Você está na página 1de 4
Cigncia Rural, Santa Maria, v.26, 9.2, p. 305-308, 1996, ISSN 0103-8478 BRUCELOSE CANINA: RELATO DE CASO. CANINE BRUCELLOSIS: A CASE REPORT Agueda Castagna de Vargas' Andrea Lazzari® Valé Dutra? Fernando Poester? RESUMO, Relata-se a ocorréncia de catos de brucelase em ‘animais de wn canil da cidade de Uruguaiana, Rio Grande do Sul Devido a registros de aborto nesta criagdo, suspeltou-se desta enfermidade.O isolamento da Brucella canis foi realizado através dda cultura de materais obtides dos fetos abortados, placenta e rneonatos. O teste sarolégico de imunodifusdo em gel de agar ddemonsirou que 72,79 (8/11) dos animais deste canil haviam se Infectado com esta bactéria. Nese relat so dscritose discuidos (05 dados clinicos e sorolégicos, assim como 0 isolamento da Brucella canis, Palavraschave: Brucella canis, sorologia, ‘solamento, epidemiologia, SUMMARY The ocurrence of canine brucellosis is described in « kennel from Uruguaiana city. Due to abortion registered atthe Kennel the suspected disease was brucellosis. The ‘solation of Bucella canis was realized by culturing the material collected rom aborted fetuses, placenta and neonates. The agar gel “immunodiffusion test was used for sorological evaluation and showed that 72.7% (8/11) of the dogs were infected with the bacteria. The authors describe also the clinical signs, serological Jindings and also the isolation ofthe Brucella canis Key Words: Brucella canis, sorology isolation epidemiology "Médico Veterinirio, MsC., Professor Assistente do Departamento de Medicina Veter (UFSM) - 9719-900 ~ Santa Maria, RS, Brasil. Fax Ma correspondéncia TRODUGAO ‘A. brucelose canina é uma doenga bacteriana causada pela Brucella canis, um cocobacilo gram negativo aerdbico (KERWIN et al, 1992), Este agente causa uma bacteremia de extensa duragio, desenvolvendo —algumas _alterages reprodutivas (MOORE et al, 1970). A mais frequente manifestagio da doenga nas fémeas é a falha reprodutiva ou 0 aborto entre 0 45°-55° dias de gestago (KRAKOWKA, 1977). No macho, est associada a epididimite, dermatite do escroto, atrofia testicular e infertilidade (HUBBERT & GUPTA, 1980). A. transmissfio ocorre no periodo de acasalamento ou como resultado do contato com tecido fetal abortado e descarga vaginal. A Brucella canis pode ficar alojada na préstata e epididimo de machos infectados ¢ ser eliminada intermitentemente no fluido seminal, mesmo apés a bacteremia ter cessado (KERWIN ef al, 1992). Outras formas de transmissio sto a congénita e por aerosGis (CURRIER 1982). A infecgio de ces por Brucella canis tem sido encontrada em praticamente todos os paises. A prevaléncia é variével segundo a regio e 0 método ria Preventiva, Universidade Federal de Santa (055)2262347, Email:AGUEDA@SUPER UFSM.BR. Autor para “Medico Vetrnii, alo do Curso de Pos-graduaso (rea de Medicina VetrndiaPreventiva) da USM, “Meio Veteriniio, MC, Pesquisador do Cento de PesquissVetrndias Desire Finamor FEPAGRO -Ekorado do Sul RS, eed para abla et 24396 Aprons em 40036 306 Vargas eta. diagnéstico empregado (ACHA & SZYFRES, 1989). Alguns levantamentos sorolégicos _revelaram percentuais de 1 a 6% de prevaléncia nos Estados Unidos, 25% no Peru (GREENE & GEORGE, 1984) e 11,8% em cdes de rua do México (FLORES- CASTRO ef al, 1977). Na regio do planalto catarinense, Brasil, SCHLEMPER & VAZ (1990) encontraram uma prevaléncia de 6% de cdes soropositivos na zona urbana ¢ 3% na zona rural GERMANO ef al, (1987), em levantamento soro- epidemiolégico na cidade de Campinas, Brasil, detectou 5,4% de caes infectados. No municipio de Pelotas, Brasil, NETO et al. (1992) verificaram 22,7% de prevaléncia entre caninos ¢ 7,1% entre humanos. Na espécie humana, os registros demonstram que @ maioria dos casos de infecgao esto associados & laboratoristas e a individuos que trabalham em canis. RELATO DO CASO Materiais de duas fémeas da raga Poodle Toy, tais como placenta, fetos abortados € neonatos foram enviados ao laboratério de bacteriologia do Departamento de Medicina Veterinéria Preventiva da Universidade Federal de Santa Maria. As referidas amostras foram remetidas pelos proprietirios de um canil da cidade de Uruguaiana, Rio Grande do Sul. Oportunamente foram enviadas amostras de soro sangilineo para realizagao de teste sorolégico. Foram semeados, placenta e figado dos fetos abortados, pulmao, figado e contetido estomacal dos neonatos em agar sangue ovino 4 8% e agar Mac Conkey. As placas foram incubadas em microaerofilia, 8 37°C por 96 horas. A classificagdo do género e espécie da bacteria isolada, foi realizada mediante as caracteristicas morfol6gicas, tintoriais e bioquimicas da cultura (BISPING & AMTSEBERG, 1988; CARTER & COLE, 1990). A técnica de inundagdo da placa com cristal violeta, descrita pelo CENTRO PANAMERICANO DE ZOONOSIS (1971), foi utilizada para a caracterizagao de colénias rugosas do género Brucella, Foram _utilizados _soros monoespecificos para determinar o aglutinégeno predominante (A, M ou R) da bactéria isolada. Esta técnica foi executada segundo descrigdo feita por ALTON et al. (1976). Fragmentos de figado, pulmao baco dos neonatos foram também submetidos & exames virolégico e histopatolégico. soro sanguiineo de onze animais foram submetidos ao teste sorolégico de imunodifusdo em gel de agar (IDGA). Para realizagto do teste foram utilizados antigenos de Brucella ovis e soro controle de cameiro hiperimunizado, segundo técnica descrita pelo CENTRO PANAMERICANO DE ZOONOSIS (1976). RESULTADOS © canil era composto por doze animais, seis da raga Poodle Toy e seis da raga Yorkshire Terrier. Das cinco fémeas da raga Poodle Toy, quatro abortaram entre 0 42° e 45° dias de gestagdo. A outra femea desta raga manteve a gestagio até o final, porém, dois dos seus cinco filhotes sobreviveram poucas horas. A cultura em agar sangue, apés 96 horas de incubagdo mostrou crescimento puro de colénias pequenas cinza-esbranquigadas, no hemoliticas. O agente foi isolado de placenta, fetos abortados ¢ neonatos. Em agar Mac Conkey nao foi verificado crescimento. A coloracdo de gram dos cultivos obti- dos, revelou presenga de cocobacilos gram negatives. organismo isolado foi positivo para os testes de oxidase, redugdo de nitrato e hidrélise répida da uréia (10 minutos). Nos testes de citrato, Voges Proskauer € vermelho de metila a reagdo foi negativa, nto ‘ocorrendo produgdo de H.S e utilizagdo da glicose. A bactéria isolada foi positiva a técnica de aglutinagao com soro monoespecifico R € negativa frente aos soros A ¢ M. Inundando-se a placa com solucdo de cristal violeta as col6nias coraram-se, demonstrando estarem sob a forma rugosa. Com base nestes resulta- dos a bactéria foi classificada como Brucella canis. A anilise virologica demonstrou-se negativa. Nas seqdes de tecidos observados por exame histopatolégico, ndo foram detectadas alteragdes significativas. O estudo foi prejudicado pelas alteragdes pos-morte € por artefatos de congelamento. Das onze amostras de soro sanguineo analisadas, oito (72,7%) foram positivas ao teste de IDGA, sendo cinco fémeas ¢ um macho da raga Poodle Toy e duas fémeas da raga Yorkshire Terrier. DISCUSSAO canil do presente relato, apresentou um percentual de soropositividade ao teste de IDGA de 72.7% (8/11). POESTER et al, (1994), também na cidade de Uruguaiana, Brasil, encontraram 7,4% de ces reagentes, demonstrando como GREENE & GEORGE (1984), que esta infecgo ocorre com maior freqiiéncia e com alta prevaléncia em ces criados confinados. Os animais deste relato eram origindrios de varios Estados (RS, RJ, SP e PR). Nao foi possivel realizar o rastreamento destes, mas a diversidade de Ciéneia Rural, v. 26, n. 2, 1996. Brucelose canina 307 origens pode ter propiciado a entrada de um animal infectado no estabelecimento. MOORE et al. (1970) salientam, que a disseminagao da brucelose canina std associada a movimentagao de ces de uma regio 4 outra. Outra provavel forma de entrada pode ter sido © macho reprodutor, que frequentemente era usado para cobrir fémeas de outras propriedades, possibili- tando seu contigio, ¢ a disseminagao em seu canil de origem © macho da raga Poodle Toy apresentou resultado positivo ao teste sorolégico de IDGA. Todas as cinco fémeas da mesma raga foram positivas a0 teste, sendo que trés destas abortaram entre 0 42° e 45° dias de gestagdo. Duas fémeas da raga Yorkshire Terrier, apesar de ndo entrarem em contato com 0 ‘macho infectado, foram positivas ao teste de IDGA. E, importante salientar que estas f8meas estiveram em contato com as reprodutoras da raga Poodle Toy. Neste caso, como ja descrito por MOORE ef al. (1970) @ transmissio pode ter ocorrido pelas descargas vaginais, envolturas fetais e fetos abortados das fémeas infectadas, Em uma das fémeas do canil, coberta por este macho, nido ocorreu aborto. O parto foi a termo, porém dois dos seus cinco filhotes sobreviveram poucas horas. Segundo GRENE & GEORGE (1984), apesar de evidenciar-se a necrose das vilosidades coridnicas, 0 mecanismo do aborto é incerto, Sabe-se que 0 crescimento intracelular da Brucella canis néo esté confinado aos monécitos sanguineos, podendo alcangar muitos tecidos durante @ bacteremia, Na maioria das vezes a grande proliferagdo bacteriana ocorre nos linfonodos e bao, nas gestantes no itero e na placenta, De um dos neonatos foi isolada a Brucella canis do conteido estomacal. Este acontecimento Fetrata uma transmissdo congénita, jé relatada em alguns trabalhos (MOORE et al, 1970; CURRIER et 4al,, 1982), ACHA & SZYFRES (1989), descrevem que os animais que sobrevivem podem ser bacterémicos, havendo neste caso um grande risco de transmissdo & outros animais e a pessoas em contato om os infectados. No entanto, esta bacteremia nao foi pesquisada no presente caso. A brucelose canina possui um cardter zoondtico. Casos de infecgao humana adquiridos acidentalmente em laboratérios € naturalmente em individuos que trabalham em canis foram registrados (ACHA & SZYFRES, 1989). Até o ano de 1983, havia trinta casos humanos documentados no mundo (Young apud MATEU-DE-ANTONIO & MARTIN, 1995), Esta caracteristica zoonética € a ineficiéncia dos fratamentos foi amplamente esclarecida aos proprietarios. Baseado nestes fatos ¢ levando em conta a alta prevaléncia (72,7%) o proprietério optou pelo sacrificio dos animais positivos. O presente relato descreve a ocorréncia de brucelose em um canil de animais registrados, tendo 0 ‘objetivo de alertar médicos veterindrios e proprietérios sobre a importancia e o risco da mesma para a saiide piiblica REFERENCIAS BIBLIOGRAFICA‘ ACHA, PN, SZYERES, B. Zoonoses y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2.ed Washington: Organizacion Panamericana de la salud, 1989. cap. 1: Bacteriosis: p. 3-213 ALTON, GG, JONESLH, PIETZ, DE. Las tenieas de laboratério en Ia brucelosis. 2 ed. Ginebra; Organizasio Mundial de Saide, 1976. 175 p, BISPING, W., AMTSBERG, G, Color atlas for the diagnosis of bacterial pathogens in animals. Berlin: Paul Parey Scientific Publisher, 1988. 339 p. CARTER, GR, COLE, JR. Diagnostic Procedures. in Veterinary Bacteriology an Mycology. 5. ed. San Diego: ‘Academic Press, 190,620 p. ‘CENTRO PANAMERICANO DE ZOONOSIS, Elaboracion y normalizacion de antigenos para las pruebas de sero- aglutinacion de la brucelosis. Buenos Aires: Oficina saniti Panamericana, 1971.22 p, Nota técnica, 03 CENTRO PANAMERICANO DE ZOONOSIS. Téenien de difasion en gel de agar para el diagnéstico de la epididimitis, de os carneros. Buenos Aires: Oficina sanitiria Panamericane, 1976.15 p. Nota téenica, 20, CURRIER, R,W., RAITHEL, WF, MARTIN, R., etal Canine brucellosis. J Am Vet Med Assos, v. 180, n. 2, p. 132-133, 1982, FLORES-CASTRO, R., SUAREZ, F., RAMIREZ-PFEIFFER, C, et al, Canine brucellosis: bacteriological and serological ‘investigation of naturally infected dogs in Mexico city. J Microb, v.6, p, 591-597, 1977 GERMANO, PMLL., VASCONCELOS, $A, ISHIZUKA, MM, etal. Prevaléncia de infeegdo por Brucella canis em cdes da cidade de Campinas - SP.. Brasil. Rev Fac Med Vet Zootee Univ. v.24, 0. 1p. 27-34, 1987, GREENE, CE, GEORGE, LW, Clinical microbiology and infections diseases of the dog and cat.: W.B. Saunders, 1984 cap. 40: Canine Brucellosis: p, 646-662 HUBERT, N.L, BECH-NIELSEN, S, BARTA, 0. Canine brucellosis: Comparison of clinical manifestations with Serologic test results. J Am Vet Med Assoc, v. 177.n.2.p 168-171, 1980, KERWIN, SC. LEWIS, D.D, HRIBERNIK, TN, e af Diskospondyiits associated with Brucella canis infection in Ciéneia Rural, v. 26, n. 2, 1996,

Você também pode gostar