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09689 Coordenador do Consetho Editorial Marcos Cezar de Freitas Consetho Editorial de Eduensio José Cerchi Fusari Marcos Ant Mali André Pedro Goergen Terezinha Azerédo Rios Valdemar Sguissardi Vitor Henrique Paro Dados internacionais de Catalogacdo na Publ cpD-s79 200981 379.2098 Artes Sandra Unbehaum Valter Silvério (Orgs.) ACOES AFIRMATIVAS NO BRASIL voLuME 2 REFLEXOES E DESAFIOS PARA A POS-GRADUACAO Coedi¢éo: Fundacao Carlos Chagas Apoio: Fundagéo Ford Sian AGOES AFIRMATIVAS NO BRASIL: reflexes e desafios para a pls-greduagio ‘Amli Arts, Sandra Unbehaum, Valter Siri (Orgs) (Cap: de Sign Arte Visual Prepuragto de origins: Jack Dantas "Nenbuma parte dest obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorieagioexpressa dos longanizadorese doe (©2016 by Organizadores Im SUMARIO APRESENTACAO, Amélia Artes, Sandra Unbehaum e Valter Si CAPITULO 1. Desigualdades de cor/raga e sexo entre pessoas que frequentam e titulados na pés-graduagio 1, A expansao da pés-graduagdo no Brasil e as marcas 's desigualdades educacionais: auséncia e 2. O historico da pés-graduagao e as marcas de assimetrias.. eo . 3. Marcos legais para o enfrentamei raciais.. pOs-graduacao bra: Demogrétficos 5. Anilises complementares: as dreas de formagdo e de {uago profissional 19 2 26 ne 31 MEDEIROS, P. M. Raga e Estado, politicas de acio afirmat Dissertagdo (Mestraco em Sociol S80 Carlos, 2009. REICHMANN, R. Race in contemporary Brat Pennsylvania: University Press, 1999, RESTREPO, L. A. A relagdo entre a sociedade civil e 0 Estado: element uma fundamentacio teérica do papel dos movimentos sociais na América Latina, Tempo Socal, v. 2, n. 2, p. 61-100, dez. 1990, ‘SABOIA, G. V; PORTO, A. J. V.A Conferéncia Mundial de Durban e o Brasil In: BRASIL. Direitos humay Exteriores, Departamento Disponivel em: . Acesso em: 2 jun. 2016. SALES JUNIOR, R. 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Antes, a 26 de abril do mesmo ano, o Supremo ‘Tribunal Federal (STF) havia reconhecido a constitucionalidade do oe ARTES + unsenaui «| fo sistema de cotas raciais instituido pela Universidade de Brasilia (UnB) em 2004 e, por extensdo, aquelas diferentes formas de ages afirma- tivas — cotas e bonus, principalmente — jé em vigor em mais de 70% das universicades publicas do pais. A Lei de 29 de agosto, portanto, tornou universais no sistema federal politicas preferenciais de ingres- So ja em curso desde 2004 e unificou o modo de aplicagio das cotas, sistematizada deste modo: 50% das vagas reservadas para alunos egressos de escolas puiblicas, das quais 50% alocadas para aqueles oriundos de familias de baixa renda (renda familiar de 1,5 saldrio minimo) ¢ 50% para os demais, e a observancia de selecio de negros, pardos e indigenas na proporgao dessa populacdo em cada um dos estados da Federacio onde estiver instalada a universidade federal, em ambos os grupos de renda (ver Quadro 1), Consideranclo esses dados, meu principal objetivo, neste capitulo, € reconstituir analiticamente a historia dessa luta social, entre 1995, quando se colocou na agenda politica a possibilidade de agoes afirma. tivas para negros e carentes nas universidades, e 2012, quando a Lei de Cotas foi aprovada e sancionada. Acompanharei principalmente a for- mulagio dos termos do debate, a mobilizagao social ea luta ideol6gica tal como foram se constituindo e os interesses sociais em jogo. Deixo de fora desse escopo, propositadamente, iniciativas sem grande apoio Politico ou popular que antecederam tal periodo. Muitos enxergam no Projeto de Lei (PL) n. 1332 apresentado a Camara pelo deputado Abdias do Nascimento, em 1983, a primeira tentativa de criagio de colas raciais no Brasil. Mas essa proposta de lei era bem diferente da atual. Abdias propunha, entao, a criagao de metas (nao cotas) de 20% Para o emprego de homens negros e 20% para mulheres negras em: J todos os érga0s da administeagio pit direta e indireta, cle niveis federal, estadual e municipal; os Governos federal, estaduais e muni Cipais;os ministérios; as Secretarias estaduais e municipais; as autarquias ¢¢ fundagoes; as Forgas Armadas; o Poder Judictirio, o Poder Legislati- vo [...] empresas, firmas ¢ estabelecis rio. (Bras [GOES ARMATWAS NO BRAS 5 No que se refere ao ensino superior, o Projeto de Lei n. 1.332, de 1983, no entanto, rezava apenas que seriam “destinadas a estudantes negros 40% (quarenta por cento) das bolsas de estudo concedidas pelo Ministério da Educacao e Cultura e pelas Secretarias de Educa- do Estaduais e Municipais em todos os niveis (primério, secundatio, superior e de pés-graduagao)” (Brasil, 1983) A Iuta que resultou na adogao de cotas no ensino superior bra- sileiro parece mais bem periodizada se tomarmos trés fases hist6ricas A primeira, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, vai da formagao do Grupo Interministerial de Trabalho da Populagdo Negra (1995) até a promulgagio da Lei n. 10.558, de 2002 (Diversidade na Universidade), que recomenda a adogao de agées afirmativas pelas irquias e fundagdes de ensino universitério. A segunda fase tem inicio com a aprovacio e a implantacio de cotas nas universidades icas a partir de 2003 e 2004. Essas acées se basearam juridica- ‘mente na autonomia universitéria e na recomendacao legal de 2002, ja referida antes, conformando uma etapa na qual se experimentaram diversas férmulas e beneficiérios: cotas e bonus, estudantes da esco- Niblica e carentes, pretos, pardos indigenas e negros.’ A terceira fase tem inicio em 2012 com a decisao do STF julgando consti- mal 0 uso de cotas raciais pela Unb. Conquanto diferentes campos de mobilizagao devam ser anali- camente privilegiados — social, politico-parlamentar, juridico, académico e opiniao priblica — neste capitulo essas cinco frentes (ou campos) da mobilizagao serao tocadas muito desigualmente. A social — forma como entendo a disputa pela legitimidade das politicas Piiblicas — cedo se expressa na controvérsia ao redor de perguntas primérias, tais como: existem racismo e ragas no Brasil? Existem negros? Na politico-parlamentar — isto é, a dinamica do movimento social e sua representagao em partidos politicos e nos governos — apresentam-se projetos de lei e busca-se apoio dos diversos setores Tepresentados no Congresso. A frente juridica é aquela em que se disputa a legalidade de politicas raciais. A acedémiea, aquela em que se experimentou a factibilidade de cotas, por meio de diversos editais de vestibular, mas onde também se produziram conheciment tificamente legitimados sobre as disputas sociais, politicas e juridicas, E, finalmente, a frente da opinito piiblica, em que se tratava de con. vencer as classes médias e superiores, mediante argumentos e infor- mages, das virtudes e dos defeitos das cotas. Traté-las todas com alguma profundidade, como se vé, constitui uma proposta de pes- quisa de varios anos e muito espago. O capitulo tem, portanto, um ‘ien- 1. 0 campo social Antes mesmo de 1995, marco inicial do escopo desta analise, iniciou-se a luta ideol6gica em torno dos ideais nacionais brasileiros de convivéncia pacifica entre as classes e as racas no Brasil, mundial- mente conhecidos como democracia racial. Como sabemos, essa crenca fora denunciada desde 1964 por Florestan Fernandes como “mi Por Abdias do Nascimento, como “fa e (Ou seja, a luta contra 0 Jo da democracia representativa ambém como luta de dentincia dos padrdes adlos e discriminatérios da sociedade brasileira (Guimaraes, ). Essa foi talvez a mai das lutas porque visava alterar os pressupostos da politica raciaP brasileira, ou seja, a de um pafs mestico, sem racismo e até mesmo sem racas. Como se Pensava no senso comum, quem poderia se dizer negro no Bras em que éramos todos mestigos? Que sentido fariam politicas espec- ficas para a populagao negra se nao se poderiam definir linhas de ragas ou de cor? om rigor AGOES APRMVATIVAS No aha a De certo modo, a derrocada da ditadura mi coincidiu com o real Promover esses novos idedrios as diversas instituigdes da Organizagao das NagGes Unidas (ONU) e as organizagées filantropicas internacio- nais. Mas, entre o reposicionamento do Estado brasileiro em termos internacionais e a criagao de consenso interno em torno dos novos lores, havia um abismo, que teria de ser superado pela luta ideo- interna. Nesse plano domé: ter sido a longa crise econémica, pi \da do regime -chave de mudanga parece ca € social que se seguiu a cultural. Permitam-me desenvolver brevemente esse ponto. A democracia racial brasileira tinha sido institucionalizada du- rantea ditadura Vargas (Gomes, 1995) a partir de narrativa imaginadas por escritores modernistas (Campos, 2002, 2005-2006) e Por cientistas sociais dos anos 1940 (Guimaraes, 2005). Uma vasta producao ficcional — ancorada pelo romance regionalista nordestino, principalmente, mas nao apenas, pela miisica popular e pela industria do entretenimento e cultura de massas —, durante o periodo demo- eratico da Segunda Reptiblica, a rotinizou, de maneira a fa recer eterna e perene como a prépria nacdo brasileira. Os ram a narrativa da democracia racial a condicéo de doutrina de ica externa (Davilla, 2010); jé a sol o da indhistria cultural, nos anos 1970, cujos ca jovelas, levou-a a todos os rin, magdo em que recosturadas em novos amlgamas, cristalizara-se o imaginério nacional (0 mito das trés ragas, 0 embranquecimento, o pafs mestico e cordial, a inexisténcia de racismo) em algo tio sélido quanto aquilo que nossa percepao chama de realidade. 98 ARTES» UNBEHAUM + suvRO Ora, a grave crise que marcou os estertores do regime militar nos anos 1980, e que acompanhou a reconstrugao democritica, atingiu em cheio tal narrativa nacional, forgando-a a buscar novas atualizacdes: tenses sociais das mais diversas, que pareciam sepultadas desde Vargas, reapareceram de modo preocupante nos anos 1990: 0 precon- ceito contra os nordestinos, no Sul e no Sudeste, passou a ser aberto eofensivo; até mesmo movimentos regionalistas separatistas passaram @ ocupar algum lugar na arena publica. Contra tais movimentos desconstrutivos do imaginario nacional, ‘outros ganharam forca e crescente aceitacao na opiniao puiblica. Mais flexiveis, no sentido de amalgamarem novos discursos raciais, étnicos € sexuais com a velha matriz nacional, seus pressupostos se assen- tavam na tendéncia contempornea de construcio de nagdes mi culturais e multirraciais. Fles seguiam a trilha aberta por movime: tos culturais como o black Rio, os blocos afro-baianos, o reggae maranhense, que redefiniam como africano ou negto 0 que fora institucionalizado a partir dos anos 1930 como “afto-brasileiro”, “baiano” ou “carioca’, O Movimento Negro Unificado (MNU) eas demais organizacoes negras que ocuparam a cena politica como aliadas frente ampla pela redemocratizacao souberam se aproveitar da reconstrucéo democra- tica dos anos 1980-1990, agindo de forma coerente com 0 que nesta se afigurava: uma crise da narrativa nacional. Ou — para nao parecer que atribuo perfeita consciéncia aos agentes ou excessivo determinis- mo estrutural ao resultado de lutas historicas (que, de fato, estio sempre abertas e indefinidas a cada momento) — melhor dizer que havia espaco, naquela conjuntura, para que a consciéncia racial pre- gada pelos ativistas fosse ouvida e incorporada ao processo politico. Por isso mesmo, a agenda da luta negra, que teve impacto sobre a posterior aceitacio de cotas raciais, merece ser recordada. Momentos decisivos dessa luta, em que se alinharam forcas sociais diversas — académicos, politicos, ativistas — foram, sem ‘da, a reintrodugio do quesito censitario de autodeclaragao da cor no Censo de 1980; a provisdo na Constituicéo de 1988, nas dis- AGOES AFRMATNAS NO BRAS * posigoes transit6rias, do crime de racismo e de reconhecimento da propriedade coletiva das terras quilombolas;* a criagio da Fundagao Palmares, em 22 de agosto de 1988, com a finalidade de preserva¢ao da arte e da cultura afro-brasileiras; a transformagao do quesito cen- sitario, em 1991, para cor/raga; 0 funcionamento eficiente de advoca- . Acesso em: 7 jun. 2016. BRASIL, Senado. Constituigio da Republica Federatioa do Brasil, Brasil do, 1988. CAMPOS, Luiz Augusto; FERES JUNIOR, Joo, Televisio em cores? Raga e sexo nas telenovelas “globais” (1984-2014). Texts para Discussdo GEMAA, TESP-UERJ,n. 10, p. 1-23, 2015 CAMPOS, Maria José. 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Em outras instituigdes pioneiras, a Universidade do Estado da Bahia (UNEB — em 2002) e a Universidade de Brasilia (UnB — em 2004), os conselhos superiores tomaram a decisio de estabelecer politicas ir de 2002 ef Machado, 2013,

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