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CADERNOS FUNDAP - Sto Paulo Ano §-NO11- pigs. 61:68 Jul/1985 Contrato de permissdo e concessao de usos e © presente artigo desdobra-se em duas partes distintas: a primeira parte discorre sobre 0 Contrato de Permissfo e de Concessiio de Usos e de Servicos, de aspecto tebrico, deten: dose mais sobre a Permissio de Uso do que sobre a Conces: So de Usos e de Servicas Péblicos, tema cuja magnitude re clamaria, por certo, uma exposigfo inteira, Na segunda par- te, examinar-se-6 0 casulsmo que a Permissfo de Uso it dubitavelmente proporciona. © tema deste artigo — “Contrato de Permissfo e Concessfo de Usos e de Servigos” — trata, tipicamente, de problemas de Direito Administrative, mas em que se vislumbram ‘uns reflexos de Direito Civil. Desde logo, porém, gostaria de destacar essa profunda dife- renga conceitual ¢ estrutural entre os dois Direitos, bem sa- lientada por Maurice Hauriou: o Direito Civil é estritamente fundado sobre a idéia da igualdade, 20 passo que o Direito Administrative © 6 sobre a idéia de prerrogativa da Admi- nistraclo Publica. De fato, como adverte Gaston Jése, of problemas de Direito Administrative tém de ser sempre ‘considerados de dois angulos, de dois pontos de vista:o da técnica juridica e 0 da técnica politica ‘Aquele que pretende considerar as instituigdes ou os servi- (G05 pablicas somente do ponto de vista jurfdico, ou ento somente do ponto de vista politico, certamente desfigura- Jos e, infelizmente, de modo irrepardvel. No se imagine, servicos Weshington de Barros Monteiro Professor-Tiular de Direto Civil de Faculdade de Diraito da USP todavia, que 0 Direito Administrative venha a ser um Direi +o especial, adrede criado, sob medida, exclusivamente para favorecer a Administrago Pablica e desequilibrar em favor desta @ lei da igualdade em matéria contratual. E to falso ‘esse exagero como 0 ¢ 0 desconhecimento do predominio do interesse piblico sob 0 interesse privado, Se a igualdade ¢ a forca mais elementar e mais sensivel da justica, a predominincia do interesse piblico tobre o inte- reste privado é uma verdade que transpSe os séculos, domi- nando todo panorama jur(dico contemporineo. Mas por ‘outro lado, cumpre ter presente 0 que escreveu Fritz Fiei nner em seu tratado de Direito Administrativo: “num Estado de Direito, 36 se conoebe uma administragio publica, con- forme a tei”. Conquanto os érgos administrativos se ache submetidos as ragras de direito, a posicdo deles em relacto a lei é praticamente a mesma dos tribunsis, mas com 2 diferenga de que enquanto 0 fim colimado pelos tribunais judiciais 6 a aplicago da lei, 0 fim da Administracgo ¢ a aplicagSo do direito para alcancar seus objetivos, Comecemos por relembrar que 0 Direito Civil, dentro da sua visbo global das coisas, prev’ expressamente 0 uso de bens perticulares por outras pessoas que nfo os seus pré- prios donos, Semelhante utilizacto pode dar-se a varios titu- los que vo desde a simples Permissfo ou Tolerancia con- Permissfo € concesso de usos ¢ servigos twmplada no artigo 497 do Codigo Civil, até outras situa ‘obes bem mais complexas, bem msis estéveis, como as resul- tantes dos Contratos de Locagio, de Comodato e de Parce- Agricola, Tal utlizaco pode até mesmo assumir 2 feicdo de um Direito real, a exemplo do que sucede not casos de Usufruto, Uso e Habitacko, isto é, as chamads ServidBes Pessoais, inclusive as Serviddes Reais e as Servid&es Prediais. Todas essas relackes juridicas a que acabo de me referir re- ger-se-o exclusivamente pelos cénones do Direito Privado, com observincis de matéria contratual, de seus trés prin: clpios fundamentals, de seus tr8s principios cléssicos:a “au tonomia da vontade”, a “supremacia da ordem publica” e "obrigatoriedade das convenes", pacta sunt servanda. © contrato ¢ o mado permanente de expressdo da liberdade no Ocidente. Como teve oportunidade de proclamar Michel Vasseur, “contratar € antes de tudo ser livre”, mas, assim como existe 2 utiliza¢S0 de bens privados por pessoas particulares, igualmente existe a utilizagdo de bens part cculares pelas pessoas juridicas de Direito Publica Interno, Por exemplo: no proprio Cédigo Civil, artigo 591, ache-se disposto in verbis, “em caso de perigo iminente como gu 1a ou comordo intestina, poderdo 2s autoridades competen tes usar da propriedade particular até onde © bem piblico exija, garantindo 20 proprietdrio 0 direito a indenizacto posterior”, ‘A Emenda Constitucional n° 1, de 17 de outubro de 1969, fem seu artigo 153, pardgrafo 22, ultima parte, torna a repe- tir: “em caso de perigo pUblico iminente as autoridades competentes poderéo usar da propriedade particular, asse- (gurada a0 proprietério indenizacdo ulterior”. Para nfo nos alongarmos demasiadamente, 0 dltimo exem: plo de utilizec8o de coisa privads por entidade de direito ppiblico se acha expresso em nosso Cédigo Eleitoral, Lei n® 4,737, de 15/07/65, artigo 135, pardgrato 3%: “A propriede- de particular deve ser cedida obrigatoria e gratuitamente pa: ra 0 funcionamento das mesas receptoras, nos dias de lei ‘¢lo”. Acrescente-se que a desobediéncia a esta determina- 60 legal pode até configurar uma intracdo eleitoral, punida Com penas mais ov menos graves e severas. Mas, a0 lado des- sa utilizacSo de bens particulares, nfo s6 por pessoas priva ddas como também por pessoas administrativas, existe igual- mente a utilizacdo de Bens Publicos, tanto por pessoas pri vades como igualmente por outras entidades. Em alguns ca 08, essa utilizago de Bens Pablicos vem a ser até condi¢So ‘essenciat 20 notto bem-estar @ a nossa propria existéncia, ‘como 0 direito de sair & rua, 0 direito de transitar pelos lu- ‘gates pOblicos, 0 direito de sentarse num banco de jardim ‘ou numa praca publica, Esté em jogo, entlo, a liberdade de it e vir, que constitui ume des garantias individuais assegura- da pela nossa ConstituicSo, A utilizago dos Bens Pablicos pelos particulares ¢ disciplinada por normas de direito pi blico, atheias ou estranhas a0 direito comum, em muitos ca- 52 sos até derrogetérias deste, Nessa matéria contudo, seré preciso que tenhamos 0 cuidado de Filadelto Azevedo, o otdvel ministro do Supremo Tribunal Federal, isto é, 0 cuidado de nfo olhar com othos de civilista ax relagbes jurfdicas de Direito Pablico, Embora o Direito Publico e © Direito Privado no estejam separados por um abismo, ¢ @ expresso nfo é minha pordm de Fritz Fleiner no seu jé citado tratado de Direito Administrativo, tm cada um eles at suas propria leis, e grave erro seré confundi-las. Como jd ensinava 0 eldssico Otto Maier, quando se trata do uso de uma coisa pablica, toda 2 idéia de Direito Civil hd ‘que ser banida. O uso de Bens PUblicos por particulares 6, ‘em verdade, bastante antigo. Na Idade Média, abadias e se- nhores feudais, os donos de vastas florestas, concediam as cidades 0 direito de se utilizarem delas. Surgiram, assim, di- ferentes modalidades de utilizacio como a “affauage”, isto 4, 0 direito de tirar lonha para as necestidade domésticas, “marenage", 0 direite de tirar madeirs para at edificarbes ou construgbes; duzir animais para o seu sustento nos bosques e florestas. Recentemente, subsiste 0 direito de utilizer-se dos bens pé- blicos, no se tratanda de nenhuma prova de patemnalismo fem semelhantes permissBes ou concessBes. Geralmente, 0 interesse do concedente e do concedido vem a ser recipro- ‘co, ambos tém a ganhar com essa permiss£o ou concessfo. Com efeito, a dominialidade piblica constitui um regime jur(dico que asegure especifica protecSo 2 certos bens pertencentes as pessoas administrativas, havides como necessérios ou indispensdveis a0 proprio pablico © ao oréprio servigo publico. O dominio publico vem a ser, assim, @ parte dos bens piblicos protegidos por esse regime €¢ que, indistintamente, se estende as trés categorias previs- tas no artigo 66 da notsa lei civil. Os bens publicos 80:08 de uso comum do povo, tais como mares, rios, estradas, ruas @ pragas; o& de USO especial, tais como: 0s edificios ou terrenos aplicados a sarvigo, ou estabelecimento federal, estadual ou municipal; e os dominicais, isto €, os que constituem 0 patriménio da Unio dos Estados ou dos Municfpios, come objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades, De fato, em certos casos ocorre um uto comum estendido 20 povo em geral. Em tal hipétese, a utilizag8o ¢ coletiv indiscriminada. O pove diz, e com toda razfo, a0 afester um impertinente que pretende estabelecer alguma restri¢fo ou formular alguma reclamagSo: "a rua é publica" Desde que se trate de um bem pablico, de um uso comum do povo, esté em jogo 0 denominado direito efvico, de na- tureza inaliendvel e que nfo depende de autorizacto de quem quer que seja, conquanto I(cito seje 8 AdministracHo, fem catos especiais, disciplinar 0 uso, a exempio do que re- ‘centemente se fez em relacSo 20 elevado Costa ¢ Silva, 0 conhecide “Minhoclo”, que teve seu acesso vedado depois Permisslo e concesslo de sos e servigos de uma determinads hora da noite, a bem da tranquilidade, do sossego e da paz publica dos moradores das circurwizi inhangas. No que tange aos bens publicos de uso comum do povo, ‘como os enumerados no artigo 66 n® 1 da Lei Civil, nfo se compreende 2 concesséo de uso 2 particulares em caréter exclusive, Ha evidéncia de serem ilegais as chamades praias particula- Fes, porquanto as praias s80 igualmente bens publicos, visto, que a enumeragio do inciso primeiro vem a ser apenas exemplificativa segundo se infere do emprego das expres sBes “tals como”, que indica claramente tratar-se de uma simples enunciaglo, Entretanto, todos nés, amide, temos noticias de que existem praias particuleres, inclusive em nosso Estado, sendo vedado acesso & coletividade em geral. Positivamente, no meu entender, trata-se de manifesta ilegalidade, de manifesto excesso ou abuso de poder. Referentemente as demais categorias de bens publicos, po- rém de uso especial ou dominicais, a utilizago pode ser concedida em carster privativo ou exclusiva, como os boxes, nos mereados pUblicos e terrenos para inumaedo nos cemi- ‘térios. Os instrumentos hébeis a tais utilizagbes so trés: ‘Autorizaglo, Permissio e Concessio, cada um deles com suas peculiaridades, Entre momentos frequentes na vida modems, tais instrumentos hé pouco citados incluem-se na grande categoria dos atos administrativos de cuja {ndole, de cuja natureza, desenganadamente participam. ‘Como observa D'Alessio em seu livro “Instituicdes de Direi- to Administrative”, 2 terminologia “ato administrative” & de origem relativamente recente, parecendo que, pela primeira vez, foi empregada numa lei da Revolugéo France- 52, sendo certo, ainda, que o primeiro tivro de Direito que ‘empregou a expresso, no dizer do mesmo tratadista italiano, foi o famoso repertério de Merlin, Fugiria 20 objeto deste artigo examinar a teoria do Ato Administrativo ‘nos seus variados aspectos, como por exemplo o da sua revisdo ou anulacSo pela propria Administragto. Aliés, hoje, existe a simula n® 346, do Supremo Tribunal Federal segundo a qual a propria Administrago pode revogar ou ‘anular of seus atos. Catos ainda de ato administrative condicionado ou vinculado, casos em que 0 judiciério pode entrar no merecimento do ato, constituiriam certamente tarefa_infindével, certamente ingente enveredar por este ceminho, mercé dos méltiplos problemas que fatalmente surgiriam e arrebatariam todo 0 nosso tempo. essa forma, deixemos de lado 0 género e fiquemes apenes ‘com as espécies: autorizagto, permiss8o © concesséo de uso ou servigos. ‘A autorizacio € apenas uma ordem para a prética de um ato igolado, Efémera por natureza, ela se extingue uma vez rea 3a lizado ou consumado © ato ou servico, que tinha em mira E, inquestionavelmente, a mais precéria de todas as formas, Lato sensu, segundo colocegfo doutrindria do Prof. José Cretella Jr., permissdo vem a ser 0 ato administrativo dis- cricionario, mediante 0 qual a autoridade competente ou- torga a0 interessado a execugo de obras ptiblicas, o desem- Penho de servicos pablicos ou a utilizacSo privativa de bens Gblicos. Somente este Uitimo aspecto nos interessa no pre- sente momento, isto 6, “a permiss¥o de uto que pode ser definida como ato discriciondrio, mediante o qual a auto dade competente defere 20 particular, a t/tulo gratuito ou ‘onerot0, 0 uso exclusivo de determinado bem pubblico e du- rante certo tempo”, Desa definig#0 ministrada pelo egrégio Prof. de Direito Administrative da Faculdade do Direito da Universidade de So Paulo, transparecem as diversas, caracterfsticas da per- ‘missS0 e que Ihe fixam os precisos contornos, distinguind. -2 dos demais atos administrativos. Primeiramente, a pe so 6 um ato discricionério. Dissemos anteriormente que o Direito Administrative funda-se no na igualdade, como 0 reito Civil, mas na prerrogativa inerente 20 poder piblico. Essa prerrogativa ¢ 0 apandgio deste, e € 0 poder que al- ‘uém possui e outro no; que distingue © que o detém da- uele que no 0 datém, que pode conceder ou nio conceder segundo © seu livre arbitrio. Discriciondrio significa exata- mente este poder de que desfruta a Administragdo Pablica ‘Jo sujeita a qualquer itame; é 0 jus:imperii decorrente da sua exclusiva vontade, fora do alcance da vontade dos parti- culares, Em esséncia, 86 0 poder piblico tem discricionarie- dade, da qual, entretanto, poderd despir-se se assim convier 208 sous intoresses. Em segundo lugar, a permiss8o s6 pode ser outorgada pela ‘autoridade competente, segundo a organizagfo, a hierarquia administrativa. A falta de legitimacSo do outorgante ingui nao ato de nulidade por excesso ou abuso de poder; de mera aplicagSo daquele velho brocardo advindo to Romano: Non est major defectus quam defectus potestatis O artigo 145, n® 1, do Cédigo Civil, poderia entdo com toda @ propriedade ser invocado peto interessado. O destinatério, da permisséo pode ser qualquer pessoa fisica ou juridica, ‘nacional ou estrangeira, com fins lucratives ou nd, Em terceiro lugar, pode ser objeto dela qualquer especie de bens poblicos, seja qual for © seu detentor, isto: Bens Fe- derais, Bens Estaduais ou Municipals, indicados pelo direito positive, notadamente 0s previstos no artigo 66, n%% 1 9 3 do Codigo. Seliente-se alids a respeito dos bens pablicos, a ambigiidade com que infelizmente se ouve 0 nosso legisie- dor. Ninguém ignora que 0 projeto de Cédigo Civil elabora- do por Ci6vis teve e contou com a proficiente revisto de Rui Barbosa, que foi 0 lapidador de sua linguagem; entre- tanto, 0 artigo 65 6 passivel de censura devide as ambigii Permissfo e concessdo de usos ¢ servigos dades que encerra, Com efeito, estabelece esse preceito legal: ""s80 piblicos ot bens do dominio nacional per- tencentes & Unio, aos Estados ou 20s Munic(pios", Todos of outros s8o particulares, seja qual for a pessoe @ que per: tencerem, Equivocedamente, © preceito dé a entender que sejam do dominio nacional (atentem para 0 adjetivo) os bens dos Estados ou dos Munic(pios, 0 que no é exato a menos que apenas vooé tenha em vista o dominio eminente da Unio, Do ponto de vista do Direito Privado, © que per tence 20 Estado ou 0 que pertence 20 Munic{pio ndo pode integrar 0 dom{nio nacional, Sob esse prisma portanto, 0 preceito é manifestamente contrario e amb(gi0. [Além disso, por exclusto, 0 texto deixa subentendido que 0 bem no pertencente & Unigo, a0s Estados ou 20s Munici- pos seré de propriedade dos particulares sem nenhuma ou tra altemativa, Isso de modo elgum é verdade, porquanto muitas coisas existentes ainda, no mar e em terra, no pertencem a ninguém, tais como: 0 tesouro que ainda per manece oculto @ de cujo dono nBo se tenha noticia (Codigo, Civil, artigo 607); a¢ aguas pluviais ainda ndo-captedas que corram por lugares pablicos (Cédigo Civil, artigo 566); as coisas abandonadas pelos seus antigos donos res dorelictae; eat coisas de ninguém ras nullius (Codigo Civil, artigo 592). Observe-se ainda, que o uso daqueles bens porventura concedidos pela Administraggo Pablica, deve ser compativel com a respectiva dastinagdo, segundo as leis © 0s regula mentos. A utilizacdo exorbitante, predatoria ov abusive deve ser combatida ndo 36 pelas propriag vias administrativas, rev0- gacfo ou resolucdo por ato unilateral, como também pelos imeios judiciais {ago cominatoria do artigo 287 do Cédigo do Processo Civil, ou mesmo a acdo popular prevista na Lei n©4.717 de 28/06/85). Acrescentesse, todavia, que 0 Esta- do, como sujeito ative das coisas de dominio publics, tom ampla liberdade no tacante a administracdo delas, podendo mesmo mudar-ihes a destinag80 ou retirarihes 0 carater de bem de uso comum do povo. S6 a Administragdo tem esse poder, © poder de modificar a destinagio do bem piblico, assim Se pronunciey 0 Tribunal de Justica do Estado, num ‘acbrddo que se ache pubjicado na Revista dos Tribunais. Tive @ ocasi8o de examinar esse aresto, que te vineula & constituigio da Represa de Santo Amaro. Originariamente, texistiam apenas rios publices, por exempio o rio Grande, fem que havia navegacio a remo ou navegagto com emprego de varejSo. Concedida e outorgada a concessfo 2 Light, antigamente Light and Power, esta organizou a bacia de acumulacdo, vindo entdo a desaparecer equeles rios publicos fem que havia outrora a navegagio e @ utilizaco das éguas, ‘em beneffcio dos particulares. Discutiu-se, neste aresto, se ao Estado teria licito alterar ou do essa destinacdo de coisas publicas, das dguas publicar, ¢ (0 Tribunal de Justica houve por bem responder afirmativay mente; "Ao titular de bens piblicos 6 permitida a inovacko 54 ‘ou a mudanga de destinacso. Cumpre-the, ainda, a esta a- ‘ura, juntar que o uso permitido pode ser gratuito ou remu- nerado, 4 0 Codigo Civil editara, no seu artigo 68, que 0 uso comum dos bens pdblicos pode ser gratuito ou retribu- do, conforme as leis da Unigo, dos Estados ou dos Munici- ios, a cuja administra pertencerem. Em tais condigdes, legitimase a cobranca de semethante re- tribuiggo, como nos casos de utilizagSo das rodovies através do pedégio, assim como do uso das faixas azuis efetuades pela Emurb e inclusive, outrora, pela travessia do Vieduto do Chi. Os historiadores da nossa cidade contam que quan: do do estabelecimento do primeiro Viaduto do Cha, na sua forma primitiva, para se atravessar de um lado para outro, havia a cobranga de uma taxa, de uma retribuigSo, que, gundo estou informado, era de um vintém. Pela sua propria indole, a permiss8o ¢ revogével a ju(zo da ‘Administrago Publica, Existe, a respeito, um manifesto pa ralelismo entre a permissz0 de Direito Privado, previste no citado artigo 497 de Lei Civil, @ 2 permissdo de Direito Pi blico, Naquela, acham-se em jogo os chamados atos faculta- tives — 0 dono transige com sua prética, reservando-se toda- Via o direito de revogar a ordem quando julgue conveniente. Por sua vez, a pessoa beneficiada recorre & vantagem a titu to prectrio, sabendo de antemao que poderé perdé-la a qual: ‘quer momento. Per exemplo: por gentileza, por amizade com 0 propésito de manter boas relagdes de vizinhanga, to- lero que um vizinho passe pelo meu terreno; tal passage ‘embora reiterada, embora diuturna, ndo induz posse, por se tratar de um mero favor, a todo tempo revogivel. Se, apesar de revogada a autorizagdo, persiste 0 vizinho na travesti, terd praticado turbacdo, remediével pelo interdito possess rio; jamais poderé cogitarse de direito adquirido. A juris: prudéncia sempre se revelou pacifica @ respeito: 4) no induzem poste no podem ser protegidos pelos in- terditos, 0s atos praticados em virtude de mera permis 480 ou tolerincia, porque eles pressupdem, sempre, uma autorizeego revogavel a0 arbltrio de quem a conferiu (Revista dos Tribunais p, 215-216); b) 1s atos facultatives ou de mera tolerdncia, nfo induzem posse, porque nem equele que os pratica tem a inteneSo de proceder como proprietario da coisa, nem aquele que fos autoriza tenciona desprenderse dos seus direitos (Revista dos Tribunals, 1951, p. 804-805); ¢ ) ato dessa natureza, ato facultative, é sempre precério (Revista dos Tribunais, 1962, p. 216-218) Com mais forte raz, 0 mesmo acontece com as permissBes, administrativas. A precariedade vem a ser uma das suas no~ tas caracterfsticas; @ qualquer tempo assiste & Administra- 80 Pablica o direito de suprimir ou de cancelar © ato per: Permissdo © concessdo de usos ¢ servigos rmissivo, sem que se possa, de modo algum, cogitar de um direlto adquirido do utente ou do usuitio. [Na pesquisa jurisprudencial a que me entreguei para realizar ‘uma palestra que originou este artigo, encontrei o sequinte & Sugestivo aresto do Tribunal de Algada de S80 Paulo, e de ‘ave foi relator 0 saudoso Ulisses Doria, A municipalidade cconcedeu autorizaggo a ura determinada firma para que se utilizasse de um terreno contiguo ao matadouro de Carap! cuiba. A firma beneficiada com a permissdo deveria util zarse desse terreno para industrializaglo dos mitidos retira- dos do gado. Exorbitando no entanto @ concessdo obtida, 0 permissionrio eomegou a industrializar no apenas os mit dos retirados do matadouro municipal, como também os ‘middos obtidos em outros matadouros. Embora a permissz0 tivetse perdurado pelo espaco de 16 anos, a municipalidade houve por bem revoger a permissdo. A permissionéria incon: formada bateu 85 portas do Tribunal de Algada com um pe- dido de mandado de segurance que foi denegado, sendo 3 decistio confirmada pela superior insténcia por acérdio, que {raz a seguinte ementa: “A concessSo de uso @ titulo, precério de bem publico municipal, feita a entidace parti- cular para fim determinado, no cria, em favor da conces- sionéria, direito Iiquido e certo, que possa ser defendido pelo mandado de seguranca’” (Revista dos Tribunais, 1966, p. 420-821, 0 caso 56 mudaria de figura, se a permissso tivesse sido concedida com prazo predeterminado. Nesse caso, ndo restaria outra alternativa 8 Administraggo Publica, sendo a de aguardar © término do prazo. Por mais forte azo, se a propria sdministragdo persuade-se de que o ato concessivo acha-se inquinado de ilegslidade, cabe-ihe, indubitavetmente, nos termos da sobredita stimula n° 346, revogar 0 préprio ato. A propésito do que acabo de dizer, cumpre ento reportar- ime & seguinte decisfo da nossa superior instincia, estampe- dana Revista dos Tribunais, (1964, p, 182-186): “Restaurer ‘© império das leis, so merace encOmios e 30 censuras. Quem restaure 0 império da lei, nfo viola direito Irquido & inoerto, pois este ndo existe contra a lei ou ainda com viola ‘fo da lei”. Els af rapidamente expostas as caracter'sticas da permissBo, cumprindo ajuntar, ainda, que 0 Poder Judiciario ngo pode ‘entrar na apreciaco do mérito do ato revocatorio para de- claré-lo bom ou mau, juste ou Injusto, vantajoso ou preju dicial “0 poder discricionério da Administracdo & insuscetivel de reexame por outro poder", (Revista dos Tribunais, 1952, p. 474-475). “A apretiage do judiciério ha de cingir- “42, via de regra, exclusivamente ao aspecto da legalidade do ato (Revista dos Tribunais, 1951, p. 691-694). Passemos entéo a0 terceiro aspecto concerente & conces: so, que evidentemente é inconfundivel com a simples per- 55. ‘isso. O professor José Cretella Junior apresenta um inte- ressante quadro, em que procura confrontar as caracter (sti cas da permiss#o com as da concessdo. Efetivamente, diz 0 itustre administrativista, 3 permissio consiste num simples ato, a0 passo que a concesséo se reveste da natureze contra tual. Essa é a primeira diferenciagdo entre permiss30 & ‘A primeira é mero ato, sendo a segunda jé um contrato, Em seguids, © lustre professor apresenta a seguinte note

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