Você está na página 1de 2
Revista de Economia Politica, Vol. 6, n? 4, outubro-dezembro/ 1986 A ECONOMIA BRASILEIRA EM MARCHA FORCADA ANTONIO BARROS DE CASTRO E FRANCISCO EDUARDO PIRES DE SOUZA RIO DE JANEIRO, PAZ E TERRA, 1985 alvoroco causado pela implantagao do Plano Cruzado fez com que a obra em andlise nao viesse a receber da parte do piblico especializado toda a tengo que merece pelas suas elevadas qualida- des, dentre as quais se destaca a defesa ponderada € tecnicamente competente de posigdes inéditas, pelo menos até ha bem pouco tempo. livro compde-se na verdade de trés textos de autorias diferentes: 0 primeiro, escrito por Castro, procura desvendar o que ocorreu na economia bra- sileira no periodo 1974-84, defendendo a tese de, que muito mais do que um ajustamento a fatores conjunturais adversos, a realidade brasileira viven- ciou uma significativa transformacao em sua es- trutura, cuja compreenséo é fundamental para o equacionamento dos problemas maiores a serem enfrentados pelo pais. O segundo texto, cujo autor € Souza, lida especificamente com a questo da di- vida externa enfatizando as metamorfoses por que tem passado nos iiltimos dezessete- anos. O tercei- 10, escrito por ambos, refere-se a problemas ¢ pseudoproblemas presentes no limiar do cresci- mento econdmico que o pais estaria comeyando agora a conhecer. ‘O trabalho de Castro é sem divvida a parte mais importante do livro e, embora os textos comple- mentares possam ser lidos de forma independente, & em conexo com o primeiro que adquirem seu pleno significado. Por isso mesmo vamos limitar esta resenha a contribuicao de Castro. Tem ela como referéncia basica, em primeiro lugar, a drastica mudanga ocorrida nas relagdes da economia brasileira com 0 exterior, no curto espa- G0 de dois anos (1983 ¢ 1984): a eliminag&o do imenso déficit de transagdes correntes, a conten- ‘co do galopante crescimento da divida e a recons- tituigdo parcial do nivel das reservas internacio- nais. E, em segundo lugar, a interpretag#o ampla- mente difundida de que essas mudangas so 0 resultado da politica de ajustamento posta em pratica desde fins de 1982, a partir de medidas vin- culadas as areas monetaria, fiscal, de salarios € cambio. Na opinido do autor, tal interpretago est ex- tremamente equivocada pois tais mudangas teriam ‘origem no que ele denomina de estratégia de 1974, ‘ou seja, a opco no sentido de no deter ¢ sim de, vigorosamente, redirecionar a expansBo em curso na economia. Como decorréncia, em 1984, quan- do se encerra de forma abrupta o intenso perido de crescimento iniciado em 1967, a economia se en- contra em plena mutac&o, com escalas e estruturas profundamente alteradas o que explicaria, no fun- damental, as mudangas apontadas no seu relacio- namento com o exterior. Dentre os principais frutos dessa estratégia destaca-se 0 excepcional comportamento das im- portagdes brasileiras através do surgimento de uma insuspeitada margem de compressto: hé uma queda de nada menos do que 32% entre 1982 € 1984, A explicaco para isto residiria na presenca de um grupo de produtos cuja importagao declina acentuadamente, havendo dentre eles, inclusive, alguns que comegam a ser exportados. Em conjun- to esses produtos tiveram sua importagdo reduzida em 60% no periodo 1980-83. A caracteristica comum a esses produtos € a sua participag4o em programas apoiados pelo II PND, destacando-se os metais no ferrosos, os produtos quimicos, o papel ¢ a celulose, os fertili- zantes € 08 produtos siderirgicos. Em termos mais genéricos, 0 que ocorreu foi mais uma vez um processo de substituicdo de im- portagdes, so que agora desviando-se do padrio ldssico por n4o implicar a criaglo de novas neces- sidades de importag&o. Neste caso € por se basear 157 predominantemente no campo dos insumos bisi- cos e, em menor medida, no setor de bens de capi- tal, 0 processo conduz a um decréscimo liquido no gasto de divisas. O autor procura, inclusive, quan- tificar 0 ganho de divisas originado dos programas setori Como as raizes do fendmeno detectado por Castro situam-se nos pressupostos ¢ nas prescri ‘ges do II PND, um bom pedaco do texto ¢ dedica- do ao exame desse documento ¢ das medidas que nele se fundamentam. Nesse contexto cabe desta- que opedo pela manutencao da politica de finan- ciamento ao invés de uma politica de ajustamento, ‘mas com a inten¢do consciente (e ousada) de supe- rar, conjuntamente, a crise ¢ o subdesenvolvimen- to. Em outros termos: contrariando a sabedoria convencional segundo a qual cedo ou tarde o ajus- tamento deve ocorrer, ¢ quanto mais tardiamente maior sera 0 seu prego, os responsaveis pela estra- tégia de 74 teriam vislumbrado a possibilidade de nao apenas sustentar a conjuntura — impedindo com isso uma descontinuidade de consequiéncia imprevisiveis — como também modificar a longo prazo a estrutura produtiva em dire¢4o @ uma mo- derna economia industrial. A partir desses objetivos foram definidos os setores prioritarios, em geral capital e tecnologia intensivos, que melhor pudessem combater a vul- nerabilidade recentemente manifestada pela eco- nomia, “mediante agdes que se estendem da busca do auto-abustecimento, ao desenvolvimento de ‘novas vantagens comparativas’’. O passo seguinte diz respeito ao esforco de canalizagao dos recursos 158 de capital para esses setores via estimulos varios a iniciativa privada e, especialmente — embora isto nunca fosse explicitado —, por meio da atuagao da ‘empresa piblica. Finda a custosa marcha forcada iniciada em 1974 — ¢ tornada mais penosa pela equivocada po- litiea macroecondmica inaugurada em fins de 1980 — 0 pais passa a contar com uma nova base e um amplo campo de possibilidades. E — diferente- mente do ocorrido no periodo 1968-73 — a econo- mia ndo mais depende da concentragao de renda interna para a colocasao de seus produtos de /ixo ois seu novo nivel de qualificavao permite o aces- so a um amplo mercado externo. A partir desta nova base — acredita o autor — “crescimento e concentragao nao mais se conjugam, e a sindrome de Belindia (recentemente agravada) no mais po- de ser atribuida a logica perversa da economia”. Procurando melhor caracterizar suas posigdes © autor enriquece o trabalho com varios dados es- tatisticos e com os principais contra-argumentos que podem ser encontrados na literatura relevante. Em sintese, podemos afirmar com tranquilida- de que se trata de um trabalho cientifico extrema- mente sério, ¢ uma real contribui¢do para o avango da Economia Politica em nosso pais. E ainda, que 0s dois textos complementares, aqui nfo comenta- dos, embora menos sofisticados enquanto esforgo intelectual, ndo se afastam do nivel de qualidade que marca o objeto desta resenha. Carlos Ernesto Ferreira

Você também pode gostar