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ArtHuR RIMBAUD | CORRESPONDENCIA wow IVO BARROSO TRADUGAO, NOTAS F COMENTARIOS wi 0 Anrwun Rinsauo | Correspondéncia « Carta a Georges Izambard Em ourna canta HaaMnann, R, LHEENVIA SUA NOVA CRIAGRO, “Coragio logrado”, um dos momentos mais altos da poesia, rimbaldiana, construido, curiosamente, sob 2 forma fixa de tum triolé (jé considerada obsoleta & época), como que de: monstrando a possibilidade de exprimir palavras, conceitos sentimentos novos mesmo sob roupagens antigas. Irambatd rio conseguiu compreender o alcance desse “divisor de Aguas” da poesia de R. e fez um pastiche mediocre do poema, acres- centanda que R. estava se encaminhando para 0 decadentis, mo e a alienagio poética ("a profissio de félierauricida de um colegial emancipado”). As cartas seguintes se perderam, mas nota-se, erm missvas posteriores, que Rise fasta eultrapassa inteiramente @ influéncia de leambard. (Para uma andlise mais detalhada deste pocma, ver vol. I — Poesia Completa, pig, 338). Charleville, 13 de] maio de 1871 Caro Senhor! Ei-lo de novo professor. Temas deveres com a Sociedade, 0 senhor me disse; o senhor fiz parte dos corpos' docentes: segue o bom caminho. ~ Ea também sigo um principio: deixo-me cinicamente enreter; desen terro velhos imbecis do colégio; tudo 0 que posto inventar de estipido, dle baixo, de mau, em palavras e ages, eu les transmito: pagamn-roe em cervejs em pequenas.? Star mater dolores, dum pende iia,’ ~ Devo dar-me & Sociedade, ¢ justo; ~ ¢ tenho razio. O senhor também tem ratio, por agora, No fundo, 0 que vé em seu principio é apenas poesia ssubjetiva; sua obstinagio em retornar & manjedoura universitiria — des: culpe! — é prova disso, Mas acabaré sempre como algué M4 atisfeito que Correspondéncia | Anruun Riwaauo pais fee nen ules guts ces Se west Que Ws eH MbgeG seri sempre horrivelmente insipida. Um dia, espero e muitos esperam ‘a mesma coisa —hei de ver em seu principio a poesta objetiva, ¢a verei mais sinceramente do que 0 senhor o faria! Serei um trabalhador: & a ideia que me retém, quando as cbleras loucas me empurram para a bata- Iha de Paris, — onde tantos trabalhadores morrem ainda enquanto eu lhe escrevol Trabalhar agora, jamais, jamais; estou em greve Agora eu me encrapulo o mais possivel. Por qué? Quero ser pocta, ¢ trabalho para me tornar Vidente: 0 senhor no esti compreendendo nada ¢ eu talvez nem Ihe soubesse explicar. Trata-se de chegar ao des- conhecido pelo desregramento de todor os sentido. Os sofrimentos s30 cnormes, mas preciso ser forte, ter nascido poeta, e eu me reconheci poeta. Nio é de fato culpa minha. & falso dizer: Eu penso: deviamos dizer pensam-me. ~ Perdio pelo jogo de palavras. Eu é um outro. Tanto pior para a madeira que se descobre violino, «a0 Diabo os inconscientes que chicaneiam sobre o que ignoram por completo! O senhor nfo é Ensinante para mim, Mando-Ihe isto: sera sitira, como diria 0 senhor? Ser4 poesia? Sempre hi de ser fantasia. Mas lhe eco, nio sublinhe muito a lépis, nem com o pensamento:* CORACAO LOGRADO (wide vo. I, p. 153) Isto no quer dizer nada.* ~ RESPONDA-ME: a/c do Sr. Deverriére, para. R, Bom-dia de coragio, Ar. Rimbaud, Senhor Georges leambard, 27, rua de’ Abbaye-des-Champs, Douai (Norte) 35 Anrwun Rinnaua | Correspondéncia " Evidente mordacidade de R.A expressio comum é no singular: diz-se corpo do ‘cente para designrainsttugio, Pliralzando, R. reenva para o concsto de pessoas sis, "Ein franets, ills, tanto pode signifcar mogas quanto prostituas.Alguns pesqul sarlores descobriram que nas Ardenas a palavra se referia também a uma porg3o menor de cerveja ow simplesmente a ura copo de viho, A divida parece proposital, 5. que R,eulivava o duplo sentido 3 Mater dloras, lus a Vitalie, sua mie. Vie nota (2) da carta anterior. “+R, mubmete o poema nio a0 professor, mas ao amigo, estabelecend assim um ni ‘velamento intelectual entre ambos, 40 mesmo tempo iroizando o vezo de Tam bard de corigir seus trabalhos sempre como lipis 3 mo. 5 A frase & bia, Pode sgufcar; “so busqe aqui um enredo, biogrifico ou no to ‘io quer dizer nada que voo! possscompreender Sé eu posuo cave da poesi Correspondéncia | Awraun Rimaaun & Carta a Paul Demeny ‘Agar cHLGAMOS ALAMENT A BAMOSA CARA A FALL DEMENY, iinigo de Iambard, a quem R. conhecera em sts estada em Dons, em cata das "tas" Gindre, Demeny era autor de um liveo dle poets, Les Glaneues, editado em Pars, eR. achava que por Jmermédio deste também poderia publiar seus versos, da Jor copiado num exderno que cou conhecido como “Recueil Demeny”, R. no tina grande admiraio pela poesia do ami go, que considerava convencional, Na presente carta,“ mais importante de R." (egundo Suzanne Bernard), wm verdadero cto sobre a evolu da poesia francesa ea definigio de seus novos ieais poéticas, ele resolve dar ua lsio sobre © que Considerava a verdadeira poesia € junta ot sItimos exemplos dle sua produsio. A margem dos poems, escreve: “Que rimas! {que rimas’, para chamar a tengo do amigo. Anda 8, Ber tard: sobre esta carta i corteram mares de tints, embora seja necesrio recorrer-se permanentemente a esse texto essencial i jesieitado, sem Avid, cheto de cortes brscos, onde fur- bithonam milhares de idee, €em que un Furor iconoclast se mesela i evocago de liturasrecentes: mas que define perfei- famente 0 programa de uma poesia que se prope a0 mesmo tempo i explorasio do ignoto © uma tiunfante marcha em diesio a progresso™, Note-se que R. tinha 17 anos incomple tos quando a escreve Charleville, 15 de maio de 1871 Resolvi proporcionar-Ihe uma hora de literatura nova, Comeso logo com um salmo de atualidade: CANTO DE GUERRA PARISIENSE' (vide vol. 1, p. 133) Bibhotace / s de Gumaraeng FOP v wt MG Anrun Reweauo | Correspondéncia Eis um pouco de prosa sobre o futuro da poesia — “Tada a poesia antiga vai dar na poesia grega, Vida harmoniosa,~ Da Grécia 20 movimento romintico ~ Made Média — s6 temos literatos, versificadores, De fino? a Teroldo’, de‘Teroldo a Casimir Delavigne', ‘tudo & prosa rimada, um jogo, aviltamento e gléria de intimeras gera- Bes idiotas: Racine & o puro, o forte, 0 grande, Se tivessem apagado suas rimas, embaralhado seus bemistiquios, o Divino Talo seria hoje to ignorado quanto o iltimo entre os autores de Origens‘—Depois de Racine, 0 jogo cria mofo. Havia durado dois mil anos. ‘Nem pilhéria, nem paradoxo. A razito me inspira mais certeras so- bre o assunto do que jamais poderla ter de cbleras um Jeune-France,” Quanto 20 mais, liberdade aos noves! de execrar os ancestras: estamos cem casa ¢ temos tempo. (© romantismo nunca foi bem julgado. Quem o julgaria? Os erft- ‘coal! Os rominticos, que provam muito bem como a cago é rara mente obra, ou seja, o pensamento cantado e compreendido do cantor? Porque Eu é umm outro, Se 0 cobre acorda clarim, nenhuma culpa Ihe cabe, Para mim é evidente: asssto & eclosio de meu pensamento: euacontemplo, eu escuto. Tiro uma nota ao violino: a sinfonia agita- se nas profundezas, ou ganha de um salto a cena Se os velhos imbecis tivessem descoberto algo mais que a falsa sig. nifieagio do Eu, nio teriamos de varrer esses miles de esqueletos ‘que, desde um tempo infinito, vém acumulando os produtos de sua inteligéncia caolha, arvorados em autores! Na Grécia,jé disse, versos e lira dao ritmo & Apia, Depois disso, ant sica ¢ rimas se tornaram jogos, divertimentos. O estado desse passado encanta os curiosos; virios se distracm em renovar tas antiguidades: & coisa para eles. A inteligncia universal sempre rejeitou essas ideias, parte desses frutos do cérebro; claro; os homens recolheram agian segundo eles, escreviam ivros com cles; assim andaram as coi sas, 0 homem nio se aperfeicoando, nao estando ainda desperto, ou 4 “jinda nao na plenitude do grande sonho, Funcionérios, escritores: ax- "for, eiador, poet, tal homem jamais exstiul OG primeiro estado de quem aspira a ser poeta ¢ 0 conhecimen- to otal de si mesmo; buscar sua alma, inpeciont-la, experiments, ~ eothect-la. Assim que 2 sabe, deve cultivé-a; sso parece simples: em rode crbro realiza-se um desenvolvimento natural; quantos egestas fe proelamam autores; hi multos outros que atribuem seu progreso Jpuglectuall — Mas tratase de tornar a alma monstruosa: & maneira dds canprachios® em sumnal Imagine urn homem que plantee culive ‘verrugas em seu rosto, ‘Afrno que € preciso ser vidnt,fazer-sevidente © Poeta se faz viderte por meio de um longo, imenso e racional - deegrmeno de todos or sete. Todas as formas de amor, de sofrimen- to, de loucura; buscar-se asi esgotar em si mesmo todos os verenos, a fim de a6 thes reter a quintessénca, Inefvel tortura para a qual se ecessta toda fe, toda a forga sobre-humana, e pela qual 0 poeta se “torna o grande enfermo, 0 grande criminoso, 0 grande tmaldito,—~e 0 Sabedor supremo! — pois aleanga © imabido. Por ter, como ninguém, + cativado sua alma, que icra rica ele aleanga 0 desconhecido, ¢ quan- ido, asiombrado,terminar por perder a consciéncia de suas visdes, le 48 ter visto! Que se arrebente no salto rumo s coisa inauditas © ‘nominiveis: outros trabalhadores horviveis virao; e comegario pelos horizontes onde o outro sucumbiu! = Continuagio em seis minutos ~ Intercalo aqui um outro silmo fora do texto: conceda-lhe uma aten- ‘fo complacente, —¢ torlo mundo ficar encantado. ~Tenho 0 arco em mio, comeso: Correspondéncia | Anruwun Rimwaup » Anruun Reamaue | Correspondéncta Correspendéncia | Antnun Riwnasto poctas virio! Quando for quebradaaservidio infinite da mu. ther, quando ela viver para se porsimesma, quando o homem — até nao abomindvel Ihe tiver dado sa alforia também ela seré poeta! ‘tnulher encontrar oignoto! Seu mundo de ideias diferiré do nosso? cstranhas, insondiveis, repelentes, deliciosas; MINHAS POBRES NAMORADAS (vide vol. 1, p. 137) ses Eis a, E veja bem que, se no receasse fazé-lo desembolsar mais de 60 cent. de porte, —eu pobre coitado que, em sete meses, no vi sequer uma moeda de bronze! ~ mander-he-a ainda meus “Amantes de Paris" com heximetros, sim senhor, ¢ minha “Morte de Paris", |= Bla encontrard coisas ‘aga as tomarennos, 8 compreenderemos, i expera disso, insistamos com os potas pelo novo — ideas e frm dduzentos hexémetros!"* — -Fxios os hibeis estariam convictos de haver satisfeito a essa demands Recomego: Logo, o poeta é um verdadeiro roubador do fogo. Responde pela humanidade e até pelos animais; deverd fazer com _que suas invenges sejam cheiradas, ouvidas,palpadas; se 0 que trans: mite do fndo possui forma, dé-the forma; s é informe, deixa-o infor- ‘me, Encontrar uma lingua; final, como toda palavra ¢ideia, a linguagem universal hi de che garum dia. £ preciso er académico —mais morto que um fssil— para tlaborar um dicionario, em que lingua seja, Os fracos que se pusessem 4 pensar sobre a primeira letra do alfabeto poderiam rapidamente mer _ Mas no & isto! (Os primeiros romént ta distor o culivo de suas almas comegou por acidente: locomotives ndonadas, mas resFolegantes, que As vezesentram nos trilhos. —La- vovtine mostra-se is wezesvidente, mas estrangulado pela forma enves Thecida, Hugo, cabepud demeis, tem muito de VISTO em seus ikimos slums: Os Mizerdves io um verdadero poema. Tenho Les Chatinents {Os Casigos} 8 milo; Sela dé-nos mais ot menos a medida da vido de Hugo, Demasiado de Belmontet e de Lamennais, de Joovdse de cole ‘as, velhas enormidades cedias. Musset &catorze veres execrivel para nbs, geragdes sofredoras ¢ ob- cecadas peas visi, —insltadas por sun angelical preguica! O! 0s con tos es provérbis insipidos! 635 noites! 6 Rolla 6 Namouna, 6 a Taal ado é francs, ou sea, odento a grau supremo; francés, no parsiense! Mais uma obra desse génto odioso que inspirou Rabelais, Voltaire, Jean La Fontaine, comentado pelo St: Taine! Primaverl, oespirita de Musset! Fascinante, 0 seu amor! Fis al a pintura a esmalte, da poesia sblidal Por muito tempo a poesia francesa seré saboreads, mas na Franca. Qualquer jovem empregado de mercearia éeapaz de desembuchar uma apéstrofe 4.la Roll? todo seminarstatraz suas quinhenta rimas no segredo de um caderno. Aos quinze anos, esses arroubos de paixo pBem os jovens tcos foram videntes sem se darem muita con- gular na loucural ~ Esa lingua seré da alma para a alma, resumindo tudo, perfumes, seres, sons: pensamento que se engancha a um pensamento © 0 puxa + para fora, O poets seria 0 indicador da quantidade de desconhecido

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