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Copyright ©2002 des stores Coordenogdederal ‘Cama Kinz! Sumario Propovagdo de testes ‘Sanda Regia de Sours ‘A comunicagdo humana Diana Pessoa de Barros A lingua como objeto da Lingiiistica Antonio Vicente Pietroforte Entre as muitas variagGes do tema de que contra a forga no hi argumentos, n= vests conhecida fabula de La Fontaine, traduzida pelo poeta Ferreira Gullar (La 1999:12-14): © Loboeo Cordeiro ‘a gus limpa de um regs, ‘matayaa sede um Conti, “quando, saindo do mae, ‘io um Labo carice, “Tn a bariga via, io comera oda into. = Como ts uss sat gua que estou bebe? rosnow Labo, a anezozat fo almogo. Fea sabendo ‘que cao vais me aga ~ Sentoe~falou 0 Coneiro— cnearego a Vessa Allez que me desculpeis; mas acho “qe vos enganis: bebendo. [qusedez brags absino ‘de vs nesta creme rs, no possosujarvos agua. —Nio importa, Guard msgs det, que ano pasado, me deste, fingido! = Mas eu nem ns ascio, Poi eno fo teu nmi. — Nao tendo imo, Excelencia, ~ Chega de argument. ou perdendo a pacieniat = Nao vos zanguss, desea! No foi te iro? Foto teu pai 76 Inrodusdo & Lingiistca 1806 ling is ‘ou sento foi ten a6 — disse 0 Lobo camicero E.apCordeio devoroa. (Onde ae nd existe, ao gue parece «rao do mais forte prevaece. Essa fabula, como a dA lebre e a tartaruga, Os dois amigos eo urso€ muites ow tras vém Sendo contadas i bastante tempo. Contada por muitos poctas ¢ prosadores. wv {bulas no possuem um s6 autor. A dA cigarrae as formigas, por exeriplo tow sina Yersto do séeulo V a. C., de Esopo, outa, do século xm, de La Fontaine Algumnas ve 2s, as personagens podem modar, Numa verso indiana do tema de que o mais lento pos de vencer uma corrida, quem perde a corrida € Garuda, o pssaro magico de Vieng Narradas hé muito tempo ¢ em muitos lugares, muitas foram as inguas dessas narrativas. Na {nd antiga, foram contadas em sanscrto, Esopo as contou em grege Fe (ro, em latim, ¢ La Fontaine, em franc8s. Assim, além de interessar as detmas ceosciag hhumanas por seus aspects histrics ¢culturais, por seus aspectos lingisticosw bang Podem interessaro lingista AA versto original d’ OJobo e o condeim, de La Fontaine, esta: LeLoupetL’Agneay ‘raison du plus fortes toujours a maileure: ‘Nous 'allons monrertout hea Un Agneau se désaltait Dans le courant une onde pure ‘Un Loup survint a jeun qui chechait venture, Etque la faim en ces lew tia. (Quite rend i naa de tober mn Ditcet animal plein de rags: Tuseras chitié det tems, ~Sive pond 'Agueay, que votre Majesté [Nese mete pasen coer; Mais plus quelle consiere Que je me vas dsaltrant Dans fe courant, Plus de vingt pas au-dessous El, Et que pr consequent, en aucune fagon, ‘Jen puis woubler sa boson. ~Tule troubles, rept cette bee crulle, ELje sis que de moi tu més an passé ~ Comment auras fit sj spasm? epi Agnes je tte encore ma reve. ~Sice nest cet donc tn fe. ~Jen'enai point. ~C'est done qucly'un ds tens: Car vous ne mv éparene gue ‘ous wos beers, et vos chiens ‘One a iti fat que me venge. Livdessus, a fond dos fren ‘Le Loup empore et puis le mange, Sans autre forme de proces, wage? ‘A lingua coma objeto da lingdisica 77 ‘Uma leitura atenta do texto em francés mostra que essa lingua apresenta varias se- ‘com 0 portugues: vous c vs, vos € voss0s, ane ano; raison e razto: forte for- lobo. essa comparagio entre o francés ¢ © portugues for levada mais adiante, anali- ‘duas linguas sistematicamente e considerando seus momentos hist6ricos, é pos- ‘que ambas tiveram como origem comum o latim, 0 que explica as seme- ‘exicais e gramaticais entre clas. Esse modo de fazer Lingdistica, comparando as ‘na busca de semelhancas ¢ verificando a histéria de cada uma delas & procura de ‘comuns, foi o método dominante da Lingiifstica do sculo x1X, 0 chamado méto- rico-comparativo. “Um dos teéricos mais importantes dessa época é, sem divida, Ferdinand de Saus .-além de contribuir para os avangos da Linguistica histrica e comparativa com trabalhos nesse campo de pesquisa, definiu, no inicio do século xx, um novo ‘estudos para a Lingtifstica, Em seu Curso de lingiitica geral, a0 tratar dessa da definigao de um objeto de estudos, ele afirma: itcias tatalham com objetosdados previamentee que se pose consdear em sepuida de ponox devin: em noo crpo, naa de emethaneocoe,Algém promunci pala Nereeserodor saerficial sed tentao aver ala um objeto lingfstco conereto; um exame mais ate pornos lever ancora o aso, ma aps ur, tes ou qato coisas perfeitaments dferen- Portes a manir pele qual consieramos a alas: como som, como expresso dum iki, c- Caperpndent a Latim mdion cc. Dem longs de dizer que o objeto precede 0 pono de vst Mj 60 pono de vista que cra o objeto als, nada ns diz de antemo que uma desis ma de onsiderarofato em questo se anterior ou superior tas. (Saussure, 196915) do Saussure comenta que a palavra mu corresponde ao latim mudum, esté ‘Lingua em suas mudangas hist6ricas, d que, a partir de uma semethanca f0- nudum e nu ¢ da informagio histérica da antecedénci® do latim, ele estabelece tenire elas, No entanto, quando analisa a palavra nu como som ou como & eX- ide uma idéia, 0 ponto de vista histérico deixa de ser pertinente, Como som, (or- pertinentes informagBes fonéticas, e, como express de uma idéia, tomam-se informagdes seminticas. Assim, dependendo do enfoque com o qual se trata ingistico, temos um objeto de estudo diferente. ‘Curso de lingitstica geral teve sua primeira edigao em 1916, trés anos depois de Saussure, em 1913. Ao contrério do que se poderia imaginar, tratando-se de ‘obras mais importantes da Lingiistica, 0 volume nio foi escrito por Saussure. {de uma edigo elaborada a partir de anotagoes de aula de seus alunos. Saussure trés cursos na Universidade de Genebra. O primeiro data de 1907, o segundo, Te oterceiro, de 1910. Os editores do Curso de lingltstica geral foram Ch. Bally, cA. Riedlinget. no haja meno ao termo dicotomias no texto do Curso, € assim que se ‘chamar os quatro pares de conceitos, que fazem uma sintese das propostas de ‘para a criagio de um novo objeto te6rico para a Lingtfstca. A palavra dicoto- 'do grego dichotomfa, que quer dizer “divisio em partes iguais”. Nio se deve “caso de uma dicotomia presente no texto saussurcano, que se trata de algo que fem dois, deve-se pensar de@utro modo, Uma dicotomia em Saussure diz res- 78 — Inrodugdo é Lingiistica . peito a um par de conceitos que devem ser definidos um em relaglo a0 outro, de modo {que um s6 faz sentido em relagio ao out. Ha quatro dicotomias em Saussure: sincronia versus diacronia (1969:94-116), ngua versus fala (p. 26-28), significante versus. significado (p. 79-93) e paradigma ver- ‘sus sintagma (p. 142-147). Vamos estudar uma de cada vez. Sincronia versus Diacronia (Saussure, 1969:94-116) Como era feta a Lingtistica na época de Saussure? Nao se deve pensar que Saus- sure foro “inventor” da Linguistica. Ele defini um objeto de estudos para a Lingistica Hada ants dele, s6 que desenvovida de outo pono de vist, Portant, responder eae ce feta Lingftic na época de Saussure €investigaro que cle estudou em sua formagdoe o que fez com essa formagio como lings. Taranto sccalo xi Lingistica estado, basicamente, a madanga Tingistica. A semcInanga de Biologia da gpoca, a ponto de recorer a uma nomenclatra propria des- a sedncins ¢ Lingtstica€studava e lasiicavaaslinguas em grupos de famis, ratan- divas em termos de graus de pareteseo. wT Lingstica feta nessa época costuma ser chamada de Lingifsiea Comparativa « Hinénen (Robins 1979.132-160), Chamma-se comparatva porque sta metodologia de «tats cu baseada na comparagio entre fendmenoslingistics que se realizam em Tinpuasdistints, Observando as palavrasem algumas linguas moderasfaladas na Euto- qi ecebe-se, por exempo. uma semelhana sistematiea ene paar do portagus do Expnhol, do fancés edo italiano. Na tabula de La Fontaine, o Cordeiro argumenta com o Lobo que nfo foi ele quem « ofenders ibe no frase imo, que ele nfo tem irmaos. Em sua pica, Lo- Fadi: " No fo teu inmao? Fb o teu pal ou sento foi teu av6” Os nomes dados a graus te purentsco sd bons exemplos pare mostrar, em nivel lexical, 8 semethancas entre li guts distin Poragaes [espanol [francés [italiano Pal padre pare padre ‘Um exame mais minucioso de outras propriedades lexicais ¢ gramaticais dessas Jinguas leva & conclusio de que ha muitas semelhancas entre clas ¢ de que essas seme Thangas sé sistematicas. Por isso, hd um “rau de parentesco” entre elas. Comparando as ‘semethangas e as diferencas entre essas linguas, pode-se chegar a uma lingua anterior, tom base na qual essas diferentes linguas se originam, Essa lingua anterior é como se fos- se a “Tingua-mie” daquelas “linguas-filhas”. Assim, pelo trabalho comparativo, € posst= el reconstruir © percurso histrico dessas linguas, ou seja, € possfvel determinar como Jima lingua muda através do tempo, transformando-sc em outras linguas, No exemplo da do, olatim é a “lingus-mae" do portugués, do espanhol, do francés e do italiano que, en- {re outras Linguas roménicas, so suas “Iinguas-filhas”. ‘lingua como objeto do Lingiisica 79 'A partir disso, pode-se chegar a duas conclusées. A primeira diz respeito h deter~ Jo de um ponto de vista com o qual se estabelece um objeto de estudos. Estuda-se 2 88 que o que se observa nela so as suas mudangas. A mudanca é, ento, 0 objeto "A segunda conclusdo diz respeto aos resultados dessa Lingistica Comparativa ° rica Ainda com 0 exemplo do latim e de suas “Iinguas-filhas", deve-se considerar 6 latim, por sua vez, temas suas “irmas”. Também pelo método comparativo, pode: se ificar semethancas entre 0 latim, o grego e o SAnscrito, por exemplo. Ainda com a pa- a pai, temos estes dados: Tain rego pater pater ‘Comparando-se sstematicamente os dados dessaslinguas, pode-se chezar 10 in- ropeu a “Ifngua-mac” do ltim e de suas “irmas", Quais se, porém, os rexistros éricee de uma Kingua como 0 indo-curopeu. A escrita apareceu trdiamente, de modo huitas linguas nao deixaram registros em documentos esritos. O trabalho do tin- ) entio, toma-se um trabalho de reconsirugao de uma lingua a pati dos vestigios la deixa nas inguas que dela se originaram. Ou scja reconstri-se a “mle” a partir Sse “fithas” e das “filhas” de suas flhas, Foi assim com o indo-curopeu, uma lingua rcem deixar regstroshistricos, foi reconstruida pelo método historico-comparativo Tingtistas do século xx buscavam, comparando a Knguas,organiré-lasem grupos € Isiruir as Knguas de que os grupos se originavam, Foi nesse ambiente de pesquisas que Saussure estudou, Seu trabalho acalémico ava, basicamente, sobre a Lingiistica indo-européiagSeus estudos Mémoire sur le srdme primi des voyelle dans les langue indo-européenese L'emplo% du génitfabsol vranscrit sto trabalhos fitos dentro dessa drea de pesquisa, Em sua época, Saussure foi iderada por Antoine Meillet como “0 mais {Bouguet, 1997:62). Deve-se lem- rar que seu autor tinh apenas 24 anos quando o escreves. se esa lngufstic, que rabalha com mudangas que ocorrem nas aguas atray€s 9 rnpo, Saussure chamou lingifstica diaerinica(1969:96).A esse ponto de vista, ele ope w Tngbistca sinerOnica. Diacronia, do grego dia “através” e chronos “tempo”, quer wsgravés do tempo",e sineronia, do grego syn “juntamente” e chrdnos “tempo”, sig- a “ao mesmo tempo Fazendo uma distinglo entre dois pontos de vista diferentes de olhar para © mes fendmeno, Saussure define um novo objeto de estudos para a Lingdistica. Contraria- vate ap estudo da mudanca linghstica, o ponto de vista sinerdnico vé a lingua como um win que um elemento se define pelos demais elementos. No estado sincrOnico, doterminedo estado de uma lingua € isolado de suas mudangas através do tempo © ‘ser eatudago como um sistema de elementos ingtisticos, Esses elementos sio es- dos nlo mais em suas mudangas hstéricas, mas nas relagdes que cles contraem, a0 no tempo, uns com os outros Vamos exemplificar. tha a bariga vazia nfo comera o dia inteiro”. Em seu estudo ‘os morfemas do portugués, Valter Kedi (1996:8-9) analisa 0 verbo “comer” nos 80 nrodusdo 6 Lingistico dois pontos de vista, diacrOnicoe sinc. Dicronicamente. verbo “comes” vem do Ita edere,cujo radical & ed Como no presente do indcaivo suas formas se confan- diam como verbo esse, no iim vulgar da peninsula Trica o verbo edere pass a se realizar acompanhado do prefixo cum, que designa compari, Asim, cum ederepas- tou cumaderee,4 pete essa realizado, a “omer” em lings portgues Do pono da vista diardnico, com de comer nfo um radical mas um prix. Sineronicamente, medida qe se deve isola oportugués de seu proceso de mi dangashstrcas css informacHo a respeito da origer atin dessa palava deiva de ser perinene, que no ponio de vista sincrbnico, os elementos lingtsticos sto estuados demo de um mesmo rcorte temporal. Considerando esse cor um elemento initio, aque se define em relagdo aos demas elementos lingsico que formam a ingba port zucsa, cle dfinese como um radical, qu “comer” se define em relagto aos demas Contexios morfoigicos em que ele funciona como ium radical, como em “comings”, “comilao”, “comida”, e em relacao aos radicais dos demais verbos da mesma lingua, co- smo em "bebe, pitar" "ea ‘Saussure (1969: 103-104) langa mao de uma metéfora para fazer a relagéo entre sincroniaediserona. A ingua comporu-se como o ronco de uma drvore em crescimen- to, de mado que um corte trantvesal eel fevela uma rela sncrOnica entre os clementos que o €ompoem e um conte longitudinal revela um desenvolvimento dineri- co detses estado tnerOalcoe A partir da dicotomia sincronia versus diacronia, Saussure determina uma distin- y (0 cto entre fats sinerdnicos efatos diaerénicos (1969:107-111). Os fatos sincrOnicos, co- WY mo sto de natureza sistematica, io gerais mas nao tém cardter imperativo. Isso quer di zer que 0s fatos sinerdnicos estabelecem principios de regularidade. Em portugués, por exemplo, todo verbo possui morfemas de modo e tempo e de ntimero e pessoa, assim co- to {od0s 05 substantivos possuem morfemas de género € mimero. Isso ¢ uma regularida- de sistemética dos verbos e dos substantivos dessa lingua. O verbo comer, por exemplo, Cconjugado na primeira pessoa do plural do pretérito mais-que-perfeito do indicativo, tem 1 forma “coméramos”, em que 0 com- € 0 radical, -e é vogal temitica de segunda conju- ‘gag, 0 ra é 0 morfema de tempo pretérito mais-que-perfeito do modo indicativo e 0 - ‘mos & 0 morfema de I? pessoa do ntimero plural. O substantive lobos, por exemplo, tem ‘como radical lob-, 0 0 como morfema de género masculino e o -s como morfema de ni- mero plural Trata-se de um fato geral, mas no imperativo, o que quer dizer que essa regulari- ‘dade pode ser modificada em uma mudanga de lingua. Os substantivos do latim, a partir ‘dos quais se originou boa parte dos substantivos do portugués, possuem em sua morfolo- gia marcas de género, nimero e caso. Em latim, lobo & lupus, de modo que lupus tem gé- nero masculino, niimero singular € caso nominativo, o que significa que lupus & a forma cempregada para expressar 0 sujito da oragdo em que essa palavra ocorre. Para a fungio de objeto direto, por exemplo, emprega-se a forma lupum. Ao passar para 0 portugues, portanto, os substantivos latinos conservaram as marcas morfol6gicas de g€nero € nime- +0, mas no conservaram as de caso. Assim, na mudanga do latim para 0 portugués, essa regularidade dos substantivos latinos € modificada para uma outra regularidade dos subs- tantivos do portugués. A regularidade sinerOnica €, portato, geral, mas nd é imperativa, {i que pode ser modificada na diacronia. Alingvo como abjeo daingUstco 81 0s fatos diacronicos sio imperatives, j&.que se impdem a lingua. Continuando n o exemplo dos substanivos em latim ¢ em portugués, constata-se a perda da marca slégica de caxo, Esse fato de lingua é um fato de mudanga lingistica ue se refere & marca morfaldgica que esté presente em uma lingua, mas nio esté mas presente em ido mesmo modo, Como as linguas também tém um carétersistemtico, esse fato se fem todo o sistema, por iss0 ele & imperativo. Nenhum substantivo do portugues aso e todos os substantivos latinos otém, pis, quando se dé a mudanca, ela realiza- m todo o sistema, recobrindo tudo 0 que é classificado como substantivo nessas duas Assim, 0 fato diacrOnico € imperativo. ‘Nao se deve pensar que Saussure acrescentou um ponto de vista sineronico a outro fo de vista jé existene, 0 diacrénico. Saussure, ao definir a lingua como sistema e 2 ‘a sincronia como o estudo de um sistema num dado momento do tempo. abre para aredefinio também do conceit de diacronia, que vai ser entendida como 2 de diferentes sistemas ao longo do tempo. Imaginemos, por exemplo, que, em sceulo, haja um estado de lingua. Faz-se um estudo sinerénico do portugués do sé- io xin, do do século XIV etc. A diacronia é, entio, a sucesso dessas sincronas. 'A definigdo de um ponto de vista sinerOnico ndo est resrita somente & proposta ‘uma metodologia de trabalho em Linguistica. A partir del, define-se um novo objeto fudos que é a lingua como um sistema. Os alcances dessa definigao, porém. slo mais mm compreendidos na dicotomia lingua versus fala. ua versus Fala ore, 1969:2628) [No item anterior, hé uma definigio importante que foi comentada muito rapida- _ Tease da definigd da lingua como sistema. Ela & importante porque & a partir {que Saussure define um novo objeto de estudo para a Linglisica Ela foi comentada famente porque o que intressava, eno, era discutir ss orientagBes sinerOnica © nica do estudo da lingua. As dicotomias saussureanas, embora possam ser estuds- Tima de cada vez, s6 fazem sentido quando relacionadas umas com as outras. NNa fibula de La Fontaine, hé um dialogo entre o Lobo e o Cordeiro. justamente arpumentagio do Cordeiro e pels replicas c acusages do Lobo que se demonstra de que contra aforga ni hi argumentos. Na fabula, a argumentagao ¢ instil porque a forga nfo hi argumentos e nfo porgue o Lobo no entenda os argumentos do ito, Suas replicas mostram que ele entende o que o Cordeiro diz, que, para cada ido Condciro, 0 Labo encontra uma acusagio diferente, Assim, o que as duas perso ‘comparilham, ao dialogar, éa mesma lingua, embora cada uma delastenha uma diferent. Sena dicotomia sincronia versus diacronia se estabelecem duas maneiras de est- lingua, na dicotomia lingua versus fla ha a definigio do conceito de lingua. Para ure, lingua opde-se a fala, porque a lingua é coletivac a fala é particular, portanto, a iié um dado social e& fala 6 um dado individual. Além disso, a lingua é sistematica i € assistematica. Pessoas que falam a mesma lingua conseguem comunicar-se Por ‘apesar das diferentes falas, ho uso da mesma lingua. 82 Invodocdo Lingistico Na fibula, quando 0 Lobo acusa o€ordeiro com a fala “Como tu ousas sujar a gua que estou bebendo?” eo Cordeiro responde com a fala “Senor ...) encarego a Vos- ‘sa Alteza que me descupeis, mas acho que vos enganais: bebendo, quase dez bragas abai xo de vés, nesta correnteza,nido posso sujar-vos a dgua”, nota-se que ambos usam a mes- ‘ma lingua, jé que as duas falas comparttham do mesmo vocabulério e das mesmmas regras ‘gramaticais: hi 0 uso de palavras comuns, como sujar, bebendo, dguar; nas oragies, © complemento & colocado depois do verbo, como na fala do Lobo “tu ousas (verbo) + su- jar a dgua que estou bebendo (complemento)” e na fala do Cordeiro “no posso sujar (verbo) + vos a égua (complemento)”; hi o uso das mesmas vogais e das mesmas con- soantes em ambas as falas. Enfim, o Lobo eo Cordero falam a mesma lingua porque am- ‘bos dominam o mesmo sistema de elementos liniifsticos, ou seja, palavras, ordem da co- Jocagao das palavras na frase, vogais, consoantes, entre outras propriedades. As falas $80 diferentes, mas o sistema lingiistico usado para formé-las & 0 mesmo. Para Saussure, 0 objeto de estudos da Lingtistica € a lingua (Saussure, 1969:28), endo a fala, de modo que uma lingua € definida como um sistema de elementos. Para en- tender essa definigdo, deve-se definir 0 que & um sistema e 0 que sio os elementos que formam um sistema lingistico. Povle-se defini um sistema como um conjunto organizado em que um elemento se define pelos outross Um conjunto é uma totalidade de elementos quaisquer. Se eles esto organizados, isso quer dizer que um elemento esté em fungo dos outros, de modo que a sua fungdo se define em relagdo aos demais elementos do coajunto. Em todas as fabulas, os animais representam fungOes sociais humanas, por isso € ‘comum, em decorréncia do periodo histérico a que as fabulas se referem, haver uma corte ‘em que hi um rei e seus siditos, O rei, geralmente, € um leo € seus séditos podem variar ‘de bois a hienas e chacais. Uma corte & um conjunto organizado em que seus elementos esto definidos uns em relago aos outros. O que faz do rei ser um rei é 0 fato de ele nto ‘ser um de seus stditos, o que faz.0 bobo da corte ser um bobo da corte ¢ cle no ser 0 rei assim por diante, na totalidade do conjunto. Esse conjunto organizado em que um elemento se define pelos demais € um siste- ‘ma, ou seja, uma estrutura, Pode-se definir uma lingua desse ponto de vista e foi essa contribuigdo teérica de Saussure que definiu um objeto de estudos dentro da LingUtstica, ‘Sea lingua pode ser estudada como um sistema. ela deve ser definida nos mesmos {ermos que um sistema. Portanto, uma lingua deve ser definida como um conjunto orga- nizado em que um elemento se define em relagao aos demais elementos. Deve auida, defini esses elementos que pertencem a esse conjunto da lingua, Dentro dos limites deste texto, vamos defini esses elementos como os signos lin- fisticos. A lingua é, portanto, um conjunto de signos em que um signo se define pelos ddemais signos do conjunto. Deve-se, em seguida, definir 0 que € um signo lingfstico, A essa alia do texto, repete-se 0 mesmo que ocorreu quando da definigo de lingua ‘como sistema io item sincronia versus diacronia. A defniglo de signo ser estudada com mais tengo na dicotomiasignificante versus significado, de modo que ca seré atada, agor, t= ‘mariamente. No entanto, sem cla no € possfvel compreender a definiglo sistemstica de line ‘qua, justamente porque & com a definigo de signo que se definem os elementos lingUsticos. ‘Um signo lingiistico, como ja se viu no capftulo sobre a teoria dos signos, € uma relagdo entre um conceito © uma imagem actistica (Saussure, 1969:80). Um conceito € ‘lingua come cbjeo de Linguistica 83 um pensamento que serve para interpetaro mundo, Uma imagem acistica 6a Fan una seen sisal bos (oa, consanes emo A palavra fob, pr exemplo, um signo, pois nea conceto de "mamtero cam Fee milla canidae, que habia grandes regis da Europa, Asia e América do Nor- Tor tad sssociado a seqiéncia de vogais e consoantes que forma a imagem acistica Jlobe!, Ao conceito, Saussure chamou significado e A imagem aciistica, significante (1969:81).0 Nho se deve confundir signo com palavra. A palavra “comer”, por exemplo, éum ela imagem acstica /komer/relacionada com o canceito de “n= ime ‘No entanto essa palavra éformada por signos menores, ou ja, se merfemas. Hem “come” és mrfemas:o radial com-;0 morfema-e, qe siniie ous weibo pertence a segunda conugago; eo morfema-r, que indica que o verbo ett ee cutive, Um morfema também & um sigao, i que possui um significado e um sign ficante, No morfema.-r, por exemplo, 0 significado ¢ 0 conceito de infinitivo e o signifi serra imagem actwica da consoante//. Atencio, a imagem asic ff 6 € um mor- tum significado, o na palavra “rato”, por exemplo, faz fema quando a ela est aysoci parte do radical ra 6 como uma consoante, sem ter nenhum significado isoladaments 'A lingua, para Saussure (1969:23-24), € um sistema de signos, em que um signo $e define pelos demais signos do conjunto, Pot isso, ele desenvolveu 0 coneeito de valor, Figo sentido de una uniade, que € dena por suas elagdes com outas da mesms atureza (Saussure, 169: 130-141), Em "emer 0 radical 36 em o seu valor Hingtisice fm relagdo aos demais radicais da lingua portuguesa. como 0 beb- de beber,o viv: de vi- Sareic op morfera -e, que indica a segunda conjugagio, 6 tem esse valorem relagio 408 roviemas a de primeira conjugagio e -i de terceira conjugagao. Em “Toba” por exem- plo. hé também um morfema, #6 que € um morfema cujo significado é 0 de gener fe Frnino, porque se define como feminino em relagio a0 morfema ~o, de génet masculi- samaldn do mais, o que define um morfema como radical é% sua relagHo com os femas desinenciis e vice-versa "Saussure disse que na Kingua 96 hi diferencas. Portanto, nlo s6 0s signos se defi- uns em relagdo aos outros, mas também os elementos quc compdem os significant, srcomo os signifieados. Assim, o valor do /V s6 é dado em razao de sua ied Som 70 primeiro 96 tem um valor dentro do sistema, poraue serve pars opor oe com lara ¢ ard, Os sgnficados de ia, ii, rancor © raiva ganham seu valor Jo sistema porque uns se opdem aos outros, cada umn fem uma diferenga semantica relagdo 20s outros, liar a metéfora da rede para descrever esse ponto de vista sistem. sistema lingistco pode se entendido como uma ede, em que ca nest relacionio Fos deinais nds que Formam a rede, assim como os signos que formam um sistema Tin fico esto relacionados ene s. Concebendo a lingua como unt sistema de signe sn (1969-23-28) define um novo objeto de estudos para a Linglistica. Edesse modo Tim ponto de vista determina um objeto de estdos: quando se observa a lingua do, Me vista sistemtico, o ue se reconhece nela & uma estrutura. Esse conjunto de else Hoe as unidades inglsticas mantém entre si constitu uma forma Por isso, Saussure hua lingua ¢ forma e no substncia. Esse conjunto de diferengas etaeles 08 con- fos sons nia massa amorfa do pensamento ¢ no plano fOnico indeterminado que © Love 0 84 introduedo 6 tingiistica . ‘paretho fonador pode produzir. Para explicar melhor esse conceito, Saussure usa uma metifora a do jogo de xadrez. O que define o que é uma rainha, nao ¢ seu formato nem o material de que a pega € fita, mas seu valor no jogo, use, sua oposigio em relagio ax ddemais pecas: os movimentos que ela pode fazer € as outras nfo podem. Nao importa 0 ‘material de que a pega é feito, nem seu formato, No limite, pode-se até jopar xadrez de me. méria, sem as pegas. O que tem relevancia € 0 valor das pesas. Na lingua, isso também ‘corre. O que importa é 0 valor das unidades, ou seja, sua diferena em relagio as demais. Na dicotomia lingua versus fala, Saussure separa os fatos de lingua dos fatos de Jala: 08 fatos de lingua dizem respeito &estrutura do sistema Tingiifsticoe os fatos de fala dizem respeito uo uso desse sistema. Nos diélogos do Lobo com o Cordeiro o que interes. Sa, para oestudo da lingua, ¢ 0 sistema lingUistico usado pelas duas personagens. Na act ago do Lobo “Como tu ousas sujar a dua que estou bebendo?” e na defesa do Cordeiro “Senor (..)encarego a Vossa Alteza que me desculpeis, mas acho que vos enganais: be. bbendo, quase dez bracas abaixo de v6s, nesta correnteza, no posso sujar-vos a gua’, 0 fato de as duas personagens usarem o radical beb-, na palavra bebendo, & um fato de line gua, enquanto €fato de fala o radical ocorrer em uma acusagao na fala do Lobo e em uma defesa na fala do Cordeiro. De acordo com Saussure (1969:27), a dicotomia lingua versus fala é pertinente & medida que os fatos de lingua podem ser estudados separadamente dos fatos de fala, Contudo, se nessa oposigo entre lingua e fala aponta-se para a diferenga entre um fato de lingua e um fato de fala (idem:26-27), Saussure néo deixa de considerar, também, a¢ imerferéncias entre os dois tipos de fatos, Para ele, uma mudanga no sistema pode advir de fatos de fala (idem:26-27), como as mudangas de produgo dos sons que ocorrem na {fala ¢ alteram o sistema fonico. $6 so pertinentes para o estudo do sistema da lingua ‘quando interferem diretamente nas relagdes internas entre seus elementos sistematizados © aparecimento no sistema lingifstico do portugues dos sons palatais lh! ¢ nb! e © resultado da acio de uma semivogal / sobre as consoantes Ve /i/. Quando essa con soantes eram seguidas de uma semivogal/, elas palatalizavam-se na fala e, aos poucos, essa palatalizaglo passou a fazer parte do sistema da lingua: fil > filho; mulier-. mas 'her; vinia > vinka. Esses sons palatais integraram o sistema da lingua, quando adguiti- ram um valor diferencial, passando a distinguir signos diferentes: mala versus malha; ‘mana versus manka, Em certas regides do pais, algumas palavras com /l/ perderam a palatalizagio. Pronuncia-se mulé em lugar de mulher. Nem, por isso, 0 som /ih/ desapareceu do sistema ddo portugues, nem mesmo nessas regides. Esse é um fato de fala que ni afetou o siste- -ma. A medida que o sistema ¢ estudado em suas relagdes internas, uma vez ocorrida a ‘uidanga oriunda da fala, ela passa das ocorréncias particulaes da fala aos dominios ge- ‘ais da lingua, ¢€ no sistema que ela pass, sineronicamente, a ser considerada, ~ ___Dirigindo novamente a atengdo aos elementos lingUisticos que formam o sistema linguistico, retorna-se ao estudo do signo (Saussure, 1969:79-93), que seré mais bem. ¢examinado na dicotomia significante versus significado (Saussure, 1969:81), por meio da qual ele & definido, Alingua como objeto do lingtisicn 85 Significante versus Significado (Saussure, 1969:79-93) Se no estudo da dicotomia sincronia versus diacronia 0 conceito de lingua Foi es- tudado rapidamente, para ser mais bem desenvolvido no estudo da dicotomia lingua ver~ us fala, no estudo dessa itima dicotomia o conceito estudado sumariamente foi 0 con- eeito de signo. Vamos estudé-Io com mais atenga0. Em principio, a definigio de signo lingUstico parece simples. Saussure define no como a relagdo entre uma imagem actstica, que ele chamou significante, e um concei- to, que denominou significado (1969:81). Com essa definigio de signo, ele estabelece os ‘elementos que formam o sistema da ingua, de modo que a definiglo de lingua passa a ser ade um sistema de signos (idem:23-24). — . ‘A definigio de signo, porém, traz implicagdes no que diz respeito a0 estatuto da Tinguagem e a seu papel entre 0s fatos humanos, Hi uma concepgao de lingua que, embo- 1a seja consensual entre muitos falantes, esté completamente errada. Pensa-se, comumen- te, que se vive em um mundo repleto de coisas e que nos referimos a elas com palavras. ‘Assim, hi primeiro as coisas do mundo e depois aparecem as palavras para nos reerir- ‘mos a elas. Nessa concepgio, hi uma relagao direta entre palavrase coisas, de modo que lingua é entendida como uma nomenclatura, Na tradugdo de Ferreira Gullar a fabula de La Fontaine comega com uma deseri- ‘gio: “Na gua limpa de um regato, matava a sede um Cordeiro, quando, saindo do mato, Velo um Lobo carniceira”. Na histéria, portanto, hi um regato, onde o Cordeiro mata a sede, € um mato, de onde sai o Lobo. Entendendo a lingua como uma nomenclatura, ‘quando lemos “mato” e “regato”, 0 que se deve pensar € que ha coisas no mundo, entre ‘elas matos e regatos, €que a lingua serve para nos referirmos a elas, como acontece quan- do lemos a fibula. Assim, hé um regato, que € uma coisa, ¢ a palavra “regato”, que serve para designar essa coisa, por isso, como uma nomenclatura, a lingua ¢ entendida como uma relagio entre palavrase coisas (Com a definicio de signo, Saussure demonstra que a relagdo nfo 6 esta, entre pa- Tavras e coisas, mas sim entre uma imagem actistica e um conceito, ou seja, entre um si nificante e um significado (1969:80). Isso implica que a lingua nao é uma nomenclatura, ‘mas um principio da classificagao (1969:17). Vamos examinar isso melhor. Se existe um mundo repleto de coisas ¢ cabe & lingua apenas nomed-las, ela acaba por reduir-se a um reflexo das coisas. Desse ponto de vista, a lingua nio tem um domi- ‘io proprio, pois, como um reflexo das coisas do mundo, & entendida apenas como cole- ‘lo de nomes, No ponto de vista de Saussure isso no acontece. Antes de tudo, ao afirmar que a relagio é entre um significante e um significado (1969:80-81), a telagio entre as coisas ‘do mundo ¢ as palavras deixa de ser considerada na definigdo de uma lingua, O mundo € suas coisas passam para um dominio que esté fora dos estudos linglisticos ea lingua ga- tha uma especificidade propria. Um significante e um significado (1969-81) formam um Signo, que, por sua vez, édefinido dentro de um sistema (1969:23-24), ou seja, um signo gana valor na relago com outros signos. Esse conceito de signo traz. significagao para dentro da Iingua e de sua estrutura. O que significa so os signos em suas relagGes uns 01 95 outros nio a elago entre as plavras eas coisas do mundo. 86 Introduce 6 Lingiistica Se os signos significam dentro de unPbistema lingifstico, esse sistema compreen- ‘de uma visio de mundo, ou seja, um prinefpio de classificagdo que, projetando-se sobre as coisas do mundo, classfica-as de acordo com sua estrutura interna. Um conceito, ou seja, um significado, € uma idéia que modela um determinado modo de compreender as coisas. Esse conceito deve, necessariamente, estar relacionado a um meio de expressécto. E preciso, entio,relacionar o conceito a uma imagem actistica, ou seja, a um significance ssa maneira de ver 0 mundo varia de lingua para lingua, ja que cada uma delas€ defini 4a por um sistema préprio de signos. Além do mais, se é pela linguagem que se véem os fatos humanos, se definem esses fatos, eles podem ser modificados por meio dela, Isso no quer dizer que se pode modificar o mundo fisico por meio da linguagem, mas que ca- bbe a essa linguagem dar um sentido para as interpretagies desse mundo, E esse mundo de sentido, formado pela linguagem, que pode ser modificado por ela esse modo, pode-se afirmar que & a partir de uma lingua que se véem as coisas ddo mundo e no 0 contrério. Enquanto na concepgao da lingua como uma nomenclatura so as coisas do mundo que determinam as “coisas” da lingua, na concepedo da lingua como um prinefpio de classificagao &a lingua que determina as coisas do mundo. Assim, © sigrio nao une uma palavra e uma coisa, mas um significante e um significado (Saussu- re, 1969:80), Essa diferengade prineipios de categorizagio da realidade, evidentemente, no im- pede a tradugio de uma lingua em outra, mas € justamente por sua causa que se discutem, entre os profissionais da tradugio, os graus de tradutibilidade entre diferentes linguas Em uma de suas acusagées, diz.0 Lobo a0 Cordeiro da fibula: “Pois enti foi teu immo”. Em frane8s, diz © Lobo: “Si ce n'est ti, c*est done ton frére”. No caso do portu- gues e do francés, hd uma correspondéncia de sentido entre os signos irmo e frére, no entanto, essa comrespondéncia deixa de existir se essas Kinguas so comparadas com 0 hhngaro ou o mala. O huingaro faz a diferenga entre os sexos dos irmios, como 0 portu- gués eo francés, mas também faz uma diferenga entre a ordem dos nascimentos, de modo {que bdiya significa “irmo mais velho”; ccs, “irmio mais novo" néne, “irmii mais ve- ha” efufg,“irma mais nova”. O malaio nao faz nem a diferenga de sexo nem a de idade sudard significa qualquer irmio, mais velho ou mais novo, homem ou mulher. hhingaro [francés | portugués | malaio irmio mais velho | bitya | frére firma | sudara irmao mais novo _ | dees irma mais vetha | néne —[soeur [irma ima mais nova | hig Isso quer dizer que 0 portugués, o francés, o htingaro e © malaio séo Iinguas com. principio de classificacto diferentes, Caso a Fabula fosse traduzida para 0 malaio, nfo haveria problemas na escolha da palavra, embora ela nio expressasse todos os significa dos da palavra francesa, No caso do hiingaro, porém, qual escolher, bdtya ou decs? ‘A lingua come objeto da Lingistico 87 Saussure afirma que o signo ¢ arbitrrio, jé que nio ha uma relagao de causa € efeito que motive a rela que une um significado e um sgnificate, No signo comer, por exemplo, nada hé na imagem actstica formada pela sequéncia de vogais e consoantes romero signficante, que leve a uma relago direta com o conceito “comer” 0 signifi- ado. Athitrario significa, portanto, nfo motivado. O significante nao é motivado pelo significado, No entanto, Saussure afirma que hi signos absolutamente arbitriris e signos relativamente arbitrérios. A motivacao relativa é a que se estabelece entre um signo e ou- ttos signos do mesmo sistema (1969:152-155). Saussure di dois exemplos dessa motiva- ‘qo Telativa do signo (1969: 152-153). Diz ele que o signo vinte ndo é motivado, enquanto ecenove 0 &. Decenove €relativamente motivado pelos signos dez e nove e por um prin- cipio de numeragio decimal prprio do portugues. Dezenove significa “dez mais nove”, de modo que 0 signo decenove & motivado por dois signos, dez € nove, que jé fazem parte {do sistema lingistico do portugués, Com vinte no se d a mesma coisa, que nBo ex te osigno dezedes, A mesa coisa acontece com alguns dos signos que designam as plan- {asa partir de seus frutos. Maciera e bananeira, que derivam de magd e banana mais © sufixo -ira, sio motivados, mas eucalipto¢ freixo nio 0 Sio, pois aquees sao reativa- mente motivados por macd e banana e pelo processo morfol6gico que, em portugues, forma bananeira, cerejeira etc. partir de banana, cereja et. ‘Quando s¢ fala em signo lingistico, pensa-se na relagao do conceito com uma imagem acistica. Hs, porém, outras formas de expressio além da lingustica. Um dese- tho, por exemplo, & um signo, 6 que nio élingistico, mas visual. Se o significado for definido como um conceito e 0 significante como um meio de expressio que veicula esse feonceito, a definigio de signo toma-se mais abrangente, jé que, além do significante en- tendido como imagem acstca, ela recobre outras formas possiveis de realizar um signi- ficante, Pode-se, enti, afrmar que 0s signos lingUisticos sio apenas um tipo particular de signo, proprio da lingua, dentro de um eonjunto maior de tipos de signos ’Ao estudo do signo de um modo geral, Saussure (1969:23-24) chamou Semiolo- ‘gi, Mostrou que, em sta época, essa ciéncia geral dos signos ainda no exist, mas pre- Cisiria ser eriada, Sem diivida, muitos semislogos, em especial Roland Barthes, cuida- ram de estabelecer as bases dessa ciéncia no decorrer do séeulo xX, Para Saussure (1969: 124), a Lingiistica seria a ciéncia dos signos verbais, que, por sua vez, faria parte da Se- tmiologia, a ciéncia dos signos em ger 1 ainda uma titima observagdo a respeito do signo lingifstico. Saussure (1969 84) chama a atengGo para 0 cardtr linear do signficante desse tipo de signo. O signif- ante da lingua é uma imagem actstica, que, quando se realiza na fala, forma uma subs- incia sonora. Sendo da ordem do som, sua realizagao acontece no tempo, tomando a for- uma duragdo. Contrariamente aos significantes visuais, que se realizam n0 espago, (65 significantes sonoros, como os significantes lingUisticos ou musicas, ealizam-se no tempo, de mode que dois sons s6 se realizam em uma sucesso, "Essa propriedade linear dos signos da Ifngua ¢ importante para descrever as rela- aie eles esiabelecem entre si, A questio da distrbuigao dos signos ¢ de suas rela- G8cs, A medida que também define um estado sincrOnico de Iingua, & examinada por Saussure. Elas so tratadas no estudo da dicotomia paradigma vs. sintagma (Saussure, 1969:142-147). a = a

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