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156 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA Topénimos indigenas dos séculos 16 e 17 na costa cearense TH. POMPEU SOBRINHO A toponimia indigena antiga da costa do Ceard oferece interessante feigao historica, somente superada quando se considera em conjunto a to- ponimia geral, que compreende aspecto muito mais variado e elucidativo. Esta, realmente, consta de nomes portuguéses, francéses, espanhois, it: lianos, asidticos e amerincolas, de procedéncias diversas. ‘As denominagées locais surgiram, alteraram-se ou desapareceram, fo- ram uma ot mais vezes substituidas por outras de igual ou diversa origem, uma ordem detetminada, sob 0 estimulo de circunstancias mais ott menos bem conhecidas. Dai o revelarem elas, nesse dinamismo histo dios de que se nao tinha ainda conhecimento, confirmar situarem e esclarecerem outros até agora mal apontarlos pel cronistas. Mesmo dentro do setor puramente indigena, muito mais estreito, a to- ponimia das nossas costas comporta surpresas histéricas relativamente importantes ¢ quase sempre muito curiosas, Sumariamente desejan apontar algumas, salientando as mais importantes, mas seri o desenvolyi- mento que a matéria comporta e merece. * + ox Os vellios topénimos indigenas da costa do Ceara, considerada lo delta do rio Parnaiba @ foz do rio Apodi, podem ser enquadrados dentro de varios periodos on ciclos com significagio propria, e regular caracteriz: cao. Uma classificago desta natureza serve para destacar melhor os acon- cimentos histricos relacionados com éles e despertar correlagies, ittita vez, sobremaneira interessantes. Cumpre cbservar que nao consideramos, aqui, a atual costa do Ceara, mas uma costa cearense histérica, imediatamente anterior aos seus dois Ultimos retraimentos, um definitive e regular no extremo norte, ¢ outro nia ainda de todo sancionado e€ irregular no extremo leste. Poderiamos considerar esta costa com a extensio que apresentava anteriormente. cs barra do rio Parnaiba a ponta dos Trés Irmfos, no Rio Grande do Norie, porque, ao tempo das primitivas capitanias, eram éstes os Himites cla mente assinalados nos velhos mapas seiscentistas. como se vé nomeada REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 157 mente nos de Matth. Seutterum, no de irei Gioseppe di S. Teresa que € dle 1698, e ainda em outros mais modernos, tal como no de N. de Fer, “geographe de sa Majesté Catolique”, que foi publicado em 1717. Teria- mos entao de quase duplicar 0 nosso estudo, feito com a pressa que se exigiu para ser publicado na “Revista do Instituto do Cearé”, correspon dente a0 ano de 1945. . * + O primeiro ciclo abrange o largo periodo que do descobrimento (Fe- vereiro de 1500) estende-se até 1574. Caracteriza-se pela auséncia abso- juta de nomes indigenas, Este fato indica positivamente que durante trés quartos de século as relagdes entre estrangeiros e natives eram pouco frequentes, escassas e mais ou menos fugazes, porventura, geralmente ina- mistosas. Na maioria das vezes os navegantes que perlustraram os nossos mares passavam ao largo, evitando tanto quanto possivel desembarcar em qualquer parts. Mas, se o faziam, iam com muitas cautelas para evitar en- contro com os indios, tides por cruéis, antropdfagos e muito valentes. Quando resolviam descer 4s praias é que a isto os impelia a necessidade de descanso, se 10 a de fazer aguadas, recolher lenha; e em-alguns lugares entregar-se a 1endosas e faceis pescarias, com que abasteciam as despensas de bordo. O segundo ciclo compreende'o iltimo quartel do XVI século, ou mais precisamente o periodo de 1570 a 1604. Caracteriza-se pelo aparecimento dos primeiros topénimos indigenas, de que apenas dois foram registados e chegaram até presente: Mucuripe, aplicado a uma enseada e a uma ponta de terra, e Jaguaribe, designando um rio. ste escasso registo revela que as relagbes entre nativos e estrangeiros eram ainda pouco frequentes, mas ja nao tAo dificeis e perigosas, e seguramente mais demoradas e estaveis. Corresponde 2 frequentes viagens de aventureiros de Pernambuco e Pa- raiba que vinham recolher ou comprar aos indios ambar-gris. Vé-se que os dois pontos mais importantes para um tal escambo eram o Jaguaribe, largo trecho da costa tendo por centro a barra do rio déste nome, e a re- giao do Mucuripe. Além dos portuguéses e mamelucos que vinham de Per- nambuco e Paraiba, apareciam aventureiros que do reino vinham fazer resgate clandestino e no raras vezes saltear os pobres indios, preando-os para escrayos; e desta maneira acirravam ainda mais a justa animosidade dos indigenas. Andavam pelas nossas costas também flibusteiros francé- ses, bem mais habeis nas suas relagées com os nativos, cja amizade e confianca sabiam captar. Entretanto, no deixaram na toponimia vesti- gios destas visitas pefigosas, mas certamente lucrativas, Enquanto os Iu- itanos preferiram explorar as costas ao sul do Mucuripe, os gauléses, ja visando ao Maranhao, procuravam as regides do norte, tratando com os tremembés das praias e os tabajaras da serra da Ibiapaba, © terceiro ciclo vai de 1604 a 1636 e se caracteriza pelo aparecimento de copiosa nomenclatura indigena, especialmente de origem tupi. Isto revela uma notivel aproximacdo dos consquistadores com os indios e a 158 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA reduce destes aos seus servigos ¢ necessidades. As relagdes, assim mais estreitas e mais -frequentes entre nativos e portuguéses, naturalmente re- dundaram em detrimento do comércio francés edo progressivo afastamento déstes estrangeiros. Corresponde realmente éste periodo 4s primeiras ten- tativas de exploracio e ocupacio das terras pelos colonizadores europeus, concretizadas: nas frustradas expedigées de Pero Coelho, na catequese dos jesuitas, Padres Francisco’ Pinto e Luis. Figueira, no estabelecimento e nas primeiras lavras de Martim Soares Moreno nas margens do rio Ceara, perto do mar. A grande preponderancia dos nomes de origem tupi sobre os de procedéncia tapuia, deixa bem claro que os invasores se entendiam melhor com aquele povo. E isto era natural porque éles nas suas entradas, se faziam acompanhar de numerosos indios tupis, ja catequizados em Per- nambuco e Paraiba, por meio dos quais captavam 2 amizade ou a confianea dos que iam encontrando pelo caminho. Déste modo, conquanto os tupis nao fossem os principais habitantes das nossas costas e praias, especialmente senhoreadas ot percorridas pelos tapuias, vitimas prediletas da cupidez dos invasores, € portanto deles mais arredios, os nomes impostos aos acidentes geograficos, aos rios e serras, is pontas e enseadas, aos lugares € praias eram tomados aos potiguaras sobretudo, € um pouco aos tabajaras. Tais gircunstancias explicam por que, nesse periodo, o trecho da costa ao sul de Mucuripe se erigou de topénimos tupis, os quais dali para o norte ra- reavam progressivamente, E’ que os tapuias tremembés, notaveis pela sua valentia, conseguiram manter-se por muito tempo nas praias, especial- mente ao norte da barra do rio Cura, Foram também estas praias os ilti- mos redutos dos francéses no Ceari: Pelos estudrios dos rios, como o do Camucim, os gauléses entravam em terra, conquistando com habilidade a boa vontade dos tremembés e dos tabajaras da serra da Ibiapada que, vi- vendo em boa camaradagem com os seus vizinhos do mar, frequentavam as costas setentrionais do Ceara onde se abasteciam de pescado. Surgem desde 0 coméco déste periodo os nomes de Camucim, Aca- racn, Iguape, Propid, Paripuera, Upanema, Mossoré, etc. oriundos do idioma tupi, e Tutoia (Ototoi), Ceard, de proveniéncia tapuia. O quarto ciclo ocupa todo 0 tempo da dominagio holandesa no Ceara, de 1636 a 1654, Caracteriza-se pela proliferacio dos nomes indigenas re- gistados a moda flamenga. encontradicos por toda a costa, de norte a sul Rste fato mostva que os holandéses percorriam todo o litoral e praias con’ o@ animo de bem conhecer o valor econémico das diversas regides, mas es- pecialmente, a procura de boas salinas. E’ désse tempo o caracteristica aspecto morfolégico dos topénimos indigenas abundantemente registados nos ntumerosos mapas batavos: Ipaxin (Upanema), Mondakug (Mundai), Ussnapaba (Ibiapaba), Marajatk (Marajat), Tipoig (Tupuit), Mon- dnig (Mudubin), etc. Outro fato interessante, proprio desse periodo, & que se registaram muitos topénimos tapuias, alguns dos quais substituindo nomes tupis ou portuguéses dos ciclos anteriores, Coroniba (nome tremembé) substituiu Acaracti; Curubu (tremembé) substituiu Tarairig ou Trairi, etc. Isto mostra que os holandéses, muito mais do que os portuguéses, se interessa- ram pela amizade dos tapuias, especialmente pela dos tremembés, por cujas praias se ia uo Maranhao. N§o s6 éstes tapuias, ao norte, como os tarai- REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 159 ris, ao sul, mereceram os seus cuidados, especialmente depois que a guar- nigéo flamenga do Ceara fora sacrificada pelos indios rebelados contra a mau tratamento que receberam dos primeiros invasores. Finalmente; 0 quinto ciclo deve ser enquadrado no espaco de tempo «que vai de 1554 (defeccdo holandesa) a 1700. Corresponde ao inicio mais ‘ou menos fectmdo da colonizaco protuguésa, Caracteriza-se pelo apareci- mento de pequenos nticleos demograficos estaveis ao longo da costa, sobre- tudo abrigados nos estuirios dos rios. Estas povoagées inicipientes rece- biam ordindriamente o nome do rio a cuja margem se instalavam (Ca- mucin, Acaracu, Ciopé, Pecém, Trairi, etc.). Algumas porém adotavam nomes igualmente indigenas mas relacionados com qualquer outra circuns tancia geografica ou humana local, geralmente muito sugestiva (Aracati Reberibe, Aquiraz, Parangaba, Paupina, Caucaia, Jeriquaquara, Parnaiba, Thiapaba, Mossoré, etc.) * e+ No estudo individual dos topdnimos antigos, registamo-los conforme:a sua grafia presentemente usual; para os que desaparaceram, a que tinham nessa ocasiao. Apés brevissima indicagado geografica, apenas suficiente para a boa inteligencia da significagao de cada um, e sumario escorse histérico, tentamos oferecer uma interpretagio etimolégica, tao resumida- mente quanto possivel, recorrendo 4 andlise j4 feita pelos nossos mais aba- lizados tupinélogos. Sémente quando, segundo o nosso proprio modo de enearar 0 caso, no concordamos com o eritério désses ilustres linguistas, aventuramos a nossa tentativa de discriminagio etimolégica, depois de ex- pormos as razées que nos pareceram assds ponderosas para justificar 0 divércio de opiniio. As dificuldades que estudos desta natureza acarretam s4o por vezes insuperdveis em vista dos nossos parcos conhecimentos das linguas tapttias dos varios grupos Hngio-culturais que percorriam as costas nordestinas, nos dois primeiros séculos do descobrimento. Sabemos que os tupis no XVI século j4 ocupavam trechos da chapada norte da Ibiapaba, frequen- tavam eventualmente as costas norte do Ceara e porventura as do delta do rio Parnaiba, em boa amizade com os tremenbés; verdadeiros habi- tantes destas paragens. Na nossa opinido, éstes indigenas dominavam toda @ costa das margens do rio Curu ao Maranhio. No sabemos ainda se os indios da nagio Anacé e os Wanacés, que habitavam os sertSes mais chegados as-costas do norte, e por vezes visita- vam as praias que se estendiam do rio Acarati ao rio Ceara, eram real- mente pertencentes ao grupo tarairiti, Estes, porém, que compreendiam as numerosas tribos dos paiacus, Genipapos, Canindés, Jandoins, Sucurus, Quitaritis, etc., e provavelmente a dos Jaguaribaras e Jaguaruanas:e pou- cas outras que campeavam pelas proximidades do litoral, ao sl do rio Ceara, ¢ frequentavam assiduamente as respectivas praias, viviam numa précaria camaradagem com os potiguaras do Rio Grande, da Paraiba e Pernambuco. Ao sul do rio Ceara, o mimero de topdnimos tapuias é muito reduzido na costa; quase que desapareceram além do Potengi (rio Grande). 160 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA As denominacées locais em lingua tremembé ¢ tarairid so atualmente indicifraveis por caréncia de conhecimentos. Da dos tremembés sémente possuimos alguns topénimos mais ou menos deturpados, colhidos na cost que fica entre o rio Curu e o Maranhao; e da dos tarairitis conhecemos uum pouco mais, porém, muitissimo ainda falta para que nos aventuremos a qualquer analise etimoldgica dos topdnimos registados, * +o» ACARAU — Geog. Rio, coroas ou baixos marinhos, costa, muni pio e cidade dc norte do Estado. O rio Acarai ¢ 0 maior do Ceara depoi: do Jaguaribe. Desigua no mar, entre as pontas do Itapagé e Jeriquaquara, formando um pequeno delta, em frente do qual se estende o grande banco ‘ou coroas do mesmo nome, onde o mar ¢ extremamente piscoso. Hist. — O topdnimo primitivamente aplicava-se 4 barra do rio ou as coroas fronteiras, sob a forma de: Acarac ou de Acaragus, como escre~ viam alguns cronistas. Sémente em 1879, em virtude de disposicio legis- lativa. da Provincia, passou 4 forma atual, considerada de melhor eufonia. © mais antigo registo do nome encontra-se na “Jornada do Mara- nhdo”, quando o seu autor, Diogo de Campos Moreno, referindo-se a costa, frente da qual velejava a armada de Jerénimo de Albuquerque, no dia 29 de Setembro de 1614, diz ter reconhecido a “terra do Acaraci e seus parceis que a uma légua do mar no davam mais que duas bragas e meia de agua”. Bstes emparcelados e a barra do rio eram desde muitos anos antes bem conhecidos dos nautas que frequentavam as nossas costas. No mapa de Pedro Reinel, em 1516, figura a foz do rio Acarati com o nome de “b. dos parces” (barra dos parcéis). Anteriormente, embora sem designacao, aparece esta barra bem evidente nos mapas de Cantino (1502) e de Cané- rio (1505). Ela também parace ter sido observada por Pinzén ou Lepe, em 1300, pois podemos facilmente identifica-la, a leste da saliente ponta de Jeriquaquara, no célebre mapa de Juan de la Cosa, 0 mapa pioneiro do continente americano. Na carta de Gaspar Viegas (1534), 0 melhor confeccionado na primeira metade do XVI século, est a costa do Acaraa, com a denominacao de “tra de pesearia” (terra de pescaria), no meio da qual se abre a foz de-um rio. Em 1574, no conhecido “mapa das capita- nias”, o rio Acaraii tem a denominagio de “r. Grande”, e 0 cronista Gabriel Soares na sua “Noticia do Brasil”, em 1587, The di o nome de “rio da Cruz”, confundindo-o com o rio Camucim. A posicio geografica consignada por Soares, porém, nao permite davidas sbre a identificacéo. Os grandes parcéis da costa, tornando-a sobremodo estimada pela abndancia de peixe, também contribuiram para nomear 0 rio e.as costas proximas. Nos excelentes mapas de Vaz Dourado (1580) chama-se “rio das Baixas”. O peixe e as consequentes pescarias ainda influiram na topo- nimia Jocal, como se observa no mapa do inglés J. Rotz (1542), onde se regista a “har de pees” (barra dos peixes) e a “terra de pescaria”. Igual- mente, no mapa de Diogo Homem (1558) est4 a “tierra da pescaria”. © nome ACARACU surgi no coméco do XVII século e no mais de- sapareceu, porém modificou-se para Acarat. Aplicado ao rio e aos baixos, REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 161 passou a uma povoagio de pescadores que se formou no estudrio a_uma légua do mar, a margem direita, primitivamente conhecida por “Barra do Acaraca”.” A povoagdo evoluin, passou a vila e atualmente ¢ a im- portante cidade do- Acarat. Convém nao esquecer que no coméco da segunda metade do XVII sé- culo, o rio Acaract foi geralmente conhecido, pela denominacdo tapuia de Conoribo, provavelmente de origem tremembé. Mas, j4 no ultimo quartel daquele século, esta expressio desaparecera, definitivamente substituida pelo nome tupi, agora alterado para Acarat. Etim. — A primeira tentativa de interpretagdo do vocdbulo devemos uo botanico Von Martius que, na sua obra “Clossaria Linguaram Brisili- ensium”, em 1863, diz tartar-se da contragdo de palavra tupi acard, isto é, aca, chifre, corno e hy, agua. “Pisces Acaré” ou corno Agua; dando a corrugio de Acaré goassti, acara grande, em Acaragi, donde acaract. Depois do sAbio alemao, veio a contribuigao do nosso primeiro etimo- logista indigena, frei Francisco dos Prazeres Maranho, em 1867, que in tomo 8, da Rev. do Instituto Histérico e Geografico do Rio de Janciro, explica: Acuracé — Acara.cé, roga ou quinta dos acaras. Mais tarde, o romancista cearense José de Alencar, nas notas do seu célebre romance Tracema, diz: Acard, garga e cé, buraco; rio ou ninho das gracas. Se- guiu-se, entio, o tupindlogo ¢ historiador Dr. Paulino Nogueira que ju- gou imprestiveis as etimologias de Martius e de Alencar, por isto que “nem o rio tem peixes grandes nem de cornos, nem cé significa buraco”. Inspitado no frade citado, propde: Acard, ¢ cé, quinta ou rocado, isto é, quinta das gargas. Observa, porém, que com a atual grafia 0 vocdbulo significa “rio das garcas” de Acard, garca e hw, agua, rio. (Vocabulario Indigena. ix Rev. Inst. Ceara, 1888). Teodoro Sampaio oferece a seguinte interpretagio: Acaré.y, donde acara.hu que, pela forte aspiragéo do ultimo elemento, deu acara.c#, rio dos acaras, Nao nos parecem isentas de reparo todas estas andlises, mesmo a do eminente tpindlogo nacional. Os indios em todos os casos andlogos nao seguiam o modo de composicéo acima adotado. Realmente temos Gerermit. Maracanaé, Jacana% Curiai, ete. e nao Geraracti, Maracanact, Jagana- cil, etc. Em vista disto, in Rev. do Inst. do Ceara, tomo XLVII, aventu- ramos esta outra interpretagio: Acaré, garca e ct, bebida, certa bebida indigena muito estimada pelos tupis. Fntretanto, agora nos parece prefe- rivel supor que Acard, nome genérico de pequenos peixes que orlinaria- mente apresentam espinhos ou aciileos no corpo, esta Tigado a esta cir cunstancia organica. Jorge Marcgrave, em 1648, tratando dos peixes do nordeste brasileiro, referiu-se a um certo acard, possivelmente o atual As- irowotus ocellatus (Agass.) que tem 15 espinhos no dorso. ‘Também des- creveu o velho naturalista flamengo o acard preto, ou acarauna, armado de “agudissimo ferr’o”, Pensa o ictidlogo Paiva Carvalho que se trataria de um .4eanthurus, género de peixes especialmente caracterizados por pos- suirem cauda armada de forte espinho mével. Ora, 0 vocabulo tupi acard contém o elemento acd que significa cas- cudo, escamoso-arranhento, enrugado e ainda corno, chifre, galho, ponta, espora, espor (de aves) como nos ensina o “Dicionario Brasiliano-Por- 162 REVISTA DO INSI1rUTU DO CEARA tugués” que 6 de 1795. Por outro lado, cit pode vir de guaba, passando successivamente pelas ctapas gua, git, ct, ¢ traduz a nog&o de comer ou beber. Portanto, acara.cii pode significar: o lugar onde os acaras comem ow bebem; 0 comedouro de acaris. Covém porém nao esquecer que os pei- xinhos que trazem o nome de acard sfo muito comtuns em todos os nossos, rios, estuirios e lagoas, onde encontram iarta alimentagio. Nestas condi- bes nio é muito provavel que tais circunstancias impressionassem os indios ao ponto de dai tirarem um toponimo, especialmente para a barra de um. dos mais caudalosos do nosso Estado; mas, os baixos ou coréas que muma grande extensao conirontam com a barra poderiam justificalo ple- namente por isto que, sem diivida, os indios conheciam a piscosidade das coroas ¢ sabiam que os peixes ali se acumulayam pelo fato de ser farta a alimentagao, mercé da calma e serenidade das aguas. Referindo-se éstes haixos, escreve Colatino Marques, no seu “Roteiro da Costa do Norte do Brasil mar nfo arrebenta sobre este emparcelado, nem forma cape- los como acontece no Albardio, na costa do Rio Grande do Sul”. A pro- verbial piscosidade do lugar, conhecida desde 0 coméco do século XVI. porvém do fato déstes emparcelados constituirem um verdadeiro come- douro de peixes. Esta interpretacio parece mitito sugestiva malgrado ser estranho que peixe tio vulgar, pequeno e por toda parte encontradico merecesse a honra de provocar tio importantes topénimos. Dai, 0 por que ainda deve- mos fazer algumas observagdes que se enquadram no caso. Sabemos que Acard servia ainda para designar a uossa ela garca branca, ou garca real, natavel pela sva elegancia. I a Casmerodius albus egretia (Cmelin), ov siniplesmente Ardea egreta. Marcgrave a observou ¢ descreveu sob o nome de Guiratinga (ave branca); ¢, porém, mais conhecida vulgarmente por acaratinga ou somente acard. O naturalista Goeldi diz que ela é muito comum por toda parte onde ha superficies de Agua um tanto considerdveis. No Ceara existe esta ave, particularmente abundante nas lagoas do litoral, nas gamboas € mangais dos estuirios dos maiores rios, onde encontra farta alimentagdo. Sabe-se de longa data que cla vive em bandos copiosos no estuério do rio Camucim, Aracati-agu e particularmente nos alagamares do delta do rio Acarau, onde os cacadores ja fizeram terrivel dezimacio. estimulados pelo elevado preco que as delicadas egreties destas ardeas alcangaram nos mereados de Fortaleza. ‘Tais consideragées nos levam a outra interpretagio do vocabulo: Acard. garca branca e ci, de guaba, participio nominal do verbo 1, comer ou beber. Bste verbo tem os dois participios, o ativo guara, 0 comeder ou bebedor. € guaba, 0 comedouro ou bebedouro, ou também o que se come ou se bebe, a comida ou a bebida. Nao € pois descabido admitir que Acaraci signi- fique, também, o lugar onde comem as garcas, o comedoure das garcas, natural aluséo 4 abundancia de alimento que tais aves encontram nos ala- gados, nos alagamares e mangais do rio. Assim, pois, Acarat, alteragio de acaracti, tanto pode ser “comedouro de acaris (peixe), como comedouro de garcas. Conquanto nao nos parega enquadrar-se no caso, julgamos conve- niente lembraz ainda outra plausivel interpretagio. Os potiguaras percor- riam as costas da Paraiba, Rio Grande e pelas do Ceara perambulavam a caga do ambar-gris que iam vender aos seus amigos francéses, e mais tarde REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 163 aos portuguéses. Maregrave que os observou descreve uma bebida fer- mentada que ees usavam e chamavam cauicaracii, preparada com a man- dioca mansa “aipi macacheira”, depois de bem mastigada pelas mulheres yelhas da tribo. Ao suco resultante desta operacdo denominavam caract © qual diluido em agua aquecido em fogo lento e depois decantado, consti tuia um licor muito apreciado, Est claro que promitivamente o tubérculo de que se serviam os indios para o preparo de caracti seria a dioscorea card, ow outro com éste tome, pois a expresso quer dizer bebida de caré. Ao que parece, mais tarde, por qualqaer circunstancia, 4 palavra passou a designar, como se pode ver em Batista Caetano e no Padre Roiz Montoya, vinho de raizes, naturalmente de qualquer raiz, inclusive a da exforbidcea macacheira. © padre que referimos, in seu vocabulério, apenso a “Arte de ta Lengua Guarani”, diz: Card, rayz conocida, comestible. E, logo adiante: Caracé vino de rayz, como de batatas y mandioca, ete. Ja no tempo de Montoya, o caract podia ser preparado tanto com cara, como batata ou macacheira, e certamente com qualquer outro tubérculo que as velhas pudessem mastigar sem risco de envenamento. Certamente, os indi- genas do Acaraii cultivavam a mandioca no litoral e faziam, para as suas festas frequentes, 0 cauiz; mas, que relacdes se poderiam encontrar entre esta bebida e a barra ou os parcéis que Jhe tomaram o nome? Pare finalizar, desejamos ainda indicar a interpretagao dada a esta palavra pelo dr. Joao Mendes de Almeida que a encontrou aplicada a um tibeirio do municipio de Iguape, em $. Paulo: Acarahi vem de Aqué- ira-ail; por contragdo, Ac’-ar’-aii “pouco corrente”. Agud, correr, levado 40 participio com a particula dra, corredor, corrente. A diccdo para signi- ficar defeito, mA vontade. A primeira parte desta andlise mostra-se st- ceptivel de severa critica. ACUMA — E’ o nome que se di ao rio Jua no mapa de Johannis van Keulen (1682) ¢ noutros de confeccio holandesa do XVII século. Nos mapas de Albernaz esti Asumame ou Asumeme, porém, no que. existe apenso ao livre “Rezo do Estado do Brasil”, que € 0 mais antigo que re- gista 0 topdnimo, lé-se Acuceme. Evidentemente 0 vocdbulo é de origem tapuia, provavelmente tarairid. APECUI — Geog. Lagar tos salgados do rio Acarafi, 4 margem es- querda do estudrio. Hist. Q topdnimo apareceu no fim do XVIT sécula, mas somente foi registado na carta de sesmaria passada em 1706, em favor do Capitio Ro- drigues de Castro Araujo. Etim. Apé.cui, literalmente areia do caminho, ou caminho arenoso, alias, como € muito comum no litoral cearense. APODI — Geog. Rio e serra (chapada) no extremo teste do Ceara; municipio e cidade no vizinho estado do Rio Grande do Norte. Esta cha- pada é um planalto de modesta altura que se eleva entre o curso do rio que tem o mesmo nome, no rio Grande, e o do rio Jaguaribe, no Ceara. © pé da encosta déste lado aproxima-se muito do leito inferior do Jagua- ribe. Talvez por isto, a chapada j4 foi conhecida por “serra do Jagua- ride”, Lm alguns mapas quinhentistas, a extremidade norte, e morros dela destacados por erosdo, trazem o nome de “serra de Sio Miguel”, deno- 164 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA minagio também aplicada ao rio, O trecho déste, da barra ao lugar Pau- Infincado, devia-ser, como fora durante muitos anos, a extrema entre o5 estados do Ceara e Rio Grande. Neste trecho ¢.no seguinte, até um pouco a montante da cidade de Mossoré, comumente, toma a denominaga’o di cidade. Nos mapas seiscentistas, 0 rio Apodi traz 0 nome de panent, palavra geralmente deturpada em Panema, Ipauim, etc. Etim. Nos documentos antigos, 0 vocabulo se reduz a podi, topdnime também atribuido a uma serra séca no sul do Ceara (Assaré). Podi talvez possa ser alteragdo de poti.i. Poti em tupi significa maos pontudas e serve para designar © pequeno crustéceo — camarao, tio abun- dante nos estudrios dos rios nordestinos, Assim explicada, a palavra ter’ sido, com certa propriedade, aplicada inicialmente, ao rio, passando depois serra. Teodoro Sampaio lembra que Afodi significa cousa firme, altura uni- da; e neste caso, seria top6nimo bem aplicado 4 chapada. Nao da o ilus- tre tupindlogo a analise do térmo que é simples: afd, raiz, base, fundacao, e di, alteragao de #i (adjetivo), levantado, erguido, alto. Poderia ser ainda: poti, residuo, borra, feses, dejectos, o produto da cousa que se desfaz ou se desmancha; entio, apoti, e por natural detur- pacio apadi, designaria a elevacio que se desmancha em areia, produto da ativa erosio que se verifica nas encostas da chapada. A serra, geralmente formada de arenito pouco coerente, est& sujeita a um processo de erosto que ,por ser bastante ativo, teria impressionado os tupis, dando-thes a no- go de que se desfaz. AQUIRAZ — Geog. Nome do primeiro municipio criado no Ceari (1699) ¢ de uma velha cidade situada a 3 quilémetros do mar, na margent direita do rio Pacoti. Dista desta capital 30 quilémetros ¢ goza de exce- lente clima. ‘Hist. A primeira referéncia a éste nome encontramos sob a forma de Baiquirés em documento de 1681, aplicado a uma lagoa que desaguava no tio Pacoti. O sitio que Estéviio de Moura fundou perto do desaguadouro da lagoa, 4 margem daquele rio, em terras da sesmaria que Ihe foi concedida em 1681, tomou a denominacio de Aquiraz, palavra derivada de Baigui Poucos anos depois, Moura vendeu o sitio a Manuel da Fonseca Leitio, que © fez préspero e de tal jeito povoado que ja no iltimo ano do século, nele fora criado vila. Esta somente foi instalada no ano seguinte, mas nio 14, e sim no lugar do forte, onde é agora esta Capital. Em 1713, a vila foi transferida para o Aquiraz definitivamente. Etim. Para Paulino Nogueira, que se deparou com a velha grafia de Agoakird, num texto latino do padre John Breiver, escrito em 1789, significa — Agua pouco adiante”. Explica: Agoa, corrugio de ig, agua, iki, vizinho, perto, pouco € yra, adiante. Retomando a grafia baikirds, atribuida a uma lagoa, somos levado a supor que ba ¢ alteragio de ipd, lagoa, iguiré, Agua vicosa, fértil. produti donde, “lagoa de agua fertilizante”, talvez pelo limo rico de adubos das suas margens. ‘Teodoro Sampaio, porém, da esta interpretagio: Aquira.d, isto é ca- rogo grande de fruta, cousa pouco expressiva. Inspirou-se Sampaio em REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 165 Batista Caetano que escreve: aquira, brotado, crescido, grande, ¢ ar, nas- cer; graos grandes, Como se mostrou, a palavra comporta interpretagio tupi, mas nada impede que seja ela de origem tapuia, cousa muito dificil de verificar. ARACATI — Geog. Municipio e cidade no extremo oriental do Ceara. ‘A cidade esta situada 4 margem direita do rio Jaguaribe, a 15 quilémetros do mar. Hist, Tomou éste nome a antiga povoagio de “Santa Cruz do Porto dos Barcos”, formada no lugar “Cruz das almas”. ‘Aracati é 0 nome tradicional da brisa vespertina que diriamente, no vero, sopra do mar para o interior da terra. Perlongando o amplo e chato vale do rio Jaguaribe, na -estagio séca do ano, atinge o vale do rio Sal- gado, ainda com relativa velocidade. O vento aracati é muito conhecido dos sertanejos, por que quando alcanga qualquer localidade do sert&io faz baixar a temperatura, trazendo uma sensagio de bem estar, muito aprecia- da. Pensavam os indios que a brisa bonangosa originava-se na barra do rio Jaguaribe. Dai a legitima suposigio de que a primitiva “Cruz das Almas”, poveado formado perto da barra, receben 0 nome de Aracati. Deve-o a sua posigao e a morfologia do vale. Etim, Martius explica: ara, tempo e catti bom, bonangoso;Paulino No- gueira adota esta opiniao, mas Teodoro Sampaio observa: ara.caty 6 0 vento de maresia, o ar impregnado de mau cheiro. Nao devemos deixar de lembrar que: ara é 0 nome que os tupis davam ao tempo, ao mundo, ao espaco, a claridade; contém evidentemente 0 verbo ar, nascer, ¢levar-se, vir, ocorrer, cait, Donde aracanga, o dia limpo ou 0 tempo seco, 9 verdo (B. Caetano). Caté é 0 adjetivo bom, bem, muito, bastante, Portante, aracati ou aracatu pode ser tanto tempo bom, como ar agra- davel ou saudavel, refrescante, e ainda “ar muito”, vento impetuoso, vento muito. Esta accepedo, que nao foi jamais indicada, parece digna de aprego, por isto que o vento aracati, apos o meio dia, no rigor do verao, quando percorre as conhecidas varzeas do baixo Jaguaribe, torna-se impetuoso e levanta na su passagem enormes rolos de poeira escura que seguem para © sul, invadindo as vivendas e povoagdes, como buledes sufocantes, Um tal cardter, proprio das varzeas de Russas e suas vizinhaneas, tende a mo- derar a proporgio que se afasta, ¢ desaparece de todo ao deixar as plani- ceis poeirentas do baixo Jaguaribe. Entio, 0 aracati, ao contrario, torna-se refrescante ¢ é esperado com ansiedade pelos sertancjos do vale médio (Ted, Iguati, Carias, Sio Ma- teus, ete. Jana cidade de Jaguaribe tem perdido a quase totalidade das poei- ras das vargeas e se vai tornando agradavel. ARACATL-ACU Geog. — Rio que irriga certo trecho do norte do Ceara, e despeja na enseada dos Patos, a leste da ponta do Ttapagé. Hist. O topdnimo vem do coméco do XVII século, Figura na descri- cao da costa feita em 1628 pelo holandés Kilian de Resenlaer, sob a forma de Aracatyhug, ¢ no relatério de Jean de Laet, em 1640, com a grafia Ara catiguivast. No mapa de Hondius (1636), esta sob a forma Aracatiuasa; € nos de Blaew (1649) ¢ Loon (1654) Aracatew. Mas, a primeira teferén 166 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA cia encontra-se na relagao do padre Figueira que ¢ de 1607, onde se regista Aracategi. No mapa de Albernaz, o rio Aracati-acu tem o nome tremembé. de Catifim. Etim, As formas primitivas Aracategi e Aracaten significam simples~ mente: rio Aracati, A grafia atual vem de 1640, quando Lact escreve. Aracatigiass rio grande Aracati; certamente, j em oposicfio ao sew vizi- aho © rio peaueno Aracati (Aracati-mirim). ARACATI MIRIM — Geog. Pequeno rio que corre paralelamente aa Aracati agi e despeja no oceano 18 quilémetros a oeste da barra déste. Hist. No mapa de Blaeu, em 1649, apareceu o topénimo sob a forma de Orecatu-mirim, e no fim do século, no de Santa Teresa, com a_mesmiat singular grafia: Orecatumirim, Em alguns documentos antigos, éste rio traz o nome de Mondao, expressio que lembra mundati. Entretanto, 0 rio que hoje se chama Mundati era denominado entio Mondaituba, facilmente identifieado por ficar a leste de Pernambuco (Pernambuquinho) e 0 trace vepresentativa do seu curso passar pela extremidade leste da serra da Uri- buretama, No mapa de Albernaz de 1666, esti com o nome de Aquimondao. Quando, em 1690, comegow a regido a povoar-se, j4 eram correntes as_expressdes e grafias aracatiacu ¢ ardcatimirim, atribuidas aos dois ri Etim. No interessante mapa de van Keulen (1682), ao lado oriental da barra do rio Acarai, ali chamado Conoribo, esti um largo estudrio de- nominada Mondao, o qual recebe dois rios, uma a oeste, 0 “r. Croo” e outro a leste. o “R. Aracat”. Bste deve ser identificado com 0 rio Arc- cati-mirim. Na descricéo da costa, Resenlaer (1628) chama-o Para- iyhug, isto é, rio do lagamar, ‘Tal seria a primeira denominago do curso digua que passon em seguida a Mondao, Mondo, ou como esta em Alber- naz Aquimondio. Finatmente, surgi 0 topnimo atual sob as formas Ore- catumirim e a que tem atualmente. A expressio mondao ou monddo parace alteragio de mondat ou mundai, nome de outro rio proximo que os ma- pas seiscentistas registavam sob as formas de Modoitatuba, Pondakug, Mondayta e Mondahug (Ver Mundait). AQUAMAMUNE — Grapo das serras que Martim Soares Moreno chamava serra do Ceara. — (Ver Dequemamune). ARIAMA — (Ver Dequemamune). CAJUAIS — Ponta de terra, banco e antigo sitio, atualmente povoa- cdo, na praia da costa do municipio do Aracati. Hist. O nome foi registado em 1705, na data de sesmaria concedida a Hieronime da Silva, mas éste mesmo documento faz referencia a outro mais antigo que anteriormente o teria mencionado. Etim. Cajii é a alteragio de acaji ou acaiii, fruto do cajuciro (Ana- cadium ocidentale. 1). Acaiutiba € 0 cajual, vocdbulo hibrido de que ca- juais &0 plural. CAMAMUNE — (Ver Dequemamune). CAMEMBE — Geog. Nome dado pelos indios a certa porcdo de ter- ras do municipio de Caucaia, perto da lagoa do Gererail REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 167 Hist. Baste topénimo apareceu no requerimento em que o Capitdo Fi- lipe Coelho. de Morais, um dos -primeiros povoadores do Ceara, em 1680, pede ao Capitio-mor Sebastido de $a, Ihe mande passar “Carta de data ale sesmaria de dez légoas de terra do Camembe. ..” Etim, Alteragio de caa, mato, ¢ membe, fraco, enfezado, raquitico; {terra de) mato raquitico. CAMUCIM — Geog. Rio, porto, municipio e cidade no extremo norte dlo Ceara. O nome aplicou-se primitivamente ao estuario do rio Curiau, Hist, Do estudrio referido 0, nome passou para a aldeia e povoacio que se formon 4 matgem esquerda, um pouco ao sul das célebres barreiras vermelias, ja assinaladas por Gabriel Soares no ultimo quartel do XVI século. A. primeira denominagio do rio foi Crus (rio da Cruz), ou rio dos s Bracos”, particularmente estimada pelos gauléses, que por 1 anda- vam e traficavam com indios. Cras € topénimo antiguissimo; encontra- mo-lo jA no vetusto mapa do Egerton n.° 2803, sob a forma de “R de cro- ce”, em 1510, Desde entéo, passou a ser registado por numerosos mapas quinhentistas. A expressiio “Tres Bragos”, que se vé nos mapas francé- ses de Descaliers, Le Festu e outros, bem como no portugnés.de Vaz Dou- vado, desapareceu antes do fim do primeiro século; a de Cruz porém, em- hora menos irequente, subsistiu pa centuria seiscentista, ao lado dos topd- nimos “Rio de S. Francisco” e “rio Camucim”. Possivelmente, o nome de S. Francisco nao foi inicialmente atribuide ao rio Camucim. Crémo-lo procedente do vizinho estabelecimento ou arraial, constituido efemeramente va enseada de Jeriquaquara, ao tempo em que ali estacionou a armada de Terénimo de Albuquerque, antes de investir contra os franeéses do Mara- nko. No dia 4 de Outubro de 1614, estava a referida armada ancorada na enseada mencionada, e por ser o dia dedicado pela igreja ao entio beato Francisco de Assiz, féz 0 Capito celebrar a primeira missa festiva qne se disse naquelas paragens, missa solene a que todos os expediciondrics ussistiram. O arraial ficou conhecido pelo nome do futuro santo, e como teve vida curtissima, porquanto ao partir a esquadra foi literalmente des- truido, o nome restou na meméria dos indios e brancos que por 14 ficaram, indo coniundiz-se com o do lugar habitado nas margens do Camucir Assim se explica por que H, Hondius e Loon escrevem nos seus mapas, respectivamente de 1636 e 1654, “R Camucipe 0 $ Francisco”, Bste to- Pénimo persistiu, a par do de Camucim, durante todo o periodo seiscentista pois ainda 0 encontramos no mapa de Santa Teresa, em 1698, Desta duplicidade de nomes para umm mesmo rio resultou certa con- fusio entre os cartégrafos coevos que chegaram por vezes a transferir 0 nome de Cruz para 0 rio Acaraé (Seutters) e mesmo para o Aracati-mi> rim (van Keulen). Camucim & palavra, pela primeira vez encontrada em correlagdo com a expedigio de Pero Coelho, que pelas suas imediagdes chegou em 1604; recolheu-a frei Vicente do Salvador, consignando-a na sua Historia do Brasil. Variando na sua grafia, persistin até o presente, fixando-se sob a forma definitiva de Camucim. Etim, Na “Jornada do Maranhao”, Diogo de Campos escreve Ca- mori, mas provavelmente € éero de cépia, pois, pouco antes (1-3-613), em 168 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA carta ao rei, Diogo de Menezes registava a grafia Camosi. Nos mapas ho- Fandéses do XVII século, de ordinario, esta Camocipe ou Camucipi, com a pospositiva locativa pé, significando “no Camoci”. Kilian de Resenlaer em 1628 escreve Camocy. O cartdgrafo portugués Albernaz em 1666, quando nao emptega o topinimo Cruz, regista Cemocim, Gaspar de Sousa, em carta ao rei (1614), grafa Camuct. ‘Sobre a cxpresséo nao ha. portanto dividas. Segundo Teodoro Sam- paio, é uma alteracio da palavra tupi Cambuch{, que Batista Caetano diz significar 0 vaso de gua, pote ow cantaro, tina, etc. Parece-nos mais concentanea a interpretagio de Barbosa Rodrigue Camocim de camotim, pote, pela troca por eufonia do t pelo c. Poderia ainda ser: Ca, de caa, mato, végetagdo, mais mocim, altera- Gao de mocem, estender, estendido ott aherto; mato aberto, vegetacao rala. parecendo porém que aquela explicagio € mais razoavel, CARACU — Antiga forma do topénimo Acaraii (vide éste). CATIFIM — Nome que os tapuizs tremembés davam ao rio Araca- ti-agu (vide). Hist. © topdnimo foi registado em 1666 por Jodo Teixeira Alber- naz, num dos seus mapas da costa do nordeste. Etim. Sendo 0 vocabulo de origem tremembé, cuja lingua é quase inteiramente desconhecida, torna-se impossivel tentar qualquer inter- pretacdo. CATU — Rio pequeno no municipio de Aquiraz. Desigua no mar entre a foz do Pacoti e a enseada do Iguape. Hist. O toponimo foi inicialmente registado em 1683, numa peticiu de concessio de terras assinada por diversos, na qual dizem: que tendo noticia “que entre o Rio Charo e Pacoti esta um Rio que Chamam Catu...” Com esta forma conservou-se até os nossos dias. Etim. Em tupi, caté significa bom; parece, pois, que 08 indios, como nos casos andlogos, diriam, referindo-se ao rio: Icaft, Agua do rio bom, fertil, de boa agua, etc. CAUCAIA — Geog. Antiga aldeia e missdo de indios. potiguaras, de onde se originou a atual cidade e respective municipio, contiguo ao desta Capital. Hist. O nome Caucaia aplicou-se de principio a uma aldeia e mi situada a poucos quilémetros a oeste do forte de N. S. Soure. Quase cem anos mais tarde, em 1943, j4 sob a categoria de cidad retornou 4 primitiva denominagao. O topénimo vem do XVII século, pois em 1694, conéorme informagio do mestre de campo patlista Manuel de Mo- rais Navarro, existiam no Cearé (regido em térno daquele iorte) 6 al- deias, cujos nome menciona. Entre elas estava a de Caucaia. Etim. Paulino Nogueira aceita a velha interpretagio dada pelo go- vernador Barba Alardo: caa, mato e caf, queimado. Mas, a verdadeira ex- Plicago do topénimo foi dada por Teodoro Sampaio: caa, mato, e ocaic, que se queima; a queimada. . REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA 169 CAUIPE — Geog. Lagoa litoranea, rio, distrito do municipio de Caucaia e vi O rio desagua no mar a W da ponta de Paracumbuca. Hist. Achamos a palavra em 1636 figurando no mapa de H. Hondius, sob a forma de Canigui, Mais tarde, Laet registou, grafando-a Carigui, Na data de sesmaria de Teodésio Camelo (1707) esta escrito Couhipe. Etim. Para Teodoro Sampaio vem de caui ou cauin, derivado de acayi..y, Agua ou sumo do caja, com que os indios fabricavam 0 seu vinho predileto. Dai, Cauipe significar “no vinho de caja” ou “donde vem o vinho de caja”. Esta etimologia, a nosso ver, pede reparos, por isto que, em lugares ‘onde nunca existiu caju, como nas terras onde viviam os guaranis, os id- dios tinham 0 vocdbulo, significande apenas vinho ou bebida fermentada. Segundo Montoya, era cdgui; agora escrevem caguy ¢ dizem abati cagity, vinho de milho. Entre os araucanos (Chile) ha 0 termo cahkuin, bebedeira, embria- guez, etc. Batista Caetano pensa que cagui (expressio guarani), vinho ou bebi- da fermentada, corresponde ao tupi caxi, com a significagio de “farinha die erva”, 0 que nlio nos parece bem razoavel. Julgamos, no caso que exa- minamos, que cauipe, pode ser: caagui ou caawi e pe, no sub-ervoredo, na mata baixa que cresce por baixo da mais alta. CAURON — Nome tapuia, provavelmente tremembé, atribuido ao atual rioCurn. Nos mapas de Blaeu (1649), de Loon (1654) e poucos outros do século XVII, esté “R Curn o Kaaron” (Ver Cura). CEARA — Geog. Rio, antiga aldeia, capitania, depois provincia e atualmente importante estado da Unio brasileira. Priniitivamente o topé- nimo foi aplicado ao rio que ainda o conserva e desigua no mar, 8 quilé- metros a oeste desta Capital. Hist. O nome Cearé, déste estado, surgiu no comégo do XVII século. Supomos com boas razées que chegou 4 Paraiba ou a Pernambuco com Pero Coelho, ao voltar vitorioso da serra da Tbiapaba com os seus prisio- neiros francéses ¢ indigenas, certamente em principios do ano de 1605 ‘ou talvez um pouco antes, pois, como se sabe, noticias dessa primeira expe- digao de Coelho e das tropelias de Soromenho no Jaguaribe j4 se tinham divulgado na cidade da Bahia, em Margo désse ano, Quando 0 Capitio regressava da sua’excursao 4 serra da Ibiapaba, depois de 6 meses de guer- ra, portanto em Julho ou Agosto de 1604, resolveu, ao passar pelo Ceara, fundar nas margens do ria, um arraial, protegido por um fortim que se chamou de §. Tiago. Denominou a povoagio de Nova-Lisboa, certo de fazer dela a capital do imenso territério que supunha haver consquistado, a sta Nova-Lusitania. O pequeno nucleo demografico, 0 primeito que se formou neste estado, tomou ao coméco certo desenvolvimento, aa ponto de levar um dos seus moradores, Martim Soares Moreno, a escrever na sua célebre “Relacio do Ceara” que “aquelle sitio donde ja era feita uma Cidade em muito bom sitio onde eu tenho agora uma fortaleza”. Isto escrevia Moreno 14 anos mais tarde, quando também lastimava a efémera vida daquela esperangosa iniciativa. Despovoado sob a pressio dos nati- yos maltratados pelos portuguéses, s6 em 1611 se repovoou com o retér- 170 REVISTA DO INSTITUTO DO CEARA no do jovem soldado de Coelho, com um clérigo ¢ apenas 6 compa- triotas. Parece certo que Pero Coelho colheu o nome désse lugar ou do rio na sua ida para a Ibiapaba, pois, diz o ilustre cronista coevo que registou © sucesso: “... foram todos (os da expedicio) marchando até o Syaré ‘onde, depois de alguns dias de descango por cansa da gente miuda, tor- naram a marchar”... Provavelmente, j& antes de atingir a expedicao éste pouso, sabia-the o Capitio o nome, por ouvi-lo dos indios do Jaguaribe que © acompanhavam. Nada indica que Coelho ou alguem da ‘sua com- panhia, ao partir da Paraiba em Julho de 1603, tivesse noticia da palavra Ceara, aplicada ao nosso rio ou a qualquer lugar por aqui. Isto parece tanto mais certo quanto se verifica que nenhuma referéncia existe no regi- mento que the entregou Diogo Botelho em Janeiro. Podemos admitir que o Ceara, que logo depois seria o grande, ainda era desconhecido nos centros civilizados de entao, e consequentemente também do chefe da ex- pedigao. Em 1598, terminadas as obras do forte dos Reis Magos, no Rio Grande, 0 posto mais avangado para a conquista do litoral em rumo do norte, foi confiado a Jeronimo de Aibuquerque. Imediatamente tratou © comandante de fazer pazes duradouras com os potiguaras que domina- vam as praias, da Paraiba ao Ceara, praias também frequentadas assidua- mente pelos tapuias tariritis. Esta providéncia era sem divida a mais bem indicada e mesmo indispensavel para que fosse possivel prosseguir com éxito a conquista da costa. Celebradas estas em Julho de 1599, comegou-se logo a formar uma povoagio 4 sombra protetora da fortaleza ¢ a penetra- cio em seu térno. Nao tardou que se fizesse conhecido um pequeno e muito fértil rio que desigua no mar, cérca de 8 quilémetros ao norte daquela povoagio, chamado pelos indigenas Ceard. sta circunstancia leva a suposig&éo de que o Ceara do Rio Grande (hoje Ceara-mirim) sé foi conhecido 4 ou 5 anos antes do nosso. Reforcam a crenga de que o topdnime tio-grandense nado emigrou para © norte, as curiosas referéncias ao lugar, constantes do pormenorizado re- Jato da expedigio de Pero Coelho feito por frei Vicente do Salvador e, sobretudo, 0 modo como o Pe. Luis Figueira trata do lugar e do rio, no seu regresso da Ibiapaba. Rte ilustre jesuita escreveu o documento mais antigo que até o presente se conhece reiativo a historia colonial do Ceara, a sua interessantissima “Relacdo do Maranhio”, que traz a data de 26 dé Maio de 1608. Quando Figueira voitava da infeliz missio da Ibiapaba, onde perdera o set santo companheiro, Pe. Francisco Pinto, sacrificado pelos indios tocarijis, demorou-se algum tempo na aldeia do chefe indi- gena Cobra Azul, perto do mar. Ao resolver continuar a sua viagem de regresso, diz: “... 0 inverno era passado, madei recado a hua aldea a. estava no rio do CEARA 25 ou 30 legoas mais para ca pera o joagoari- be...” Alguns dias depois, o padre chegou a essa aldeia “... que esti junto ao rio Ceara, 25 legoas alem de jagoaribe”, Os indios dela ha- viam preparado uma agradavel recepgio ao héspede, para quem ti- nham construido uma casinha “muy bonita de pindoha”, Anota Figueira: “A estes indios do CEARA cévidey, e tinha j4 dantes cévidado q. viessem para a ygreja”. Bste j4 dantes devia ter sido por ocasiio da passagem dos dois jesui-

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