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Im INTRODUCAO AO ESTUDO DO METODO DE MARX Coppi ©2011 by Eo prone oper Ree pin peed 40D “ap Impede xahame imag ch no nese neirar eae pct te nto cco isso ‘alto: Neakens psa lye eis ‘Stmpedind sm suri de er tl carats ome en et lige sbl e011 EDITORA FXPRESSAO POPULAR anita 20 han GION .e Sans Some 1) 3109500] 322756 443A, Fa (1) 31129941 agearesopeeicn sowagenanepusun i Sumario Introdugio. sciences Interpretagdes equivoeadas ‘© método de Mare uma longa laboragio teéica, 16 ‘Teoria, método e pesquisa eciensenensenene 9 ‘As formulagdes teérico-motodol6gicas nn 28 (© método de Mars 51 Introdusao A questo do modo é ur des problemascentrais (e mais polémicos) de teoria social ~ demonstra-o ‘0 esforgo dos cléssicos das cléncias sociais: nao foi poracaso que Durkheim (1975) se ateve a constr ‘g20 de um método para a sociologia e que Weber (1992, 2000), alémm de se ocupar da conceptualizagdo das categorias sociologicas, escreveu largamente sobre metodologia. Por isso mesmo, toda aproxi- ‘ago séria a tals ciéncias implica um esforgo de clarificagdo metodologica (Femandes, 1980). Endo, 6 casual que sempre que elas tenham sido objeto de questionamento, o debate metodolégico esteve fem primeiro plano ~ assim ocorreu, por exemplo, quando se tomou visvel, nos anos 1960-1970, actise dda sociologia acadlémica (Gouldner, 2000; Morin, 2005 e Giddens, 1978). e assim voltou a verificar-se quando, f aprofundads esta crise as ciéncias sociais desenvolveram explcitamente a discussdo sobre os *paradigmas” Santos, 198%, 1995 e 2000), ‘A questo do método ~ que também & polé mica nas ciéncias que t8m por objeto a natureza (Popper, 1980; Geymonat, 1984-1985; Feyerabend, 1990, 2007) ~apresenta-se tanto mais problemtica ‘quanto maisesté conectada a supostes de natureza filséfica. De fato, nfo se pode analisara metodolo~ gia durkheimiana sem considerarseu ensaizamento postivista, bem como ndose pode debater a “socio~ logia compreensiva” de Weber sem levar cm conta ‘oncokantismo que constitui um de seus suportes. ‘Também no que toca 3 teoria social de Marx a questio do método se apresenta como um né de problemas. E, neste caso, problemas que ndo se dever apenas a razies de natureza tedrica elou filoséfica: dever-se igualmente a razées ideopo- litieas ~ na medida em que a teoria social de vincula-se a um projeto revolucionsrio, a andlise ¢ a critica da sua concepsio tesrico-metodoligica (e ‘no $6) estiveram sempre condicionadas as reagdes ue tal projeto despertou e continua despertando. Durante o séulo XX, nas chamades "sociedades democriticas’, ninguém teve seus direitos civis (ou politicos liitados por ser durkheimiano ou \weberiano ~ mas milhares de homens e mulheres, cientistas sociais ou nao, foram perseguidos, presos, torturados, desterrados e até mesmo assassinados por-serem marxistas. Esta reforénciaideopolitca ndo ser tematizada neste brevissimo texto introciutiro, elaboracio es- ppecifieamente para estudantes que se iniciam nas ‘Citncias Sociaisetrabalhadores emilitantessociais, {nteressados na compreensiorigorosa da sociedade fem que vivemos (onde, inclusive, o cater da b- biog, ctada apenas em idiomas conhecidos) Mas & preciso lvar tal rferéncia sempre em cont, porque uma parcela conskletavel das polémicas fem tomo da pensamento de Marx parte tanto de maotivagées clentifias quanto de recusas ideo ‘eas ~afinal, Marx nunca fo um obedient servidor da orem burguesa: foi um pensador que colocou, na sua vida e na sua obra, a pesquisa da verdade a servigo dos uabalhadoces eda revolugio socialist Interpretagdes equivocadas (© estudo da concepsio twérico-metodolégica ‘de Marx apresenta intimeras dificuldades ~ desde as dorivadas da sua prdpria complexidade até as ‘que se devem aos tratamentos equivocados a que ‘obra marxiana fot submetida. Antes de tangenciar as dificuldades espectfcas do tema, cabe mencionat rapidamente alguns equivocos que decorrem das Interpretagoes que deformaram, adulteraram e/ou falsificaram a concepglo teérico-metodologica de Marx Paradoxalmente, quando se analisam os equi- vvocos e as adulteragies existentes acerca desta concep¢o, verifica-se que foram responsivels por = ‘les tanto os proprios seguidores de Mars quanto seus advorsarios e detratores. Uns e outros, por razbes diferentes, contribuirarn decisivamente para desfigurar o pensamento marxiano. [No campo marxista, as deformacdes tiveram por base as influgncias positivist, dominantes nas ‘laboragies dos principais pensadores (Plekhanov, Kautsky) da Segunda Internacional, organizacio socialist furdaca em 1888 ede grande importaneia até 1914, Essas infuéncias nao foram superadas antes se viram agravadas, inclusive com incidéncias neopositivistas ~ no desenvolvimento ideolbgico Ullerior da Terceira Intemacional(organizasao co ‘munista que exstiventre 1919¢ 1943), culminando na ideologiastalinista, Delas resultou uma repre sentacio simplista da obra marxiana: uma especie de sabor total, articuado sobre uma teoria geral do ser (0 materialism dalétice)e sua especificagio fem face da soeiedade (0 materialisno historic). Sobre esta base surgu farta literatura manwalesca, apresentando 0 método de Marx como resumivel ‘os “principios fundamentais” do materialismo diakitco edo materialism histSrco, sendoaligca dilétcn “aplicivel” inditecentemente & natuseza e sociedade, bastando 0 conheeimento dos suas eis (aselobros “eis da dali’) para assegurar obom andamento das pesquisas. Assim, o conhecimento dda realidade no demandaria os sempre drduos esforcos investigativas, substituidios pela simples “aplicagao” do método de Marx, que haveria de “solucionae” todos os problemas: uma andlise “eco rnomica” da sociedade forneceria a “explicagao” do sistema politico, das formas culturais ete. Se, num textocdlebre dos anos 1960, Sartre (1979) ironizava ostesullades obtidos desta maneira, é muito antes, numa carta de 5 de agosto de 1890, Engels proto tava contra procedimentos deste géneto,insistindo em que a Masa nos fe Marce dee concep da iste ‘enul. wn guia parses |) Ewes ar aestudar toda hr, decem examarse om todos 0s dae 0s candies de exsticia das divers frunes sii antes ‘de rocurar deus dela a eis polis juidics, ‘sis lsctens eligisas et quelhescorespordem. (are Bogs, 2010p. 107 eos no ovignals). ‘Acresce, ainda, que, no registro dos manuais, ‘Marx aparece geralmente como um teéricofatoria~ lista~ele teria sido aquele que, na analise dahistGxia eda sociedade,situou 0 “fatorecondmico” comode- terminante em relagio acs fatores” socais,culturais ete, Também Engels, em carta de setembro de 1890, jfiedvertra contra essa deformagao:recordando que Marxe ele sustentavam tio somente a tse segundo qual praiugioe a epnnlugioda via realapenasem ‘itima instanea determinavam a histria, observa: Nest Marx nem eu janes fmemos mais que ito, Se aigoem o ees, fazendo do itor acoder deeds converte esate rma Fase vai anal bs. Mr Enges 9, pHD-10). Tal concepedo reducionista, que nada tem a ver com 0 pensamento de Mars, ¢ compartilhaca também por muitos dos adversirios tedricos de ‘Marx. Weber, por exemplo,criticou, na “concepeao ‘matetalsta da histia’ as explicagBes “monocau salistas” dos process0s socais, ito 6 explicagdes «que pretendiam esclarecer tudo a partir de uma tinicacausa (ou “fator”): a extiené procedente sre lacionadaa teoriasofotivamente “monocausalistas” ‘mas ¢ inteiramente inepta se referida a Marx, uma ‘ez que, como realgou ur de seus mais qualifcados ‘estudiosos, “ 0 ponto de vista da totalidade € no a predominareia das causas econémicas na expli cacao da historia que distingue de forma decisiva 0 _marxismo da céncia burguesa” (Lukes 1974, p14), ‘Atualmente, no diversficado heterogénen campo dos adversérios (e mesmo detratores) de Marx, porém, a critica se concentra especialmente sobte dois eixas tematicos. O primero diz respeito uma suposta irrelevancia das dimensdes cultu- rals e simbdlicas no universo teérico de Marx, com todas as consequénclas dai derivadas para a sua perspectiva metodoisgica. Apesar de amplamente sifundida em metos académicos,trata-se de critica absolutamente despropositada,faclmente refutavel com o recurso & textualidade marxiana — dados os limites deste escrito introdutério, record, tio so- mente como contraprovas, o peso que Marxatribui as "tradigdes” quando tangencia a propriedade co- ‘munal entre os eslavos (Marx, 1982, p.18) eas suas ppermanentes prencupagses com a especificidade Ge esferas ideais como a arte (Marx-Engels, 2010; Lukes, sd. € 2008, p 87-119). O segundo eixo te- matico relaciona-sea um pretenso “determinismo” rho pensamento Marxiano, a teoria social de Marx cestaria compeometida por uma teleologia evokucio- nista~ ou soja, para Marx. uma dinémica qualquer (econdmica, tecnologica etc) ditigiria necessaria ‘© compulsoriamente a historia para um fim de antemao previsto (0 socialism). Virios estuidiosos | mostearam sobejamente a inconsisténcia dessa certica (Meszaros, 1993, p. 198-202: Wood, 2006, p. 129-154; Borin et al, 2007, p. 43-47); recente- mente, contudo, ela foi retomada por um teérico pés-moderno de grande influéncia no Brasil (Santos, 1995, p. 36-38, 243), a que dediquci uma nota critica (Netto, 2004, p. 223 e's). Praticamente todas essas interpretagies equi vocadas podem ser superadas ~ supondo-se um leitor sem preconceitos ~ com o recurso a fontes que operam uma analiserigorosa e qualifcada da ‘obra marxiana como, por 0s diferenciados cestuios de Rosdolsky 2001), Dal Pra (1971), Lukses (0973), Dussel (1985), Bensaid (199, terceia parte) ‘© Mészsros (2009, cap. 8). Entretanto, 6a recorr®ncia aos préprios textos de Marx @ eventualmente, de Marx e Engels) que propicia 0 material indispensvel e adequado para ‘a conhecimento do método que ele descabrix para ‘ estudo da sociedade burguesa. ‘Ométodo de Marx: uma longa claborasio teérica Sabe-se que Marx (1818-1883) inicia efetiva- mente sua trajetdriatedrica em 1841, aos 23 anos, a0 receber o titulo de doutor em Filosofia pela Univer- sidade de Jena, Mas ¢ entre 1843 e 1844, quando se confronta polemicamente com a flosofia de Hegel, sob alinfluéncia materalista de Feuerbach, que cle comega a revelar 0 seu perfil de pensador original (64 dest period o seus texts Para aes judai- owe Gren da asad dete Hee. Intrde). E, porém, com 0 estimulo provocado pelas formulagoes do jovem Engels acer da economia politica que Marx vai dreonares suas pesquisa para a andlise concreta da socisdade toderna, quale que'seexgencrou max entrar da dem, feudal ¢ se estabeieces na Europa Ocidenal na ttansigio do século XVIII a0 XIX: a sociedade bunguesa, De fate, pode-se circunscrever como ¢ problema central da pesquisa marxiana a génese, a ‘omolidacia, odrsenvoivimenta eascondigdes de crise da sociedad burgucss kindada no modo de prodiio capitals Esti peal se ueianlara aera ia teora social ocuparé Marx por cerea de 40 anos. de smeadon dadécada de 1840 téasuamorte—e poe se bealzaroseupontode arranqucnes Manuscrios conto less de 1844 3 sa culminago nos iateriais constittvos &'0 pial (Marx, 1994 © 1468-1978, Alicersando esa peaquisa de toda uma akim do profundo conheeimento que Marx ici em seu trato com os maiorespensadores da cultura ocidental ede sua ativapartipagio nos processospoltico-revlusiondros de sua epoca, fats a laborer do scimolo intact realizado a partir do Renaseimento eda Hisragio Com eleito, a esteutuzagio da teoria marsiana socorreu se cepecialmente de tes inhas-e-forga do pensamento moderne: a filosofia alemi, a eo- ‘nomia politica inglesa eo socialismo francés (Lenin, 1977, p-4-27 35-38). Numa palavra: Marsndo fez {bu ras do conbecimento existente, mas parti eniicamente dee abe insstie na perspectiva critica de Marx em face da heranga cultural de que era legatrio. Nao se trata, como pode parecor a uma visto wulgar de “eritica’, de se posicionar frente ao conhecimento existente para recus-lo ou, na melhor das hipste- se distinguir nele 0 “bom” do “mal”. Em Marx, a citca do conbecimento aeumuladlo consiste em trazer ao exame racional, tornando-08 conscientes, ‘8 seus fundamentes, 0s seus condicionamentose 08 seus limites ao mesmo tempo em que se faz ve tifcagdo dos conteidos dese conhectmento a partic dos prooessoshistéxcosreais. Eassim queeletrataa filosofia le Hegel, os economistaspalitcosingleses (especialmente Smith o Ricardo) eos socialistas que ‘© precederamn (Owen, Fourier etal). “Avangando citicamenteapartrdo conhecimento acumulado, Marxempreenct aandlise da sociedad bhurguesa com onbjetivo de descobrirasua estrtura 2 sun dinimica sta ands, niada ma segunda rete doe anos 1840, conga um lang proceso Se labors aoteriea, no caren de qual Marto > gressvamentedctrminandoometodoadoquado pera S conhecimento vera, verdad, do ela oa {Mandel 1968 Ito quer dizer, simplesmente. que 0 intedo de Mancnao reste de descobertasabrpts ode intuigiesgenisis~a0 contri, rela de ure cemorada insetgaso: de ato, 35 depois de quace 1S anos de pesqunas que Mars ocala cm peso os elementos centais de seu método,fcmlas30 ‘que aparece na “Introd regia em 1857, aos snanuserits gus, publiados pesturcarete, foram. initulados Elements fndomoniis pore erica de sonoma plc, Rasen. 18571858 (Mars 1982, 73-2). Ewslas pouess pginas que se encontram Sinttzaasasbeses cdo metodo queviabilzasa an lise contida 170 capa ea fundaso da tora socal éeMare Teoria, método e pesquisa Antes de sinalizarrapidamente 0 processo inte Jectual que surge resumido na “introdugio” reerida ‘hl Macnee Maa Danese pablo em tree ‘um e-egibonenp sabes Se acima,e mesmo antecipando algo do.contexilo deste texto de 1857, 6 preciso eslareer o significado que feoria tem para Marx. Para el, ateovia no sre ao exae sistem codas formas dadas de umn objet om o pesquisador descrevendo-o detalhadamenteecanstruinda mode Js explicativos para dar enna ~& base de hipdteses ‘que apantam para relagoes de eausneteto— de seu movimento visive, tal como ococre nos procedi- ‘menos da traciqSo empirsta vou positivist. Eno 6 também, a consrugio de enunciados discursivos sobre os quais a chamada comunidade cientifica pale ox ndo estabelecereonsensos intersuletivos, ‘erdadeirsogos de linguagem ouexeriose com bates retécicos, como querem alguns pés-modernos yorard, 2008, Santos 2000, cap.) Para Marx, ateoria€ uma modalidade peculiar reoeupagio a epigrale que, com bastante cued, csclhemos pars encimar cet texto todo comeso S difilem qualquer ici», extaida exatamente 4 Ocapital Marx, 1968.4) Eque naolheoferece- mos, em nome de Marx, wim conjunto de regres para lrientar a pesquisa; também nao colocamos 3 sua

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