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O PAPEL ATIVO DA GEOGRAFIA UM MANIFESTO ‘Asnana Bamardos, Actiano Zorba, Cone Gomes, Eason Bicudo, kiza Almeida, Fabio Borot Cant, Flvie Grimm, Gustavo Nobre, ‘Lita Antongovann, Maira Buono Piha, Marcos Xavier, Maria Laura Sivoira, Marna Montonogro, Marisa Ferera da Rach, ition Santos, Manica Arroyo, Paula Bon, Soria Ramos, Vani de Lime Belo Estudos Terrtoriais Brasileiros - Laboplan Departamento de Geogratia Faculdade de Flosofia, Letras ¢ Ciéncias Humanas Universidade de So Paulo coResD XII Encontro Nacional de Geégrafos Florianépolis Julho de 2000 (© PAPEL ATIVO DA GEOGRAFIA Um manifesto © papel atribuido & geografia e a possibilidade do uma intervengéo valida dos gedgrafos no processo do tranaformagso da aociodade af intordopendentea fe decorrem da maneira como conceituarmos a discipl- na e seu objeto, ‘Se tal conceltuagao néo abrangente de todas, 1 formas de relacdo da sociedade com seu meio, as in- tervencées sero apenas parcials ou funcionais, © sua cficécia sor limitada no tempo. verdade que, na linguagem comum © no en- toncimento de outros especialistas, assim como de po- Iticos © administradores, a geogratia ¢trequentements Considerada como @ disciplina que se preocupa com localizagBes. Als, um bom nimero de geégrafos tra- balha com essa visdo, ‘A geografia considerada como disciplina das localizagbes, posiedo acelta durante argo tempo, most ‘0 todavia limitante do rol de relagSes que so dio entre ‘© homem @ o meio e, por essa razlo, revela-se insu- ficient Mas esse nao é 0 Unico enfoque simpliicador © detormador. Foi por isso que propusemos considerar 0 espago ‘geogrdtica nao como sindnimo de teritiro, mas como tertério usado; ¢ este 6 tanto 0 resultado do proceso Histérico quanto albase material e social dasnovas agdes, hhumanas. Tal ponto de vista permite uma consideragao abrangente da totaidade das causas ¢ dos efeitos do proceese eociotertorial Essa dscussdo deve estar contrada sobre ‘© objeto da clscptna - 0 espapo geogriico, 0 temt6rio usado se nosso ituito or construe, a tum 26 tempo, uma toora social propostas de Intervengio que sojam totaizadcras. Etro 0 e6grafes,incluindo aqueles convidados para trabalhar com toda sorte de questées votadas ‘20 planejamento, © problema dc espago geo: ‘grétleo como ente dinamizador da sociedade & raramente levado em consideragio. Ora, se as bases do edilici epistemolégico so frouwas, as prétioas poicas almejadas seréo, no minimo, cenviesadas. ‘A comproensae do esparo googratico ‘como sindnimo de espago banal obriga-nos levar em cana todos os elementos e a pereeter ‘a Inter-relagso entre os fendmeros. Uma pers: pectiva do terntéro usado concuz & iddia de ‘espago banal, espago de todos, todo o espago, Trata-se do espago de todos os homens, no Importa suas dilrencas; 0 espago de todas as inettuigdas, no importa a sua forg; 0 espago de todas as empresas, ndo importa © seu po der. Esse 6 0 espago de tds as cimenstes do acontecer, de todas as determinacdes da to- talidade social. € uma visio que incorpora 0 ‘movimento do todo, permitnde enfrentar corre tamente a tarefa de andlse. Com as nogGes de tomtério usado e ds espapo banal, seam aos ‘olhos os temas que 0 real nos imp come objsto ‘de pesquisa o do intervene. Mas tl consatar ‘fo nifo é sufciento. indisponsdvel afnar 0s ‘conceit que tomem operacional © nosso er aque. A riqueza da geograia como provincia do saber reside, justamanto, no fato de que pode ‘mas pensar, um $6 fempo, os objtos (a ma- teriadado) @ as ages (a sociedad) .0s mituos candilonamentos entretecidos com o movimen- to da historia. As demaisciéncias humanas nfo dominam esse rio veo opstemoligico 0 terrtrio usado constu-se como um todo complexo onde se tece uma trama de re lagdes complementars econftates. Dalo vigor do concalt,convidando a pensar processual- ‘mante as olagbes estabelecidas entre o lugar, a formapso socicaspatial e 0 mundo 3 (Cada vez que, em lugar de consideraro movimento ‘comum da socledade como um todo e do teritério como um todo, partimos de um dos seus aspectos, acabamos tencontrando lineamentos que apenas s&o aplicavels a ‘uma determinada érea de atuago - ume instancia da vida social -, sem todavia autorizar uma intervengéo realmente eficaz para 0 conjunto da scciedage. Em ‘outras palavras, tais solupses s4o ocasionals, mas nd uradouras, remédios parciais, mas nao globes. CQualquerproposta de anise ¢interpre- tagio que protonda insprar ou gular uma intr- venglo ondoregada ao conjunto da sociedade io pode prescindi, ert, de una visio desse todo, Incapazes de gerar mudangas que en: lobe a totaldade do tortro ¢ da sociedad, ‘a inervenges parciais atendem a ineresses particulares ou apresertam resilados elémeros inoperantes. ‘Uma posi parcial da gecgraia frente 20 04 objeto enconiraabrigo nas tagmentagbos © ootomias presantes em sou proprio solo, © que @ tora teoricament frig. Conhecimen- tos operates eparcelares podem tomat-se er raves a0 dosenvolvimento da siscipina @ de ‘80u papel como ramo do contecimento, par ticulamente quando parecem tomar 0 ugar da ‘ge0graia ou justfioarautonomamonte sua es tenia 4 Por vezes a prépria formagiio do geégrafo que 120 oma um convite &fragmentagso do conhecimento @ trabalho. ‘Quando se toma apenas uma parte do corpus da isciptina e assim mesmo trabalho se tora exitoso, ha nas pessoas um reforgo & crenga numa disciplina par cializada. E comum @ opinio de que propor interven bes possivel Aqueles enfoques fundados em visoes parciais, ainda que essas intervengées amiide sejam funclonals & poltca das grandes empresas. Serd esse 0 éxito que buscamos? No ensino da goografia& menos freqiente do que seria desejével a consideragao da tote lidade do conhecimento geogttic, A geogralia {6 quate sempre apresentada a0 estudante, des- de 0 primeiro momento, deforma soymentad, siicultando @ aproenso de uma abordagem: senclalmente geogtica © comprometendo a {ormagéo do profisional @ 0 futuro da propria ieciplina, Como resultado, multas vezes 0 ges rafo eepecalza-ce em um rao operacional vollad ao restito mercado de raalho. ‘creltamos poder escapar&‘prcializa- ‘980° da ciscipna(e, destart, ds intervengves ‘8 partrdela), coma busca frme econtinuada de uma ontoiogia do espapo geogréfio. Esta busca pode ser entendida como a construggo de um Conjunto de proposigies epistenolégicas que, {ormando um sistema légico coetente, e sendo fundada nos avangos matodolégeos jd conse- ‘uidos pela discipina no século XX, aprimore tia 0 que se pode chamar de “nicieo duro" da ‘ge0gratia, desembocando, necessariamento, ‘uma visio geogrfieattalizador, ‘Consequiiamos, dasse modo, umrechago 2 indoléncia episterclbgica”(situego que, als, ‘086 brasil) na produpdo doconhecimento e0grtico, © espago & freqdientemente considerado como ‘espace paltico, espago econémico, esparo antropolé- ico, espago turistico. E esse 6 um grarde problema para disciplina, Fragrentads, a geografianto oferecouma ‘expicagio do mundo e portant passa aprociar, cada vez mai, de adjetives que expliquem a sua ‘inaidade. Ea perde substincia e core sérios ris00s de nao ser mais necesséria nos curculos ‘escolares Tal ragmentagdo 6 docorrente, de um lado, da crescents impossbiidade, socialments ‘gestada, de percebermos que todos os elementos ‘agom oonjuntamente (e separagbes podem ser {eltas apenes para tins analticos).Soma-se aisto ‘a consagraglo da tragmentagao no ensino em todos os planos (nas aulas, nos vies, nas ara- ds curiculares). A stuagao ¢ agravada, ainda, ‘quando no ensino superar -pableae privado ‘adota-e ura especializarto cy fim 6 atender ‘uma ceta politica © ao morcado, Tanto omercado come a pollica as vezesinspiram solugdes desse tipo, Néo serd 0 caso de certas propostas fundadas por exemplo nas geografias do turismo, do meio ambiente, da cultura, dos SIG's, ou de sugestbes: tas de planejamento regional mas que, na verdade, beneficiam uma ou poucas atividades em um dado momento? [Nao 6 demas assinilar estas proposigies a uma ‘ragmentagao da disciplina geografica om outras tantas ‘geogratias, que desejam, na prética, impor-se como ‘auténomas, quando seu papel auxiiar apenas as qualifica como ramos operacionais de uma geografia mais Complexa @ unitéra. Esta parece mals possivel de al- cangar através de uma perspectiva do leriério usa- do, uma vez que estamos levando em conta todos os alores. ‘Buscando alonder as exigénias na forma ‘¢f0 do profssionals para o mercato de trabalho, cursos de graduagdo t8m privesiado a espe Clalizagdo do saber em detrimesto do canhe- Ccmento abrangente,slastando oprotssional do ‘idadiéo. Por out lado, polices resrtvas de ‘inanciamento provocam um distnciamento en: {te as vatias dreas do saber, pvilegiando-se Aquelas que possibiltam investigagbes aplica- «das, consideradas de maior relevancia econdica ‘oupolitica Noose conterto, muitos gaéyrafosprocurs- ramadeptar-se 8s novasexigéncias por meio de saldas paricularistas no ensino ena pesquisa, fenfatizando aspectos da realidace social como 10 assem a totaldade do fendmeno geogrie. Em nome do uma moderizagdo tla pro- utvst, cores cursos de geograta corte r= code ogar fora pincipios que deveram bakzar e singulatizar esta area do sabe, Na evoluedo do pensamento geogréfic, @ vontade de tolaizagao e a formulagso dos respectvos enfoques tem sido presentes, alnda que contrariadas sempre por ‘uma tendéncia & sogmontacao. Vejamos um exemplo. Na época de Vidal do la Blache, a possiblidade de totalizagdo, as vezes con: ‘retizada com a ajuda da politica de urn Estado neces: sitado de um conhecimento geogrético, nao softia as investidas do mercado tal como as conhecemos hoje. esse mado, opunha-se um dique & fragmentagao do ‘saber geogréfico © das suas propostas de ago, Enfoques totalzadores tendom a buscar uma corespendéncia & uridade do mundo real TTodavie, no caso particular da googratia, oss iia de unidade da Terra 6 contraposta por aqueles que se apoiam em realidades parciais para fundamontar argumontagoes também par- ciais ou redutoras, Assim, a geograia foi se fiemando ao longo de sua histra & base dese confronto entre duas vocagSes bem dstintas. No ‘plano do cornecimerto ou das propastas dears, ‘a vordade teria sido tomada por diversas formas deengano. hoje? Quando a prépria glbalizagSo & vista como um resultado da vontade de integrar marcados segundo um discus nico, ela néo permite 0 reencontro de enfoques mais bran: ‘gente © problema central 6 como utilizar os conhe- ‘imentos sistematizados por uma disciplira no deline mento de solugées préticas © caminhcs frente aos problemas concretos da sociedade. Dependendo das fliagBes te6rico-ideol6gicas dos autores. isso parece tor sido possivel a especialistas da ciénca politica, da ‘economia etc, cuja tarefa ultrapassa, sem malores d- ficuldades, o limite da simples interpretagio dos fend- menos para sugerir mudangas, isto 6, para so erigit ‘como uma politica, ‘Quando esquemainterpretativo da soc ade prprioa nossa provincia dosaber dé conta a realidade concrota om sua toaldad, ele pode ser fundamento da construgdo de um discurso ‘novo para a ago poltca dos ators socias res ponséveis por sua pric, tis como partidos polices, movimentes socials, instiigses ete Um dscureo sociaimentaatleae pode ear © ean tau, a base de intervengés ‘sistémicas* na sociadade, em diferentes nveis do exerccio da 0 poltica, ene os quas, o male abrangente seria a contrbuigdo para a elaboragio de um projto nacional, comprometie com a tansformagdo da Sociedade em benetci da malo da popuiagso dopals, ‘dia de intervengao supde um interesse polfico, entendido come interpretagio histériea ‘mais ampia, que implica um deal de futuro como ‘espago 6 resolugo de problemas supostamente araigados nas sociedades, Nao se trata de impor uma definieso Unica. O Contetido de uma geografia compreensiva pade certa mente responder a uma entre vérias linhas teéricas, segundo a escolha do autor. Mas, a pattie dai, 6 indis- Pensavel dispor de um conjunto cosrente de propo- sigdes, onde todos os elementos em jogo sojam con siderados em sua integragdo e em seu dinamismo. ‘A goograta dave estar atana para analisar 2 realidad socal total a parr do sua dindmica teritoral, sendo esta propesta um ponto de par tida para a discptna, possivel a parir de um ‘sstama de concetos que permita compraender Incissociavelmanteobjtos eapbes. | ; (0 temo usado, visto como uma tts lade, ¢ um eampo prvilogiado fara a andise na macida em que, de um lado, nos revela aes: trutura global da socledade e, de out lado, 2 prdpria complexidade do seu uso. ara o8 atores hageménices 0 temtério. usado ¢ um recurso, garanta da realzagao de seus ineresses partculares. Desse modo, ore bbatmenta de suas apoes conduz @ uma cons tante adaptagao de 60u uso, com aco de uma rmateraidade funcional ao exerciio das atv ddades exigenas ao lugar, aprotundando a dv- 4 social teorial do trabalho, mediante @ selovidade dos Investmentos econbmicos que ‘gera um uso eorporative do totito, Por outro lado, as situagdes resuitants nes possiitam, ‘acada momento, entender que sefaz mister con- siderar 0 comportamento de todos os homens, Insttuigdes, capitals @ fmas. Os distntos ato- res no postuem o mesmo poder de commando levando @ uma multpicidade de ages, futo do convvio dos atores hegeménicos com os hege- ‘monizados. Dessa combinagao tamos o arranjo singular dos tugare (0s atores hegemonizados tim otettio como um abrigo, buscando constantemente se agaptar ao meio geogréico local, ao mesmo tompo que recrlam esiratégias que garantam ‘sua sobrevivincia nos lugares. E neste jogo di leteo que podemos recuperar a totaidade. 10 SSomente assim responderemos & questo crcial de saber como © porqus se déo as relapses entre a sovivdade Camo ator © 9 teria como agido ©, 20 contro, entre 0 tertério como ator © a sociedade como objeto da agéo. € essa, a0 nosso ver, a manel ra do encontrar um enfoque totaizader, que autrize uma intervene intoressando & maior parte da po- pulagao. 19 ‘Adriana Bemardes, ‘Adtiano Zerbini Cilene Gomes. Edison Bicudo Eliza Almeida Fabio Betioli Conte! Flavia Grimm Gustavo Nobro Lia Antongiovanni Maira Bueno Pinheiro Marcos Xavier Maria Laura Siveica Marina Montenegro Marisa Forreira da Rocha Milton Santos Ménica Arroyo Paula Borin ‘Soraia Ramos. Venir de Lima Belo Estudos Terrtoriais Brasileiros Laboplan - Laboratsrio de Geografia Politica @ Planejamento Teritorial e Ambiental Departamento de Geogratia, Faculdade de Fiosofia, Letras @ Cidnclas Humanas Universidade de Sao Paulo RPS Xil Encontro Nacional de Geégratos Florianépolis Julho de 2000

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