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~{ PLANEJAMENTO | URBANO E ) IDEOLOGIA VERA REZENDE Colegio RETRATOS BO BRASIL Volume 159 Radip aL-0674 Resende, Vera Plancjamenta ucbano ologia : quatro planos para a cidade do Rio de Janeiro ! Vera Rezende. — Rio de Janeiro : Civilinacso Brasileiza, 1982, (Colesto Retratns da Brasil ; ¥. 159) Bibliogeafia 1. Flanejamento ucbano 2, Rio de Janeito (Cidade) — Ur banizagdo 1, Titulo JL. Titulo: Quatto planes para a cidade do Rio de Janeiro UI. $écic CDD — 7110981547 CU — T1itets.40) Vera Rezende PLANEJAMENTO URBANO E IDEOLOGIA Quatro Planos para a Cidade do Rio de Janeiro eivilizacéo brasileira INTRODUCAO Na primeira década do século XX, as problemas de crescimento da cidade do Rio de Janeiro passam a ser motivo de ateng’o do poder publico. Inicialmente, as agdes sc orientam somente para 2 4rea cen- wal da cidade, nao chegando a constituit um plano ditctor, nem se inserindo dentro de um processo de planejamento, como é o caso das obras na administragao de Pereira Passos. Em 1930, € concluido o primeiro plano director para a cidade, de autoria do arquiteto francés A. H. Donat Agache. Nele, a cidade, entio Distrito Federal, capital da Repdblica, € abordada de forma global, embora as atencdes maiores ainda fiquem com a firea central da cidade. Volta-sc especialmente para aspectos ligados a estética € saneamento, buscando ser um plano de remodelacdo ¢ embeleza- mento, © segundo plano diretor para a cidade, agora Estado da Gua- nabara, € entregue cm 1965, de autoria do eseritério grego Doxiadis Associates. Prope-se a ser um plano de desenvolvimento, enfocando todos os problemas da cidade, fazendo uso da tearia Equistica desen- volvida por C. A. Doxiadis ¢ de técnicas sofisticadas para projegtes ¢ andlise de transportes. Na sua abordagem da cidade, ja considera o seu entorne, a frea metropolitana. Em 1977, € concluido outro plano para o Rio de Janeiro, agora municipio, capital do Estado do Rio de Janeiro, O Plano Urbanistico Basico do Rio (Pub Rio), assim chamada, ¢laborado por técnicos da Prefeitura, tenciona transformar-se num documento orientador de agdes dentro do Municipio de Rio de Janeiro, parte integrante da Regigo Metropolitana, A evolucio institucional da cidade, de estado para municipio, reflete-se, na abordagem dos divctsos temas con- siderados na plano No mesmo ano de 1977, a Companhia do Metropolitano do Rio de Janeiro produz um plane orientado para a implantaco do sistema 15 Mmettoviiria ¢ sua integrago com os demais sistemas de transportes. Esse documento, Plana Integrada de Transportes (Pit Metra), em: bora orientado setorialmente, aborda a cidade do Rio de Janeiro e a area denominada Grande Rio, considerando-a dentro da Regido Metropolitana. Esses quatro planos constituem o objeto de estudo que selecio- amos. © fator comum que os une é a cidade do Rio de Janeiro, para a qual todos orientaram suas proposicdes, ainda que o altimo deles configure um plano setorial, visando a area de transportes. Na primeira parte do trabalho, estudamos cada plano, sob 0 ponto de vista da ideologia, ou seja, através de seus vineulos com aquilo que lhe dew origem, como representante de uma ideologia determinada, Isso é efetuado a partir da consideracio, a cada €paca, do cenaria brasileivo segundo os principais aspectos paliticas, sociais eecond- Mmicos; da consideragio da situacio da cidade e pelo estabelecimento de identificagées ideolagicas entre a administragio piiblica, respon- sivel pela gestdo do plana, com a classe no poder. Finalmente, cada plano € considerada como proposicao de um modelo de cidade, suas Jigagdes com teorias de planejamento e¢ seus objetivos Na segunda parte do nosso trabalho, a preacupardo principal se concentra nos planos, objetivando uma abordagem interna, Nessa parte, este trabalho nao esta centtalizado na questio da ideologia, embora ela nao deva ser omitida. Estudamos a evolucao de alguns aspectos, ao longo de cada plano, © primeiro se refere A metodologia de trabalho adotada. O segundo constitui os produtos finais apresentados, Para tanto, selecionamos quatro producos que possibilitassem nao sa a comparaciio entre os diversos planos, a execugao do Pit Metré, como também a abservacio quanto a evolucdo no tratamento dado a cada tema ao longo do tem- po. Esscs produtos finais escolhidos so a estrucura urbana proposta, as proposigdes relativas 4 habitacao ¢ favela, ao seneamenta basico ¢ ao sistema viario, © tereeiro aspecto se referc 4 implementacao de cada um dos quatro planos em estuda, objctivando esclarecer co- mo cada um deles considerou a implantacio de suas proposigées, vi- sando garantir sua execugao furura. © esturlo desses quatro planos, levando-se em conta as questées mendonadas, constitui a tarefa que nos propomos realizar, 16 PARTE I QUADRO TEORICO 1, INTRODUCAO A QUESTAO DA IDEOLOGIA O espaco tem sida, ao longo do compo, destinado a cumprir fun- Ges especificas que variam segundo as necessidades das argani- zagdes sociais em cada época. Dentro dessa perspectiva, a cidade é a resulrance, inacabada ¢ em transformacdo, de intervengdes reguladas por diferentes sistemas de valores sociais ¢ econdmicos. Cada sistema. determinado que caracteriza um modo de produgio definido é res- ponsével pelo ordenamento, apropriaciio, ou seja, pela produgao do espaco urbana em sua época. No mado de producio capitalista, que ¢ para onde orientamos o nosso estudo, a cidade surge como local de reprodugio dos meios de producfo , local de reproducio da forca de trabalho ¢, também, fator de acumulacdo de capital, Para tanto, deve cumprir as tarefas necessd- rias. Para a reproducio dos meios de producao, tormam-se neces- sdrios os espacos destinados as atividades industriais ¢ seus desda- bramentos. Coma local de reproducio da forca de trabalho, a cidade éasede da habitacao, do ato de morar ¢ viver. Como fator de acumulacao do capital, o solo urbana gera ceneda fundidria, fun- damento da indtistria de construcgao civil. Castells coloca que ‘‘considerar a cidade como a projegio da so- ciedade no espaco €, a0 mesmo tempo, um ponto de partida indis- pensivel e uma afirmacao demasiado elementar’’', Para cle, 9 ¢s- paco, longe de se organizar aleatoriamente, j& se encontra estru- turado ¢ os processos sociais referemtcs a essa csttutura sio deter- 1 Castells, Manuel. La gestion urbana, 2. ed, México, Sighe Vein no, 1976, p. 14i. 19 minados por periodes diversos de diferentes organizacdes sociais. Dessa forma, 0 espaco nao esta desligado da estrutura social, que determina aos agentes sociais uma apropriacao diferencial do produto de seu trabalho €, como conseqiiéncia, determina diferentes pos- sibilidades de consuma A producao do espaca urbano, embora apresente uma aparente desordem, se d& dentro de uma otdem coerente com o modo de produgao dominante. Ao espaca sao adicionados infta-estrutura, sis- tema vidtio, equipamencos, que, juntamente com a existéncia ou fal- ta de amenidades, compiem o valor da terra. A ocupacdo do espace urbano € regulada par esse valor, principal elemento mediador de sua aptopriagae. A cidade corna-se, assim, um potencial de consuma cxatamente como qualquer outto produto; consumo que se realiza segunda as possibilidades de renda de seus habitantes. A cidade tor- na-s¢ mercadoria. O sistema de producao formal, rejeitanda paite dos trabalhadores, faz com que recorram 2 uma cconomia baseada no subemprego 2. Dai tesulta uma populagio excluida da metcado de consumo pela in- suficiéncia de sua renda. A incapacidade de consumir catacterizaré, entéa, a ocupacao das areas periféricas da cidade, onde o yalor do solo urbana € baixo ¢ onde nao séo sarisfatérios og servigos de infta-es- trutura e acesstbilidade a centros de empregac servicos. Torna-se relevante, portanto, atentarmos pata o fato de como se faz a cidade, como se produz 0 espago ¢, por conseqiiéneia, como as classes de baixa renda sc localizam messe espaco, No caso das cidades brasileiras, os servigos urbanos se irradiam do centro & periferia, tor- nando-se cada ver mais escassos 4 medida que a distancia do centro gumenta. O resultada € um gtadiente de valores do solo urbano, que acinge o maximo no centro principal ¢ vai diminuindo até atingirc um minimo nos limites da cidade}, Nesse contexta, a favela surge como a determinacdo de uma par- cela da populacdo cm se instalarem locais onde existe acessibilidade a centtos de emprego ¢ equipamentos urbanos, atcas de alto valor da terra €, portanto, impréprias para essa populagio de baixa renda da cidade sob o aspecto do consumo legalizado4. 2 Como coloca Milwon Santos: '',,. quem permanecet {ola do mescado do emprega permanente, nfo est perdido parz a economia coma um todo. Astin, a economia bana deve ser estudada come um sistema Gnica, mas composto de dois subsis- temas. Nos chamamos esses dois subsistemas de circuits superior ¢ citcuito inke- Sancos, Milton. A pobrens urbana, Sto Paulo, Hucitec, p. 36. Singer, Paul, Ouse do sole usbane na economia capicalista, In Prodlgao capatatista ai carse da cidade no Brass! indusinol, $a Paula, Alfa Omega, 1979, p, 29. Sobre o assunto R. Mayer coloca: "'Morar aa Imente uma a lade em ab- sorver og ttabalhadores ¢ a deverminagdo destes cm se instalac'", Meyer, Regina. Segecgagdo espacial. In; A iuse pelo espapo, 2. ed., Perrépolis, Vozes, 1979, p, 154 20 Surge, ent&o, o planejamento, cuja tarefa essencial deve ser a apropriacio equilibrada do espaco urbano, organizando o desenyol- vimento € 2 reprodugdo desse espago, ou seja, tentando resolver o problema do consumo coletivo. $40 elabarados planos, politicas ex- plicitas, cujo objetivo é resolver a crise urbana que se aptesenta. Mas o que significa essa crise urbana? Sua principal caracteristica esta aa excessiva oferta de forga de trabalho frente a uma incapacidade do mercado em absorver mfo-de-obra, cujas conseqiiéncias so 0 de- semprego ¢ a queda do valor do salario, Milton Santos alerta para o perigo do problema ser abordado par- cialmente, onde a crise urbana é colacada come resultado da explosda demogrifica que provoca as migracées, contribuindo para o agra- vamento da crise. A falta de emptego, dentro dessa visdo de pro- blema, seria a conseqiténcia da pressio demografica. Para o autor, nao parece satisfat6ria uma abordagem que nao leve, também, em consideracao os efeitos da modernizagio. Pois ai se coloca o pro- blema, quando por conseqtiéncia dessa modernizacto & liberada mao-de-obra 5, No entanta, na dnsia de resolver a cidade, o pader pablica, a quem cabe a gestdo do consumo coletivo, opta por ordenar a cidade, dis- Ciplinanda o aparente caos, pois a nivel de espaco a crise urbana aparece como um crescimento ndo-planejado, Nesse sentido, sto elaborados os planos de urbanismo, cujo objetivo € organizar a ¢s- pago urbano ¢ também minimizar os conflitos. Porém, nem mesmo isso é ficil de ser executado, pois qualquer in- tervengao do pader piiblico sobre o espaco, como, por exemplo, na alocacio da infra-estrucura em uma area carente, clevara o valor da terra naquele local, expulsando a populacao que af vivia, que sera substitulda por outra de mais alta renda, A populacio deslocada capitalizara na troca o valor acrescido, mas néo usufruirt da melhoria. E nem sempre as tentativas do poder pablico se preacupam em minimizar os conflitos. Algumas vezes, os planos agem enfatizando as desigualdades saciais, alocando equipamentos e infra-estrutura em teas ja ocupadas por uma populagio de alta renda, aumentando ainda mais o valor da terra no Jocal®, § Santos, Mikoa. Op. cit. py $3 6 Vetter e Reezinsky calocum que: ''a cesuleante da concentraglo espacial dos grupos de cenda mais alta, gora uma expécie de causagdo cirewlar no sistema wrbana, no somente pels sua maior demanda efetiva pelos servivas, como também porque esses grupas possuem narmalmente maios poder politico para influenciar as decisoes de investimentos governamentais ern seu favar, Come consequéncla, darsedia a sublda de valor de solo urbano exatamente nesses locais i privilegiados’”, Vetter, David Michael e Recainski, Hentique Costa, Politica de uso do solo: para quem, Revista de Adminisirazao Municipal, Ris deJancico, ow..tdez. p. 17, 1979 21 | BR ame eR ti a Ria ea Além disso, tem sido habito da maior parte dos planejadores levantar ¢ tenrar resolver problemas que transcendem a questéo propriamente urbana. A pobreza urbana e as migragdes, por exem- plo, transeendem em muito a competéncia de qualquer plano local, A esse respeito, H. Ganz coloca que a faléncia dos planos diretores se deve 4 crenca dos planejadores nas solucdes propostas pelos planos ¢ no determinismo fisico, constante em todos eles, Esse deterrninisma se traduz no crédito que, dao ds solucdes meramente fisicas para resol- ver problemas urbanos?, Mas seria s6 isso? Esse ponto de vista ndo supée um desconhecimento por parte dos planejadotes de conceitos relativos ao sistema social ¢ econémico? Fato que Jo nos parece ver- dadeiro. No aparente desconhecimento da realidade, torna-se possivel decectar um fator idealégico necessdrio & manurencao do praprio sis- tema, que n&o se permitiria produzir planos que se voltassem contra ele, induzinda 4 sua desagregagao. Nesse aspecto, o planejador sur ge, entio, como necessirio ¢ indispensivel 4 manutencdo da ordem socjal. Cabe, entao, perguntar: ‘'Quem planeja os planejadores''4? justamente através do escudo desse faror ideolégico e mais am- plamente da questio da ideologia, que tentaremos chegar a um es- clarecimento do grav de campromisso de planos elaborados com o sistema social, cconémico ¢ politico vigente. 2, A GESTAO DO URBANO E O MODO DE PRODUCAO CAPITALISTA Estudar trés crapas distintas do processo de planejamento ucbano, as décadas de 20, 60 e 70, dentro da realidade brasileira, abordando o contetide ideolégico de cada plano produzido cm cada uma delas, exige um referencial tedrico que deve ser baseado na economia, na sociologia ¢ na filosofia, A discussae de midltiplas teatias desenvolvidas por varios autores nos parece aqui deslocada do objetivo do trabalho. Adotaremos uma linha tedrica que parece a mais conveniente, nfo sé pela concordancia entre os autores selecionadas, como pela especificidade do objeto de estudo, que'sao planos reais produzidos em épocas diversas quanto aos aspectos politico e ideolégico, A conceiruacao do planejamento urbano empreendido pelas administragées pablicas como 0 processo ) Ganz, Herbert, People ad pans, Basic Books, 7 ed... New York, 1988, p, 60. 8 Batbata Freitag coloca ainda varias questdes dentro da aspecto ideoldgico. “Quem plancia os planejadores?”' "Quem educa os educadores?” Freitag, Bacbarz. Byeols, estado e sociedade, 3ed., Comez ¢ Moraes, S40 Panlo, 1979, p. 13 22 de gestao especialmente do consumo dentro das cicades torna-se o ponto de pada A maneira como se realiza esta gestdo, a acho do setor publica com vistas 4 organizacfo, serve como origem para o melhor entendimento de seus produtos, os planos de urbanismo. A definigao de gestdo € estabelecida por M. Castells®, a partir da necessidade de determinar conceites que expliquem a relagio entre diferentes situagdes cstruturais existentes nos problemas urbanos. O autor introduz o conceito de sistema urbano, que se refere a arti- culagdo entre os elementos fundamentais do sistema econdmica: — produgao, conjunto de atividades de produgdo de bens, servigos. Ex.: indGstrias, escritrios : — consumo, conjunto de atividades relativas & apropriacko social, individual € coletiva do produto. Ex.: habitagao, equipamentos coletivos. — tatercim bio, entce producia e consumo. Ex.: circulacdo, camér- cio. — gestdo, regulacko das relagdes entre pradugao, cansumo ¢ inter- cambio. Ex.: planos de urbanismo, organismos de planejamento urbano, instituigdes municipais, etc. Estes elementos do sistema urbano sao, na verdade, intervengdes de agentes saciais sobre elementos materiais, As combinagées entre eles dependerao das leis estruturais da sociedade em que 0 espaco ur- bano esta incluido, Esse espago urbano ou unidade espacial, coma o define Castells, sera transformado pelas relagdes entre os diferentes elementos: produgdo, consumo, intercimbio e gestéo. No entanto, € sobre a gestao do sistema urbano que concentraremos nossa atencdo. Podemos perceber, claramente, que o planejamento urbane € uma intervengdo do elemento gestio sobre qualquer dos outros elemen- tos, inclusive cle propria, au sobre suas respectivas relacdes. Algumas vezes a intervencio tem por objetivo equilibrar um desajustamento na producdo, autras vezes no consumo. No entanto, essas interven: gOes esto circunscritas aos limites do modo da produgao, pois, caso contrario, no sc trata de regulacto do sistema, mas de seu oposta, de um desregramento!®. Essa intervencao, pottanto, s4 pode acontecer dentro dos limites da sociedade concreta, respeitando a articulacao essencial do modo de produgio dominante, mas procedendo simul- laneamente aos retoques necessdtios nas atticulacSes ndo-essenciais. 9 Castells, Manuel. Predéemas de investigasta em sociologia urbana, Edixorial Pre senga, Pottugal, 1975, p. 225 10 Ibid. p. 229 23 Nesse ponto, cabe introduzir, tal como adotado por Castells, o corpo conceitual, especialmente o desenvolvido por Louis Althus- serll, a partir da teoria marxista, ¢ onde a idéia cencral € 0 modo de producao. Modo de produgao significa uma forma especifica de articulagao dos elementos fundamentais de uma estrutura social, ou seja, 0 sis- tema econdmico, o sistema jutidico-politico ¢ o sistema ideolégico, Um dos sistemas parciais € sempre dominante em relacdo aos demais, pois é o sistema especialmente encarregado da reproducao. O sistema econdmico, por seu lado, € sempre o determinante, pois define qual dos sistemas patciais seta o sistema daminante. No modo de pro- ducdo capiralista (MPC), 0 Gnico que foi cientificamente estudade no aspecta econdmico, o sistema econdmico é n&o apenas determinante como também dominante. Louis Althusser, para melhor explicat a estrutura social, lanca mao da metifora de um. edificio constituido de base ¢ estrutura supe- rior]? Qualquer sociedade, segundo Marx, éestruturada em niveis ou instaneias, articuladas segundo uma infra-escrutura on base eco- némica ¢ uma superestrututa dividida nos niveis juridico-politico (o direito € o Estado) € 0 ideoligico (as diferentes ideologias), As- sim, a produgio da ideologia se da no nivel da superestrutura, ‘A base econdmica determina ¢ influencia as niveis da superestrutu- fa, Mas ao mesmo tempo ha uma ac&o de retorno da superestru- tura sobre a base. Toda formacao € conseqiiéncia de um modo de ptodugao do- minante, E, para existir, toda formacao social deve produzir por isso também reproducir as forcas produtivas, entre elas a forca de tra- balho, mao-de-obra ¢ as relacgées de producao existentes. A forca de trabalho tem assegurada a sua reproducio através de varios fatores como: salario, habitagZo, alimentagao, etc. E especialmente no es wee urbano, na apropriacao desse espaco ¢ seus equipamentos que se lara essa reproducio, Acravés do consumo coletivo sob a forma de habitacéo, parques, vies, areas livres ¢ amenidades, consumo esse diferenciada de acordo com o poder de compra dos elementos da forca produtiva, ¢ que aconteceri essa reproducio. 11 Castell cita os seguintes aurores, que deseavolveram um conjunto de conceitos a partirda leitura de O Capital: Alchusset, L. La revolution te6rica de Marx, Siglo XXL, México, 1967; Althusser ¢ Balibar, Lire de Capital, Librairie Maspera, ¢ Badiou, Alain, Le recammencement du materialise dialectique, Cristgue, 1967; ibid., p. 221 12 Althusser, Louis. Idbelogia © apsrefbos rdealbgicos de estado, Edixosial Presenga, Portugal, 1974, ps 27. 24 No entanto, nado basta assegutar as condicgées materiais de re- producao de forga de trabalhol3, mas também uma reprodugao da submissio dessa forga de trabalho as regras da ordem estabelecida, tarefa que cabe & ideologia. Tentaremos delimitar o que seja a fe- némeno ideoldgico. 3, O CONCEITO DE IDEGLOGIA ‘Nada mais controvertide do que a nogio de ideologia, pois se para uns € um conceito, ¢ até mesmo um conceito cientifico, para outros se trata apenas de uma nogio vaga ¢ banal, Embora a expresso tenha sido forjada por Destutt de Tracy (Franca, 1796-1801)14 , foi a teoria mrarxista que enfacizou e desenvolyeu metodicamente a questao da ideologia. Dentro dessa perspectiva, o ponto de partida, ao se considerat a ideologia, € o fato de que para os homens, o ato de pensar, a pro- ducio de idéias é posterior a0 ato de produzir seus mcios de vida. A idéia em Mane nao é a de partir daquilo que os homens pensam, se imaginam, se representam, mas ao contraria, partir dos homens em sua atividade real. Isto €, toda producao intelectual € conseqtiéncia directa da producio material des homens. Toda ¢ qualquer ideologia, portanto, nZo possui autonomia, mas “os homens, ao desenvolverem sua produgao material ¢ seu inter- cambio material, cransformam também, com esta sua realidade, sew pensar e os produtos de seu pensar’'!} . Isso significa que a producéo de idéias esta diretamente vinculada a atividade de produzir bens materiais, constituinde-se conseqiléncia directa dessa producao. No entanto, o campo da ideologia vem asec o campo das imagens através do qual sio explicados 0 social ¢ o politico ¢ justificadas as formas de desigualdades encontradas na tealidade conereta, através de idéias gerais como Patria, Progresso, Familia, Estado ¢ Ciéncia Marilena Chaui !4 coloca que o campo da ideologia 6 0 campo do Sousa Daniel, A tdeologts, or idedtogos ¢ a paiiries, Lisboa, 1978, p. 80 15 Marx & Engels. A iweofoges alema, Sao Paulo, Ciencias Humanas, 1979. p. 37 16 Chaui, Marilena. Critica e ideologia, Cadersos Seaf, 1:20, ago. 19) 25 imagindrio, ndo no sentido de ilusto ou de fantasia, mas no sentido do conjunto de imagens ou representacdes que s40 tomadas como capazes de explicar e justificar a realidade concreta. O social é, entio, investido de uma aparéncia que constitui uma inversio da realidade, e que vem a ser a forma pela qual ele se manifesta pata as pessoas ou agentes sociais. Marx chega a usaf a expressfio ‘'camara escura’’!? para mosttar que ei toda ideologia os homens ¢ suas relacoes nos apa- recem como se estivessem de cabeca para baixo. Outro ponte a considerar é a necessidade de existéncia de uma sociedade hist6rica, para que seja possivel a emergéncia da ideologia, Pois quando é possivel falarmos de ideologia? Em seu artigo ‘‘Critica ¢ Ideologia’’, Marilena Chaui mostra que sé é possivel falacmos de idcologia em uma sociedade histérica, “'Embora sempre haja ideo- logias, considero que sé é possivel falar em ideologia como algo bestante definido (isto é, o império das idéias para escamotear o im- pério dos homens sobre outros) somente a partic de um deverminado campo de questes, que é citcunsctite pelo advento do que poderes chamar uma sociedade histérica''l8 . Em um sentido amplo, coloca a autora, toda sociedade ¢ histérica. Isso significa que possui data propria ¢ questSes proprias. Mas aqui o sentido adotado para sociedade histérica é aquela para o qual o fate de possuir uma data, de transformar-se, de pode se extinguir, é uma questo ¢ um tema de reflexo, O porqué dessa questdo se situa nas agoes dos préprios hamens enquanto agentes sociais, o que significa que essas agies dio origem @ sociedade, enquanto essa mesma so- ciedade determina a atuacdo desses agentes socials E porranto, segundo a autora, no momento que os agentes sociais ndo contam com um saber anterior ¢ exterior que legitime a existén- cia de certas formas de dominacao , como € 0 caso das sociedades que possuern uma explicacao tealégica, mistica, de sua existéncia, nesse momento € que se torna necessério algo que explique ¢ pense as relagoes de poder, o politica e 0 social! , De fato, o ato fundador de um grupo € politico em sua esséncia ¢ uma comunidade histérica 56 se torna uma realidade politica totnando-se capaz de decisto, dai sur- gindo o fendmeno da dominacao. E nesse momento que a ideologia tem uma funcaa bem determinada, fazer com que o ponto de vista particular do grupo que assume o poder apareca para o todo social come sendo o ponto de vista do universal. Aqui, estamos diante da concepcae marxista da sociedade, que parte do pressuposto de que o social hist6rico € definido pela divisao e uta de classes. 17 Marx, Op. eit,, pe 37. 18 Chauf, Marilena. Op. cit., p. 17, 9 Ibid. p. 18 26 Encontramos cm Mama definic&o desse conceito de universalidade da ideologia: “Cada nova classe que toma o lugar da que dominava antes dela € obrigada, para alcancar os fins a que se propie, a apresentar seus interesses coma sendo o interesse comum de todos os membros da sociedade, isto €, pensa expressar isso em termos ideais: é obrigada a emprestar as suas idéias a forma de universalidade, a apresenra-las como sendo as tinieas racionais, as dnicas universalmen- te yalidas’’ 20, E esse contexto que se percebe o que vem a ser a tacefa da ideologia, Pois admitir a existéncia de uma sociedade em classes seria assumir-se como representante de uma das classes c, portanto, ad- mitit 0 exercicio da poder. Torna-se, entdo, necessirio claborar um conjunto de explicacées do social com a fungao precisa de escamotear aconflito, a dominardo, a divisdo e a presenga do ponte de vista par- ticular, dando-lhe a aparéncia de scr @ ponto de vista universal. Como diz M. Chauf: ‘Para ser posta como representante do social no seu todo, o discurso do poder precisa set um discurso ideolégico, na medida cm que o discursa ideoldgico se caracteriza, justamente. pelo ocultamento da divisio, da diferenca ¢ da contradi¢ao"'2! . A reproducdo da ideologia se dé awavés das pessoas, ou seja, agen- tes sociais a quem ela fornece uma resposta ao descjo de unidade, identidade ¢ ao medo da desagregacdo social, E essa resposta € dada pela ideolagia daminante, na medida em que ‘'Os pensamentos da classe dominante sio, em cada época, os pensamentos dominantes, isto €, a classe que possui o poder material dominante na sociedade possui, ao mesmo tempo, o poder espiritual dominante'' 22, Nesse ponto, torna-s¢ necessirio introduzir o conceito de Louis Al- thusser de ‘‘aparelho ideoldgico de Estado’’ (A.I.E.)23. © autot o define como um certo mimero de realidades que se apresentam ao observador imediato sob a forma de instituigées distintas e espe- calizadas e que siio os aparelhos ideolégicos religiosa, escolar, fa- miliar, jutidico, cultural, etc. Seu objetivo é divulgar e reproduzir a ideologia dominante no sistema. ‘Os aparelhos ideoldgicos de Estado nao se confundem com o apa- relho de Estado que compreende o Governo, a Administracio, o Exército, a Policia, ete..., chamado apatelho repressivo de Estado, Uma caracteristica relevance e essencial € que esse aparclho pertence 20 dominio piblico, enquanto a maioria dos apatelhos ideolégicos de Estado pertencem 20 dominio privado, Todos os aparelhos de Estado, no entanta, funcionam simultaneamente pela 20 Mare & Engels. Op. cit. p. 74 21 Chaui, Marilena. Op. cit 22 Mare & Engels. Op. « 25 Althusser, Louis. Gp 1p. ah a7 tepressio ¢ pela ideologia, prevalecendo um ou outro_ elemento, exatamente quando se trata, como 9 proprio nome o define, de um aparelho repressivo ou ideolégico de Estado. Assim a administrag3o publica, colocada por Althusser junto aos demais niveis de governa, faz parte do aparelho repressivo de Estado, embora funcione também pela ideologia?4. Esse contetido ideo- légico assegura a sua propria cocsdo ea accitacio de suas agies. Observamos, portanto, a importancia da ideologia para a gestao dentro do sistema urbano, quando se trata de unificar os habitances do espaco em toro de decisbes comadas parcialmente, que diversas vezes tém sua origem no interesse de determinados grupos sociais A administragio publica, no exercicio da gestio do urbana, ¢s- pecialmente do consumo, necessita que suas agdes sejam respeitadas € identificadas como aquelas que maiores beneficios trazem para esses habitantes ¢ que tém o bem comum por objetivo. Da mesma forma, os planos de urbanismo que determinam sobre o espaco € sobre os equipamentos urbanos neécessitam ser identificadas como portadores do interesse geral ¢ ndo de uma classe particular #5, escamoteando o conflito, na tentativa de universalizar os conceitos implicitos nas suas decisées. 4, RACIONALIDADE E CRISE Dentro da ideologia encontramos certos conceitos que objetivam sua aceitacio, abtende nos agentes sociais, os homens, uma concor- dincia em relagao a seus valores. Um desses conceitos é 0 de racio- nalidade. Outro é o de crise. Como eoloca Marilena Chaui?%, a ideologia tem por fim fazer com que o discurso sobre as coisas coincida com elas proprias ¢, para isso, precisa afirmar que as coisas sia racionais ¢ que a racionalidade esta inserita no real, sendo tarefa do pensamento, somente, redescobrir essa racionalidade, j@ inscrita no real. Deve-se observar, também, que a cacionalidade idealdgica € aquela presente na lagica ¢ que sustenta o que s¢ entende por cléncia ~=.A ciéncia € considerada o lugar ndo-ideoldgico, Essa afirmacao ¢s- 24 Ibid., p. 54. 25 E justamente desta contradigso entre © intetesse particular ¢ 0 interesse « que o interesse caletive tama, na qualidade de Estado, uma forma aucnoma, separada dos reais interesses patticulares ¢, a0 mesmo tempo, n2 qualidade de wma coletividade ilusécia."” Mars & Engels, Op. tit., p. 48. 26 Chaul, Marilena. Op. cit., p. 26 jeriva: 28 camoteia o fato de que toda produgao de conhecimento esta ligada as necessidades coneretas de aplicacao, ainda que nfo-imediara, desse conhecimento, ou seja, responde a uma necessidade de ordem material. © conhecimento, portanto, nao é distante, neutro, mas necessariamente enraizado na vida dos homens. ~aAquilo que petmancec € a crenga na objetividade, pois a ideologia, Nasua manifestacdo cientifica, tem o culto da objetividade, preten- dendo ser uma representagao real das coisas, Entfetanto, no mo- menco em que aciéncia tem o direito de explicagao sobre tado o real, em que se cotnou definitiva a nossa confianga sobre a explicacao cien- tifica, € que ela se torna o lugar privilegiado da ideologia da mundo contemporineo 27, Esse privilégio Ihe advém da crenga de que o real é racional ¢ transparence, faltando apenas aprimorar os procedimen- tos cientificos ¢ 0 aparelhamento tecnolégico para que s¢ obtenha a racionalidade total. A autora, contudo, lembra que o que é designado como ideolégico) nao éa racionalidade dentro do real, mas aquilo que a ciéncia en tende por racionalidade. Essa racionalidade € sindnimo de nao-con tradigao, pois o cantraditério é visto como sindnimo do irracional. A. ciéneia, assim, pelo crédito que lhe € dado no mundo contempo- tineo ¢ por existir a seu servico téenicas sofisticadas, realiza as fi- nalidades da ideologia muito melhor que ela prépria. Sua finalidade seria testemunhar uma verdade que estaria inscrita nas proprias coisas. Como conseqtiéncia, sua principal tarefa € redescobrir a ra- cionalidade no que est posto ai diante de nds. Dentro dessa perspectiva, uma das manifestacdes dessa raciona- lidade é 2 construgio da objetividade, isto é, aquilo que faz com que uma realidace seja convertida em objeto de conhecimento. ''Algo ¢ conhecido objerivamente, quando é possivel dominé-lo inteiramente pelas opctacées do cntendimento. A nocao de objetividade esta vin- culada, portant, 4 idéia de poder: conhecer € cxercer um poder, na medida em que conhecer é conhecet e objetivo, ¢ o abjetivo foi cons- tuido de tal modo que ele se tormou esgotado teoricamente'’?® . Dessa forma, a nocdo de objetividade nao pode ser separada do exer- cicio da dominagao A nocao de crise esta vinculada 4 idéia de que o real € o racional, nao possuinds contradicées internas, mas somente divisées estru- turais, Por essa abordagem, a sociedade é constituida por uma série de subsistemas dotados de racionalidade propria, consticuindo um todo racional. Nocdes como planificacto, planejamento, entre 27 Ibid., p. 27. 28 Ibid.. p, 35 29 outtas, estéo vinculadas a essa visio estrutural € funcionalista, de um todo composto de partes de racionalidade propria ¢ articuladas 7? A explicacdo para o momento em que ¢ssas racionalidades patciais nao s¢ afticularem harmoniosamente é 0 conceito de crise, A crise € imaginada, entio, como um movimento da irracionalidade que in- vade a racionalidade, gera desordem, necessitando, portanto, que a racionalidade seja restaurada. Além disso, esse conceita permite representar a sociedade coma invadida por contradicées, mas simul- taneamente tomar as contradigdes come um acidente provocado por enganos, Acccise serve, pattanto, para opor uma ordem ideal a uma desor- dem real, que @ encarada como algo inadequado. Longe de surgir como algo que ateste ¢ ponha 4 prova a ideologia dominante, a no¢o de crise realiza a tarcfa ideologica de confirmar e reforgar a represen- tagdo dos acontecimentos. Dessa rnantira, a crise nomeia os conflitos no interior do social para melhor escondé-los ¢ serve para ocultar a crise verdadeita, Sua maior contribuicgio € mabilizar os agentes sociais, suscitando o medo da desagregacao social ¢ oferecendo-lhes a oportunidade de restautat uma otdem sem ctise 3°. Dentro da arca de planejamento urbano, a crise urbana € co- mumente invocada no sentido de se claborar um plano ov efetuar um conjunce de acdes que Ihe déem fim ¢ restabelecam a ardem, A irracionalidade do urbano é opasta a racionalidade dos planos de ur- banismo, que nomeiam os pontos de desordem na tentativa de equaciona-los. Mais que isso, € empreendida uma tentativa de co- nhecer ‘“objetivamente’’ o espago urbano, isto ¢, demind-lo in- teiramente pelas operacdes do intelecto, tentando dizer tdo o que o espaca urbane € au deve ser. Todos os planos renram fazer crer que ¢stio capacitados a resolver os problemas urbanes que nomeiam. Em geral, claboram uma lis- ragem desses problemas que vio fazer parte do diagndstico da si- tuagao da cidade. © porqué de se levantarcm problemas que nao siio passiveis de solucio com esses planos ¢ o porqué da propria existéncia de uma politica de planejamento, que determina uma gestdo es- pecifica do consumo coletive, podem ser respondidos pelo contetido ideoldgico de cada acao de planejamento, Ao nomear os problemas que sZo conseqliéncias de outros, esta sendo cumprida a tarefa ideoldgica de escamotear os problemas originais, Ao se opor um plano “‘racional’’ a uma desordem espacial é dada, aparentemente, a solucZo pata o esparo urbano. 29 Ibid. aL a0 Ibid... 32 30 3. O PLANO DIRETOR Ao procedermos ao estuda da questio ideolégica nos quatro planos, devemos atentar pata o fato de que dois desses planos, o Agache © o Doxiadis, contiguram planos diretores tipicos, ainda que o primeira deles, devido & época de sua realizagHo (1926), seja tec- nicamente menos elaborado que o Plano Doxiadis levado a efeito 37 anos depois. Qs outros dois, embora sigam uma linha racionalista, tém outro enfoque do objeto de estudo, O Pub Rio se apresenta como um plano politico, de diretrizes, nao podendo ser considerado um plano di- retor. Jao Pit Metré se apresenta como um planc de transportes, cx- tremamente técnico, com um objetivo setorial, ainda que voltado para a cidade de forma global. Para melhor compreensio dos primeiros dois planos, torna-sc necessitia entendermos o que € um plano diretor e quais seus ob- jetives comuns, O plano diretor esti vinculado ao planejamento racional ou compreensivo e, portanto, pressupSe um conhecimento completo do objeto de estudo ¢ uma implementacdo perteita por parte dos drgios executantes do plano. Essa abordagem cientifica do objeto coincide com a critica feita 4 ciéncia sob o ponto de vista ideolégico, Pois, aqui, podemos também reduzir o conhecer a do- O abjetivo é que o objeto seja tacalmente ceduzido a leis ¢ teorias, para que nao acontecam surpresas ¢ o planejamento alcance os seus objetives, Além disso qualquer comportamento que nfo se enquadre nas leis estabelecidas vai ser considerado um desvio dotado de it- tacionalidade. Um plano como esse programa alteragées desejadas nos usos dos espacos c dos cquipamentos urbanes sempre visando alcancar a ci- dade ideal, sem problemas de habitagao ¢ congestionamento de tran- sito, Supde, também, que as vides dos habitantes da cidade sio determinadas pelo entorno fisico ¢, deatta do seu determinismo. fisico, sc faz acreditar capaz de modificar o homem através da trans- formagaio do ambicnte.Vem tefotcar essa idéia a ceoria de alguns ecologistas da possibilidade de se detectar relacées entre patologia social e caracteristicas fisicas das areas residenciais #1, O plano diretor tenta fazer crer que a cidade seja um conjunto de construgies ¢ usos do solo que podem ser arranjados ¢ cearranjados, através de pla- nejamento, sem levar em conta os determinantes politicos, sociais ¢ econdmicos, Sua utapia é evidenciada na proposta de desenho fisico como capaz de ordenar padries de relactes sociais ¢ até de subverter a estrutura de classes ou, ainda como modelo de sociedade sem classes. 31 Gans, Herbert. Op. cit., p. 60. at Segundo H, Ganz, mais importante do que esse tipo de plano contém é 0 que ele deixa de fora, As estratusas socials, economicas € politicas ¢ suas relages, que irdo determinar o tipo de uso ¢ ocupagio da tetta, nfo séo consideradas relevantes. O plano diretor sofre ainda, por parte do mesmo autor, criticas principalmente no que s¢ refere & abordagem tipicamente classe média 32, Pois esse tipe de plano ignora, ou tende a colocat cm dteas considetadas de miultiplas atividades, muitos dos usos e instituigdes das classes mais baixas ¢ de outgos grupos éthicos, Casas de comodo, indGscria caseira e atividades cultural ou moralmente indesejaveis também no sio previstas, Mais grave ainda é pretender uma vida de classe média para todos os habirantes 39. As comunidades ou unidades em que é dividida a cidade nao reflecem dreas organizadas naturalmente por grupos sociais ¢, como conseqiéncia, muitas vezes € ignorada a formacdo espontinea de bairros cxistentes, Os processos camuns de mudanga coma ‘'invasdo € sucesso’ sdo também deixades de lade na tentativa de ignorar a mobilidade residencial ¢, se possivel, controla-la. Segundo a mesmo autor, o proprio modelo de cidade deve ser questionado, pois muitas vezes valores individuais sio cransformados em padrdes arbitracios. Os residentes da cidade, em geral, nao estado interessados na ordem espacial que se abtém da sua implantacdo. O zoneamento, a divisio do espago em zanas de usas especificos, consta, invariavelmente, de qualquer plano director. Inspirado no desenho urbane e de arquitetura, na Europa, em fins do século XIX, cresceu, ¢ vem a sera mais usada ¢ maior arma dos planejadores. Contudo, quando propde nao misturar diferentes usos do solo, muitas vezes esta presente o temor de cantaminacdo de areas mais valorizadas por grupos de baixa renda ou usos nao-convenientes 4 Pademos perceber, portanto, que a propria adogio do plano diretor tipico como instrumento de planejamento ja pressupde um contetido ideolégico nao-explicico, cujo objetivo é conhecer a objeto ¢ ordenar a cidade sem, contudo, resolver os problemas essenciais. Ignorar o social ¢ 0 econdmico, atendo-se ao fisico e deixando-lhe a tarefa de resolver os conflitos, € uma constante dos planos diretores. Ao ignorar o social ¢ cconémico, ignoram também a maioria dos con- flitos urbanos. Ao ignoré-los, nao se obrigam, portanta, a resolvé:los. 32 Ganz, Herbert, Op. cit. p. 60. 33 Ibid. p. 63: a4 Thid.s pb. 99. 32 PLANO AGACHE Para uma tentativa de andlise idecligica tendo como abjeta o Plano Agache, virios passos devem ser dados. © primeico deles, para melhor entendimento do momento po- litico, refere-se a uma descrigtio do cendrio brasileiro & época de claborarao do plang, especialmente o predominia ¢ o inicio de cisdes. na classe oligarquica, O segundo se retere a situagdo da cidade ¢ a identificaga do prefeito da cidade do Rio de Janeiro coma um mem- bro da oligarquia dominance ¢ & posterior identificacao da ideologia dessa classe, sob 9 aspecto de gestéo do planejamento da cidade, O terceiro ¢ tiltimo se refere & manifestagao dessa ideologia a nivel do plano. A adocao do plano diretor tipico, os elementos valorizados dentro de proprio plane, seus objetivos ¢ seu modelo de cidade ideal respondem a esse tlrime item. 1. CENARIO BRASILEIRO, PRINCIPAIS ASPEC- TOS SOCIAIS, POLITICOS E ECONOMICOS (FINAL DO SECULO XIX A 1930) © final do século XIX marca o inicio de importantes transfor- mages politicas ¢ sociais, ¢ 0 apogeu de uma economia voltada para a larga produgio de poucos artigos agricolas de exportagdo. No campo politico ¢ social, aparece o dominio das classes vin- culadas ao setor caleeiro, a formacdo ¢ o dominio das oligarquias. Apés a gestéo de Floriano Peixoto (1891-1894), com a unificagio da classe dos senhores de cerra, a classe média é alijada do poder. O “florianismo'’, representacao tipica da classe média escudada no 33

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