéncia do que seriam realmente as coincidéncias. Ou seja, serd que tudo que me acontece é por acaso? Serd que também ndo sou responsével pelo que me acontece? O sujeite deixa de ser totalmente passivo, 1? Lembrei agui da histéria do psiestogo edo capiau, elatada pelo prof. Brandao em sala de aula, “Um psicélogo que perquisava no interior da Bahia, entidades como a mula sem eabera, a caipora, ete, reselveu convencer 9 seu infarmante de que isto tudo no existia, nao tinha Kigiea, dando-lhe argumentas c fatos, ete. No dia de ir embora, o psicéloge virou-se pata o capiau & disse: "Como é mula-sem-caboga, eaipora, existe?” Eo capiau respondeu:" Nao existe nao, mas aqui tem!" Esta histéria poderia facitmento ser incorporada eo acervo de Nasvudin! 29 uma vitima do que Ihe acontece ¢ passa a refletir sobre sua relagio com os eventos. Neste sentido a proposta sufi em termos de misticismo, muitas ver afasta da alienacdo, entendida a partir da definigao de Peter Berger", jé que entende 0 sujeito como ativo e ndo passive e, portanto, capaz de mudangas, inclusive capan ” de perceber a construgio social da realidade e pessoal da sua consciéncia. O Sufismo, segundo Sirdar Ikbal Ali-Shah”, entende o fatalismo num sentido mais elevado. Como ele explica , existiriam duas formas de se apropriar do mundo, uma a intelectual onde se entende o mundo como um sistema rigido de causa e efeito; outra a vital que é a aceitagdo absoluta da inevitavel necessidade da vida, considerada como um todo 0 qual ao evoluir suas riquezas internas criaria o tempo seriado, Esta forma vital seria 0 que se entende por Fatalismo, que, portanto, no seria uma crenga passiva em certo tipo de proposigdo, mas uma certeza viva gerada por uma experiéncia rara. Entende-se no Sufismo que hé muitos nfveis, que um evento tem ramifi- cages e que néo se pode generalizar a partir de dados artificialmente isolados. A atitude nao é a de um espectador, mas a de um participante. A atitude é a de nao se satisfazer com as aparéncias externas de um evento, mas de tentar buscar relaciond-lo consizo mesmo, ou pelo menos comegar a refletir sobre isto. Naturalmente esta é uma proposta, um tema sobre o qual se 16 ¢ se fala, Cada um faz sua reflexio interior em seu nivel, e no grupo a compreenséo deste termo, dado os varios nfvels, varia bastante. Um informante quando foi perguntado sobre este tema, disse: “Entendo que a mente humana pode ser vista, a grosso inodo, sem entrar em detalhes, como um espelho da realidade externa. Esse espellio pode ser muito limpo e, portanto, fiel a essa realidade ou pode ser sujo e distorcer esta realidade. Usando essa metdfora, nos so podemos encontrar fora, aquilo que, temos dentro, Em reatidade encontramos fora, aquilo que temos dentro, Nesse sentido, nos fazemos responsdveis, aqueles que estamos no caminho sufi, pelas nossas experiéneias. Naoas atribuimos ao acaso. E uma atitude técnica, funcional, que nos permite participar da criagao da vide, da realidede.” (infor- mante) Outros membros tomam isto simplesmente como hipéteses e passani a refletir sobre isto. As pessoas do grupo de certa forma tomam muitas coisas ditas pelo Mestre owno Sufisma em geral, como “hipdteses de trabalho”, que virgo a ser verifieadas ou nao. If inclusive algumas pessoas de formagdo mais cientifiea, peucas erengas ¢ até algum ceticismo em relagao ao que se chama comumente como “misticismo”, “outros estados”, ete, que falam que, sendo uma “hipétese”, a experiéncia, através dos meios ¢ das téenicas do método, 6 que dird se 6 ou ndo verdadeira. Entrotanto 18 Berger, 1969 - Ver mais sobre isto no eap 5. 19 Ali-Shah, 1971182. 30 abrom um espago para a “possibilidado”. Esta abertura, jé que alguns se confessa- ram ateus antes de entrar no grupo, advém do reconhecimento de que a cidncia eo muundo moderno nao respondem satisfatoriamente a varias questées significativas da oxisténcia. O Sufismo nao apresenta respostas prontas, mas acena através de seu método e téenicas com a possibilidade de desenvolvimento, de aperfeigonmento, que permitiriam af sim, so chegar as respostas. Omar AliShah em varius de suas palestras para o Grupo, fala deste assunto, “las (as pessoas) néo precisam atravessar a vida confis- sas, aos tropegos, pois possuem a eapacidade bisica para se desenvolver.” (C.B.:25) “—o estado normal da pessoa nao é horrtvel, deprimente, abomindvel, confuso. Isso é subnormal, As pessoas se arrastam numa forma de existincia subnormal — elas esto apenas existindo,” (C.B.:31) Ressalta-se, portanto, que o ser humano pode se desetvolver ¢ que a “Tradigao” ou “Grupo Sufi” teria os meios e técnicas para que esse desenvolvimento tenha lugar. O importante 6 0 proceso, 6 0 como se pode realizar o desenvalvimento, por isso que o Mestre sufi se recusa a dar respostas prontas sobre “O que é a vida?”, “O que éamorte?”, ete, ou seja temas mais filoséfices, pois entende que 6 necess4rio que primeiro 0 ser humano se desenvolva ¢ quando isto suceder ele chcgard as respostas sozinho. Portanto, no grupo, o importante é perguntar como e néo por que, Falando sempre que existe uma outra possibilidade para o ser humano, que 0 aperfeigoamento é possivel e pode ser alcangado. Em muitos livros sufis se fala no “Homem Perfeito” ou “Insani Kamil" (que significa alguém que estd completo) ou “Nove Homem”, insistindo em que esta busca por aperfeigoamento deve ser emprecndida, que € posstvel. “Eu néo estou lhes prometendo ou thes mostrando um retrato do seu lugar no paraiso, mas estou thes dizendo que ohomem 6 capaz de um desenvolvimento que a sua ima- ginagdo néo pode compreender. Mas ele pode desenvolver as suas habilidades, ele pode desenvolver o seu ser aum grau em que talvez um lugar no paraiso deixa de ser muito importante.” (C.B.:189) Ao mesmo tempo se enfatiza que é 0 buscador que terd que trithar o caminho, responsabilizando cada um pelo seu esforgo e pela sua luta. A Relagdo Mestre-Discipulo e A Trilogia Tempo-Lugar-Pessos. O Mestre, segundo os Sufis, pode Ihe ensinar como buscar, mas quem tem que efetuar a busea é cada um. A responsabilidade é um conceito chave, junto com a autodisciptina. Cada um é responsavel por si e 0 seu desenvolvimento depende da sua autodiseiplina. 20 Ver mais sobre iste em Michaol Burke, 1973. 32 “A preparagdo da mente sufi ndo serd adequada até que o homem saiba que precisa fazer alguma coisa por si—e pare de pensar que outros podem fazé-lo por ele.” (Shah I, 1977-95) Isto foi repetido por varias pessoas do grupo, jé que nao ha um disciplina- dor externo que cobre de cada um so fez os exercicios, etc. O grupo, e isto é constantemente repetido, é um lugar de pessoas adultas, que se responsabilizam por simesmas e sabem o que tém que fazer. O Mestre ou Professor é visto no Sufismo n4o como algo inatingivel, mas como alguém que trilhou um caminho e que pode ensinar a outros como fazé-lo. No manual do grupo Omar Ali-Shah ou Agha, como também é chamado, diz: “No Ocidente, infelizmente, existe uma idéia de Mestreles- crave quando se usa a palavra Mesire. Isto é totalmente falso na Tradigdo. O Mestre espera e deseja que o discipulo tenha éxito, Ele nao esté ali para punir, mas para encorajar eajudar e fazer tudo que estiver emt seu poder para tornar o caminho claro e dar ao disc(pulo a ajudae energia que ele iem para dar.” O Mestre é alguém que além de saber alo, sabe também conto passar este conhecimento para alguém. idries Shah em um de seus livros fala que existem mais falsos diseipulos, que falsos Mestres. E que para ser discipulo é necessdrio também esiar preparado e que nem todos esto preparados. “tim Mestre é alguém que conhece algo de primordial importéncia e que tem a capacidade para organizar e manter a transnrissdo desse saber.” (P.8.:73) O Mestre 6 visto como um especialista, alguém que pode diagnosticar, preserever, A relacdo Mestre-Discipulo 6 fundamental no processo de aprendiza- gem no grupo, e é extremamente pessoal. Como um dos informantes me relatou: . eu achava que ninguém no mundo podia me ensinar nada, E um dia, em meu trabalho onde eu tinka uns estagtrios, um doles chegou para min e perguntou se valeria a pene fazer engenharia. Ele era um estagidrio de curso técnico. E eu disse para ele: “Bem, engenharia tem professores @ voc’, num curto periodo de tentpo, tipo 5 anos, aprende coisas que na vida pratica talvez voed leve 10, 15 au até 20 anos, ou até mesmo ‘nunca consiga aprender. Entéo vocé realmente consegue acele- rar o teu conhectmento e depois com mais uns cinco anos de formado, isto écom 10anos entreo curso de engenharia e tempo de formado, voct estard realmente um profissional bastante razodvel.” Nesse exato instante uma sensagdo fisica mesmo, como que passou por mim e cu entendi o que era um Mestie, ¢ aceitei a idéia de ter um.” ‘As pessoas mais novas no grupo ou antes de comegarem a freqiientar se preocupam mais com a questo de accitar ou n3o um Mestre, de como saber distinguir se 0 Mestro é faiso ou verdadciro. Apés comegarem a trabalhar com as técnicas, a proocupagiio passa a se centrar mais no trabalho individual, na dificul- 32 dade de concentrggdio, no excesso de didlogo mental. Como um dos informantes relatou: “Ao me dar conta do meu estado e da minha dificuldade em me concentrar de uma forma eficaz nos exercicios, passei a trabalhar mais atentamente nisto, entencendo que o desenvol- vimento da minha percepgéio me possibilitaria um contato com o Mestre, que me permitisse aceitd-lo ou ndo, dé uina forma mais profunda, ja que inicialmente a aceitagéo néo foi tanto por um conhecimenio como por uma necessidade.” O Mestre é entendido como uma porta através de qual passa-se para um outro estado, Alguém com quem se estabelece um contato muito profundo, contato este que é necessdrio que se estabelega para que ocorra uma travessia. Através destas metéforas, pode-se entender o Mestre como parte de um contexto de apren- dizagem do disefputo, onde a obediéncia ao Mestre é um elemento fundamental. O Mestre existe porque existe o disefpulo e vice-versa. O objetivo, se esclarece, nao é chegar a ser Mestre, jé que ser Mestre 6 uma fungéio, mas chegar ao autoconhecimento. Nem todos tém que ser-Mestres, nem 6 necessério que sejam. “As pessoas créem que um Mestre deve fazer milagres e manifestar iluminagéo. Eniretanto, 0 tinico requisite de um Mestre é possuir tudo que o discipulo necessita.” (Ibn El Arabi, em Shak I, 197499) Esta relagdo com o Mestre esi indissoluvelmente ligada com a obedién- cia. Vérias pessoas do grupo enfatizam que obedecem porque querem obedecer. A obediéncia nio é algo imposto de fora, mas algo que de antemda se aceitou, ou seja como disse um informante “faz parte das regras do jogo”, F algo valorizado no grupo, porque pressupde jé um certo nivel interno do que obedece. Como disse outro: “ohedece porque entende a necessidade de obedecer”. Entretanto como disse um informante: “além de fazer os exercicios, ir és reunides, ¢ trabalh: sobre si mesmo tentando transformar-se e a seus estados neg tivos, néo existem tantas eportunidades em que se tenha que obedecer ao Mestre (ou fazer algo que néo se quer), pelo menos na minha experiéncia até agora.” Como este, outros informantes disseram que para um disefpulo chegar ao ponto de “obedecer mesmo”, ieva muito tempo, j& que se aprende a obedecer ou pelo menos a se compreender 0 que realmente isto pode querer dizer na pratica. Um informante disse: “Obedecer fica difteil, quando o Mestre secomporta de uma forma que réo combina com a idéia que temos do que é um Mestre. As vezes pode ser fazer algoridtculo eat nos damos conta quando obedecemos, que tememos o ridiculo e que estamos de ceria forma muito apegados a uma "imagem de nds mesinos, € que isto é muitas uezes uma barreira para aaprendizagem. Para aceitar um Mestre ¢ necessdrio ter flexibilidade ¢ ndo estar 33, apegado a padroes mentais fixos ¢ éat onde entra a obediéncia, que pode ser usada como wna ferramenta util.” Cutro informante falou: “.0 resto fica por conta das fantasias de quem néoesté no caminho e néo entende o qué um Mestre significa,” Funto com este conceito de Mestre, vem a trilogia “Tempo, Ingar e pessoa” que todos do grupo conhecem. © Sufismo diz que para uma situagio de ensinamento acontecer 6 preciso que seja o tempo correto, no lugar correto e com as pessoas corretas, Se os trés elementos no esto presentes ndo 6 possivel um evento. Isto vem de encontro, segundo eles, a uma forma imediatista de atuar ocidental onde “eu quero, portanto, por que nao pode ser agora?”, ou “se eu puser uma moeda sai wma coca-cola”, Muitas vezos atuando como se o simples fato de porguntar por si 86 garantisse o diroito a resposta. Um Mestre ndo 6, como jd foi falado no grupo, uma maquina de coca-cola eas respostas num certo ntvel ndo sd0 auto;ndticas. No grupo, as pessoas convivem com esta idéia de que hd que existir uma combinagao de elementos, nic basta apenas a minh vontade ou o meu desejo, E como dizem: “E preciso ter paciéncia, observagao e senso de oportuni- dade.” Insiste-se em que varios elementos tém que estar presentes para que ocorra uma situagao de aprendizado, “A existencia do Mestre eda comunidade num lugar deter- minado esta ligada por leis edsmicas, a uma necessidade, desta iitima. Na verdade, existe ume situagao orgdnica em eujo seia a posigéo psicolgica apenas uma parte. O homem comum, em busca do "conhecimento” ou de “revelacdo”, ndo se detém: para perguntar-se se essas condigées existem, E geralmente ndo tem a menor idéia disto. Nem ao menos se pergunta seo equipamen- to pare empreender seu “aperfeigoamento” he é inerente, ou se de alguna cutra forme o possui.” (T.S.:13) 0 Esforgo eo Sacrificio O conceito de utilidade, finalidade sempre se introduz para ser refletido junto com o de sacrificio, esforgo, sofrimento. Retirando assim uma conotagdo de flagelo, castigos, punigées, ascetismo, associada por vezes a uma via de desenvolvi- mento mistica, A automortificagao, segundo se entende, ao em vez de liberar o sujcito das coisas materiais, muitas vezes ao contrdrio o leva ao masoquismo, ov a ilusées e desequil{brios. Nao existe no grupo uma aura de “sofrimento”, “seriedade”, mais bem se encontrando um ambiente relaxado, onde o humor aparece e as passoas buscam ser normais. Sofrer gratuitamente nao serve para nada, se existe sofzimen- to, este 6 muitas vezes resultado de um apego, apege este que pode scr devidamente trabalhade com as técnicas disponiveis. E mesmo quando isto nde é ainda vivido, é pelo meres aceito e tomado como meta. 0 esforgo se insimza entao, como algo, por si s6 insuficiente. O esforgo 6 necossério, fundamental, mas cla s6 nao basta. E ademais, nen: sempre, segundo dizem 08 sufis, 0 esforgo traz.o que inicialmente pretendfamos. “B) 0 homem geralmente tem sido educado de uma tal forma gue acredita poder aleangar por si mesmo a salvagdo, através do esforco. Tudo que tem a fazer € empenhar-se o bastante para compreender, ¢ entéo compreenderd. De forma alguma isto é correto. Tampouco é um fato, e sim uma genera- lizagdio derivada de experiéneias primitivas adquiridas a nivel do contorno material. Este racioeinio ndo pode ser aplicado ao campo psicologico” (T.S.:12) “Him todas as culiuras (0 homem) foi treinado para acre- ditar que certos tipos de atividade significam saerificio, pa- ciéncia, zelo, etc. Nao sabe que muitas pessoas como ele desenvolveram simputia por tais atividades; sendo que, como resultado, em vez de sacrificio, se consegue uma forma de prazer, que impede que ocorra um sacrificio,” (T.8.:48) ABaraka 34 Outro conceito onde comega a entrar um conhecimento, como dizem eles, mais sutil, 6 0 imponderdvel, a baraka. Se diz por exemplo: “Ele tem baraka” ou “aquele lugar tem baraka” ou “aquele encontro tinha baraka”, ou ainda “ndo tinha baraka, nao aconteceu nada.” Eo que é baraka? “Baraka € uma energia impalpdvel.” “Baraka é um tipo de energia, mas é necessdrio ser capaz de percebé-la.” “B dificil definir, E avs poucos que se comega a perceber.” A baraka poderia numa certa medida ser entendida como earisma, mas a diferenca deste, é que ela pode, segundo os Mestres Swfis, ser impartide, dada a alguém, por um Mestre. “Em julho de 1957, 0 sr. John Hamilton publicou no Hibbert Journal um ensaio em que propos fosse @ palavra Baraka usada em inglés para denotar certas qualidades das pessoas ou objetos, tais como a virtude emanada de Jesus ¢ de outros grandes curadorés. Independentemente, o profes- sor Robert Graves aduogou a mesme causa numa importante conferéncia pronunciada na América. A palavra é familiar a muitos que vivem no Oriente, mas tem uma acepedo maisampla que o seu emprego usual.” (Shak 1, 1977:394) “ Examinada da ponto de vista comum, a baraka tem muitas qualidades magicas-—-conquanto seja, essencialmente, ao mesmo tempo, uma unidade, o combustivel e a substancia da realidade objetiva. Uma dessas qualidades consiste em que toda pessoa que a possui, ox todo objeto com que ela estd associada, the retém uma cota, pouco importando 0 quanto ela tenha sido alterada pelo impacto de pessous ndo-regeneradas,” (Shah I, 1977:92) 35 A Baraka existe ndo $6 em péssoas, mas em objetos ¢ lugares. Ao se falar em baraka, se fala em energia, em qualidade emanada, em substineia, portanto, em algo a ser sentido e mais ainda pereebido. A “energia” enquanto categoria se tornou um termo comum, utilizado amplamente nos meios alternativos e até miesmo ndo-alternativos, entendida como “substrato, a um s6 tempo material e espiritual, da vida” “substdncia-movimento gue produz e modifica, como fonte auté- noma, seres ¢ estados”, (Soares, 1989:125,131) No Sufismo entretanto, 0 conceito de baraka vai mais além do que 0 conceito de energia, como é entendido na “Cultura Alternativa’, segundo Luis Eduardo Soares”, pois a “baraka” n&o 6 a “energia” como um todo, isto é, algo disponfvel na natureza e no sujeilo humane, partithada por ambos, mas sim uma qualidade especial, que pode ser descrita como um tipo de energia e que se encontra néo em todos ou em tudo, mas em algumas pessoas, alguns objetos, alguns lugares especiais. Estaria mais préxima do conceito.de “carisma”, mas iria além deste conceito por também estar em objetos ¢ lugares, e por poder ser impartida, quando © “carisma” nao 0 é. Um Mestro, segundo entendem, tem “baraka” e o discfpulo pode se tornar capaz de receber esta “baraka” ¢ utilizé-a ele também. No Sufismo, portanto, nao se fala em “energia” como categoria geral, mas se fala em tipos de energia, qualidades de energia, em ser capaz de captar tipos sutis, e diferentes de energia, em sintonizar com determinado tipo de energia, Segundo se diz o ser humano é um captador e emissor de energias. Aqui se entendendo mais captar ¢ emitir, como por exemplo um radio o faz, e energias como ondas eletromag- néticas. A capacidade de pereeber a baraka se desenvolve no proceso de aprendi- zagem. Alerta-se entretanto para o perigo de se “fantasiar”, ou seja, da pessoa se “autosugestionar” e perceber baraka por ter ouvido falar que tem. De novo se insiste para que cada um faga sua experiéncia e nao “imagine” que estd fazendo uma experiéncia. B através dos exercicios e do desenvolvimento da percepgéio que se pode chegar a perceber a baraka. Poderes Ocultos e Milagres Entretanto, apesar da aura muitas vezes incomum, associada A baraka, quando se pergunta as pessoas por “poderes ocultos”, “milagres”, etc, normal- monte respondem que este no ¢ 0 objetivo do Sufismo, podem acontecer come efeitos colaterais, mas néo é isso que se est buscando. Numa palestra em um encontro internacional, Agha disse o seguinte: “Nao me perguntem ou esperem que eu entre ¢ saia nium tapete magico pois, estrankamente, eu quero que as pessoas me ougem, estudem ¢ trabalhem porque eu ndo uso um tapete magico. Voce pode (lutuar sobreo México durante dois dias num 21 Ver a esse respeito “Religioso por natureza: cultura alternativa ¢ misticisme ecolégico no Brasil”, L. B, Scares, 1988. 36, tapete magico e voce tera um. milhdo de pessoas querendo saber onde podem conseguir um, como podem voar: Se voeé thes disser: Leva muito tempo, se requer muito esforgo, muita disciplina, é preciso ouvir muitas palestras minhas, voce se livraré de noventa por cento delas quase imediatamente, Entdo eu espero que voces estejam aqui, basicamente, porque et ndo tenho ui tapete migico.” (C.B.:204) HE enfatizado que o objetivo é 0 autoconhecimento, que o ficar impressio- nado com milagres, demonstra apenas 0 nivel em que se est4, um nivel em que de certa forma se ambiciona o poder e ndo o conhecimento, ¢ se deseja “excitagsio” endo aprendizado. ‘Como disse um informante; “Claro que um ser humano desenvolvido é capaz de prati- car ages que para os desavisados poderiam parecer milagres, ou se chamar milagres, mas eu sinto que seriam resultada do desenvolvimento de cerias potencialidades latentes no ser hu- mano e de qualquer forma, esie nao é 0 objetivo. Alids é dever de um discipulo ocultar os milagres do Mestre, para ndoatrair ‘pessoas que esto buscando sensacées e nao autoconhecimen- to.” Ha um texto do Idries Shah sobre este assunto que é bem esclarecedor. “O Sufi conhecide como um Santo Perfeito (Wali Kamil) pode curar enfermidades, influenciar indivtduos e ajuntamen- tos, transportar sua conseiéncia de um lugar parc outro, eassim. por diante. Estes atos séo considerados por observadores de fora como sobrenaturais. Eles o stio na medida em que néo podem ser explicados através da légica convencional ou leis fisicas. Mas eles néo séo vistos conto centrais por Sufis reais. Os milagres, para o Sufi, ndo sdo evidenciais, sao instrumen- tais. . “Quando néo tinha nada com que fazer uma sopa, uma poredo de cebolas apareceu repentinamente do eéu, na cozinha da grande muther sufi Rabia. As pessous estavam surpresas com este “milagre de Deus”, Rabia, eniretanto, reprecendeu-osdizen- do, “Meu senhor ndo é um quitandeiro!” Este exemplo mostra claramente a diferenga entreo pensamento sufie as atitudes simplistas, baseadas na esperanga e no medo, da religiosidade rasa; onde niveis mais baixos so aceitos como mais altos. (..) Unt importante teste de um disctpule sufi é se quando ele realiza “milagres” ou quando tais coisas acontecem com ele, ele as esconde totalmente, e nao é afetado por elas. ‘A natureza sublime desta concepgao — que desejo e medo, excitagdo e publicidade existem somente num nivel baixo, emo- cional, néo num nivel espiritual perceptivo, é a marca do trabalho sufi. No maximo, esperanga e medo atuam no ser humano como um preliidio, ume preparagdo, Entretando, espe- ranga e medo séo considerados por muitas pessoas pretensa- mente espirituais, como os préprios meios de atingir a salva- G0." (Shah I, 1990:25,26 T.) Os milagres, so 6 que existem no grupo, sio devidamente ocultades. Eniretanto, 05 membros afirmam ou acreditam (embora nao falem disto muito claramente) quo o Mestre teria “poderes ocultes”, ou seja seria capaz de fazer coisas que para o ser humano comum nao seriam normais, como por exemplo, saber o que odiscipulo est pensando. Acreditam também que o que se chama “poderes ecultas”, séo na verdade potencialidades latentes no ser humano, ¢ que, portanto, poderfio ser capazes de também té-los, se chegarem a um certo nivel de desenvolvimento, Entendendo estes “paderes” como efeitos colaterais de um desenvolvimento maior, “Estar noe mundo, sem ser do mundo” Outro tema central no pensamento ¢ ideario sufi 6 0 desapego. O “Estar no mundo, mas niio ser do mundo.” E como funciona este desapego? Este desapego, e isto é constantemente enfatizado nio te retira do mundo, muito pelo contrério, como insistem em dizer, é no mundo, na “normalidade” da vida, sem necessitar eer de nenhuma forma excéntrico, que se vive este desapego. “O sufi acredita que, praticando 0 alheamento alternado eaidentificagdo coma vida, cle se torna livre.” (Shah I, 1977-49) “Para eles (os sufis) 0 nuindo é um instrumento de mode- lagdo, que aprimora a humanidade.” (Sirajudin em Shah I, 1977/41) Tkbal AK-Shah (Ali-Shah, 1971) ao se referir a esta frase diz que ela significa uma intensa forma de disciplina mental, um “enfocar da mente”. Trés informantes me explicaram esta frase de trés formas diferentes: “Bu estou no mundo, seria no sentido que eu participo de uma condigéo fisica carnal, animal, com certas condigdes so- ciais, culturais, num deterninado tempo, entre determinadas pessoas. Isso é uma realidade inegdvel. Endo sow do mundo, na medida em que existe a possibilidace de transcender todas essas limitagées materiais, jisicas, sociais, culturais, sem negar o estar no mundo. Inclusive o estar no mundo por definigao é pré-requisito para que possa ser transcendido.” “0 aprender a se distanciar (por momentos curtos ow longos, néo importa a quantidade, mas a qualidade) do que se esta vivendo, para poder perceber methor; é0 aprender a nao se apegar 4 nada; a nao se identificar com nada, aprender que a vida é um fluxo, que tudo passa e que ao se apegar as coisas, pessoas, out situagées se impae uma imobilidade que nos trava € nos impede de aprender-e de viver a vida como ela é — em movimento,” “Este € um grande desafio, ¢ é algo que se aprende viven- ciando ¢ se recordando constantemente de si mesmo, do seu ser essencial.” . 38 “Estar no mundo sem ser do mundo” é uma caracterisitica contrat do Sufismo, que o distinguc e o distinguiu no passado, da maior parte das Hecolas Misticas. Por exemplo, ndo existe o celibate, ou.o mnosteiro, na via Sufi O aprendin se é que em algum momento se afasta do mundo, sempre o faz de forma tempordria, levando sempre uma vida normal segundo a sociedade em quo vive, Os mestres normalmente sao casados, tém filhos, profissao. No livro “Os Mestres dé Gurdjieff" (Leffort, 1983), por exemplo, onde se relata uma viagem pelo Oriente e o encontro com diversos mesires, todos eles ensinam através do seu oficio, do quail também vivem. No caso do grupo estudado, 0 Mestre & casado e tem filhos, viajando normalmente com a familia para os encontros internacionais, onde se encontram os grupos dos varios paises, Trabalhou em diversas areas, e hoje se dedica, entre outras coisas, a tradugios de cldssicos persas e arabes. Isto distancia o Sufismo, por exemplo, de grande parte do misticismo erist&o, onde os misticos em sua maioria pertenciam a Ordens Religiosas onde 0 celibato era obrigatério. Os membros do Grupo entendem que na vida no mundo podem levar a cabo a sua transformagiio interior e que nao precisam de nenhuma forma ser diferentes, a ndo ser interiormente como resultado da sua transformagao. De novo, por exemplo o Grupo se distancia de grupos camo o de Rajneesh —onde os membros durante um tempo tinham que usar roupas laranja; ou mestres indianos que levam seus discipulos a viver em ashram e se vestirem ou usarem 0 cabelo (raspando-o por exemplo} de formas estranhas & sociedade em que vive. Mesmo 0 Zen, com seus mosteitos, apesar de que em muitas escolas Zen, a vida no Mosteizo pode ser temporaria e 0 celibato nae 6 obrigatério. “Estar no mundo sem ser do mundo” é fundamental, portante, como tago distintivo deste grupo, 0 Didloge interno Mas, “estar no mundo sem ser do mundo” significa também néo se deix: levar pelas coisas ou situagées do mundo, E para isso é preciso “recordar-se de si mesmo”, “estar presente”, ni se deixar tomar pelo didlogo interno eo pensamento associativo. : Varios exereicios do grupo visam a pararo pensamento associativo, a parar 0 didlogo interno e deixar a mente vazia, pois 6 neste vazio que se encontra o si mesmo, O “si mesmo” aqui podendo ser entendido como a “esséneia” ou 0 “ser essencial”, como se fala no grupo, ou seja, a parte espiritual”, Sé no vazio de emogdes epensainentos é que se encontra o “si mesmo”. Veltarei a falar sobre isto no capitulo cinco, quando discutirei as moditagies ¢ as tenicas para parar o dialégo interno, ¢ © que isto significa, 22 Entendendo a pessoa como wna triade, tendo uma parte fisica, psiquica e espiritual. . 39 Para “estar presente” ¢ “recordar-se de si mesmo” ¢ preciso cortareste didlogo interno, que nos prende ao mental e ao pasado, nos distanciando do agora € do fluxo da vida. A Unidade, o Amor e Deus : A Unidade é um conceito chave no Sufismo e é entendida em varios niveis. Emalivros sobre o Sufismo, como um esoterismo do Isla, este conceite éextensamente estudado e diferenciado do panteismo”™. No Grupo procura-se compreender e perceber o que Unidade quer dizer. De novo enfatizando que a mera compreensdo intelectual do termo nao é a meta e que o importante é chegar a pereeber ¢ a viver 0 que esta “unidade” implica. ‘Uma histéria de Rumi, conhecida pelos membros do Grupo e contada uma. vez por Omar Ali-Shah em ume palestra, ilustra com uma metdfora um aspecto da Unidade. . “Alguém chegou até a porta do Amado e batew. Uma voz perguntou: "Quem é" Ele respondeu: “Sou eu.” A voz disse: “Nao ha aqui lugar para mim e ti”. A porta continuau fechada. . Depois de um ano de soliddo e privagées, 0 mesmo homem retornot @ porta do Amado. Bateu. Uma vos lé dentro perguntou: “Quem 6?” O homem: disse: “Es iu.” Ba porta se abriu para ete." (Rumi, em Shah I, 1982:208 T.) Aunidade 4, portanto, um tema para reflex4o interior, ¢ o discfpulo poder chegar a experienciar 0 que seja Unidade, como resultado do seu desenvolvimento. O grupo visa a unidade, o individuo no grupo bused a unidade. ‘Um informante disse: “Como outros conceitos do Sufismo, é se vivendo no grupo eaplicanda as técnicas, que se vai compreendendo, Primeiro se aprende 0 que ndo é Nao € par exemplo estar todos juntos 0 tempo todo, ou pensar da mesma forma, ou ter os mesmos comportamentose atitudes.E por exemplo, emum nivel, ter uma intengdo comum, ter um abjetivo comurn. Isso implica em ir além das diferencas de personalidade, fazer contato em um nivel mais sutil. Entender, por exemplo, que somos no grupo, todos buscadores, apesar de nossas diferencas. Em um nivel individual também sao varias etapas ea unidade como Um, 0 Todo, 0 Criador, ou como se queira chamar, é a mete final.” Se fala também om “amor”, entendido néo como um estado emocional, mas como um certo tipo de “energia”, capaz de gerar transformagécs fundamentais no ser humano. 23 Ver sobre isto Lings, 1981; Arberry, 1990; ef. Burckhardt em Campos, 1990, 39 40 0 “amor”, 0 “amado”, 0 “amante” sfo também usados como motaforas posticas nos escritos dos mestres sufis. “Ralando genericamente, 6 0 seereto enigma da vida hu- mana o que o poeta sufi vela sob a metdfora do amor fisico eda agonia dos amantes separados. Por esse expediente simboliza-se a alma humana exilada de sew Amante Eterno. A dor da separacio fisica é meramente um sindnimo da profunda angis- tia experimentada pelo espirito apartado de seu Criador. A copa devinho, por outro lado, ea linguagem do excesso sto metdforas gue expressam o enlevamento da alma embriagada com o amor a Deus.” (Ali-Shah, 1987:16,17) De novo, fala-se pouco sobre o amor no grupo. O amor ¢ algo para ser vivido ce experienciado, um estado a ser aleancado e ndo para ser falado, E coma voltando ao comego deste capitulo, ao perguntar sobre Deus, a resposta que obtive foi: “Deus é uma experiéncia interior, pessoal, para cada um fazer, endo um material de discussao.” Entende-se no grupo que a compreensio de cada um de Deus varia de acordo com o nivel de desenvolvimento do seu aparelho perceptivo. As pessoas do grupo acreditam, segundo dizem, na experiéncia interior que elas fazem e nao em crengas preconcebidas ou dogmas. Falar sobre este tema, dizer se se acredita ou nfo, é voltar-se para ym plano intelectual. Por isso o siléncio, quase néo se fala de Devs no grupo, nas palestras, textos ou livros, apesar de alguns exereicios, como veremos mais adiante, serem repetig6es de oragdes, nomes divinos, entendidos come técnicas para produzir um resultado, Este siléneio busca, portanto, na verdade no tornar Deus um material de discussao. "Ge Ihe perguntarem se voce ama a Deus, ndo diga nada. Porque, se disser: "Néo amo @ Deus", serd um ateu. Se por outro lado disser: “Amo a Deus”, suas agées 0 contradi- rao". (Fundayl, mestre Sufi do sécule VIIT, em Shah 1, 1977:186) Finalmente concluiremos esta parte com a frase do Mestre Sufi Ibn El-Arabi: “pois ninguém sabe de Deus nada além do que infere de si mesmo.” . CAPITULO U1 O-GRUPO SUFI 3.1 O Grupo — Duas Caracteristicas Marcantes Ao observar o grupo sufi logo de infcio ressaltam duas caracterfsticas, que servem para diferencid-lo de outros, e que sao: a. a reflexiio sobre o que 6 um gripo; b. a auséncia de prosolitismo. a. Reflexiio sobre 0 que 6 um grupo ‘Tanto no material escrito, livros, palestras; quanto nas reunides iniciais preparatérias do grupo, fala-se do que é um grupo sufi, usando-se para isso uma linguagem bastante atualizada em termos de sociologia e psicologia. Um grupo Sufi esta reunido para aprender e isto é muitas vezes repetido, pois ge esclarece que os grupos humanos podem estar movidos por interesses outros do que os que originalmente se propunham, principalmente por no se ter claro qualo. objetivo que tém. “ interessante assinalar do ponto de vista da psicologia contempordnea, como grupos de estudos — no sufismo como em qualquer outro lugar — sempre se enfrentam com um desafio: seo grupo logo se estabilizard sobre apoios reconfortantes (como certas disciplinas, exerctcios, leituras, figuras de autoridades), ou se é 0 bastante estdvel como para alcancar uma realidade que esta além dos fatores externos e sociais ‘A composigdo dogrupo é gue decidiré. Se seus membros jd tem um s6lido equiltbrio social, nao necessitaréo converter sua atmosfera de estudo em fonte de estabilidade e seguranca. Se os membros ji adquiriram satisfagtes fisicas e intelectuais, nao necessitardo extrat-las de seu grupo Sufi. Os buscadores de esiabilidade social, intelectual e emocional sdo 09 candidatos ao fracasso para 0 ensinamento sufi nas escolas genutnas. As escolas intitativas (sabendo-o ou néo) utilizam os elementos externos do Sufismo — inclusive cartas, conferéncias ¢ coisas desse tipo --e operam como grupos socio psicolégicos mascarados, Esta atividade, que é muito valiosa ainda que suficamente estéril, nao éa busea do cankecimento superior acerca do homem. Isto ndo quer dizer que os grupos automimdticos que muita gente considera Sufis, possam ser reconhecidos imediatamente por um candidate, como simples grupos sociais. Pelo contrério, ‘se aguele que aspira ao discipulado necessita seguranga, aven- tura, catarse, eguilibrio social e psicolégico, se sentiré grata e indubitavelmente atratdo por este nivel inferior de atividade, 41 42 Isto sedeve a que responde ao que ogrupo lhe oferece na pratica, endo ao que o Sufismo the pode oferecer.” (Shah-l, 1974:310, 3117) Num texto andnimo do livro “The World of the Sufi” (1978), se chega a fazer uma classificacdo de tipos de organizagao segundo seus objetivos, se explicando que a0 confundir ou mascarar 9 que uma organizagao busca, se pode prejudicar 0 seu verdadeiro objetivo. B apontando que um grupo sufi estaria dentro da organizngiio entendida como um formato ou contexto para que certos tipos de experiéncia ocorram, diferenciando, portanto, este tipo de organizagdo de outras que buscam, treinar ¢ doutrinar pessoas, e ainda outras que se centram na troca miitua de atencao. A organizagdo humana utilizada por um grupo sufi seria Aquela cujo objetivo principal 6 desenvolver pessoas ¢ possibilitar experiéneias para que um autoconhecimento se realize. “Ha trés tipos prineipais de organizagéo humana: 1 Aquelas projetadas para.a troca miitua de atengéio e que dé ao individuo um sentido de importéncia; incluindo um aspecto social, que é mais ou menos fortemente marcado e pode freqitentemente passar despercebido, sendo tomado por outra coisa. 2, Aquelas projetadas para o treinamento, encorajando pessoas a acrediter em coisas ¢ a agir de certa forma como conseqténcia, implantando e mantenco opiniées ¢ suposigdes. ‘3. Aquelas projetadas como um formato dentro do qual certas experiéncias podem acontecer, certa consciéncia pode se manifestar, certas capacidades podem ser desenvolvidas. Hé, naturalmente, todos os tipos de amdlgamas destos caracteristicas em vérias sociedades e entidades humanas, mas um esiudo de qualquer organizagdo humana mostraré nela ume inelinagdo em direcéo a ume destas principais caracterts- ticas, Entretanto pela organizacdo aparentar na superficie ser social, politica, educacional, vocacional, ¢ assim por diante, é que o plano de base, a estrutura é raramente percebida. Se alguém diz que tal e tal organizagao é para aprendizagem, as pessoas raramente imaginam que é realmente social, e assim por diante, Hé certas éxcegées, quando as pessoas perceben: que 0s estudantes do turno da noite estado frequentemente ali para encher o tempo ow fazer amigos mais do que para aprender; ou quando numa associagdo supostamente esportiva ou religiosa 0 lado social foi tao longe que passou a ser visto como integral- mente importante ou mesmo vital, para o funcionamenta: Se nos amamos, seremos mais efetivos; ou pescamos muita truta, mas a énfase aqui é fortemente na vida social. Se percebe, entretanto, que é freqitentemente posstvel com- binar dois ou mais feiores sem prejudicar particularmente o empreendimento, por exemplo, se vocé esté tentando levantar dinheiro para caridade, voeé poderd fazé-lo melhor numa atmosfera social cu entre associadss comercicis. O que se quer dizer é que, primero, ¢ vatioso saber a quantidade relative dos 43 varios ingredientes social, de busca de atengtio, ow de desenvol- vimento, para que a organizacdo possa ser compreendida; se- gundo, que certos empreendimentos se prejudicardo se os ingredienies ficarem fora de proporcao.” (Current Study Mate- rials em The World of The Sufi, 1979:271, 272 T) Poderfamos, ent&o, afirmar que o grupo ao trazer conceitos socioldgicos & psicolégicos modems sobre a dinimica de grupo, incentiva aos seus membros uma participacdio conseiente no grupo, levando-os a refletir sobre 0 que os leva a partici- par de um grupo, algo bastante moderno e atual. Algumas vezes percebi que alguas membros ainda no tinham bem claro isto enquanto outros sim, mas como um tode havia constantemente um objetivo definide quando era uma reunido de grupo e a que se destinava, e quando se estava apenas com membros do grupo numa situagéo social ou outa. No material escrito ¢ nas palestras é freaiiente lembrar e enfatizar que cada um reflita sobre seu objetivo ou intengdo (palavra mais utilizada) de estar no grupo. ‘A convivéncia fora das atividades do grupo nao necessariamente é com mem- pros do grupo, apesar que, apés anos juntos num trabalho de desenvolvimento, tendem a se desenvolver emizades pessoais entre os diversos membros. Ou como me disse um informante: “@ grupo & um meio para que as pessoas realizem um trabatho de autoconhecimento, de desenvolvimento de si, ¢nGo para satisfazer necessidades sociais (nao que elas ndo sejam vdlidas, e que passam até num certo limite ser atendidas, mas sempre se iendo claro que este nfio € 0 objetivo do grupo), ou a necossidade humana de se pertencer a um grupo, ou a necessi- dade de buscar atencdo, ou para realizar desejos de poder e criar organizagdes hierdrquicas, ou para pessoas debéis que precisam de suporte, E quando comegames a observar isto em inés mesmo, Ou seja, 0 que nos move, e passamos a corrigi-lo a partir da compreensio do objetivo correto; 0 yrupo passa a fazer ‘sentido e se pode aproveitar do fato de se estar num grupo sufi.” Esta compreenséo do que € um grupo diferencia de novo este grupo de outros. O grupo aqui é entendido como uma reunidio de pessoas cor um objetivo em comum que € 0 desenvolver-se 2 si mesmes. A convivéncia no grupo é vista come uma possibilidade de aprender nao s6 sobre 0s outros como sobre si mesmo, eé entendida como uma parte das atividades que compoem este caminho de autedesenvolvimento. b. Anuséneia de proselitisme © Quanto 20 cardter ndo-proselitista, se diz que é necessdrio que haja uma necessidade no buscador, ge cle a tem, no hd necessidade de convencé-lo, se ele nfo a tem, ndo adianta convencé-lo. Aotentar converteralguém estamos justamente mobilizando algo nele baseado na atragdo ¢ repulsa emocional e, portanto, nos situando em um nfvel anterior a0 necessétio para uma conexéo com o Sufismo, como dizem os Sufis. «., osufi deve assinalar que 0 homem ou mulher €atratdo por aljo, geralmente através de um mecanismo equivocado que 44 nele existe. Por esta raztio é possivel a conversdo, que significa aadesdoa um individuo, « uma crenca, a uma organizagao ete, mediante a utilizacéo de capacidades emocionais. Como este fator (conhecido come sindrome de conversdo) mobiliza for- temente as pessoas, elas o reconhecem. como importante e cen- tral. Virtualmente toda instituigdéo que o honem conhece, em vee de alertd-lo para isso, encoraja a crenga de que tal wnido é benéfica.” (P.S.:45) “As pessoas que, sabendo ou nao, foram doutrinadas ou condicionadas, ow ficaram obcecadas com qualquer dogma ou individuo, ndo podem tirar proveito deste ensinamento. Se voce no conhece 03 perigos do condicionamento e da conversdo emocional, terd que aprendé-los, ainda que seja lendo o abun. dante material popular ou outra Literatura sobre este tema.” 6.0.:90) “As historias de Nasrudin, a propdsito, néo podem ser lidas como um sistema de filosofia destinado a persuadir as pessoas a abandonar suas crencas ¢ abragar-lhe os preceitos. Por stia propria interpretacio, néo se pode pregar o sufismo, que ndo se assenia no solapamento dés demais sistemas e na oferta de um substitute, ow de outro mais plaustvel. Como 0 ensinamento sufi sé parcialmente se expressa em palavras, nao pode combater sistemas filosdfieos com suas proprias armas. Tentar fazé-lo equivaleria a tentar fazer o Sufismo concordar com artificialismos — 0 que seria imposstvel. Segundo ela mesma afirma, « metafisica ndo pode ser abordada dessa maneira; dat que o Sufismo se estribe no impacto composto — na disseminagdo ao acaso.” (Shah I, 1977: 118) Noymalmente os membros do grupo no falam sobre o grupo com pessoas que niio séio do grupo a néo ser que haja interesse ou perguntas. No maximo, como eles dizem, dao ou emprestam um livro quando sentem que hé um interesse de alguém, ese a partir dat a pesca se motivar, entdo podem indicar como fazer para contatar o grupo. No observamos nos'membros do grupo, movimentos ov comportamentos que visassem a converter pessoas, ndo parecem se preocupar se entram ou nde mais pessoas. Dizem freqiientemente: “quem diver que entrar, vat fazé-lo, néo temos que nos preocupar com isto.” Pela publicagao de livros, distribuides em livrarias da cidade, se aprosontam as idéias sufis, e para af o trabalho de divulgaao. Ouvi varias vezes: “Nem todo mundo tem que ser do grupo. Cada wm tem seu caminho.” Outro infermante, mais antigo no grupo disse: 45 “Atualmente até que falamos mais, as vezes dizemos que fazemos um trabatho interior, antes quase néo se falava nada,” Acontecou algumas vezes, de pessoas encontrarem amigos no grupo c alé réclamarem por eles nunca terem The falado sobre o grupo, e a resposta ouvida foi: “Nao senti que era o momento.” Junto com este tema, o Sufismo fala sobre o desejo de atengdo que tem o ser humano comum, Como disse Omar Ali-Shah uma vez, chega-se a ser “attontion- addicts” (viciados em atengéo), Busca- se atengao muitas vezes e ndo conhecimento. Este desejo de atengdo é associado a vulnerabilidade que o sor humano tem para ser doutrinado. If algo que tem seu lugar na infaincia, mas que em geral nao é muito trabaJhado e 0 adulto nao aprende a lidar com este desejo de atengao, buscando, muitas vezes, de forma doentia ¢ compulsiva chamar atengao sobre si. se apegando @ pessoas que supram de alguma forma este desejo, quando se tornaria ento bastante vulnerével e influencidvel. No grupo por exemplo, quando o Mestre realiza_sessdes de perguntas © respostas, sempre lembra que as perguntas devem ser feitas por necessidade de saber algo e no para chamar atengao sobre si. ‘TPambém se explicita que a relagao mestre-disefpulo no € un culto a persona- Tidade do mestre. Toda esta discussdo sobre aten¢do traz mais uma vez, um conceito psicolégico para o cotidiano do grapo, levando os seus membros a se cbservarem e verem como surge ¢ como se lida com este desejo de atengéo. Tornando-os, quando se observam, menos vulnerdveis a serem doutrinados ou influenciados por causa disto. Este tipo de diseussdo talvez, ndo utilizando a linguagem psicolégica, possa ser encontrada num grupo Zen ou mesmo no grupo Rajneesh, que tem um objetivo similar de auteconhecimento, mas dificilmente é encontrada em religides conven- cionais. “10. O desejo de atengo comeca nos primeiros estdgios da infaneia. B, naiuraimente, nesta fase associado com alimenta- giao e protegio. Isto nao quer dizer que este desejo ndo tenha valor de desenvolvimento posterior ou futuro. Mas pode ser adaptado além do seu uso adulto comum de simples satisfagdo. 11, Mesmo um exame superficial das comunidades huma- nas mostra que, enquanto « aleatdria tendéncia devoradora, a possessividade e outras caracteristicas indiferenciadas séo trei- nadas ou desviadas-debilitadas — muito prematuramente, o fator de atencio ndo recebeo mesmo tratamento. A consegiiéncia Equeoser humano adulto, privado de qualquer método de lidar com seu desejo de atencdo, continua a ser confundido por ele, o qual se maniém em geral num estado primitive durante toda a sua vida. 18. A incapacidade para sentir quando a atengio esta estendida, e também para encorajar ou prevenir seu apareci- mento, torna 0 homent quase unicamente vulnerdvel para ser influenciado, especialmente para ter id¢ias implantadas no seu eérebro, ¢ ser doutrinaco.” (Shah I, 1978:86, 88 T.) 46 Esta ligagao do desojo de atongao ¢ sua respective caréneia e busca de atengao, & indotrinagdo, alerta os membros do grupo da necessidade de, através da auto. observagaio e da consciéncia sobre sua necessidade e desejo de atengdo, evitar as conversdes emocionais e buscar um conhecimento alicergado em bases mais sélidas. Appessoa que entra no grupo, deve fazé-lo poi ser um buseador e, portante, por buscar 0 autoconhecimento, nao por ter se convertido a dagmas ou por uma ligagiio emocional. Nio hé qualquer tentativa de convencer as pessoas a entrarem ou mesmo a pormanecorem no grupo. : Esta auséncia de proselitismo e conversio afasta o Sufismo das religides convencionais, explicitando claramente a sua qualidade de via mistica, caminho de autoconhecimento, ou grupo de autodesenvolvimento, portanto, seu esoterismo, 3.2 O Grupo — A pesquisa, a constitui grupo Nossa pesquisa foi feita basicamente no grupo do Rio. Dos 20 entrevistados, apenas 3 néo pertenciam ao grupo do Rio (dos 3: um é-do grupo de Sao Paulo, um de Belo Horizonte (mas ja foi do grupo do Rio), eo outro mora atualmente em Londres onde participa do grupo, mas antes pertencia ao grupo do Rio também). 0 ea organizagéo externa do Estas entrevistas foram feitas em um pertodo de 3 meses, mas muito material usado também foi coletado em conversas informais. Precuramos entrevistar pessoas de diversas profissées, backgrounds diferentes, idades diferentes, para que pudés- semos ter um quadro repregentative do universo. Os grupos das outras cidades brasileiras seguem uma organizacio similar ¢ também wsanios as informagies relativas a sexo, idade e profissdo dos membros desses outros grupos brasileiros, quando fizemos os quadros estatisticos do final deste capitulo, ‘Ha grupos ligados a este do Brasil, e dirigidos por Omar Ali- Shah, em varios pafses da Europa e das Américas. No Brasil, existem atualmente grupos nas soguintes cidados: Rio, So Paulo, Belo Horizonte, Brasilia, Campinas, Porto Alegre, Curitiba, Blumenau, Florianépo- iis, Vitéria, Recife, Salvador, Fortaleza, Manaus, Cascavel, Andpolis, Cuiabé, Cam- pos, Nova Friburgo, Ribeirdo Preta, Teresépolis, Passo Fundo. Nos lugares menores tém grupos pequenos ou até mesmo 2 ou 3 pessoas, nos lugares médios os grupos variam de 15 a 25 pessoas ¢ no Ric, S40 Paulo ¢ Belo Horizonte os grupos siio maiores variando de 70 a 140 pessoas (caso do Rio, onde se localiza o maior grupo). Os grupos, portanto, ndo se restringem 2s capitais, apesar de af estarem os grupos maiores. ‘Pambém em sua mator parte, 05 membros do grupo sio profissionais liberais das mais diversas drcas, comerciantes, erapresdrios e artistas. O tipo “alternativo” équase inexistente. Muitos membros so casados com filhos, outros solteiros. Varios membros do grupo pederiam ser cneaixados na categoria de “bem sucedidos” na profissio ¢ financeiramente. AT O mimero exato de membros ndo existe j4 que sdo grupos em formagao (acredite que desde que estas estatisticas foram feitas em 1989 até hoje, 1991, 0 grupo tenha crescido em 35 a 40%). As estatisticas que usamos retratam un universo mais ou menos fixo. A maior parte do grupo ¢ classe média e com nivel universitério. Preparei estes quadros estatisiticos com dades sobre profissio, idade, sexo, escolaridade, para que se possa ter uma compreens4o também sociolégica do universo estudado e sirvam como um apoio para que se pense aonde esta inserido 0 universo deste grupo dentro da sociedade mais abrangente. Em cada lugar, ha um encarregado, que tem a fungdo de distribuir o material, organizar as reunides e atividades. Este cargo de encarregado & funcional ¢ nfo implica necessariamente em um nivel interior mais ou menos elevado, No grupo 03 cargos silo descritos como funcionais. Nao visam eriar uma hierarquia de poder. No Rio de Janeiro reside o encarregado de todo o grupo do Brasil, que distribui para os diversos grupos 0 material e instrugdes do Mestre Omar AliShah, que reside na Inglaterra. Também no Rio, hé o Instituto Cultural sem fins lucrativos do grupo, onde funciona a editora e que serve para equacionar em termos praticos problemas juridicos relativos a propriedades, como por exemploo sitio que o grupo possui para Se reunir no Rio de Janeiro, que estd no nome do Instituto. Acriagio deste Instituto também se deveu (j4 que o grupo ¢ bastante avesso a qualquer situagdo institucionalizada) a dentnncias, veiculadas pelos meios de comu- nicagéio, com o devido sensacionalismo, feitas por um éx-membro, em 1986. Estas dentincias résultaram na abortura de um inquérito, no qual nenhuma das dentincias foi provada, Depois deste fato, os membros resolveram fundar um Instituto que servisse ao grupo ¢ permitisse uma organizagao legal, que o protegesse de situagdes deste tipo. ‘Winteressante ressaltar que estas situagdes de dentincias no universo religioso passaram a ccupar um lugar de crescente destaque nos meios de comunicagio, criando um clima de suspeita e muitas vezes de preconceito com grupos religiosos em geral. Acusagées de charlatanismo, manipulacdo de poder, exploragao financeira, s¢ repetem. A palavra “seita” hoje, devido a todo tipo de conotagde negativa, parece chamar avdiéncia. Como é discutido no artigo de Leflah Landim! as “seitas” so os outros, sfio religides patoldgicas, os adeptos sendo “yitimas” ou objetos passives, Isto nao sé a nivel jornalistico, mas também em alguns estudos promovidos por orgdos ligados a instituigdes religiosas tradicionais, que basciam suas acusagbes de ilegitimidade nos objotivos econémicos, mereantis e politicos das seitas. Nestes estudos # premissa do carater dlienfgina e irracional se impie, mistu- yam-se entéo em categorias como por exemplo o “Neopaganismo”, o Budismo-Zen, o Sufismo, Jim Jones, Familia Mason, Quiromancia, Moon, I-Ching, entre outros. Fiea-se surpreendido como é possivel fazer-se tal mistural Como se vé este climia de suspoita generalizada que se eriou, em vez de ajudar a compreender 9 universo religioso, o dilue e o torna confuso. 1 "Quem séio as seitas?” Landim, 1988. « 48 José Jorge de Carvalho ao discutir o fendmeno religioso na sociedade contem- pordnea fala desta suspeita e desta “religiosidade vigiada”. “A suspeita inter-religiosa € 0 preco que se tem que pagar por esse proprio cosmopolitismo que conseguiu abolir (pelo ‘menos na maioria dos casos) a intolerancia religiosa, repressiva e silenciadora, de outros tempos.” “Assim. vivemos hoje uma espécie de clima de religiosidade vigiada, uma liberdade e uma mobilidade que pressupdem critica e divida constantes, tanto a ntvel intrinsecamente reli. gioso (..), quantoao nivel exterior, provocando mudaneas sign ficativas na visibilidade relativa dos vdrios movimentos.” (Carvalho, 1991:30, 31) ‘Varios estudos sobre esta “Diversidade Religiosa” tém tentado ostudar estes fendmenos de uma forma mais precisa e corrigir estas deturpagées. No caso aqui estudado, o Instituto criado pelo grupo é, portanto, uma organi- vagdo legal visando equacionar praticamente os seus problemas jurfdicos ¢ econé- micos, ¢ proteger o grupo desie tipo de dentincias. E a forma como este Grupo ida com o clima de suspeita instaurado no universo religioso. O Instituto é sempre entendido coms organizagao necessdria mas proviséria, ou melhor, utilitdria, existe para servir 20 grupo e ndo o grupo para servir a ela; jé que 0 grupo existe enquanto cumprir sua funpao de desenvolver pessoas; quando esta fungao cessar ou quando for necessério outro formato, poderd nao haver mais necessidade para se manter uma organizagdie, A institucionalizagdo em si e por si, néo é buscada pelo Grupo, que entende que um organismo vivo tende a morrer quando ¢ institucionalizado* ‘A sede do instituto é um escritério onde funciona apenas a editora. Nao hé locais fixos de reunidio no Rio. O grupo se subdivide no que chamam “halkas” — circulos, que normalmente ge reiinem nas casas ou locais emprestados dos préprios membros. O grupo possui também um sitio para reunir-se fins de semana, Ou como falou um informante: “O grupo por sua natureze é avessoa institucionalizagéo, mas por vivermos numa sociedade nos adequamos as suas exigéncias ent termos juridicos e econémicos. Entretanto o fato de termos um sitio ou um Instituto, isto nao nos prende, ou seja. ndocria uma obrigacgdo do grupo existir. O grupo existe enquan- to é funcional, quando nao for mais, deixard de existir. O que temos para possibilitar nossa convivéncia e trabalho, tem para nés um valor de meio, 6 um meio, um instrumento, ndo um. fim.” 3.3 O Grupo — a histéria O grupo comegou no Brasil, hd 21 anos (1970), com a vinda de um argentino, Luis Suarez, que pertencia ao grupo de Buenos Aires, para residir no Rio, Ele é ainda hoje o encarregado do grupo no Brasil. Nesta época 0 grupo estava ligedo a 2 — Aqui pode-se observar eomo ¢ Grupo vive a tenso entre “communitas” ¢ estrutura (Tamer, 1974) dentro do préprio grupo. 49 Idries Shah. Ao chegar ao Brasil, cle contactou com pessoas que j4 estavam se correspondends e trabalhando com Idries Shah e comegaram a se reunir para fazer os exerescios. Em 1975, 0 grupo foi dissolvido por Ldries Shah, e foi dito aos membros de entiio (varios ainda estdo no grupo hoje), que naquele momento era impossivel tontinuar, entretanto, poderia acontecer um novo momento de comegar outro grupo, ou nao. Nao foi dito na época quanto demoraria, caso houvesse um outro momento. De certa forma um grupo é entendido como uma metifora da propria incerteza da vida, no hé garantias de permanéncia. Ap6s um ano, alguns membros foram convidados para ir a uma reuniao na Franga, jd entéio com Omar Ali-Shah e dat recomegaram devagar a formagéo de um, nove grupo. Omar Ali-Shah jé veio quatro vezes ao Brasil se encontrar com 0 grupo. Também houve encontros internacionais, em outros paises, durante este tempo. Como se vé pela sua hist6ria, eles tém bem claro isto, os grupos so fencionais, podendo ser dissolvidos a qualquer momento pelo Mestre, desde que no estejam, cumprindo sua funedo de desenvolver pessoas de uma forma correta, ou por outros motives, tais como 0 Grupo esta se mecanizands e precisa de um impacto, ox ainda outros, que no caso, sé quem poderia explicar seria o Mestre e nem sempre ele o faz. Do grupo inicial continuam ainda no grupo 6 pessoas (era um grupo pequeno naquela época). A partir dos anos 80 € que houve um creseimento, antes $6 existia no Rio (havendo duas pessoas que moravam fora), e tinha mais estrangeiros que brasileiros. No inicio dos anos 80, 0 grupo comecott a se expandir e como contam, comegaram a entrar 0s brasileiros. Este movimento de expansdo continua até hoje. A forma de expansio nao segue um plano, j4 que néo hé prosolitismo, aconte- cendo de uma forma espontinea, ou seja; 0 grupo comera em um Jocal, quando hé algum interessado que, ou através de alguém ou dos livros, toma conhecimento do Grupo e faz contato com o Instituto no Rio, comegando entiio a reeeber os livros, material, ir as reunides, etc, 3.4 0 Grupo — Um esboco a partir de biografias Passaremos agora, a partir de biografias de membros do grupo obtidas nas entrovistas, a tragar um esbogo do que é 0 grupo, o que o grupa exige, como foi a cescolha, como as pessoas se identificam ¢ como 6 2 vida no grupo. A Identidade do Grupo ‘A questo da identidade do Grupo ou seja, como os membros do Grupo se véem e soidentificam, é bascada numa maneira de compreensdo, no desenvolvimento da percepedo, da intuigéio, num cérte tipo de conhecimento a partir de ura aprendizado, nao hd regras de comportamento exlerne eu interferéneias Uiretas no modo de atuar de cada um enquanto individuo. ‘A “normalidade” externa, o ser “normal” dentro da sociedade em que vivem, 6 muito valorizado no Grupo, servindo, portanto, come fater constitutive da sua identidade enquante Grupo. E parte desta identidade, junto com a concepgao que a verdadeira mudanca, a distingao real que 0s diferencia dos outros, 6 interna, Pica 50 portanto a critério de cada um, como fazer sua participagiio efetiva na sociedade em que estio inseridos. Entrotanto junto com a “normatidade", também estiio a “rela- tividade” das opinides (politicas ou outras) e o desapego (0 “estar no inundo sem ser do mundo”), o que Jeva a que no Grupo coexistam diferengas, aceitas com normali- dado, sendo considerado um valor negativo o “fanatismo”. Nao 6 comum haver discussées politicas no Grupo, ha conversas sobre estes temas, e geralmente se entende que sdo opiniées nao para serem discutidas, mas apenas ouvidas ¢ no melhor dos casos pode se aprender delas. “A discrigéio de comportamento ajuda nosso trabalho sobre nés mesmos, pois a mera contestagao da sociedade néo leva muito longe, se também nao hé a mudanga real de cada um, advinda de uma observagéo constante de si mesmo, de uma contestagdo de si mesmo, do confronto com o que cada um de nds tem, dentro. E também de uma compreensao dos processos que levam 0 ser humano a agir; entender, a partir de ume observagéo, como o ser humano é condicionade e como pode ultrapassar esta limitagéo. Néo quero dizer com isto que a pessoa nGo possa au néo deva ter uma participagao politica, mas no grupo isso fica a critério de cada um.” Ou como respondeu um informante, membro ativo do PT, pelo qual inclusive j4 foi candidado, 4 pergunta se a participagdo politica atrapalhava a participagdo no grupo: “Absolutamente nao. Este grupo 6, dentre os udrios que participei, 0 que menos patrulha ideologicamente, o que menos policia as pessoas. E evidentemente, um grupo no qual @ postura politica nao é relevante.” A heterogeneidade externa em termos de profissd0, modos de comportamento, opinides, é vista como necessaria, jé que o grupo se vé como um mini-mundo ("hé de tudo no grupo" —~ ouvi varias vezes). Pois s6 um “mini-mundo” possibilita a variedade de experiéncias e situagdes necessdrias para que cada um possa aprovei- tar ¢ se transformar, segunde afirmam. A unidade e identificagdo do grupo se daria em um nivel mais profundo, no partilhar de um caminho de busca interior, no partilhar da formulagao de um Mestre a um grupo num determinade lugar e tempo. Nas respostas & pergunta sobre como as pessons poderiam identificar outras pessoas como membros (quando nao as conhecessem), todos responderam que néo havia elementos externos evidentes ¢ alguns acrescentavam: “Pelas idéias, pela formade se comportar peranteo mundo, me chamaria aatencdo. Nada externo.” “Sim e nao. Elementos externos nto teria. Mas se vocé conversasse com a pessot, at pode ser que desse para reconhe- cer.” “Os elementos néo séo externos, fisicos. Mas através de uma conversa, termos de referéncia comuns poderiam servir para identificar.” - “Sim, uma qualidade, uma certa qualidade, E nao, pois externamente vendo alguém andar na rua, néo teria como saber, S6 com a convivéncia.” “Bem, a rigor nao tem uma forma de identificar pelo aspecto exterior devido a que esta atividade se encaixa inteira- mente nos hdbitos ¢ costumes vigentes e entdo fica realmente muito dificil saber se alguma pessoa esté na mesma atividade pelo seu aspecto exterior, talvez vocé a reconheca, mas ¢ mais por suas idéias, sua posigdo, seus pontos de vista, néo é por um aspecto exterior.” “Talvez a partir de um uso de alguns elementos externos (tasbi, cristal), se passa desconfiar e através da conversa, confir- mar. Também. pode acontecer que pela conversa, pereeba que alguém tem muita afinidade com o Sufismo, apesar de néo pertencer ao grupo. em que consistiria esta afinidade? Numa certa flexibilidade de valores, num respeito a individualidade da pessoa e a cultura de cada um. Basicamente seria falar a linguagem adequada, compreenstvel a cada pessoa. Uma capa- cidade de adaptacao, E um certo equiltbrio entre o que a pessoa faz e a comunidade & sua volta. E um. pouco dificil definir, é niais um feeling.” “Une verdadeiro sufi s6 pode ser reconhecido por um outro sufi, jd que este reconhecimento néo se baseia na identificagdo de sinais externos. Além disso, provavelmente a grande maioria das pessoas que esté em um grupo chamado grupo sufi sio buscadores que esto trabalhando com maior ou menor empe- nko pera que um. dia possam aleangar o estado de um Sufi (mesmo quando a Escola eo Mestre sdio verdadetramente sufis).” O grupo usa alguns elementos externos ¢ os chamam “instrumentos” como por exemple o tasbi. O tasbi é um rostirio arabe de 99 ou 33 contas, que é utilizado para a repeti¢go, Também alguns membros tém um pequeno cristal ovalado, dado pelo ‘Mestre e que usam normatmente como pingente em um cordao no pescogo, Hé alguns simbolos (vide anexos) que podem ser usados em quadros pendurados nas paredes da casa; mas nem todos os menibros tém, Entretanto, 0 tasbi, por exemplo, € também uusado na Grécia e pafses do Criente, por pessoas que nao sdo nem sufis, nem deste grupo, ¢ que o utilizam de forma diversa. Todos 0s outros simbolos podem ser ou no usados de uma forma externa aparente, e algumas pessoas podem optar por nao té-los. Nao é dada importancia a nenhum elémento externo, que sdo definides como “funcionais”, come “instrumentos”, j4 que variam, podendo ser intreduzidos ou retirados do uso conforme a indicagéo do Mestre. 0 tasbi por exemplo, s6 comegou a ser usado quando grupo j4 tinha varios anos de funcionamento, portanto, nem sempre fol utilizado, O material utilizado pelo grupo é sempre encarado como transitério e por isto os membros ndo os sentem como elementos suficientes para.a identificagao, nom os sentem como muito impor- tantes. 52 Come falei antes, a énfase em uma maneira de ser, de peresber, de compreen- der, em termos de referéncia comuns; na maneiva de enfocar a realidade, 6 que segundo 03 membros os identifieam quando ndo se conhecom anteriormente. Uma forma particular de ser e ver 0 mundo é parte da construgiio de sua identidade enquanto membros do Grupo. B parte desta identidade também a introspecgio, o ndo ter um comportamento rigid ou previsivel ou soja, é parte desta jdentidade nao fer uma identidade externa ou melhor, uma identidade externa Yinica pela qual possam ser identificados. Esta 6a forma, portanto, como 0 Grupo se auto-identifica, e que est cocrente com sua prépria légica interna — onde o exterior nao 6 valorizado e toda énfase esta no trabalho interior de cada um, onde as formulagées sao entendidas como tran- sitérias, ¢ 0 contexto ou seja, o préprio Grupo, é visto como incerto e nfio-permanente. A forma como o Grupo é visto pelos de “fora” também 6 influenciada por esta sdentidade, ou seja os de “fora” consideram o grupo “fechado”, “dificil de chogar*, mas em geral, nfo se sentem ameagados, jé que o Grupo se relaciona normalmente com eles. H um Grupo que mantém umi “low profile", sendo avesso a situacées ecuménicas ou de congracamento, nao por néo entender ou aceitar estas situacées, mas por fazer parte de sua identidade nao ter uma identidade externa fixa enquanto Grupo endo reforcar nada que se refira a isto. O Grupo é um meio, ea preocupagao nio 6 com 0 “meio”, mas com os fins, ou seja com a meta de autodesenvolvimento de cada sujeito, Por exemplo se autodenominar “sufi” é considerado uma extrema pretensio, ja quo“sufi” éaquele que atingiu a realizagdo no caminho e além disso um verdadeiro ‘sufi nunca diria que é sufi! $6 um ndo-sufi diria tal coisa, A pergunta: “Vocé é um Sufi?”; a resposta mais provdvel seria: “Néo, eu fago parte de um Grupo de estudos sufi", ou “Néo, eu sou um buseador”. Existe o termo “dervixe” entendido como aquele que esta no caminho, e as vezes, dentro do Grupo, as pessoas se autodenominam assim. Entretanto o mais comum é que digam que participam de um Grupo. Anivel externo, nfo enquanto “membros” mas enquanto Grupo, o elemento de diferenciagao de outros grupos até mesmo sufis, é 0 Mestre a que este Grupo est ligado e com 0 qual trabalha, jd que os rituais eobjetos externos s40 encarados como passageiros ¢ sujeitos a mudanga . Este Mestre est por sua vez ligado a uma ordem que o diferencia de outros. (Por exemplo, no Rio, existe outre grupo, que também se aixtodenomina sufi, ligado ao Mestre indiano, da Ordem Chishti, Inayat Khan (que jd morreu), entretanto nao ha nenhum contato entre os dois grupos, ea maior parte dos membros do grupo sufi aqui estudado, desconhecem a sua existéncia.) Este Grupo esti ligado como ja disse ao Mestre Omar Ali- Shah, da Ordem Nagshbandi. A Ordem ov Escola no Sufismo ¢ entendida coro um “Caminko” ov ‘uma corporagdo ou confraria organizada com o objetivo de ordenar e por a disposicao de candidatos, técnicas especiais aperfeigoadas pelo fundador. Eruditos ocidentais, denominaram estas esoolas “Ordens” por uma suposta similaridade com as erdens religiosas cristas da Idade Média. As diferengas entretanto sao varias, como por exemplo nao sdo constituidas de premissas ou hierarquias fixas, ndo supdem o celibato e na verdade nao tém um 53 programa fixo, servindo mais como um marco, dentro do qual um Mestre individual desenvolve 0 seu trabalho. “Aordem, para o Sufi, nao é uma entidade que se perpetua @ si mesma, com hierarguia e premissas fixas, e que forma um ‘sistema de adestramento do devoto. Por ser evolutiva a natureza do Sufismo éimposstvel, por definigdo, que uma corporacéo sufi assuma qualquer forma permanente iGo rfgida quanto essa. Em. certos lugares, ¢ sob a diregdo de mestres individuais, as escolas aparecem e levam a cabo uma atividade destinada a fomentar a necessidade humana de aperfeigoamento do individuo.” (Shah I, 19773312) “A Ordem Sufi, portante, representa o grupo de pessoas especializadas na aceitagio, no uso e na transmissdo do sufis- mo. Nao possui forma tradicional, e sua aparéncia exterior dependeré das condigées locais e das necessidades do traba- tho”, (Shah I, 1977:317) Entre as varias escolas conhecidas temos a Mevlevi (de Rumi), a Chishti, Qadiri, Suhrawardi, os Rifai, os Qalandari, os Bektash, a Nagshbandi. A Ordem Nagshbandi se originou na Asia Central e Khaja Bahaudin Nagsh- band (morto em 1389) é um dos Mestres maisimportantes desta escola a qual passou a ter esse nome apés sua época. Nagshbandi quer dizer “Os desenhadores" ou “Mestres do Desenho”. A Ordem Nagshbandi é também conhecida como a ‘Ordem Mae”. No préprio Grupo, as pessoas normalmente tém poucas informagbes sobro as ordens, a ndo ser as disponiveis nos livros’, , © por isso n&o nos estenderemos sobre este assunto. A identidade externa do Grupo om relagdo a outros grupos sufis ou nflo, é dada pelo Mestre a que estado ligados, Este seria um dos inicos elementos externos de diferenciagao do Grupo. Ja que como dissemos, 0 que constitui a identidade do Grupo, ou seja como os membros se véem e-através do que se identificam, se baseia primordialmente ea ndo ter uma identidade externa fixa e sim uma identidade interior dada por sua visio de mundo, A Escolha deste Grupo Quanto a pergunta scbre o que os levou a escolher este grupo, segundo os ontrevistados, a escolha se deu pelo grupo oferecer uma possibilidade de aprendi- zado, de autoconhecimento, de-uma busca de sentido para a existéncia, Nenhum dos entrevistados seguia uma religiao tradicional a0 entrar no grupo, alguns eram ateus, ovtros acreditavam em Deus mas nao estavam ligados a religido. Apesar da maioria ter vindo de familias catélicas, houve alguns casos de pais ateus, uma cntrevistada ora judia, outra turea mas ndo seguia o islamismo, outtos dois eram de familias protestantes ¢ quatro haviam freqentado Espiritismo ¢ Umbanda. 3 Ver sobre as Ordens Sliah J, 1874 « Kiclee, 1986. 54 ‘Varios conheciam outros grupos esotéricos por leitura ou por ter ido observar, mas apenas dois haviam freqiientado e portoncido a outros grupos de autodesenvol- vimento. N&o encontramos nos entrevistados a caracteristica da vivéncia da adesio religiosa proviséria, ou seja a relagdo “no plural” com a religiosidade. A maior parte dos membros busca um envolvimento duradouro, explicando que ha a necessidado de um envolvimento exclusivo e duradouro para que se possa realizar a exporiéncia de aprendizado queo grupo propée. Entretanto néo observei a presenga de fanatisno ou sectarismo, havendo sempre um espirito de tolerdncia e respeito com os outros grupos —~ “cada um tem o seu caminho”, Ouvi referéncias no grupo & moda de se fazer uma “salada esotérica” como algo a ser evitado. O Sufismo, segundo Omar Ali- Shah, nao é um “menu” onde se escalhe as coisas que se gosta e se rejeita outras. Como um méiodo, ele tem que ser seguido em sua totalidade para que produza seus beneficios. Segundo me comenton um informante: “A verdade é uma 86. Hé vérios caminhos, mas ao se escolher um.caminho eum método, é necessdrio experimentd-lo em toda sua inteireza para que surte resultados.” ‘A maior parte ressaltou que a escolha se deu porque o grupo se diferenciava dos outros, a0 ser mais dindmico, pouco ritualista, e nZo estar ligado a hierarquias formais, ndo ter dogmas, por ter um cardter de autoconhecimento, por possibilitar uma compreensao maior da existéncia e ser atual, moderno. “0 coma (soube do grupo) foi através de amigos, que falaram da. existéncia do grupo, E a escolha se dew, pois senti na. interagdo com as pessoas uma oportunidade real de apren- dizado, uma coisa viva. Parte deste como, foi também pelas leituras, e elas também me ajudaranta descobrir o lado vivo de que falei, ¢ viunt aprendizade real, dispontvel para este tempo. Os outros grupos eram sempre muito dogmdticos, faltava um elernento dinamizador. Neste grupo vi um trabalho real, um trabalho que esté acontecendo agora.” “Ru naaescolhi, no sentido em que no houve este ou aquele grupo. Foi mois uma questao de intuigho, uma certeza — palauras de dificil definigaa. Foi um grupo que apresentou um caminhocoerente, firme, sdlido, semcultosexternos, sem figuras de autoridade, sem balangandés ¢ estas histérias todas.” “Bu era uma pessoa cujos valores eram s6 os intelectuais, eu procurava as respostas através do intelecto. Nunca, sob hipdtese nenluma eu procuraria caminko mistico nenhum. ‘Nunca fui a cartomante, fiz mapa asiral ow li Rajneeseh. Nada que fugisse a ciéncia e a filosofia ocidental, Nada que fosse alternativo. Apesar de fazer 20 anos de andlise de diva, orto- doxa, 4 vezes por semana, n&o conseguia chegar as respostas que buseava, Entéio fie uma terapia (que dentro do meu racio- ctnio, poderia até ser considerada alternativa) e Id através da 4 Ver sobre isto Soares, 1989. a & leitura de alguns livros indicados pelo terapeuta, encontrei este caminko, Eu me vi espelhada nos livros. E escolhi, portanto, 0 grupo por afinidade. Mestres de centenas de anos atras, diziain 0 que estava dentro de mim, nada me era estranho. Foi legal, porgue ai a logica.e a razéo néo tinkam serventia para nada, descabri que tinha outra coisa dentro do ser humano." “Uma das coisas que me levaram a escother este grupo foi que o estudo evolutivo que ele prometia se foi cumprindo com. uma atmosfera sem regras fixas ou seja de acordo com o cresci- mento orgdnico e isso me fez apegar cada vez mais a este tipo de trabalho por néo ser repetitivo, por ter uma chance real de evolugdo. Meu cantato com este grupo foi na Argentina, quando essas idéias comecaram a ser difundidas hd uns 24 anos atrés e ex fiz relagdo com 0 grupo devido a que ja estava buscando naquela época, Giguma atividade interior e de aperfeigoamen- ton “Bom, do contato que eu tive com alguma literatura de outros grupos, de outras filosofias, de outros caminhos; 0 Sufis- ‘mo para mim mepareceuo mais integrado,o mais harmonizado com o tipo de vida gize voet leva no teripo atial e no Ocidente. Inclusive a énfase na literatura sufi sobre a importancia desse aspecto é que me levou a escather esse eaminho.” 0 fato do grupo ser compattvel com o modo de viver e de pensar a vida das pessoas que o escolheram, foi, muitas vezes, o motivo desta escolha. Todas tinham uma “busca” de desenvolvimento ¢ encontraram no grupo, um eaminho para proce- dor esta busca, sem ter que fazer mudangas externas no seu estilo de vida. Ou como disse um membro: “O grupo me incentive a estar no mundo de uma forma prética. Inclusive me mostrando que as atividades ditas mun- danas sao um meio para eu me desenvolver eamadurecer como pessod.” Esta compatibilidade do Grupo vom a vida pratica é muito enfatizada. E este aspecto oferece win cardter modernoa este Grupo. Ha um relato no livro “Os Mestres de Gurdjieff (M.G.), onde 0 autor, Leffort, descreve o seu encontro com um Mestre, que é bem ilustrativo deste tépico: “Esta pronto para deixar 0 mundo, como o conhece retinar-se para as montanhas vivéndo com wma dieta frugal? Anui com a cabega. — Esté vendo — sacudiu a eabeca, desanimade — ainda acredita que para se achar conhecimento tem de procurar uma vida solitéria, longe das coisus tmpuras. Esta é uma atitude primitiva, satisfatoria somente para os selvagens. ‘Nao percebe que um caminho sofisticado de evolueto aconpanka os requi- sitos dos dias de hoje? Pode compreender a inutilidade de abandonar 0 mundo para seu desenvolvimento egotsta?” 4.G.:89) 56 © Sufismo alirma que néo é necessfvio sair de séu cotidiano, ir para as montanhas, para se realizar a busen interior de desenvolvimento. ‘Todos os clemen- tos da vida cotidiana servem para que se realize esta busca interior, é através deles e pela superagdo da identificagao com eles que se pode ir além deles ou seja “estar no mundo sem ser do mundo.” Ou como diz um dito sufi: “Quando um anacoreta vai a uma taverna, a taverna se torna sua cela, equando um frequentador de tavernas vaia uma cela, aquela cela se torna sua taverna.”(Ali-Shah, 1971) O Mestre do Grupo, Omar Ali-Shah, é um homem do seu tempo e, como diz, utiliza a tecnologia moderna disponivel, fax, telefone, ete. Neste referencial de escolha (ou seja, compatibilidade com a vida Ocidental) de novo este Grupo se distancia do carter de estilo de vida “alternativo” que esta ligado a “nova consciéncia religiosa”. Qu como me disse um membro: “Para mim, a légica que esid por inds disto éa seguinte, ao optar por um estilo de vida alternativo, a minha referencia éo estilo vigente, ao qual de alguma forma permanego ligado; ao viver o estilo de vida vigente e nao me identificar (ow apegar) ele, posso iralént dele ede qualquer outro, chegando desta forma aumestilodevida novo, a partirde uma transformagéo interior real.” Segundo os entrevistados, portanto, a escola se deu porque o Grupo oferecia o que buscavam de uma forma adequada. Ou seja, de um lado um cardter dindmico, evolutive do Grape e sua compatibilidade com 0 estilo de vida Ocidental e do outro, uma possibilidade de autoconhecimento, aprendizado e um sentido para a existén- cia. O que esto buscando ‘Ao serem perguntados sobre 0 que estavam buscando, a maior parte dos entrevistados relacionava a busca com 0 autoconhecimento, desenvolvimento de si, estabilizagao da consciéncia, sabedoria, perfeigdo, um sentido, Deus. Viam também ocbjetivo da busca como algo que mudava pelo proprio trabalho no grupo. Na medida em que a pessoa participava do grupo, o horizonte se ampliava e a busca era redefinida. Quanto mais a pessoa vai se conhecendo mais fica sabendo 0 que esta buscando 6 0 que atrapalha esta busea, ou seja, a prépria busca quando esté se realizando é mutante e evolutiva, “Estou buscando encontrar em mim, descabrirem mim, a possibilidade que tenho enquanto ser humano de desenvolvi- ‘mento, Estou buscando preencher ume sensagéo, gue no prin- cfpio era muito vaga e que com o passar do tempo no grupo, vai se tornands cada vez mais clara de que o ser humano vive num nivel"x", que pode ser elevado, que pode ser methorado, que pode ser aprofundado. Fle pode encontrar elementos nele mesmo que ele nunca sonhou que cle pudesse ter, pudesse conter, mas que estado ali latentes e que devem ser descobertos." “Conhecimento maior de mim como ser humano, minha esséncia, Quando a gente descobre a gente mesmo, descobre o que veio fazer no mundo, se localica. A Tradigéo com suas técnicas, exercteios me dd espacos cada vez maiores de autoc nhecimento, também a convivéncia em grupo me da a capaci- dade de estar e os exercicios me dao canais de aberiura, conseiéncia.” : “Teve uma época que ew achava que estava buscando Deus, depois achei que era minha esséncia, agora acho que estou buscando saber 0 que estou buscando, aprender a aprender, aprender a saber 0 esforgo correto.” A busca de sentido ou soja, a crenga de que um sentido existe e pode ser encontrado, é uma base da construgdo da visdio de mundo deste Grupo. A base desta construgdo é que esta colocagao, ou seja, “se existe ou no um sentido”, esta fora de lugar e de tempo, para um sujeito ndo-desenvolvido. O que se impée como fundamental e bdsico nesta construgdo de mundo é 0 autoconhecimento (com a dovida transformacéo) e o desenvolvimento da percepgao latente no sujeito, s6 entao serd possivel chegar a fazer esta pergunta, se ainda for necesséria, ¢ obter, quem sabe uma resposta adequada. Esta forma de ver esta questio, leva a que os membros entendam 0 Mestre como um especialista, um técnico, alguém que pode Ihes fornecer instrumentos ¢ técnica, portanto, os meios para que por si mesmos chepuem as respostas e ndo como um sébio que poderé respondé-las ¢, portanto, resolvé-las por eles. Poder-se-ia até entender que 0 sentido esta em buscar-se a si mesmo, e nesta busca a prépria questio do sentido € postergada ¢ a busca de si mesmo passa a ser, pelo menos temporariamente, o préprio sentido, Ha um poema do Rumi, onde ele descreve o que seria um homem de Deus. Este poema € recitado no Grupo ¢ alguns membros o sabem de cor. O homem de Deus é descrito como alguém turbado e-perplexo®. O sentido nao é entendido como uma ordenagao légica onde tudo se encaixa, o buscador que parte atrés de si mesmo, pode-se defrontar com algo que o deixe perplexo e turbado. O sentido, se é que existe, nao pode ser dado por alguém a outro alguém, mas unicamente poderé ser conquis- tado pelo buscador, através da sua prépria transformacao. O Grupo resclve o problema do sentido da vida, néo pela Iégica, mas enfatizando um tipo especial de percepeao. O que o Grupo significa Os membros veém o grupo como um caminho de desenvolvimento, uma possi- bilidade de efetivar sua busea, uma situagao de aprendizado. Ou como disseram: “um canjunto de pessoas que tem em comum uma busca,’ “Um conjunto de pessoas que movidas por uma necessi- dade de crescimenio interior, buscam a ajuda de uma Escola e 5 Vero pocme completo em anexos.

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