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ARTHUR KAUFMANN FILOSOFIA DO DIREITO 959 2a 330) 453 Prefiécio e Traducdo (on) q 4 44. Anténio Ulisses Cortés SERVICO DE EDUCACAQ B BOLSAS FUNDACAO CALOUSTE GULBENKIAN LISBOA Tradugio do original alemio intitulade RECHTSPHILOSOPHIE: Arthur Kaufmann © Verlag C. H. Beck oHG, Miinchen, 1997 Reservados todos os direitos de acordo com a lei Edigio da FUNDACAO CALOUSTE GULBENKIAN Av. de Berna — Lisboa 2004 ISBN 972-31-1003-6 Depésito Loyal n® 208 740/04 CAPITULO 10 AIDEIA DE DIREITO - A JUSTIGA como IGUALDADE (JUSTIGA COMUTATIVA) - JUSTIGA E EQUIDADE Bibliografia: A bibliografia sobre a questi da justica, uma questio vita! da buma- nidade desde ha séculos, é imensa. Em seguida, apenas se indica uma pequena parte tlesea bibliografia: a relacionada com o direito ¢ especialmente a de data mais re- cante, A lista vale para os capitulos 10, 11 ¢ 12, que estio estreitamente relaciona- los, Nao vamos repetir a bibliografia geral dada no ponto LUT da introduczo, em due, {quase sem excepgio, também se discute o tema da justica, Bagolini, L., Justice et Société, 1995; Baruzzi, A., Frejheit, Recht und Gemeinwohl; Gamafragen einer Rechisphilosophie. 1990; Baratta, A., Phitosophie und Steal recht, 1985; Baumann, M., RechuGerechtigkeit in Sprache und Zeit, 1991; Bausch 'T, Ungleichheit und Gerechtigkeit; Eine kritische Reflexion des Rawisschen Unter- schiedsprinzips in diskursethischer Perspektive, 1993; Binder, 1, Rechtsbegrift und Rechtsidee, 1915 (reimpressio 1967); Botticher, E., Gleichbehandlung und Waffen- pleichheit, Uberlegungen um Gleichheitssatz, 1979: Brieskom, N Menschen- Fechte: Eine histrisch-philosophische Grundlegung, 1996; Broekman, Af., Recht und Anthropologie, 1979: Bruner, E., Gerechtigkeit, 3” ed, 1981; Dreier, R.. 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Serd cla um axioma, uma hipétese, uma norma fundamental, um principio regulativo ou uma condigao transcendental do Direito? Em minha opiniao, nao de- veria colocar-se a ideia de Direito demasiado alto, e sim com- preendé-la como “modelo” da ideia de Homem na sua tripla confi- guragao: 0 homem como ser auténomo (como criador do Direito), 0 homem como fim do seu mundo (e portanto também do Direito) e o homem como ser heteronomo (isto é, vinculado ao Direito). (O es- quema 5 nao tem necessariamente que ser lido “a partir de cima”, sendo mais apropriada a leitura “a partir de baixo”: 0 principal é 0 Homem, a ideia de Direito é secundaria). De qualquer modo, existe um consenso alargado no sentido de que a ideia de Direito é 0 mais elevado valor do Direito. E este mais elevado valor é a Justia. O que serd entdo a Justiga? O que seja a justiga nio € algo que se possa dizer ~- e menos ainda do que 0 conceito de direito — numa exacta € conclusiva defi- niggo. absolutamente irredutt- vel, da ética, da filosofia social ¢ j i f- tiga, social, religiosa c_juridica A-justiga surge no entendimento filos6fico e teolégico como a segunda das quatro virtudes cardinais: \prudéncia a, coragem € tem 4 virtudes seguintes as antecedentes). Muito em especial a democracia 226 est4 ligada a forma fundamental da Justiga: o principio da igualdade enquanto sua mais elevada ideia directiva. A igualdade é 0 ethos da democracia. Pense-se nos clissicos do pensamento democritico, Péricles, Sdlon, Tocqueville... Tradicionalmente distingue-se: 1. {a justica objectiva Senquanto instituigdes € sistemas sociais (Direito. Estado, Economia, Fami; lia...); 2.fa justiga subjectivd enqua ana formula | ‘do diréito romano ¢ de Cicero: “Iustitia est constans et perpetua Yoluntas suum cuique tribuens.”' — No que se segue tratamos em primeira linha da Justica objectiva. A pergunta o que é a Justiga responde-se frequentemente: a jus- tiga € no seu cere igualdade. Mas se a justica é essencialmente igualdade, isso significa também, como é 6bvio, que a justica nao € apenas igualdade. Porém, na época posterior a Kant, especialmente ‘AO positivismo, a justica foi reduzida exclusivamente ao principio da igualdade, isto é, 4 proposi¢éo segundo a qual o igual deve ser tra- tado de forma igual ¢ o diferente de modo proporcionalmente dife- rente. Apenas este princ{pio totalmente formal era tido por cientifi- camente seguro, gs contetidos da Justiga, ao invés, ndo poderiam ser objectos da ciéncia, mas pertenceriam, como sobretudo Kelsen ensi- nou, a politica. Caracteristica é a pergunta retérica de Kelsen: O que € a Justiga? — nfo o sabemos nem nunca o saberemos?. A filosofia do Direito, a doutrina da Justiga, limitava-se ao formal. Com Gustav ruch deu-s fio. Ele voltou a filoso- far sobref€ontetidos| Mas também ele — Radbruch era neokantiano — apenas considerava seguras as afirmagdes sobre formas. No que res- peita aos contetdos defendia o relativismo juridico filoséfico ou axiolégico: acerca das diferentes vertentes e dimensdes da ideia de Direito (ver esquema 5, pagina 229) e das suas relagdes reciprocas nao h4, segundo Radbruch, conhecimentos mas apenas conviccdes (mais exactamente: a ciéncia deve mostrar quais sao as proposigées * Uipiano, 1. 1, 1, prs Ctcero, De officiis 1. V. Esta férmula foi mais tarde retomada, em parte literalmente, por Tomds de Aquino, Summa theologica Il, II, 58, 1. 2H, Kelsen, Was ist Gerechtigkeit?, 2° ed. 1975. 227 racionalmente posstveis, por exemplo sobre os contetidos da Justiga, ¢ prepard-las para a decisdo). De inicio, Radbruch falava expressa- mente das “antinomias da ideia de Direito”>. Também segundo Rad- bruch a justiga é igualdade. Mas ele nao se deixa ficar por af. Visto que o principio da igualdade tem uma natureza meramente formal, é necessério um princfpio material, que Radbruch contudo nao conce- bia como imanente A Justiga, mas antes colocava, sob a designagio de “adequacdo”, ao lado da justiga e da seguranga juridica — que se tora necessaria dado que a adequac4o material apenas vale rela- tivamente e estd, por isso, dependente do poder que estabelece 0 que nao pode ser cientificamente estabelecido. Mais tarde Radbruch mo- dificou a sua doutrina sobre a ideia de Direito de forma nao irre- Tevante, caracterizando a justica (igualdade), a adequagao e a segu- ranga Juridica como Ftrés faces da ideia de direitof’ que “dominam c dito em todas as suas vertentes” e cujas contra- digdes nao se devem entender antinomicamente mas antes como um “conflito da justiga consigo mesma”; a partir daqui Radbruch viu-se compelido a apresentar uma “ordem de prevaléncia dos valores da ideia de direito”*. Como resulta do que foi dito e do que se pode ver no esquema S, ica (em sentido amplo) ter a igualdade (justica em sentido estrito), a adequagdo (segundo outra terminologia: justica social ou do bem comum) e a seguranca juridica 2 juridies) Na igualdade est usa a forma lequi deja e-nasegrana julia, fend da ga. Deve, em consequéncia, ser revisto 0 que acima se disse. A dife- renga entre forma, contetido e fungao da Justiga radica na necessi- dade de andlise sistemdtica das diferentes vertentes da Justica. Na > G. Radbruch, Rechtsphilosophie, 8° ed. 1983, p. 1648s. = GRGA, vol. 2, 1993, p. 302 ss. © No original alemao: “ZweckmaBigkeit”. (N. 7.) * G. Radbruch, Vorschule der Rechtsphilosophie, 3.° ed. 1965, p. 32 s. = GRGA, vol. 3, 1990, p. 149, tanabém jé antes idem, Die Problematik der Rechtsidee (1924) = GRGA, vol. 2, 1993, p. 460 ss. 1A tradugdo nao € literal. No original alemio usu-se “Rangordnung der Wer- tideen’”. Radbruch refere-se a este respeito, nomeadamente, &s hipéteses em que a seguranga deve prevalecer sobre a justiga e as hipsteses em que deve suceder 0 inverso: a justiga deve prevalecer sobre a seguranga. (N. T)] 228 verdade, a justiga é sempre simultaneamente forma, contetido e fun- cdo. A realizagdo da igualdade e do bem comum ¢ fungiio da justiga; © principio da igualdade nao é pensdvel sem contetido; o maximo bem comum n&o é determindvel sem forma; e a seguranga juridica nao subsiste por si, pois s6 sera seguro o direito que respeite o prin- cipio da igualdade e a justiga do bem comum. A divisdo aqui seguida nao significa portanto uma diferenga de natureza da justiga, mas an- tes uma diferente acentuagao. Tl. A JUSTICA COMO IGUALDADE, 1. Objecto ou processo? A questao da Justiga move-se em duas direcgdes: 1. O que éa justiga? e 2. Como conht tao Ontolégica ¢ gnosiolégica. Pen: ¢ durante muito tempo, & muitos pensam ainda, que se podia tratar ¢ responder a estas duas questdes, a relativa ao que é 0 contetide_da justica e a relativa a0 modo conto se conhece a justiga, de forma totalmente separada. A justiga apresentava-se como uma realidade substancial exterior, como um “objecto” que se contraporia ao nosso pensamento e€ que deveria ser recebido na sua pura objectividade pelo “sujeito”. No co- nhecimento nao interviria, segundo se julgava, nada do sujeito cog- noscente, De acordo com tal ideia, ainda hoje se ensinam e escrevem “filosofias do direito”, por um lado, e “metodologias”, por outro, praticamente sem qualquer interligagao. Mas 0 esquema cognitivo sujeito/objecto pertence ao passado, mesmo nas ciéncias explicativas da natureza, ¢ mais ainda nas cién- cias hermenéuticas da compreensao. Por isso, nos tltimos tempos tém-se desenvolvido cada vez mais as zcorias processuais da justica, que concebem a justiga, ¢ portanto também “direito justo”, como produto do processo de determinacao de.dieito — pergunta-se “ape- nas” se exclusivamente como produto de um tal processo ou se [pelo contr4rio] este processo tera um fundamento material (“ontolégico”, © que nao significa necessariamente: “ontolégico-substancial”). ({seatoxa09} seoxpynl seuou Sep oUyEUNSOP) ouroug.a1o4 198 oWoo 229 wauleH apopinqsy apepynqosueld — apMPIBOd omy qouotoung vapoadstag GouNquE o aNAd as anb esed sepeyniar 49s saginquord ‘sagsuaio1d “sproug8ixe Se manap sora anb 4og sopSuny (eaippinf 22d ‘onan op apepsgerss owioo edusnf) vorpunf nduninSog. wawoy vossad eURUINE apeprudigy {feiGawepung {oy ep £2 Tt ‘ef O8TMP) OUFOUSINE 395 OOD wawoH stoacayn?® ——_(woytjod woo) sa100a 9p 20pEN9 12}208 $13 enpraspu ‘owoo WaWOH wos wewop] omenbue weWoH apeprunino pepIOL, apeparos sreamyjno saxopeA sopod peps2qr] pwossodsuvs, visqonprepu-pedhig accra ee sanoyay po4a8 aquauomposay opnamog op wanoadssag soone sus sopepissaaou ‘searreizadxa “sassauo1uy {opeynitas 29s anap anb ( sopmauo:> (qe1208 eSnsal ‘winuzos wag op esnsnt “w1)-P190T) opdonbepy pousoyy vapivadsaag aninna wang ‘ovtautp op apeprTrauad Bp 177] our op OFA, {iepta ep sopraumuadusos 50 sopelnfla) 498 woaap ounor) ‘mag (ous opnuss we ednsny) | apopjon’ (oidum opnuas uto winsng) ones ts VAENDSA 230 Sobre as teorias processuais da justiga, tema central da actual filosofia do direito, falar-se-4 mais em pormenor no capitulo 18 (leiam-se também as referéncias feitas na “introdugdo”). 2. Igualdade, semelhanca, equiparacao O principio da igualdade é, como se viu, antes de mais pura- mente formal. Ele afirma tdo-somente o igual deve ser tratado de forma igual ¢ o diferente de modo proporcionalmente diferente. Nao didlo que € iguallou diferente (o que € importante para a configura- ¢ao das previsdes legais) nenfcomo ke deverd tralar o que é igual ou diferente (o que importa sobretudo para a determinagdo das con: quéncias juridicas). Ora acontece que nada no mundo é absoluta- mente igual ou diferente, sendo sempre apenas, por referéncia a um termo de comparagio (tertium comparationis, porventura a “ratio iuris”), mais ou menos semelhante e dissemelhante (por isso é sem- pre logicamente possivel em vez da analogia a conclusao @ contra- rio). Aigualdade é abstracc4o da diferenca e esta, por sua vez, é abs- tracgao da igualdade. Nao ha uma fronteira légica entre igualdade ¢ semelhanga, a igualdade material é sempre apenas semelhanga_por Assim, a igualdade é sempre um acto de eguiparacdo ¢ este acto nao assenta apenas no conhecimento racionat, implicando sempre, ¢ antes de mais, uma decisdo de poder*. Um exemplo. O legislador es- tabelece por forga da sua autoridade que, em relagdo 4 capacidade de exercicio, as criangas desde o nascimento até aos sete anos de idade, as dos sete até aos dezoito anos e os maiores a partir dos dezoito anos de idade so sempre iguais entre si, apesar de uma crianca de sete anos se diferenciar por regra consideravelmente dum menor de de- zassete anos; € na distingdo entre estes trés grupos também se veri- ficam desigualdades: uma pessoa de dezassete anos um dia antes ¢ 5 Sobre a equiparagio, segundo um ponto de vista tido por essencial, do que € diferente, ver, mais em pormenor, A. Kaufmann, Analogie und “Natur der Sache”, 2." ed. 1982, p. 18 ss., esp. p. 26 ss. Sobre o principio da igualdade, em especial sobre a igualdade e a justica social, ver antes de mais H. F Zacher, Soziale Gleichheitssatz und Sozialstaatsprinzip, em: AGR 93 (1968), 341 ss 21 uma outra de dezoito anos um dia depois de fazerem dezoito anos sio legalmente diferenciadas. Ou: nenhum assassin é igual_a outro, mas todos si0 equiparados ao serem punidos com prisiio perpétua. Ou mais um exemplo: fala-se hoje muito dos “direitos da natureza” e em especial dos animais; em que medida e sob que perspectiva (porventura, a capacidade de sofrimento) sao os animais (e quais ani- mais?) semelhantes ou dissemelhantes do Homem?® Ainda hoje o Livro V da “Btica a Nicémaco” de Aristételes € 0 ponto de partida para qualquer reflexao séria sobre a questio da jus- tiga. O cerne da justiga é, ensinava ele, a igualdade. Mas enquanto muito mais tarde (por exemplo Kant) ainda concebeu a justiga como algo formal e numérico (Kant: “se assassinou, tem de morrer..., assim 0 exige a justiga enquanto ideia do poder judicial segundo. leis gerais fundadas a priori”)’, Aristételes compreendeu-a, muito mais adequadamente, como algo proporcional, geométrico, analé- gico. O igual € um meio termo ¢ portanto a justica é o proporcional. A proporgao exige contudo um critério; a analogia, um termo de comparaciio. Aristételes chamou a este critério “valor”. F claro que com isso se convocou 0 ponto cardinal, mas também toda a proble- matica da questio da justiga®. A igualdade é portanto umaljgualdade de relagdes ‘uma corres- pondéncia, uma analogia. O cardcter analégico do ser (que nao se funda necessariamente na doutrina teoldgica da analogia entis problema de Deus) é 0 pressuposto para que possamos alcangar uma ‘ordem no nosso saber e nas nossas relagdes. Se tudo fosse idéntico, se ndo houvesse quaisquer diferengas, entdo seria despropositado, sendo mesmo impossivel, formar diferentes palavras ¢ diferentes normas, Se nao houvesse conexdes entre as coisas, entio terfamos de ter um nome especffico para cada coisa e uma norma especifica para SCE_A. Kaufmann, Gibt es Rechte der Natur?, em: Festschrift fir Giinther Spendel, 1992, p. 59 4s, também em: idem, Uber Gerechtigkeit, 1993, p. 369 ss. Sobre isso, ver também, in- fra p. 447-453, 7 Kant, Metaphysik der Sitten, Edigio da Academia, p. 333 8 # Aristételes, Btica a Nicémaco, 1130b a 1133*. Sobre isto, ver M. Salomon, Der Begriff der Gerechtigkeit bei Aristoteles, 1937. — Ja Plardo se tinha pronunciado de forma sagaz so- bre semelhanga ¢ dissemelhanga no “Parménides”; 144a ss., esp. 147c, 149¢, LOLa-d. 232 cada acgfo. 86 existe ordem com base na analogia do ser, que é algo intermédio entre identidade e diferenga, entre absoluta igualdade e absoluta diversidade (relembrem-se mais uma vez as palavras de Goethe anteriormente citadas na pagina 119). 3. Os tipos de justica J4 Axistételes distinguia, como ainda hoje se faz, dois tipos de justia em que a igualdade se manifestava de duas formas diversas: a justiga comutativa ja commutativa) € a justica di. is quela € a justia entre os dk or natu- reza. mas iguais perante a lei; ela implica a absoluta igualdade entre prestagdo e contraprestacdo, entre aquilo que_a lei considera _equi- valente (mercadoria ¢ prego. dano_e indemnizacdo). Esta, por seu lado, exige a igualdade proporcional no tratamento de uma plurali- dade _de pessoas: a repartigao de direitos ¢ deveres de acordo com critérios de merecimento, capacidade, necessidade, culpa como 6:3 = 4:2, também o assassinio esté para o furto como a pena de prisdo perpétua para a prisdo temporaria). A justiga distributiva é a forma primordial da justiga, pois a justiga comutativa do direito privado pressupée um acto ptiblico da justica distrib itiva, por exe! plo a atribuigio de um status especifico como sejam a pel jade juridica ou a capacidade de exercicio. Por isso, a f6rmula “swan cui- que tribuere” nao pode ser entendida de acordo com um igualita- rismo uniformizante; nao significa, a todos o mesmo, mas a cada um aque € seu, isto é, a oportunidade de se tornar naquilo que tem em si de possibilidades positivas. Tomds de Aquino completou 9 ° sistema aristotélico com uma ter- ceira forma de j a: aJu titia legalis)®, que poe em \+® relevo ofdever no indi por exemplo dever de. votar, deveres judiciais, dever ‘le uso social da propriedade. Ilus- tram-se os trés tipos de justica (igualdade) nos esquemas 6 e 7 (pa- ginas 234 e 235). Como se depreende do esquema 7, a justica distri- butiva propria do direito publico ¢ a justiga comutativa € propria ° Tomas de Aquino, Summa theologica I, U1, 57 $8. 233 do direito privado. Em ambos se impée e vincula a justica legal, o mesmo sucedendo duma forma especffica no direito social. esté intimamente relacionado com um importante imperativo ético, ‘ou seja, com o mandamento de tolerdncia, e & um principio anti- quissimo. Jé na época dos pré-socraticos, imandro _ensinava: tudo o que é, 6-0 enquanto ente na ordem. E isso significa que com aexisténcia se d4 também _um direito a ser e a ser como se é. um di- reito de afirmacio do seu prdéprio ser, e que portanto também se deve deixar o outro ser o que ¢ ¢ como 41°, Isto ouve-se € lé-se tao simplesmente e é contudo tio dificil como o préprio mandamento de tolerancia. Deve deixar-se 0 conde- nado penal ser 0 que € ¢ como €? Certamente nao, mas ele apenas pode ser responsabilizado com estrita: as juridi cesso justo (“in dubio pro reo”). Em todo 0 caso tem de se deixar as personalidades “fora do normal” (se é que ainda hoje se pode ver al- if guém como “fora do normal”), por exemplo aqueles que tém dispo- sigdes homossexuais, serem 0 que so e como sio, quando nao lhes be & possivel identificarem-se com o “normal”. TIL JUSTICA E EQUIDADE Aristoteles também reflectiu sobre a relagao entre justiga e equi- dade, € Com grande acerto, A equidade € apresentada como “justiga do caso concreto” |. Na pratica ela desempenha um papel nao negli- “ genciavel. No direito anglo-americano, que é predominantemente direito casuistico e nao direito legal, a jurisprudéncia da equidade desenvolveu-se como uma instituig&éo de enorme importancia no in- terior da ordem juridica global. O problema estd ent&o em saber como € que a equidade pode ser colocada em campo contra a justia, sendo a justica o valor juridico '® Mais em pormenor, Erik Wolf, Griechisches Rechtsdenken, vol. 1, 1950, p. 226 ss, esp. 233 s. 8 Aristételes, Etica a Nicémaco, 1137a a 1138a. 234 (eonpundejeurs ednsnp) vannemuoo eSnsny Stenprarpul seossag. > sienprarpul seossag paprorrunwon vpIsny apepais0s. (2poppondy vp ordsouped sonuisa opuiuas wa vdysne) (ennsny osusnp y +9 VINANOSA 235 ayminuauos puNsAy (opeang onan) vpeaud eSnsng ‘19 “TeIDOS OrfaaTC] ‘ouLeqeLL, Op OMI bauinquisip onusny eSnsng Coomang onana) [p190s eSusnp 1089] Dysny 4 VINENOSA 236 mais elevado — ou sera que afinal nZo 0 é? Aristdteles deparou-se com este dilema. Por um lado, a equidade seria melhor do que o di- Teito legal, mas, por outro Jado, nao o seria no sentido de pertencer a um género diverso. Vejam-se aqui literalmente as passagens deci- sivas: “A raza i lade esté em que a equidade. t direito, nao é direito legal. mas sim a sua correccdo. Esta pode justi- ficar-se pelo facto de toda a lei ser geral e nao ser possivel, em mui- tos casos, obter uma decisao justa através duma regra geral. Por ve- 125 T HeLeTETG gue e elaelega uma Tegra geral. que no poders ser sempre justa, pois apenas considera a maioria dos casos, 0 que nio significa que se ignorem as omissdes decorrentes desse procedi- mento. E tal procedimento nao deixa de ser correcto. Pois as omis- sdes nao resultam nem da Jei nem do legislador,mas-danatureza do caso’... Assim, quando a lei se pronuncia de forma geral e, segui- damente, surge um caso particular a que essa regra geral nao se ade- qua, é justo, visto que o legislador, pronunciando-se de forma geral, nao teve em vista este caso e 0 ignorou, suprir tal omissdo, tal como 9 proprio legislador teria feito se tivesse 0 caso diante de si e, tendo tomado conhecimento dele, o tivesse contemplado na lei 3. Nao é partante-certe-dizer-que-a equidade é a “‘justica da.caso concreto”. Toda a norma tem de generalizar'*. Uma “norma” indivi- dualizante, uma “norma” especificamente para este, aquele ou aque- loutro caso é uma autocontradigio, nado é uma norma. E evidente que a generalizacdo pode ter diferente amplitude, a norma nao tem de va- ler sempre para todas as pessoas, mas sim para todos os menores, para todos os comerciantes, para todos os assassinos. E neste ponto se distinguem justica e equidade. E uma diferenga de pontos de vista, "2 To gur humartema ouk en to nomo oud en io nomothetei all’ en te physei tou pragmaios estin. No original alemo, as palavras utilizadas para traduzir a expressdo grega “physel tou Ppragmatos” foram: “Natur der Sache”. 13 Este dltimo enunciado também veio a ter um ressurgimento que se tornou célebre, no antigo 12, seco 2, do Cédigo Civil suigo de 1907, onde se diz que, em caso de lacuna (quando lei e 0 direito consuetudindrio sdo omissos), o juiz deve “decidir segundo 2 regra que criaria se Fosse legislador’’ O juiz como legislador! Veja-se também, supra p. 128, esquems 3 '4 Mais em pormenor A. Kaufmann, Generalisierung und Individualisierung ira Rechis- denken, erm: ARSP-Beiheft 45 (1992), p. 77 ss., também em: idem, Uber Gerechtigkeit, 1993, p. 3275s. 237 paradigmaticamente do ponto de vista do legislador, por um lado, e do ponto de vista do juiz, por outro lado: aquele parte da norma ge- ral para 0 caso concreto (dedugdo), este, do caso concret a norma geral (indugao). Também a equidade nao pode portanto considerar e valorar um resultado singular, uma pessoa individual totalmente por si. S6 o poder4 0 arbitrio e - paradoxalmente — a graga, na qual a justiga é efectivamente superada, pois a graca deixa a sua luz brilhar da mesma forma sobre justos e injustos, enquanto a justiga, e nado me- nos a equidade, tém de repartir o que é de cada um em relagdo aos outros (com 0 que se confirma mais uma vez a ideia do caracter re- 'acional do direito). TV. EXCURSO: A PENA JUSTA Sobre a “justiga em geral” poderia ainda dizer-se algo mais, sendo certo que tais desenvolvimentos sempre teriam um considerd- vel grau de abstracgao. Em vez de continuar com este tipo de consi- deragoes, irei, para terminar, ilustrar, através de um exemplo, o modo como se interligam as formas de justiga. Escolho o exemplo da “pena justa” pois, por muito diferentes que as diversas teorias da pena pos- sam ser, todas convergem na tentativa de fundamentar a “pena justa”. Além disso pode explicitar-se através deste exemplo, de forma espe- cialmente impressiva, a doutrina classica da justiga. Nao se deve con- tudo entender isto como se Aristételes tivesse j4 resolvido todos os nossos actuais problemas. Pois tal nfo é verdade. Mas esses modelos cldssicos podem eventualmente servir para ordenar os argumentos ¢ contra-argumentos das miltiplas discussdes quotidianas, tornando claro para cada um € para os outros, a que nivel se estd a argumentar. As consideragdes seguintes nao constituem uma solugao magica para todos os problemas, mas poderao, segundo penso, trazer luz a actual discussio sobre as teorias da pena. A base est4 no esquema 8 (pré- xima pagina), que se pode compreender sem maiores explicagées. Como 0 leitor jd sabe, Kant ainda concebeu a igualdade de modo formal _e numérico, ¢ portanto no espirito do principio de taliao. 238 sootppant suaq ap oySoaio1g teyoos edbnsng I renpiaipur eSnsne pp908 onSopnanuy mspeau yns08 opSuanaid (4 Czorppat wapio rp esayap,,) apapeq08 np opsoriiqnisg zeanisod [e128 opsuaaaig (F jonas opsvndoy SSeuRyUNUNOD sPIDueTIKa se EpENbapE rudd (eroos opssnaradoy aia oysuuanaig apepisogviod wp oyssaidng (9 mioupnsoapy (@ opdnzyoizossoy (e awo8e op apepreuosiad g epenbope rug (onbino wnns) anejar apepjendy prvedsa opsuatarg (umaaoad au anand) miad np soannja souoay paungeeisip vnIsHT eanngunsip sSnisay vdusny nist ouad y (edna vp oxdestodaroy) ovbinginsy (C-oujo sod oufo) euad 2 vdqno anua ‘enjosqe apeprendy opyot ap odyotaeg (280 wnyoo2ad vynb anmund) ‘owed up sormyosqn souoay 8 VAGNOSA 239 O igual tem de ser retribufdo com algo exactamente igual: olho por olho, dente por dente - “Se matou, entio deve morter; nfo existe aqui qualquer outra possibilidade que satisfaga a justiga.”'S Sobre isso Avistétefestivera uma concep¢ao muito diferente e mais ajus- tada da justia como igualdade: nao é a igualdade numérica que re- leva decisivamente mas sim a igualdade proporcional, geométrica, telacional’*. O igual é um meio, diz ele, um meio termo entre 0 ex- cesso e a falta. E visto que o igual é algo intermédio, também o di- teito é algo intermédio e portanto algo proporcional. Para Aristételes a forma decisiva da justiga € a justiga distri- butiva enquanto igualdade proporcional no tratamento duma plu- ralidade de pessoas: a reparti¢ao de direitos e deveres segundo um critério de merecimento, capacidade, necessidade... A justiga dis- tributiva & por outras palavras-0-PrLiciplo suum cuiquetribuere. Ela é a forma primordial da justi¢a, Concordando com Aristdteles em que no direito esté essencial- mente em causa a justiga distributiva e portanto a igualdade propor- cional (e ha argumentos de peso nesse sentido), o principal fim da pena serd a prevencao especial e, dentro desta, em primeira linha a ressocializacao, Ao agente é atribuido “o seu”, aquilo de que precisa Para_que te viver na comuni juridica, para que nao reincida, “Nemo prudens punit, quia peccatum est sed ne pecce- tur’, diz-se em Séneca; todos os juristas conhecem esta frase, mas poucos saberdo que Platdo tinha jé antes dito o mesmo'’. Necess4- ris ua ressocializagéo pode ser precisamente uma rentincia a pena_ou pelo-menos 4 sua execugdo, o que sob o ponto de vista da justiga (da retribuig&o) pareceré_injusto e portanto inadmissivel. ‘ant acentuou alids isso com todo a énfase. 'S Kant, Metaphysik der Sitten (n. 7}, p. 333. A pena de morte no encaixa no sistema das penas de multa ¢ prisio, é uma reliquia de tempos muito passados. Incompreensivelmente ainda se mantém mesmo em sociedades contempordineas como alguns dos Estados federados dos BUA € no Jupio. onde o velho mestre da ciéncia jur{dico-criminal japonesa, Shigemitsu Dando, wer propugnado insistentemente pela sa aholigdo, infetizmente sem ter tido até #0 momento qualquer sucesso (por ultimo, evidentemente em Lingua japonesa: “Towards the Abolition of the Death Penalty”, 1997), 'S Aristételes, Etica a Nicémaco, 11334 ss. ° Séneca, De ira, Liv. 1. cap. xix; Platéo, Leis, 934a. 240 Hoje a palavra de ordem € “estabilizagdo da sociedade”. Com isto ficamos diante da justiga legal que Aristételes tinha pensado integrada na justiga distributiva. A sua autonomizacao torna con- tudo claro.o m culacdo do individuo em face do todo: a propriedade é disy mbém vinculada. Sem dévi que quem viola o direito tem também deveres em face da comuni- dade, devendo suportar encargos que, sob o ponto de vista da so- cializagao, se mostram desnecessdrios ou até mesmo manifesta- mente prejudiciais. O melhor para a ressocializagao do delinquente penal sera muito frequentemente uma pena moderada e nao raras vezes deixé-lo mesmo em liberdade. Mas isto nao pode ser assim, pelo menos, nos crimes mais graves. Af a sociedade nao compactua. O sentimento de fidelidade ao direito das pessoas cumpridoras corromper-se-ia com a absolvicdo ou punicio_ligeira, diz-se. E por isso devem “para defesa da ordem juridica” (§§ 47 I, 56, III, ¢ 59, I, todos do Cédigo Penal), impor-se também aquelas penas, e mesmo penas muito severas, que na perspectiva do agente nao so necessdrias ou sdo até prejudiciais (“prevengdo geral positiva”). Mas o que recomenda aqui 0 “equili- brio”? Precisamente a origindria exigéncia de uma propor¢do: tanto entre virtude ¢ recompensa como entre delito e pena. Pois é precisa- mente “o que exige a justica... de acordo com leis gerais fundadas a priori”. Esta frase de Kanr'® mantém a sua validade, ainda que no com 0 rigorosismo com que ele a pensou. Lancemos ainda um olhar pelo esquema da pagina 238. A pena € em primeira linha um acto da justia distributiva: deve atribuir-se ag agente “o seu”, aquilo que Ih Mas este nao pode ser 0 tinico principio, pois o agente nao existe isolado e ¢ sempre mem- bro duma comunidade. Por isso, a pena tem também de ter em consi- deragao aquilo que é necessdrio 4 comunidade (justicalegal), e aquilo que lhe é necessario, nomeadamente para a manutencio e estabiliza- go da confianga juridica, é antes de mais a certeza de que, a0 facto culpavel, é aplicada a “correspondente” pena (justiga comutativa). ** Kant, Metaphysik der Sitten (n. 7), p. 344. 241 Para a comunidade & necessdrio, como dizem as palavras de Kant, que “se actue em relagio a todos de acordo com 0 valor dos seus ac- tos’”!9. Por isso, aquilo que da “prevengdo geral positiva”’ pertence @ justiga Jegal, chamaria eu antes “reparagdo social”, pois assim fica mais claramente expresso que 0 agente deVE ISSA sawiedade. Tendo em conta que a “prevenco geral positiva” € um acto da justiga Co- motativa, no vejo nenhuma razdo para nao utilizar a expressio tra- dicional “retribuieae>- O princip: (Jim da pena, portanto, a prevencdo especial, e par- ticularmente a ressocializagao. A ela acrescem os outros fins da pena: retribuigdo (compensagao da culpa) e reparagdo social delimitando e moditicando (podenias deixar de parte a intimidagao). A tutela de bens juridicos, que esta fundamentalmente sempre em causa na pena estadual, nao é um fim auténomo ao lado dos outros trés, ndo é um aspecto parcial da.pena endo antes © resultado duma articulagdo 6ptima entre elite fins da pends Uma das numerosas consequéncias politico-criminais que resul- tam do que foi dito respeita & pena de prisio perpéta. O problema central é o de saber se uma pena, que do ponto de vista da preven- ¢fo_social nunca se justificaria, pode ainda considerar-se defens4- vel em nome da estabilizagdo da sociedade. Talvez tenhamos que responder afirmativamente rebus sic stantibus, isto é, no quadro de relagdes actualmente existente. Mas certamente chegard o dia em que a sociedade mantenha 0 seu equilibrio, mesmo sem reagir ao as- sassinio com prisao perpétua, Também a “pena justa” tem uma me- dida histérica. Ela tem de ser constantemente redefinida. Todavia, sem um ponto de orientagao cai-se facilmente no efémero e desvin- culado. 18 Kant, Metaphysik der Sitten (n. 7), p. 333. CAPITULO 11 A IDEIA DE DIREITO - A JUSTIGA COMO JUSTIGA SOCIAL (JUSTIGA DO BEM COMUM, ADEQUAGAO) Bibliografia: Ver capitulo 10. 1A DOUTRINA DOS BENS ETICOS 1. Socializacao: a comunista ¢ a crista O princy mal. mate! do direito. Importa saber 0 que corresponde ao maximo bem comum. Esta questio é objecto tanto da doutrina dos bens éticos como da justiga social, que, apesar de se interligarem de varias formas, néo se identificam (sobre a delimitagdo ver, mais em pormenor, infra, capitulo 14: Direito e Moral). Desempenha af um papel de relevo 0 principio da universalizagao: 0 que é o bem, 0 justo para todos?! Varias correntes tentaram uma resposta: 0 hedonismo, o eudemonismo, da igualdade é predominantemente de natureza for- © No original alemao: “Zweckmiigheit”. (N. 7.) © No original alemao: “Zweckidee”. (¥. 7.) Toda a norma tem de universalizar mesmo quando também possa especializar. Uma “norma” que pretenda valer apenas para determinados individuos, para determinados casos concretos, nao é uma norma, Por isso, as generalizagdes (como ja antes se disse) sao “equipa- rages de realidades diferentes segundo @ medida dum termo de comparago” e, portanto, exercicio do poder. Nao hd aqui nada de errado, s6 temos de o saber e estar preparados para isso. Cf., detalhadamente sobre isso, A. Kaufinann, Generalisicrung und Individualisierung im Rechtsdenken, em: ARSP- Beiheft 45 (1992), 77 ss., também idem, Uber Gerechtigkeit, 1993, p. 327 ss. 244 © pragmatismo, o utilitarismo, o perfeccionismo ético... Ao longo de todos os tempos os grandes filésofos perguntaram pelo “bem su- premo” que deve ser 0 objectivo de todo o agir moral: Aristételes (Etica a Nicémaco), Cicero (De finibus bonorum et malorum), Agostinho (De beata vita), Kant (Metafisica dos Costumes). Mas 0 bonum commune nao € apenas um tema para os filésofos, ele apela para todos os que se encontram na vida ptiblica. Em ultima andlise, os Programas dos Partidos Politicos sao sempre tentativas de dar res- posta a quest&o de saber como é que se pode realizar o bem comum. A ordem é uma das mais elementares necessidades da humanidade; o homem pode (provisoriamente) viver sem medicina cientifica, mas nao sem ordem?. O “Manifesto Comunista” de Marx e Engels (1872) constitui precisamente o projecto dum modelo de bem comum, ¢ 0 mesmo sticede com as Enciclicas papais desde a “Rerum Novarum” de Ledo X#if (1891) até a “Centesimus annus” de Jodo Paulo IT (1991). Apesar das enormes diferengas que existem entre o “Mani- festo Comunista” e as Enciclicas dos Papas, ha também convergén- cias que a primeira vista provavelmente nao se imaginam. Por alguns leitores da anterior edigdo deste livro terem achado que deviam nele ser incluidos os textos a que esta afirmagio se refere, eles serdo aqui transcritos. — Do “Manifesto Comunista” de Marx e Engels, 1872: Toda a sociedade se divide cada vez mais em dois grandes cam- pos inimigos, em duas grandes classes diametralmente opostas: a burguesia e o proletariado... A burguesia... substituiu a exploragao velada, por ilusées religiosas e politicas, por uma exploragdo desca- rada, directa e brutal... A burguesia suprime cada vez mais a repar- tigdo dos meios de produgdo, da propriedade e da populagdo. Aglo- merou a populagao, centralizou os meios de producdo e concentrou a propriedade num pequeno nimero de mdos... A medida que cresce @ burguesia, quer dizer, 0 capital, desenvolve-se também o proteta- 7 A questo do interesse individual ¢ do interesse comum & até um tema para sistemas 50- ciais do tipo dos das abelhas. Ver, W. Fikentscher, Oikos und Polis und die Moral der Bienen ~ eine Skizze 21 Gemein-und Eigenmutz, em: F Haft et al. (org.), Suafgerechtigkeit; Fest- schrift fr Arthur Kaufmann, 1993, p. 71 ss. 245 riado, a classe dos operdrios modernos que ndo vivem sendo na con- digdo de encontrarem trabalho... Estes operdrios, obrigados a ven- der-se dia a dia, so uma mercadoria, um artigo de comércio como qualquer outro... Eles ndo sdo apenas os escravos da classe bur- guesa... eles sdo, diariamente a todas as horas, os escravos da md- quina, do contramestre e sobretudo do préprio burgués fabricante... O proletariado passa por diferentes etapas de desenvolvimento... OS conflitos entre operdrio individual e burgués individual assumem cada vez mais o cardcter de conflitos entre duas classes. Os operd- rios comecam por formar coaliz6es contra os burgueses; juntam-se para defesa dos seus saldrios... O Lumpenproletariado™, esse apo- drecimento passivo das camadas mais baixas da vetha sociedade pode ser arrastado para o movimento por uma revolugdo proletdria... Todas as sociedades anteriores... se basearam no antagonismo entre classes opressoras e classes oprimidas... Os comunistas sdo... 0 sector mais resoluto dos partidos operdrios de todos os paises... O objectivo imediato dos comunistas é 0 mesmo que o de todos os outros par- tidos proletdrios: constituigdo dos protetdrios em classe, derruba- mento da dominagdo burguesa, conquista do poder politico pelo proletariado... Q que caracteriza o comunismo ndo é 4 aboligdo da propriedade em geral_ mas antes 4. aboligdoda, propriedade bur- _guesa.. Vos {a burguesia] ficais horrorizados por querermos abolir a propriedade privada. Mas na vossa sociedade actual @ proprie- dade privada esté abolida para nove décimas dos seus membros... O comunismo nao tira a ninguém a faculdade de se apropriar dos produtos sociais, tira apenas o poder de subjugar 0 trabalho alheio por meio dessa apropriagdo... Jd acima vimos que 0 primeiro passo da revolucao operdria é a elevagao do proletariado a classe domi- nante, a conquista da democracia... O proletariado servir-se-a da sua supremacia politica para retirar pouco a pouco Q burguesia todo o capital, para centralizar todos os instrumentos de produgéo nas maos do Estado... Os comunistas declaram abertamente que os seus objectivos sé podem ser alcangados através da subversdo ©) No original alemdo: “Lumpenproletariat”. E 0 proletariado sem consciéncia de classe. (.T) 246 violenta de toda a ordem social actual... Proletdrios de todos os paises, uni-vos! — Da Enciclica “Populorum Progressio”, do papa Paulo VI, 1967 (n°*23 ¢ 24): A propriedade privada ndo constitui para ninguém um direito in- condicional ¢ absoluto. Ninguém tem direito de reservar para seu uso exclusive aquilo que é supérfluo, quando a outros falta 0 neces- sdrio. Numa palavra, “o direito de propriedade nunca deve exercer- -se em detrimento do bem comum, segundo a doutrina tradicional dos padres da Igreja e dos grandes teélogos”. Surgindo algum con- flito “entre os direitos privados adquiridos ¢ as exigéncias comuni- térias primordiais”, é ao poder piiblico que 0 compete “resolver, com a participagdo activa das pessoas e dos grupos sociais” [aqui € citado Santo Ambrosio]. O bem comum exige por vezes a expropria- ¢do [11], se certos dominios formam um obstdculo a prosperidade colectiva, pelo facto da sua extenséo, da sua exploragdo fraca ou nula, da miséria que dat resulta para as populagées, do prejuizo considerdvel causado aos interesses do pais. — Da Enctclica “Laborem Exercens” do papa Jodo Paulo Ul, 1981 (n2 14): Por outras palayras, a propriedade, segundo o ensino da Igreja, nunca foi entendida de maneira a poder constituir motivo de con- traste social no trabalho. Conforme jd foi recordado acima, a pro- priedade adquire-se primeiro que tudo pelo trabalho e para servir ao trabalho. E isto diz respeito de modo particular & propriedade dos meios de produgdo, Considerd-los isoladamente, como um con- junto a parte da propriedade, com o fim de os contrapor, sob a forma do “capital”, ao “trabalho” e, mais ainda, com o fim de explorar 0 trabalho, é contrdrio a prépria natureza de tais meios e 4 sua posse. Estes néio podem ser possuidos contra 0 trabalho, como ndo podem ser possutdos apenas para serem possuidos, porque o unico titulo le- gitimo para a sua posse — ¢ isto tanto sob a forma da propriedade privada como sob a forma da propriedade piblica ou colectiva — é que eles sirvam ao trabalho; e que, consequentemente, servindo ao trabalho, tornem posstvel a realizagao do primeiro principio desta ordem, que é o destino universal dos bens e o direito ao seu uso 247 comum. Sob este ponto de vista, em consideragdo do trabalho hu- mano e do acesso comum aos bens destinados ao homem, nao é de excluir a socializacao de certos meios de produgao, contanto que se verifiquem as condigées opertunas. Vimmos 0 “Manifesto Comunista” e duas Enciclicas sociais dos Papas. Nao se pode negar que existem pontos de contacto. Tal nao nos permite naturalmente ignorar que entre Marx e Engels, por um lado, e os Papas, pot outro lado, existe uma profunda divergéncia ou até antagonismo. Muito provavelmente ambos os lados, os marxis- tas-comunistas e os Papas, iriam, desde logo, lamentar o facto de ser aqui feita uma comparacao. Os autores do “Manifesto Comunista” opunham-se tenazmente 2 m “socialismo clerical”, que pretenda “dar a0 ascetismo cristio uma matriz socialista”, e, como que pretendendo condenar as enci- clicas sociais dos Papas antes mesmo de elas serem escritas, acres- centavam: “Nao levantou também o Cristianismo a sua voz contra a propriedade privada, contra o casamento, contra o Estado?... O so- cialismo cristao € apenas a 4gua benta com que o clero consagra a irritacdo dos aristocratas.” E o que sucede do outro lado? Em que medida se pretende mesmo seriamente a expropriagdo ¢ socializagdo em caso de mau uso da propriedade? Sem diivida alguma que elas nao sao defendi- das com a mesma énfase com que se reclamam os mandamentos e proibigdes no Ambito da familia, sexualidade, contracepgiio, aborto, métodos de inseminag4o artificial... Diferentemente de Jesus (Lucas 6,24: “Pobres de v6s que sois ricos”), no ha indignagao perante o luxo dos excessivamente ricos. Em que medida leva realmente a sé- tio o Papa a sua afirmacao, de que a justificagdo da propriedade pri- vada e do patrim6nio é unicamente 0 trabalho, sendo certo que a rea- lidade faz dela tabua rasa. Ser4 realmente pior a contracepcao do que a injustiga social? Melhor do que através de muitas palavras, pode caracterizar-se 0 conhecimento que se tem das Encicticas sociais do Papa através dum acontecimento. De acordo com uma noticia saida no jornal Siiddeutsche Zeitung, aconteceu, em Junho de 1996 no Parlamento alemfo, o seguinte: quando o deputado do Partido Social Democratico (SPD), Hans-Jochen Vogel (catolico), leu em voz alta 0 248 texto de Jodo Paulo LH! acima citado, sem antes nomear 0 autor, di- fundiu-se na bancada democrata-crista uma notéria sensagio de in- tranquilidade — especulou-se se seria “socialismo” ou até “comu- nismo” —, a penosa consternagiio sé se desvaneceu quando Vogel nomeou a fonte. Nao estarfio as Encielicas sociais dirigidas antes de mais aos politicos cristéos? Estes, porém, no as conhecem. As oposigGes so invencivelmente amplas. Tanto mais sendo no- tério que, no 4mbito da economia, trabalho e propriedade, ha exi- géncias 140 elementares que mesmo forgas reciprocamente opostas ou até hostis estio dispostas a reconhecé-las de igual modo ainda que apenas no plano verbal. E precisamente o que sucede com os direitos humanos. O que aqui se mostrou confirma-se também de outro modo: a escolha das palavras é por vezes muito diversa. Enquanto a ética tra- dicional fala de “bonuwm” e portanto também de “bonum commune” (sendo verdade que ainda hoje se utiliza na ciéncia juridica a palavra “bem juridico”), a tendéncia de tempos mais recentes é no sentido de se colocar, no seu lugar, o “fim” (Rudolf v. Jhering) ou o “interesse” (Philipp Heck). E aqui especialmente de mencionar Weber ea —¥p Sua distingao entre racionalidade finalistica ¢ racionalidade valara- tiva™. O acento ténico esta na racionalidade finalistica, que € alheia a valores; a racionalidade valorativa, que nao est4 ao alcance dum processo cientifico, tem apenas 0 significado restrito de um correc- tivo. Em Max Weber 0s valores sip reconduzidos_a0 relativismo. Nessa medida, verifica-se um paralelo com Gustav Radbruch que fala também de “fins” ¢ de “adequagiio”. Mas para Radbruch os fins nao sao valorativamente neutros; ele equipara até com relativa fre- quéncia valor e fim. Ele é, evidentemente, como Weber, um defensor do relativismo axiolégico, mas os valores sio, segundo Radbruch, pass{veis, ainda que apenas limitadamente, duma discussao cienti- fica (j4 na proxima parte deste capitulo se falara disso). Deve ainda chamar-se a atengdo para 0 seguinte: existe actual- mente um vivo debate sobre a questdo de saber, se a ética deve ser empreendida como ética dos bens e da virtude (€tica objectiva e sub- No original alemdo: “Zweckrationalitit” e “Wertrationalitat”. (N. T.) 249 ou antes como ética orientada por regras (ética essual, ética do Giscurso), Sobre 4 tica do discurso, algo se diré no capitulo 18. Ela no excluia ética dos hens, O principal erro neste debate esti em se considerar a relagdo entre os dois tipos de éticas como uma re- lagdo de exclusdo (“ow..., ow...”); sendo certo que na. yerdade elas. pdose excluem. A ética processual, especialmente_a_ética do.dis- curso, nao pode, por si 6 chegar a nenhuma afirmagiio sobre.0.que se deve fazer, quando, apesar disso, faz tais afirmagGes, elas sao sub- -repticias. Por outro lado, uma pura ética dos bens conduz facilmente Ahipostasiago _e ontologizagao do “bem supremo”. Assim, nao existe qualquer incongruéncia em, neste capitulo, nos dedicarmos um pouco 2 ética dos bens ¢ mais tarde, noutro contexto, falarmos da ética do discurso?. 2.A doutrina tripartida de Radbruch sobre os fins supremos do direito e 0 relativisme jusfilosofico A teoria da adequagao do direito de Radbruch nao é seguramente a Gltima palavra sobre esta matéria. Mas ela constitui um marco no desenvolvimento duma concep¢aio material de justiga, que nao se pode deixar de lado. A discussio deverd sempre ponderar seriamente esta tentativa. Radbruch expos a sua teoria da adequagio do direito, primeiro, nos Grundziigen der Rechtsphilosophie [Principio de Filosofia do Direito] de 1914 e, depois, na Rechtsphilosophie [Filosofia do di- reito] de 19324. Aqui seguimos as Vorschule der Rechtsphilosophie [Curso Elementar de Filosofia do Direito] de 1947, quer por se tratar duma exposigao muito condensada, quer por ser a expressao auténtica ultima de Radbruch sobre esta questio*. Transcrevemos literalmente as respectivas passagens, pois nao é possivel ser a0 rigoroso de forma mais sucinta: 5 Informative: U. Steinvorth, Klassische und modeme Ethik; Grundlinien einer materia- len Moraltheorie, 1990. 4G, Radbruch, Grurdlztige der Rechtsphilosophie, 1914, p. 82 ss.; idem, Rechtsphiloso- phie, 32 ed. 1932, p. 50 ss. (8. ed. 1983, p. 142 ss.). Ambos agora em GRGA, vol. 2, 1993. 5G, Radbruch, Vorschule der Rechtsphilosophie, 1947, p. 26 ss. (3.* ed. 1965, p. 27 ss.) =GRGA, vol. 3, p. 145 55. > 250 Para a dedugdo de proposigées juridicas, a justiga teré de ser complementada pela adequagao a fins. Por “fim do direito” nao se deve.entender uma determinacdo empirica de fim, mas sim a devida ideia-fim. Enquanto o conceito de justiga pertence 4 filosofia do direito, a ideia-fim tem que se procurar na ética. A ética integra a doutrina do dever e a doutrina dos bens. Deve entender-se por bens éticos os valores que constituem o contetido dos deveres éti- cos. Q fim do direito tanto pode estar referido aos bens éticos como aos deveres éticos, ‘Na doutrina dos bens éticos podem distinguir-se trés grupos de valores em fungado da natureza dos seus portadores: 0 portador do primeiro é a personalidade individual, do segundo a personalidade colectiva, do terceiro a obra cultural, Consoante a ordem de preva- léncia destes trés tipos de valores, distinguimos trés sistemas de va- lores: para o sistema individualista os bens supremos sdo os valores da personalidade individual, para o sistema supra-individualista sdo os valores da personalidade colectiva e para o sistema trans- personalista séo as 1 ‘ais. [As formas de convivéncia hue correspondem aos trés portado- res de valores sdo a “sociedade” individualista, a “colectividade” supra-individualista e a “comunidade” transpessoal. Para ilustra- ¢ao da ideia, pense-se na sociedade como uma relagao contratual, na colectividade como um organismo do tipo do corpo humano e na comunidade de criagdo de obras culturais como um_consércio de construtores em que os seus membros nao estdo ligados directa- mente pessoa a pessoa, mas sim indirectamenie através de uma obra comum. O ideal de cada uma dessas trés_ forma, jaisde con. vivéncia pode exprimir-se sucintamente:berdade, poder. cultura. O ideal individualista é a liberdade e ele encontra forma politico- -partiddria nos partidos liberais, democrdticos e socialistas. Se- gundo a concep¢ao liberal, o valor da personalidade é — matemati- camente falando — um valor infinito e, portanto, ndo multiplicdvel, e que tem o direito de se impor mesmo face a relevantes interesses da maioria. O pensamento demacrdtice, ao invés, apenas lhe atribui um valor finito, ou seja, a soma dos valores da personalidade duma maioria prevalecem sobre os duma minoria. Enquanto a democracia

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