Você está na página 1de 23
Capitulo V AINVENCAO DO PATRIMONIO URBANO Haussmann, que em sua épocs teve tants inimigos como ainda hoje os tem, refutava a acusacio de vandalism ue Ihe di iam alguns amantes da velha Pais "Mas, boa gente, que da undo se suas liotecas parece nadatr vst [do estado de insasbridade Ga antiga Pas e da metamoriose que se fe], cite pelo menos -mcnumento antigo digno de interes, um eificin precios pa arte, curios por suas lembrangas, que minha adminstraciotenha \estrudo, ou de que ela se tenka ocupado sengo para desobstrut- le darthe o maior valor e « mais bela perspective possivel” ( bsrio tnha boo fé ea cle devemos efetivamente a consericho de numerosos edifcios que, como Saint-Germain-Asxerro, ‘estavam fadados i demalio. Nese sentido, ess burguts esc «do era bem o contemporinco de Mérimée, com quer, abs cle ‘se encontrata to alco do imperadoe Destriu, cantudo, em nome da higene, do trinsito © a dle estética, partes inceiras da malha urbana de Paris. Mas tam- bbém a ele er homem de ses tempo: maioria daqueles que & poca defendiam, ma Franca, os monumentos do pussado com 2 alorconvigdo eenerga concordevam também sobre a neces- sidade de uma modernizacio radical das cidade aniase de sua smalha urbana Assim, Guilhermy publica, em I855, um Itinérire archologique de Paris, n0 qual sum iventério minncios de todos 0s monumentosindviduais que considera ameacados pelos novos tempos, sem se preocupar minimamente com os conjuntos © malha urbana em si, Théophile Gautier, que no mesmo ano prefcia olivo de E, Fournier sbre a velha Pari, no pode se impel de saudaro desaparecimento dessa Paris demaida como uum progress: A Pars moderna seria impossvel na Paris de utrora (3. A chilizacio abe largasavenidas no aero lbirnt das els, das encruzihadas, das use sem sada da cidade velh ela dereubs 2 casas como 6 pioneio da América derrubava as Aver (.) ‘As muralhas apodsecidas desmoronam para fazer surgir de seus ‘escombras haba ign do homer nas quis se entra com ‘oar e0 pensamento sereno com 3 Iz do Sel”. Para Haussmann, ‘assim camo pra Gatiere pars cont das bos alma francesat dla época a cidade no existe come objeto patrimonialautsnomo. ‘Osyelhos quarters, ele s6 os vé come obstéculos slubridade, 20 trinst, a contemplagio dos monumentos do passe, que é recso desbstruiz (© proprio Victor Hugo, 0 poets da Paris medieval, que cscarneceu cruelmente dos legos espacos haussmannianos e da ‘monotonia das novasavenidas da capital, munca evtica em seus artigos ou em suas intervengbes na ComissSo dos Monimentos Histéricos a transormacso geral da matha das velhascidades, ‘Como. colega Montalember cle se imi, se for 09, propor alum desvio das vis projetadas, sim de povpar nao a contin dade do conjunto urbane, mas de um monumento: “Assim em Dinan, noma cidaderinha da Bretanba onde talvez no passem inte vefculs por dis, para alangar uma rus das menos movimen- tadas, no destriram a bela fachada do aslo e de sua igs, un ddos monumentos mais curiesos dessa reid? (.) Em Dijon, 4 InrejaSuin-fean foi mild de forma vergonhost: eliminaram nada menos que o coro, como o galho de uma ivore isi, e uma purede que une os dois transeptos separa a nave da rua por onde pastam 0s veiclon Sé se age asim com os monmentos piblicos ‘ sobretudo os religiosos— a sitio seria mato diferente se se trstase de intereses priv. O fato de que a8 casas viinhas _trapalham tanto ou maisa va pica & um mal que setolee (.) Em Paris, aprovams de todo o coracto as novas ruas da Cité, mas em admitira necessidae absoita de dest o que estat ‘das antiga areas de Saint Landry e de Saint Pleze-aux-Boeat, cjos nomes se relacionam aos primeros das da histéria da car pital € se 6 prolongamento da rua Racine chegasse um pouco Imai direita ou exquerda, de modo que nio resulasse numa lina absolutsmentereta do Odon tra La Ularp, parece-nos ‘Que constitirin uma compensagao sufciente a conservagio da preciosa igeja de Sto Cosme, que apesar de conspuscada por Seu ‘uso moderno, aem por isso detxa de ser a nica com sua idade e seu estilo em Pars” Balzac intetiza hem um sentimentoimplicita na Franga em ‘sa gpa quando descreve a sobreviténcia de Grande como um ‘macronismo ¢ quando prevé que as cidadesantigas,condenadas pela histria sS seri conserve iconngrafs teria, NSose pode near que a maiora dos rominticosfanceses se traumnatizou Com a ata dos slargadores" evn com nostalgia o desapare ‘mento das cidadesantigs de que celebravam o encanto ea Beleza. [Em compensagio — e isto para a histria das mentalidades € um poatoessencial —,ndo hi dividas de que para eles, 0 2S, 0 setrativa de um pstrimtni espectico, que pudesse se conser da mesma forma que in monument histrco Por rantes que se prendem a radighes clturaisprofundas, sa attude devia se manter por muito tempo na Frans, onde na verdide ainda nio desapareceu, Contuo, a nosio de patriménio urbane histrio, acompankada de um projeto de conservasio, nasceu na propria época de Haussmann mas, como j vies, na Gra-Bretanha, sob a pena de Ruskin. Ei segue, ela conhecea uma evolucio eum desenvolvimento dficeis,cujas modalidades ‘erecem ser analisadas Por que essa dstincia de quatrocentos anos entre a iavenco do mocumentoistrio ea da cidade hist rica? Porque esa cima eve que esperar tanto tempo para ser pensada como um objeto de ru anda ctl dant a, 8 8 4 Monae i 26, conservago por iat e no redutivela soma de seas monuments? "Numeross fatores contre pars retrdar de un 6 v2 ob ‘Hag ea insergSo do espace urbuno nums pemspectiva histrics ddeum lado, saa scala, sia complexe, along duracto de una ‘mentale que netfee a um name, auumacorunidade, 3 uma geneslogi, uma hstéria de certo mode pessoal, masque ert indiferente 0 sen espa; de outro, aausénca, antes do inicio do séeuloXIX, de eadastrose documentos cartogrdicos conve) & lfculdade de descaber arquivos relatives aos modos de progigio| ‘eis tansformagses do espago urbana ao longo da tempo. [Até 0 século XIX, inclisve, a6 monograias eruditas que dlescever as cidades 3 falam de sex expaso por intermédio dos ‘monuments, simbos cua importncia varia segundo os autores © ‘osséeulos. Quanto aos estos histrios até segunda metade do séculoXX, ees se preocuparam com a cidade do poato de vista de sas nstiigbes juries politica eeligioss, de suas estruturss econdmicas soca espace €0 grande ausente. Fustel de Cou- anges trata da Cidade antiga (1864) ser jamais evocar os gates ‘os elificios insepariveis das institigdesjurdicae religions na Gréciaeem Roma. H. Pirenne no é mais clogiente en Les Villes dtu Moyen Age (1939), sua obra maioe sobre a origens econsmicas do fendmeno urbano no Ocideate. De sua parte, + histria da arguitetura ignora a cidade. Site nota, de forma pertinente, em 1889: “Nem mesmo nossa hiséria da arte, que trata dos vests nals insigificantes,reservou wm gar, minima que fose, cane ‘rugio das cidades™ Entre a Segunda Guerra Mundial ea década de 1980, anda se porn contr os historindores eos historiadoees da arte que trabalharam a propésito do espaco wano 5D pre cae de Earp 9 iets in do so XVI. Aca toga ue canbe en gree magne ewe "seni pr erties pds a Hasan ge ‘ce pene pln pence bl de co cos doe Op itp. 90, 7. Ras i ett de irae da te ome Rom, Pol of Ci, SHE mt Pi ioe fede Taner rb le qur don alsa Pain de Bod, Aha, Cayenne ats bs CNRS 1 oj, assite-se, no entant, a um floresciment de trabalas see a morfoogi ds idadespre-industrase das aglomeracoes dda era instal. Esse movimento foi impulsonad pelos esta dos urbanas, de que deveros estar papel que desenpenara ‘na génese de uma verdadeira historia do expago urban. ‘A conversio da cidade material em objeto de conbecimento Iistérco foi motivada pela tansfocmagio do espaco urbano que se segui 3 revlucio industeil: pertubacso tamitiea do meio ‘yadicional, emergéncia de outas esclas visias e parcelares. vento, pel feito da diferencae, conforme a expresso de Pg por contrast, que a cidade antiga se torn objeto de investigacio, Os primeitos 3 considers lnem penpectiv hirtérica, ea extdila segundo os mesmos critérios qe #8 formacies urbanascontern= porineas, <0 os fundadores (aguitetor © engeneiroe) da nova Aiscipling?,& qual Cera dé a nome de urbanism, O mesm autor propbea primeira hisra geal eestrutral da cidade ‘Contrapor as cidades do passado @ cidade do presente no significa, no entanto, querer conserva as primers. A histria das dustin dourbaismo ede suas aplicagoes concretas noe confun- dl, de modo algum, com ainvenco do pavimsini whan histo ‘ede sua protecto. As das aventurs S80 todavia solids. Quer 0 ‘urhanismo se empenhasse em destiresconjntos urban ante, ‘quer procurase reser fs ustamente tomando-se im obsts- «lo ao live desdobrament de novasmodlidades de crpnizaco do espace uchano que as forages antiga adquiriram su dented anette A nogio de ptrimaniourbano hisérico constitute No ie diese opel doe oath nt ors Retr cde, ‘er eecinene pats as Franc de Ray Lt Cada ‘icon il rant pe infra Ra, O88, 3 Deneve seer ats ornate ep eet ‘irre oe RV Rms, 18 9: Em seu vin os ga, camo por explo Lean, qe ab lo Acute de Hund wre, rs rey, GS cece iste donee pnd do cas pr Resco 10 Fa oer darts Mae 1907 cl par ce ‘lpr opr Abe aL ea 198 pd dar ‘hn cona ca cu eu pan Cod ts ovat Shp peecscagane Sere contramio do proceso de urbnizacio dominant. Ela resuitado ‘de um dca da hitria© da histricklade que se proces entre tos fguas (ou abordagens) sucessas da cidade antiga. Chaar esas figuras respecsamente de memorial, histéricae historia A figura memorial A primeira fi Raskin. Jé no comego da década de 1860, exatamente na época temquctém nico agra obra de Paris”, 0 poeta de Peds de Veneza insurge-seealertaaopinio publica contraas intervenxses ‘que lesa aestrutura das cidades antiga, isto 6 sua malha. Para cl, essa textura 6 esdncia da cidade, de que ea faz um cbjeta pvimonialatangvel, que deve er proxi incondicionalmente Ruskin élevado a essa tomada de poscio pelo valor e pelo propel que atria arquitetura doméatica, constitutiva da ralha ‘urbana. Sio a contgtidade e 2 continuilade de suas habitagbes rodestas, 3 beira de seus canaise de sua uss, que tornam Venera, Floren, Rouen e Oxford iretiveis 4 soma de ses grandes cedfciosreigiosos e civis, de seus plécios ecolégos,¢ fazer esses conjuntosurbanos entidadesespecfcs ‘A cidade antiga considerada como um todo parece, pois, desempenhar 0 36,0 papel de monument histrico, Teas, porém, de uma luo, eo proprio Ruskin fornece os meio para oerigla por comparacio. Com efeito, em The Seven Lamps of Architecture que ata da arguitecur, eno da cidade, 0 mensmen- twhisténco funciona quase como um aitético monument inten- cional. Porm lado, ele desempentsa imedistamene, no presente, ‘um papel memorial yragasao valor de reverénciade ue invest, “ming ane oe pro i mas dens, ‘Beditumenc mnie parma co come scar dr om ‘re waa deo afin ama teed cn xine ch sumer of sige muna domes cen oto) porauatro, subsiteadistncia qu, desde a Rnascenca,apendemos B stabelecer em elias antigadedes. Ora, “quase como” nfo se ‘lion ao caso cidade ania, que um verdadeizo monument ‘Sem chegar a formlila de mado explicit, Ruskin faz uma descoberta que nossa paca ands hoje continua a edescabri: A longs dos sculos eds eviizagées, sem que aqueles que a cons: trulam ou nla vivian tressem inten on consciénca, a eidade

Você também pode gostar