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O CONGRESSO E A POLITICA DE COMERCIO EXTERIOR MARIA REGINA SOARES DE LIMA FABIANO SANTOS. A politica externa e, especialmente, a de comércio exterior sao objeto natural de delegagdo de poder decisdrio do Legislative para o Executivo. Existem pelo menos trés bons motivos para a delegagao. Em primeiro lugar, por ser matéria especialmente sensfvel a presses distribu- tivas, setores econdmicos, grupos de produtores, sindicatos tém interesse em criar obstdculos & importacdo de bens competitivos. E facil perceber que se tais interesses so atendidos sem qualquer cuidado com as prefer- Encias dos consumidores, certamente estes pagaro caro por produtos de baixa qualidade. A solugao de delegar poderes ao Executivo surge como freio aos excessos distributivistas de corporagSes e localidades. Em segun- do lugar, o tema da politica de comércio exterior envolve conhecimento especializado, ademais de constante averiguagdo de indicadores ¢ evidén- as. E razodvel que deputados desprovidos de expertise no assunto tenham dificuldades em opinar sobre o mérito de questées relativas & cambio, ba- langa comercial, balango de pagamentos, pregos de bens e servigos no exte- rior, taxa de juros interna e externa. Por isso, 0 melhor a fazer é delegar * Este artigo € uma versio modificada de trabalho apresentado pelos autores no XX! Encontro da Latin American Studies Association (LASA), Chicago, Mlinois, 24-26 de setembro de 1998, e no seminério Politica Internacional e Comparada: Perspectivas Recentes no Brasil, Departamento de Relagdes Internacionas, UnB, Brasflia, {1-12 de novernbro de 1999, Nés, os autores, agradecemos aos comentirios de Maria Isabel Valado Carvalho, Charles Pessanha e Wanderley Guilherme dos Santos, cabendo-nos, nao obstante, inteira responsabilidade pelo resultado final do texto. 122 LUA NOVA N® 52 — 2001 autoridade para decidir sobre tais temas a agentes possuidores de vantagens informacionais comparativas. Finalmente, um terceiro motivo para a dele- gagéio refere-se ao problema da estabilidade das decisdes. A politica de comércio exterior envolve a posigdo do pafs face a outras nagdes com as quais estabelece-se barganhas sobre compra e venda de bens e servigos. Isto quer dizer que modificagdes na legislagao interna afetam a credibili- dade da nagéio frente & comunidade internacional. Por isso, alteragio, emenda, veto € rejeigéio de acordos, atos e tratados podem ser altamente danosos para a sociedade em geral, uma vez que sangdes unilaterais de paises atingidos pelo proceso legislativo interno afetardo grupos ¢ indivi- duos outros que nao os decisores. Ocorre que o Legislative é um corpo cujo membros representam interesses diversos. E alta, consequentemente, a probabilidade de que deputados e senadores desejem modificar e, even- tualmente, anular decisées de politica externa que potencialmente pre- judiquem suas bases eleitorais. A delegagao de tarefas para o Executivo parece, entéo, a melhor forma de garantir a estabilidade das decisOes ati- nentes ao comércio exterior. Mas delegagdo nao significa necessariamente abdicagio, vale dizer, é perfeitamente possivel a um agente delegar poder e, ao mesmo tempo, atingir resultados politicos satisfatérios', A histéria brasileira recente € um exemplo de como a delegagdo de poder decisério do Congresso para o presidente em politica de comércio exterior pode sig- nificar a obteng&io de ganhos muituos por parte dos atores politicos. Tome 0 caso da industrializagiio no pés-guerra, Pode-se dizer que durante muito tempo, 0 modelo de crescimento econémico adotado pelo pats foi fruto de um pacto de delegagao do Legislativo em favor do Executivo, na medida em que industrializagao ¢ nacionalismo econémico eram politicas apoiadas tanto por presidentes quanto por maiorias congressuais ao longo da Repiblica de 46. Nao foi por outro motivo que o modelo de substit de importagdes acabou consagrado com a aprovago pelo Congresso Nacional da lei tarifaria durante o governo JK. E razodvel, neste sentido, afirmar que naquele perfodo a coalizao partidéria que detinha a maioria no Legislativo brasileiro desejava ver implementado o programa de desen- volvimento propugnado pelo Executivo, ¢ a politica de comércio exterior ' Para uma boa apresentagdo € discussiio sobre o problema da delegagio ver Kiewiet McCubbins (1991). APOLITICA DE COMERCIO EXTERIOR 123 era sua pega fundamental, baseado que foi na protecdo dos produtores locais da competigiio externa. Desde fins dos anos oitenta, todavia, a politica tarifaria e a relutancia do pais em abrir sua economia & importagdo deixam de servir ao objetivo primeiramente estabelecido, isto 6, de instrumento de politica de industrializagao, tal como consagrado pelo Congresso em fins dos anos cinqiienta. No governo Sarney, a politica tariféria foi utilizada para superar as crises do balango de pagamentos e, produzir os superavits comerciais necessérios para 0 pagamento do servico da divida externa. A distancia entre Legislativo e Executivo no ambito da polftica de comércio exterior aumentou com 0 quadro de superinflagdo. Entdo, a politica tarifaria passou a ser utilizada para conter a alta de pregos internos. Diminuigdo de tarifas, abertura comercial, retorno a politica de protegaio passaram a se alternar a0 sabor das conveniéncias do presidente e sua equipe, nada restando ao le- gislador sendo assistir passivamente, ou pressionar de forma direta as instdncias burocréticas como medida extremada de manutengao de privilé- gios setoriais ou regionais. ‘A implicagio mais importante destas mudangas ao longo dos anos € que a antiga delegagiio congressual para que o Executivo promovesse uma politica industrial baseada na substituigio de importagées deixou de definir os objetivos da ago governamental no ambito da politica de comér- cio exterior. Por outro lado, a centralizagao das decisdes no Executivo teve como efeito mais visivel a falta de controle democratico sobre as decisdes governamentais no ambito da politica de comércio exterior. A partir de inicio dos anos noventa emerge outro fendmeno que altera inteiramente o significado do antigo modelo de crescimento baseado na substituigdo de importagées, alteragdo que, de novo, afeta a natureza do jogo politico entre Congresso e presidente. Trata-se da globalizagdo e seus efeitos em termos da autonomia perdida pelos governos das nagdes modernas, autonomia pressuposta para determinar a natureza das politicas econémicas perseguidas internamente. A ameaga as instituigGes politicas democraticas representada pela globalizagao das economias nacionais tem sido ressaltada por analistas de diferentes persuasées tedricas e metodolégicas. Cada vez mais a ordem internacional esta sendo estruturada por decisdes de organizagdes econémicas internacionais sobre as quais os cidadaos nacionais ndo tém qualquer controle, muito menos qualquer pos- sibilidade de oposigdo. Da mesma forma, representantes politicos nacionais tomam decisdes cujos efeitos, muitas vezes, vio além dos limites territoriais de seus respectivos Estados, atingindo um numero indetermina- 124 LUA NOVA N® 52 — 2001 do de terceiros paises. Estudos comparados de instituigdes politicas tém demonstrado que a causa principal do mandate unresponsiveness na politi- ca latino-americana recente, por exemplo, € antes resultado do conilito entre eleitores e mercado sobre a politica econdmica, do que consequiéncia das caracteristicas dos sistemas eleitorais e partidarios dos patses da regio (Stokes, 1997). Concordando com estas argumentagSes, avaliagées dos resultados da Rodada Uruguai, no ambito do GATT/OMC apontam para uma tendéncia que parece estar se tornando dominante no regime de comércio internacional: a indugdo multilateral harmonizagdo de politicas nacionais, nao apenas em temas econdmicos, como servigos e propriedade intelectual, mas isswes como protegio do meio ambiente e respeito a clausulas sociais (Pereira, 1998). Nosso ponto de partida € o de que a globalizagio econémica pode ser vista como fenémeno multifacetado e, assim, seus efeitos nao sao necessariamente lineares e unfvocos. Dois argumentos podem ser ali- nhados para sustentar esta posigdo: as caracteristicas da evolugao institu- cional em que os momentos de mudanga se definem exatamente pela existéncia de varios equilfbrios possfveis e 0 papel das instituigées nacionais que filtram os impactos das mudangas no plano nacional. As mudangas globais nao necessariamente levam & decadéncia das instituiges politicas democraticas, assim como no necessariamente garantem a con- vergéncia em uma diregdo de economias de mercado e democracia repre- sentativa, Em outras palavras, neste texto demonstramos a validade teéri- ca de se pensar a relaco entre globalizacao, mudangas no comércio exte- rior e instituig6es democraticas com o intuito de ampliar a accountability dos governos no Ambito da politica de comércio exterior. Por conseguinte, © argumento possui natureza eminentemente normativa. Mais especificamente, argumentamos que as mudangas na insergfo econémica do Brasil, em fungao de opgées de politica econdmica, em especial a liberalizaco comercial posta em pratica a partir dos anos 90, configura oportunidade também para a ampliag3o da prética democratica no pais, E isto pela via da politica de comércio. Pelo mesmo motivo, o paper caminha em diregao contréria a literatura sobre globalizagao e refor- ma econémica. Primeiramente, porque sugerimos que a mudanga na insergiio internacional do pais representa uma oportunidade impar para uma modernizagao do processo decisério da politica de comércio exterior. Em segundo lugar, porque o sentido da reforma institucional intufdo do tra- balho vai de encontro a maior parte das andlise sobre reformas estruturais nos pafses em desenvolvimento. APOLITICA DE COMERCIO EXTERIOR 125 Na literatura sobre reformas econémicas observa-se uma divisaio de trabalho entre economistas ¢ cientistas politicos. Os primeiros buscam a resposta de porque politicas puiblicas ineficientes foram adotadas no pas- sado, sugerindo quais reformas podem garantir resultados econdmicos superiores no presente. JA os especialistas politicos estdo preocupados com as fontes de oposigao As reformas econdmicas e em identificar os requisi- tos politicos para a implementagiio bem sucedida destas reformas. Neste Ultimo aspecto, tende a predominar a sugestdo de desenhos institucionais que assegurem uma autoridade executiva forte. Duas conseqiiéncias posi- tivas para a formacio de politicas piblicas siio aduzidas de instituigoes executivas nao limitadas, Em primeiro lugar, tais configuragdes diminui- riam os pontos de veto, caracteristicos de sistemas fragmentados de decisiio, aumentando a probabilidade de implementagao de reformas que, por sua natureza, geram resistencia dos setores por elas negativamente afe- tados, Por outro lado, garante-se maior coeréncia as politicas adotadas, uma vez que a concentragao da autoridade contribuiria para solucionar os problemas de coordena¢ao internos a0 governo.? A reforma do proceso decis6rio defendida por nosso texto ca- minha na diregdo oposta. Propomos rever 0 procedimento decis6rio no Ambito da politica de comércio exterior no sentido de ampliar a partici- pacdo do Congreso e reduzir os graus de liberdade do Poder Executivo. Em outras palavras, defendemos o argumento de que a atual configuragio institucional no Ambito de tal politica, e justamente por conta do fenémeno da globalizagao, se afasta do espttito da delegagao constitucionalmente estabelecida, com graves prejutzos, ndo apenas para os setores atingidos no curto prazo, mas para a sociedade brasileira como um todo. Utilizaremos, na préxima segio, um modelo simples espacial para demonstrar as condigées em que a delegagio se transforma em abdicagao no caso da politica de comércio exterior, bem como apontar porque o papel mera- mente ratificador do Congresso deixa de ser eficiente em uma economia globalizada. Em seguida, para efeito de ilustragao do argumento, apresen- tamos um pequeno histérico das mudangas ocorridas na politica de comér- cio exterior desde a implantagao do modelo de substituigao de impor- 2 Para as diferengas entre as preocupagdes de economistas € cientistas politicos, ver Bates © Krueger (1993). Uma resenha critica da literatura sobre reformas institucionais é encontrada em Pereira (1997). Na mesina diregdo da perspectiva por nés adotada, ver Stark e Bruszt (1998) 126 LUA NOVA N® $2 — 2001 tages. Finalmente, nas conclusées sugerimos alguns dos beneficios, para uma politica de comércio exterior liberalizante, de uma mudanga do dese- nho constitucional corrente. CONSEQUENCIAS POLITICAS DO PODER RATIFICADOR artigo 49, inciso II, da Constituigdo de 88, quando define as atribuigdes do Poder Legislativo, estabelece que este & encarregado de “resolver definitivamente sobre tratados, acordos, ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patriménio nacional” (Brasil, 1988, p.47). Ratificando o que reza aquele artigo, o artigo 84, em seu inciso VI, afirma que cabe privativamente ao presidente da Reptblica cele- brar tratados, acordos ou atos internacionais “sujeitos a referendo do Congreso Nacional” (Brasil 1988, p. 67). Qual o significado politico de tais regras cons- titucionais? Melhor dizendo, que tipo de polfticas (outcomes) pode-se esperar como resultado de tal arranjo? E importante notar, primeiramente, que se, por um lado, a politica externa é atribuigao do Executivo, por outro, nada pode ser feito que no esteja de acordo com as preferéncias da maioria dos legisladores. E possivel demonstrar, todavia, que 0 processo decisério relacionado ao comércio exterior pode atender exclusivamente aos interesses da presidéncia da Repdblica, impondo perdas significativas ao legislador mediano.’ Como veremos na sego seguinte, tal desenho constitucional ndo implicava nenhum prejufzo enquanto a politica de comércio exterior nao sofresse alteragdo. De forma mais precisa, o problema da delegagao no € relevante para o legislador enquanto o status quo for a solugio de equilibrio. Ocorre, contudo, que o contexto de formulagao daquela politica se modifica, o que impds constantes desvios da politica protecionista defendida por sucessivos governos desde os anos 50. Delegacao ou abdicagdo? Investigamos, a seguir, se 0 modo pelo qual é feita a delegagio de poderes assegura ao mandante a minimizagao das perdas de agencia- mento. Dito de outra forma, como interpretar a escolha constitucional pro- 3 Para uma exposigtio sucinta € clara de porque a posigdo do legislador mediano sempre re- presenta a posigdo vencedora de um corpo deliberativo, ver Ordeshook (1992). APOLITICA DE COMERCIO EXTERIOR 127 movida pelos constituintes de 88 com relagao a politica externa? Trata-se de uma caso de delegacdo ou abdicacZio? O argumento a seguir defende a hipétese da abdicagao. Considere o seguinte cenario inicial: um presidente é eleito por ter sido um dos principais responsdveis por um programa bem sucedido de esta- bilizagdo da economia apés décadas de inflagdo cronica. E eleito, ademais, com 0 apoio de coalizao partidéria localizada do centro para a dircita do espectro politico. Neste contexto, a politica de comércio exterior é vital para 0 a estabilizagdo da economia. Entre outros motivos, sabe-se que a constante elevaco dos precos de bens e servigos advinha da alta margem de prote¢io concedida aos produtores domésticos e conseqiiente restrigao & entrada de produtos internacionais no pais. A abertura comercial torna-se, portanto, importante instrument de redugdio ou manutengao de pregos internos. Com isso, estamos atirmando também que 0 status quo representa uma situagzio incémoda para o presidente. Alguma forma de alteracao € desejada no senti- do de maior exposiczio da economia ao mercado internacional Em tal configuragao € realista admitir as premissas que se seguem: Premissa I: as preferéncias do presidente com relagéo & politica de comércio exterior divergem da opinido mediana quer de sua base de apoio no Congresso, quer do legislador mediano, isto 6, a posigdo majoritéria do parlamento apés considerar as preferéncias da oposigao. Isto ocorre pelos seguintes motivos: o presidente € eleito por uma cons- tituency nacional, por isso, se sente responsdvel pelo desempenho agrega- do da economia, Qualquer alta dos pregos serd intensamente combatida por um presidente eleito nas condigées inicialmente estabelecidas. Além disso, 0 presidente responde diretamente a constituency externa. Vale dizer, suas preferéncias sao afetadas pelas pressbes advindas dos parceiros internacionais reais ou potenciais. Por. iiltimo, hd que considerar suas prdprias convicgoes politicas. Eleito por uma coalizio de centro direita, 0 presidente é naturalmente mais sensfvel a elevagao de precos do que a desaceleragiio do crescimento econdmico. Premissa 2: os parlamentares séio mais sensiveis ao desaquecimen- to da economia local que ocorre como consegiiéncia da maior competigao externa, Em varias ocasiées, € razodvel supor que 0 aumento da competi tividade leva, em dltima instancia, ao aperfeigoamento dos processos de produgio internos com a ampliagdo da produtividade e melhor relagio insumo/produto, Todavia, os impactos positivos da abertura s6 ocorrem quando ha grande mobilidade e abundancia de insumos para a reestrutu- rago da economia local. Se nao for este 0 caso, isto , se a economia local sofrer de escassez e pouca mobilidade de insumos, ento, a abertura com- 128 LUA NOVA N° 52 2001 ercial pode gerar perdas significativas de bem-estar para a comunidade local nos curto e médio prazos (Correa 1996). Este feedback a respeito das condigdes locais de produgao e comércio e, portanto, dos impactos efetivos da abertura sobre 0 bem estar da populago, s6 mesmo o representante local pode oferecer. Em geral, o Executivo trabalha com visto panéptica da realidade social, sendo a percepgdo das micro condigoes locais atribuigao do representante politico. Premissa 3: os legisladores diferem quanto ao grau de protecionis- mo que gostariam de ver aprovado, seja em termos de tarifas de impor- tagdo, ou barreiras ndo tarifarias. Os parlamentares da base de apoio do governo so mais sensfveis & inflagdo e, por isso, admitem maior abertura comercial. Os parlamentares de oposigo sio mais sensiveis a0 desem- prego, por isso, preferem um nivel maior de protegao. Premissa 4: tanto os parlamentares da situagdo, quanto os da oposigdo sao sensiveis as sangdes econdmicas eventualmente impostas pelos grandes parceiros comerciais como forma de pressdo para que 0 pais elimine restrigdes consideradas “unfair” ou modifique politicas imppeditivas ao comércio internacional. Isto é compreenstvel na medida em que os efeitos imediatos das sangGes incidem sobre produtores de bens ¢ servigos para exportagao. Se a sangao implica fechar mercado para estes produtos, entio isto afeta negativamente as regides onde esto instalados estas indistrias. Em suma, sangGes internacionais sao um custo significati- vo para os legistadores de qualquer espectro politico. Uma vez de acordo com as premissas, observe-se a figura | onde as preferéncias de presidente, parlamentares situacionista ¢ de oposigao esto expostas ao longo de um continuum Na extremidade & esquerda, encon- tra-se a posig&o mais radical possivel de abertura comercial. Suponha que © grau zero de protectio em todas as dimensdes da politica externa nfo seja defendida por nenhum ator politico relevante. Admitindo alguma forma de restrigdio, mas proximos desta extremidade esto localizados o presidente ¢ seu ministério (ponto P). Logo & direita, vemos a posigao do legislador mediano da coaliziio governista (ponto S). Como estabelecido pelas pre- missas 2 e 3, tal legislador é mais sensfvel do que o presidente & perda de bem estar local, embora concorde com a politica de abertura comercial como instrumento de estabilizagao da economia Na exiremidade & direita da figura, encontra-se a posigdo de autar- quia total. Admita que uma politica de protecionismo tendendo para o infini- to nao encontra defensor relevanie. Logo a esquerda, entretanto, observa-se a posigao do parlamentar mediano de oposicao (O). Além de sensfvel &s deman- APOLITICA DE COMERCIO EXTERIOR 129 cs SQ ° Abertura Total Autarquia Figura 1 das locais por protecio, tal legislador também é ideologicamente compro- metido com uma visio da economia razoavelmente bem protegida da com- petigao externa. A sua esquerda, finalmente, esté localizado o legislador mediano (L). Ele simboliza a posig4o majoritéria do parlamento. Embora sen- sivel aos interesses dos consumidores, demandantes de produtos baratos e efi- cientes, ele também se preocupa com 0 problema da mobilidade e escassez, de insumos a nivel local, condi¢do para que a abertura comercial produza efeti- vamente conseqiiéncias positivas sobre o bem estar da populagao. Na medida em que as decisdes de politica de Comércio exterior se afastam desta posigao, a delegagao de autoridade se torna cada vez mais ineficiente, 0 que faz com que nos aproximemos cada vez mais da abdicagiio.5 Finalmente, € preciso indicar a posigio do status quo. Suponha que a economia ainda possui intimeros mecanismos de protecio'por conta da heranga do modelo de substituigdo de importagdes. E possivel que varios mecanismos protecionistas, notadamente os tarifarios, j4 tenham sido removidos. Contudo, 0 uso de instrumentos tariffrios ndo € 0 tinico tipo de regulaco relevante no comércio exterior. Barreiras nao tariférias, como stibsidios, leis anti dumping, regulamentagao do mercado de trabalho também implicain protegdo para os produtores nacionais, o'que as tornam objeto de eventuais alteragdes por parte de um presidente pressionado pelo ator externo, Assim sendo, 0 status quo, ou ponto de reversao, encontra-se 5 A configuragdo de preferéncias acima representa razoaveimente bem a situagdo atual em paises como o Brasil e demais latino-americanos que passaram por perfodos de inflagio muito alta e estao modificando sua insergdo econdinica internacional. De modo geral, os Executivos estdo preocupados com a manutengio da estabilidade macroecondmica e com a liberalizagao comercial. O grau de resisténcia & abertura econémica é fungao do grav de sucesso do mode- lo econdmico prévio 130 LUA NOVA N* $2— 2001 A direita ndo s6 do presidente, mas também do legislador mediano (ponto SQ). Isto quer dizer que € possivel alguma modificagao na politica sem que as preferéncias deste sejam trafdas, Entretanto, a figura indica que a partir de certo momento ele prefere o ponto de reversdo & politicas localizadas no interior da curva de indiferenca do presidente. Sabe-se, ademais, que para © caso de uma politica definida exclusivamente pelo Congresso, esta coin- cidiré com o ponto L. A questiio é saber como decisdes de politica externa podem se afastar das preferéncias do legislador mediano se a Constituigdo de 88 determina que tais medidas, para terem validade, devem passar pelo crivo do Congresso? Nao é verdade que, sendo o Legislativo um poder ratifi cador da politica, a decisdo resultante deva necessariamente recair no inte- rior da curva de indiferenga do legislador mediano? Inicialmente, é facil verificar que este no € caso se lembrarmos da premissa 4. Tal premissa estabelece que os custos da sangdo econdmica so significativos para o le- gislador mediano. O que isto quer dizer? Imagine que o presidente se considere como o responsdvel pela definigéo dé: bem-estar da nagio e, desta forma, acredite que em assuntos relativos a politica de comércio exterior sua opinido sempre coincide com © “interesse nacional”. Neste caso, qualquer preferéncia parlamentar que nao seja idéntica a sua ser4 considerada dogmatismo liberal, caso esteja localizada & sua esquerda, ou derivada de um comportamento rent seeker de representantes vinculados a produtores nacionais ineficientes que demandam protegdo. Assim sendo, é natural imaginar que o presidente tente explorar sua condigio de iniciador da politica para forjar uma po: do legislador mediano em favor de suas preferéncias. O que se pode pre- ver em tal situagio? O presidente procuraré maximizar sua utilidade apresentando uma proposta que esteja no interior da curva de indiferenga do legislador mediano da coalizdo governista (S) e a mais préxima posstvel de seu ponto ideal. Tal proposta corresponde ao ponto PG (proposta do governo) da figura. E fundamental notar que o presidente nao a apresenta para que 0 Legislativo a aprecie. Ele toma a decisao em féruns internacionais, nego- ciando acordos multilaterais ou bilaterais com parceiros comerciais, ou reduzindo unilateralmente tarifas de importagao de produtos estrangeiros. Quando isto ocorre, a posicdio do pais jd est de alguma maneira compro- metida. Vale dizer, caso o Congreso rejeite 0 acordo, porque suas impli cagées polfticas se encontram fora da curva de indiferenga do legislador mediano, € bem provavel que o pafs incorra nos custos decorrentes de A POLITICA DE COMERCIO EXTERIOR 131 sang&es comerciais impostas pelos parceiros comerciais dominantes. Parte dos legisladores tentard de todo modo evitar este resultado, ratificando finalmente o acordo firmado pelo presidente no inicio do jogo. Maneira alternativa, porém n4o menos relevante, de se perce- ber porque é dificil para o Congreso rejeitar acordos firmados ex ante pelo Executivo em fGruns internacionais tem que ver com a propria dinamica legislativa, Imagine uma situagdo diversa em que o presidente precisasse de aprovagao parlamentar para uma politica qualquer antes de partir para a negociagdo externa, Quando o proponente se torna o prin- cipal interessado no apoio congressual, sobre ele incidem os custos de organizagao da aco coletiva no interior do Legislativo tendo em vista aprovar a politica, seja qual for o seu contetido. Todavia, se a0 propo- nente é dada a prerrogativa de decidir por antecipacao, como € 0 caso da politica de comércio exterior brasileira, os custos de organizar a rej passam a ser de quem se opée & deciso tomada inicialmente em férum estranho ao Congresso®. Isto quer dizer que as posigdes do presidente, de iniciador da politica, e a do Congresso, de mero ratificador ex post facto, geram um. equilibrio em que o legislador mediano é obrigado a acatar as politicas negociadas pelo Executivo em foruns internacionais, a despeito de estarem para além de sua curva de indiferenga. Acreditamos que desta forma, fica claro 0 motivo pelo qual a atual configurago institucional do processo decisério da politica de comércio exterior caracteriza uma situagdo mais préxima da abdicagio do que da delegagao de autoridade. Podemos agora especular sobre um importante efeito colateral da abdicagio, qual seja, 0 da instabilidade das decisdes. Em primeiro lugar, seria ingénuo imaginar que os atores econémicos prejudicados pela aber- tura assistam a sua decadéncia passivamente. E natural que tais atores pro- curem proteger seus negécios por intermédio de alguma forma de pressio sobre os decisores. Como vimos, os decisores esto localizados unicamente no Executivo. Entéo, a demanda e oferta de protegio serdo feitas exclusi- vamente no Ambito da burocracia, longe dos olhos do pablico mais amplo. O custo da protegao para o burocrata é berm menor do que para © parla- mentar no Congresso. Isto porque o Legislativo € um corpo coletivo e suas decisdes dependem da adesio de pelo menos a maioria da casa. 6 Este argumento se encontra em Figueiredo e Limongi (1995). A diferenca & que estes autores © utilizam para analisar os efeitos estratégicos da medida proviséria, € niio, como € © nosso caso, para a politica de comércio exterior. 132 LUA NOVA N® 52 ~ 2001 Como veremos adiante, no processo de abertura comercial em curso no Brasil, acesso privilegiado aos “corredores” dos anéis burocraticos e uma boa justificativa para 0 retorno & protegdo so os Gnicos ingredientes necessdrios para a aquisigio da medida prote- cionista demandada. Qual o resultado esperado de tal processo? Certamente, podemos esperar uma certa instabilidade nas decisées rel- ativas ao comércio exterior. Redugées unilaterais de tarifas, adogao de medidas liberalizantes se alternam com legislagao protecionista que beneficia setores e produtos especificos de acordo com o maior ou menor poder de pressdo dos grupos econdmicos que demandam pro- tegdo. Em outras palavras, aquilo, ou pelo menos um dos fenémenos, que se queria evitar delegando autoridade deciséria para 0 Executivo, instabilidade das decis6es, retorna pela “porta traseira” por conta do desenho institucional da delegacao. Em suma, 0 processo decisério da politica exterior se caracteri- za pela abdicagio de autoridade do Congresso para o Executivo. Trés efeitos importantes podem ser esperados como policy outcomes: a) uma politica distante do ponto ideal do legislador mediano; b) instabilidade das decisées ditada pelo jogo de pressées intraburocraticas; e c) favorecimen- to a grupos ¢ setores especificos-sem qualquer forma de controle horizon- tal ou vertical. A MATRIZ INSTITUCIONAL A interpretacio que propomos da histéria da politica de comércio exterior no Brasil do pés-guerra a caracteriza como um caso de transigao, lenta, gradual ¢ inesperada de um sistema de delegagio para a abdicagao congressual. Vale dizer, se no inicio do processo percebe-se que o Congresso desempenha papel relevante para o sucesso da politica, gradualmente tal fungo se converte em mero poder ratifi- cador. A énfase no aspecto inesperado de tal passagem implica dizer que a abdicagdio ndo surge como ato de vontade ou de um contrato entre Legislativo e presidéncia, mas sim que mudangas no cenario politico e econémico em diferentes momentos do tempo acabaram por gerar uma situagdo em que o primeiro se vé inteiramente alijado do processo decisrio no Ambito da politica de comércio exterior. As implicagé normativas de tal configuragao serdo tratadas na tltima seco. A POLITICA DE COMERCIO EXTERIOR 133 O modelo de substituigdo de importagdes como delegagdo congressual Na estratégia de crescimento econdmico segundo 0 modelo de substituigdo de importagées, a politica de comércio exterior serviu funda- mentalmente a objetivos de politica industrial. Vale dizer, 0 controle das importagdes, mediante ajustes no cambio e nas tarifas, teve por objetivo pro- teger e estimular o crescimento econémico brasileiro. E importante lembrar que este modelo de crescimento foi sancionado pelo Congresso Nacional ao aprovar, em 1957, a lei de Tarifas e dos Similares, pela qual o Legislativo delegou ao Executivo a autoridade de implementar a politica industrial medi- ante a instituigdo do controle seletivo das importacdes.? As agéncias buro- craticas em favor das quais ocorre a transferéncia de autoridade deciséria foram a Sumoc, no plano normativo e no controle da politica cambial, a Cacex, no plano executivo ¢ a Comissao de Politica Aduaneira (CPA). A aprovacao da lei de Tarifas e de Similares por um Congresso majoritariamente defensor do desenvolvimento industrial, nao apenas criou os instrumentos de protegio & indiistria nacional da importagiio de simi- lares localmente produzidos, como induziu ¢ direcionou o investimento externo para a indiistria. Neste contexto de delega¢ao congressual, foram geradas as condigdes politicas necessarias para a convivéncia harmoniosa entre Estado, capital nacional e internacional, modelo que presidiu a indus- trializagao brasileira até praticamente os anos 90.8 Esta estratégia de desenvolvimento, ademais, definiu as diretrizes adotadas pelos agentes diplométicos no Ambito da politica externa. Vale dizer, tais agentes também procuravam representar, através de sua posigio negociadora, os interesses da coalizio politico-congressual industrialista. No campo multilateral, primeiramente na Unctad posteriormente no Gatt, a diplomacia comercial defendeu a reforma do comércio mundial centrada na incluso de uma norma de no reciprocidade, como regra de conduta nas relagdes entre paises economicamente desiguais, e a instituigo de trata- mento diferencial ¢ compensatério para os pafses em desenvolvimento. importante notar, neste sentido, que a agenda externa niio representava ne- nhuma forma de ameaga aos termos da delegagdo congressual, uma vez que 7 Lei 3244 de 14 de agosto de 1957. O processo de delegagio de autoridade do Congreso a0 Executivo para implementar a politica industrial € analisado por Later (1970). 5 Para andlise da cooperagao do Congresso ¢ JK em favor da politica de industrializagao, ver Carvalho, 1977, Lafer (1970) e Santos, 1987, 134 LUA NOVA N* 52— 2001 0s pontos tratados ndo implicavam modificagées relevantes no plano inter- no. O tema mais saliente da agenda Norte-Sul que se configurou no inicio dos 60 foi a questéo das barreiras 4 exportaciio de produtos primérios e ma- nufaturados nos mercados do Norte. No plano operacional, este se traduziu na demanda por tratamento tarifério preferencial as exportagées do Terceiro Mundo, por via de um Sistema de Preferéncias Generalizado, bem como na defesa de excegdes as normas do regime de comércio para os paises em desenvolvimento, especialmente a utilizagdo pelos tiltimos de politicas restritivas as importagdes (Abreu, 1992; e Lima, 1986). Pode-se dizer, por conta disso, que a agenda da politica externa brasileira respeitou integralmente os limites estabelecidos pelo politica industrialista dos anos 50. Se € verdade, por um lado, que a tradigao cons- titucional brasileira tem sido ade transferir a condugao das relagdes exte- tiores ao Executivo, por outro, é também correto afirmar que durante a vigéncia do modelo de substituigao de importagées, aquela transferéncia se traduzia em genufna delegagao, pois a posigdo negociadora dos represen- tantes diplomaticos brasileiros expressava, em dltima instncia, a politica de comércio exterior sancionada pelo Congresso. A principal caracteristica do marco institucional da polftica de substituigdo de importagées era, em suma, a consisténcia entre os planos constitucional € 0 legislativo. Neste contexto, © presidente, de fato, representava o interesse nacional A politica de comércio exterior no periodo autoritério: rumo & abdicagao A partir do golpe militar de 1964, uma série de mudangas no cenério politico e econémico modifica o significado da politica de comér- cio exterior, assim como os termos da delegagao congressual dos anos 50. Fatores conjunturais, internos e externos, agem de forma combinada, trans- formando o antigo sistema de delegagio em abdicagdo do Legislative em favor do Executivo. £ relevante observar que esta transigo ocorre sem que nenhum ator politico assim 0 desejasse. Com o fim da democracia representativa, a capacidade deciséria do Congresso reduz-se drasticamente. Nao houve, entretanto, modificagio imediata no modelo de substituiggo de importagGes. Isto quer dizer que, apesar da eliminagio da competigao politica e da autonomia do Legislativo, os militares, defensores de longa data de um projeto industrial para o pafs, mantiveram o sentido da delegagio original em favor do Executivo. Ao contrério das experiéncias no Sudeste Asidtico que muito cedo abandonaram aquele modelo, optando por um crescimento voltado POLITICA DE COMERCIO EXTERIOR 135 para fora, 0 governo autoritério brasileiro confirmou a opgao pelo cresci- mento voltado para dentro. Nem tudo, todavia, permaneceu intocado. Durante esse perfodo, ‘0s governos militares comegam a perseguir 0 crescimento econdmico tam- bém via aumento das exportagdes. Uma vez que a politica de fomento destas esteve subordinada, até o final dos 70, A estratégia de substituices das importagdes, acrescentou-se a0 conjunto de instrumentos cambiais tariférios existentes e em especial, protegdo tariféria & inddstria, barreiras no tarifarias e isengGes tariférias para setores alvo da politica industrial uma agressiva politica crediticia ¢ fiscal, representada por uma série de incentivos especiais diretos e indiretos ao comércio exterior.® Pode-se dizer que o objetivo de incrementar as exportagdes & uma novidade que acaba alterando o processo de formulagdo e implemen- tagGo da politica de comércio exterior, € com isso, o significado da dele~ gacdo congressual efetuada nos anos 50. A estrutura deciséria do perfodo militar combinou insulamento burocritico e centralizagao deciséria nas questes normativas ¢ regulat6rias, ademais de razodvel porosidade do Estado aos varios interesses empresariais. O acesso aos érgdos estatais foi facilitado pela existéncia de intimeras arenas burocrdticas de execugao da politica, em especial com a montagem daquele compiexo de isenges, incentivos e subsidios as atividades exportadoras. A diplomacia comercial, desenvolvida agora no Ambito do GATT, permaneceu pautada pela defesa das teses terceiro mundistas da nfo reciprocidade ¢ do tratamento diferenciado, sendo a promogiio das expor- tages levada a cabo por via de um “mercantilismo benigno”. Este consis- tiu na abertura de mercados para as exportagdes brasileiras de bens ¢ servigos, em especial na América Latina e Africa, a partir da concessao de linhas de crédito especiais para compra de produtos brasileiros e a multi- plicagiio de programas de cooperagao cultural, técnica e econdmica com paises do Terceito Mundo. Portanto, o empenho da diplomacia em inere- mentar as exportagdes nao implicou mudangas significativas do status quo no plano interno, Durante as décadas de sessenta e setenta este 6 0 quadro da politica de comércio exterior. 9 Entre 1964 ¢ 1971 haviam em operagao nada menos do que 17 diferentes modatidades de incentivos fiscais e creditfcios, sendo acrescentados mais seis outros tipos de subsfdios as exportagdes nos dois anos seguintes (Lima Jr, e Lima, 1987, p. 107. 136 LUA NOVA N° 52— 2001 Acrise financeira do Estado brasileiro, sentida de forma aguda no inicio da década de 80, promove o divércio definitivo entre comércio exteri- or e politica industrial. Este fato, combinado & diminuigao das atribuigdes do Congreso, subverte inteiramente 0 significado da delegagiio outorgada no periodo desenvolvimentista. Ao longo daquela década, a politica de comér- cio exterior deixou de ser_um instrumento de fomento industrial e passou a ser utilizada primordialmente para objetivos de ajustamento do balanco de pagamentos. As restrigdes As importagées se intensificaram, sem que fossem motivadas quer por prioridades vinculadas a projetos de industrializacio, quer por demandas de protegdo & bens e servigos produzidos no pais. Voltavam-se, outrossim, para a promogao de volumosos superdvits comer- ciais (Motta Veiga 1990 ¢ Tavares de Araijo, Jr. 1990). Nesta mesma década, parece ter ocorrido, ademais, um certo descolamento entre a politica econémica, plasmada pelas restrigdes do ajustamento externo, e a diplomacia comercial conduzida pelo Itamarati. Enquanto os gestores da politica econdmica desvinculavam na prética a politica tariffria da politica industrial e, com isso, subvertiam o legado da delegagdo congressual dos anos 50, os representantes diplomaticos conti- nuavam a formular as posigdes negociadoras do pais no GATT com base nas premissas do modelo histérico de industrializagao. Desta forma, defender melhores condigdes de acesso as exportagées; evitar medidas de “graduago” contra pafs; resguardar opgdes domésticas de desenvolvi- mento industrial, cientitico e tecnolégico refletiam objetivos remanes- centes do projeto de industrializagao completa, com base na Lei de Tarifas e dos Similares. Contudo, o contexto internacional também sofre modificago fundamental. Ainda nos anos oitenta, emerge a énfase, pelos makers do regime de comércio internacional (leia-se: Estados Unidos ¢ demais pafses do primeiro mundo), de uma nova agenda de questées, a saber: reciproci- dade nas trocas ¢ concessées entre parceiros comerciais, tentativas de introduzir uma verso condicional da cléusula da MFN com vistas & eli minagao dos free-riders do regime, reestruturagiio do sistema GATT, além da inclustio de novos temas como servigos, propriedade intelectual e inves- timento estrangeiro. Para agravar 0 quadro de obsolescéncia do antigo sistema de delegagdo, se altera também a natureza das relagées bilaterais. A imposigao de sangGes unilaterais pelos EUA &s exportagées brasileiras, em fungao das politicas de protegio & informatica e propriedade intelec- tual, acabou por gerar uma alianga tdcita entre os exportadores APOLITICA DE COMERCIO EXTERIOR 137 brasileiros ¢ a politica de “fair trade” norte-americana, Embora os agentes diplométicos percebessem tal ambiente como restritivo aos interesses dos pafses emergentes, 0 que levou a conduta externa a pau- tar-se por uma postura defensiva de minimizagao dos danos e estratégias de obstrugao (Mello, 1992), no plano doméstico, os interesses agricolas passam a apoiar a incluso daqueles novos temas na agenda de negoci- agdio. De fato, segundo andlise da posigao brasileira na Rodada Uruguai do GAT duas visdes de politica externa se confrontaram no Ttamaraty e, entre 1986 e 1988, 0 interesse agricola foi substituindo gradativamente 0 bloqueio aos novos temas como foco central da atu- agao brasileira na Rodada Uruguai”(Abreu, 1994, p. 21). Balango critico do modelo de substituig&éo de importacdes Por quase quatro décadas a estratégia de desenvolvimento brasileira baseou-se na protegdo do mercado interno, abertura ao capital estrangeiro em praticamente todos os setores industriais planejamento estatal. E adequado dizer que a opgao continuada pelo modelo de substitu- igo de importagSes, complementado com uma politica de estimulo &s expor- tages a partir de meados dos 60, foi responsdvel pela montagem de um sis- tema industrial complexo e diversificado, singularizando o pais, no conjunto das economias latino-americanas, como o caso mais bem-sucedido da estratégia de crescimento econémico com base naquele modelo. Os motivos pelos quais tal configuragiio tornou-se decadente sdo expostos a seguir. Autoritarismo politico. Estratégias de desenvolvimento industri al via substituigdo de importagdes tendem a tornar convergentes os inter- esses capital-trabalho. A légica da composigao desta alianga, que corta as fronteiras de classe, € semelhante a das coalizdes protecionistas que se opdem aos interesses favordveis internacionalizagdo da economia. Por isso, a participagao do Poder Legislativo na definigao da politica de comér- cio exterior € tdo importante. No Ambito do Congreso Nacional, por conta da visibilidade de suas decisdes e a responsabilidade politica dos represen- antes, as preferéncias das classes produtoras devem ser negociadas levan- do em consideracao o interesse da sociedade mais ampla. Contudo, a experiéncia brasileira com o modelo de substit cao de importagdes ocorreu em dois contextos politicos distintos. A par- tir do: golpe de 64, a convergéncia entre capital-trabalho acabou por operar,apenas no Ambito do capital, mais especificamente entre os seg- s © 0s internacionais- estes tiltimos. atrafdos pelo tamanho 138 LUA NOVA N° potencial do mercado interno brasileiro e as vantagens ¢ incentivos patrocinados pelo Estado, Os sindicatos ficaram de fora desta coalizao e © modelo corporativo no Brasil, em vista do longo periodo autoritério, solidarizou fundamentalmente os interesses privados e 0 Estado. Em suma, a despeito do estado autoritério ter confirmado 0 projeto de indus- trializagao substitutiva, os termos da delegagiio congressual prévia mo- dificaram-se substancialmente. A negociagdo politica ficou restrita ao Executivo, combinando insulamento burocratico ¢ porosidade do Estado a interesses exclusivamente empresatiais. Crise econémica. A administragao da politica econdmica ¢ a crise dos 80 desvinculariam por completo politica tarifaria e politica indus- trial, Vincular 0 nivel das tarifas com o desempenho setorial da indiistria era a esséncia do modelo de substituictio de importagoes. Assim, sem que nenhum ator em particular o desejasse, uma vez.que a conjuntura econdmi- ca sobredeterminou 0 divércio entre aquelas duas politicas, a delegagdo congressual visando ao crescimento tornou-se anacrénica, Mudangas no contexto internacional. O plano externo, pelas préprias caracteristicas da estratégia de desenvolvimento, desempenhou papel secundério na estrutura de deciso econdmica do Estado. Contudo, nao deixava de ter funcao relevante, ainda que apenas de natureza regu- lat6ria. A participaggo do Brasil nas negociagdes comerciais tinha em vista quase que exclusivamente a defesa de certos principios normativos @ trata~ mento diferenciado e isengfio das normas do regime de comércio mundial @ ¢ sua aceitacdo pelos makers daquele regime. Além disso, a troca de concess6es tariffrias no GATT, que era a base das negociagdes multilaterais até os 70, inclufa apenas os grandes par- ceiros comerciais, os demais sendo beneticiados pela cléusula nao criminatéria da Nagdo Mais Favorecida (NMF), segundo a qual aquelas concessdes seriam automaticamente transferidas aos pafses menores no sistema de comércio. Pelas dimens6es de seu mercado, 0 Brasil nao pre- cisava negociar concessdes para se beneficiar de eventuais resultados li- beralizantes destas negociagées, estendidos que eram, e de forma automatica, pelo principio da NME. Os agentes econémicos brasileiros nada tinham a temer da agao diplomatica. Melhor dizendo, a posi¢ao negociadora do governo consistia na defesa do modelo de economia protegida, portanto, a diplomacia brasileira gozava de relativa autonomia com relagdo aos interesses empre- sariais. Pelo simples fato de que para estes, era racional ndo participar das negociages, jé que isto os faria incorrer em custos de ago coletiva. Em A POLITICA DE COMERCIO EXTERIOR 139 uma palavra, 0 princfpio da NMF e a obrigagao de reciprocidade restrita aos maiores parceiros comerciais, permitiam a diplomacia comercial usufruir dos beneficios resultantes da liberalizagdo do comércio interna- cional sem ter que negociar com seus parceiros externos, nem conciliar seus objetivos negociadores com os interesses empresariais no pais. Na medida em que a conduta multilateral era pautada pela defe- sa do modelo de Estado empresarial e economia protegida, eventuais ga- nhos obtidos nas negociagées multilaterais assumiam caracteristicas de bem coletivo, no sentido de que nenhum interesse empresarial estaria excluido ou, pelo menos, penalizado pela agao diplomdtica. Neste sentido, na condugdo das negociacées internacionais, a posi¢ao do presidente re- presentava algo que poderfamos chamar de “interesse nacional” pelo desenvolvimento industrial. Neste contexto, 0 procedimento de ratificagzio. post-facto pelo Congresso dos atos do Executivo era adequado, pois de fato 0 pais nao negociava interesses, apenas defendia novos princfpios de orga- nizagdo do comércio internacional. Foram as caracteristicas restritivas do contexto negociador externo, a partir dos anos 80, que inviabilizaram a continuidade de posigdes negociadoras com base em prinefpios regulat6rios. Utilizando a linguagem espacial da segunda se¢do, pode-se afirmar que o mero poder ratificador deixou de proteger 0 Congresso de decisdes afastadas da curva de indiferenga do legislador mediano. A partir da Rodada Uruguai, ficou claro que o Brasil teria de formular uma agenda positiva de negociagdes e concessées. A implicagio destas mudangas, combinada a politica de libe- ralizacao comercial, foi que os resultados para o pais das negociagoes mul- tilaterais deixaram de ser coletivos para 0 conjunto da economia e pas- saram a ter conseqiiéncias distributivas na medida em que geravam expec- tativas de perdas e ganhos diferenciados, advindos de eventuais compro- missos internacionais. Um novo modelo de delegagao congressual no Ambito daquela politica é requerido. O paradoxo da redemocratizagao com abdicagao congressual Em um contexto democratico, seria de se esperar que as mudangas no ambiente econdmico internacional levassem a um novo pacto entre Executivo e Legislativo. Pacto a partir do qual fossem definidos ter- mos alternativos de delegagao, nao s6 para a formulacao de politica de coméreio exterior, como também para servir de instrumento de politica industrial. Nao foi o que aconteceu porém. 140 LUA NOVA N® 52 — 2001 O governo Sarney formulou nova politica industrial ¢ de comér- cio exterior que refletiu, na verdade, a heterogeneidade da coalizdo que operou a transi¢fio do regime militar. A politica industrial da Nova Repiiblica resultou da disputa entre duas equipes distintas: a parte relativa & politica ativa industrial foi entregue a especialistas identificados com a ori- entagiio desenvolvimentista ¢ favordveis as politicas setoriais ¢ & continu- agao do papel indutor, ainda que modificado, do Estado nesta 4rea; a parte relativa ao comércio exterior ficou a cargo de economistas criticos da modalidade pretérita de insergdo internacional do pais e favordveis & revis’io do sistema de prote¢ao, restauracao da tarifa como instrumento de politica industrial e elaborac%o de instrumentos mais modernos ¢ efetivos de pro- tegiio (Velasco e Cruz 1997, pp. 77-113). Os termos pelos quais as equipes do Executivo deveriam agir nunca foram estabelecidos pelo Congreso. Em outras palavras, 0 resultado do conflito entre as distintas tendéncias intragovernamentais permaneceu alheio A sangio do Legislative. Na verdade, 0 processo decisério nao se afasta do padrio obser- vado durante o regime militar.,O projeto de revisio da politica de comér- cio exterior foi formulado pelo Executivo, mais especiticamente pela Comissao de Politica Aduaneira, érgdo colegiado do qual faziam parte re- presentantes de agéncias do governo e empresérios. Dele resultou a nova politica industrial do primeiro governo civil pés-transigdo. Sua execugaio teve por base trés Decretos-Leis promulgados em 1988, antes, portanto, que a Constituicao transformasse aquele instrumento, herdado do periodo de excegao, em Medida Provisdria. O papel do Congreso Nacional foi apenas-o de um poder ratificador, isto é, 0 Poder Legislative continuou desprovido de garantias para uma delegacao eficiente no Ambito da politi- ca de comércio exterior.!0 10 © Decteto-lei n* 2.433 estabeleceu os objetivos da politica industrial e seus instrumentos financeiros, © Decreto-lei n° 2.434 tratou da reforma do sistema tarifario ¢ da politica co- mercial relativa as importagbes; entre as medidas previstas estavam: a racionalizagao do sis tema de forma a tornd-lo mais transparente (revogagao de isengdes e redugdes de cariter geral do Imposto de importagao e do IPI; extingdo de taxas que. oneravam as importagOes) e a redugio gradual das aliquotas nominais ¢ de sua amplitude. Finalmente, o Decreto-lei n° 2.435 destinava-se a agilizar as exportagGes etiminando controles suiperpostos & emissdo de guias de exportagio. Ver Veldsco e Cruz (1997) para uma andlise cuidadosa da nova politica industrial do governo Sarey. Ver também Costa Filho (1995). A POLITICA DE COMERCIO EXTERIOR 141 Curiosamente, a nova Carta Constitucional, que introduzi uma série de dispositivos ampliando direitos sociais e de cidadania, nao inovou em questées de politica externa, Vale dizer, foram miantidas as competén- cias e atribuigdes do Executivo em matéria de relagdes internacionais, sem especificar a fonte de controle congressual dos atos do presidente. A ino- vagao ficou por conta da introdugio do Artigo 49 que, a despeito de ampli- ar as competéncias exclusivas do Congresso Nacional na matéria, reforgou © controle a posteriori do Legislativo das agdes externas do governo (Almeida, 1990). Nao foram criados, em uma palavra, instrumentos que garantissem ao Legislativo a competéncia de definir ex-ante os parfimetros gerais das posicdes negociadoras do Executivo no plano internacional Na Nova Reptiblica a revisdo da estrutura tariféria estava subor- dinada aos objetivos de reestruturacao industrial e reinsercZo competitiva na economia internacional. Por esta raz4io, a matriz institucional da politi- ca contava com um érgao colegiado na gestiio da politica, o Conselho de Desenvolvimento Industrial (CDI) ao qual se vinculavam as Camaras Setoriais, institucionalizando-se a participacdo dos setores empresariais na formulagao da politica. No governo Collor, todavia, ocorre um esvazia- mento inicial dos Grgdos:colegiados, com a centralizagdo das decisdes no recém criado MEFP, reunindo em um mesmo ministério, Fazenda, Planejamento e Indtstria e Comércio. Com esta reformulagao as matérias relacionadas &s politicas industrial e de comércio exterior ficaram a cargo da Secretaria Nacional de Economia no Ambito daquele super-ministério. Tanto 0 CDI quanto o CONCEX foram extintos, sendo as atribuigdes da CPA e da Cacex, apés redugdo considerdvel de sua estrutura, transferidas a0 Departamento de Comércio Exterior, subordinado & Secretaria de Politica Econémica do MEFP.'! A politica industrial do Governo Color previa a criagiio de alguns mecanismos de coordenagio e articulago com © setor empresarial para promover uma “politica de competitividade” do setor industrial. Posteriormente, foram restabelecidas as Camaras Setoriais, 1 © governo Itamar Franco restaurou o Ministério da Indistria e Comércio, incorporando:a pasta de turismo. As coordenagdes de Indistria e Comércio e de Comércio Exterior, transfor~ madas em Secretarias, voltaram ao MICT. A prerrogativa de decidir em matéria maneceu no Ministério da Fazenda, assim como 0 poder de emitir portarias con taritérias. Ao MIC restou o papel de formulagaio de politicas industrial e de comércio exterior arena para onde confluem as pressdes das CAmaras Setoriais, mas como nao dispoe de instrumentos efetivos, 0 poder de fato permanecew no Ministério da Fazenda. Para o deta- thamento destas mudangas organizacionais, ver Bonelli; Motta Veiga € Brito (1997), pp. 5-6 € Costa Fitho (1995), pp. 18-23. 142 LUA NOVA N® $2 — 2001 envolvendo agora os trabalhadores, como um arena de negociagées tripar- tites para proceder ao descongelamento de pregos previsto no plano de estabilizagao Collor II (Costa Filho, 1995, pp.22-26). Do ponto de vista do processo decisGrio da politica de comércio exterior, as sucessivas alteragdes na estrutura das agéncias burocraticas nao so © acontecimento mais relevante. Como vimos, durante o governo Sarney, uma disputa entre desenvolvimentistas versus economistas criticos do modelo pretérito de industrializagaio de certa forma atenuava eventuais mudangas em relaco ao status quo. A partir do governo Color até os dias atuais, entretanto, a decisao em favor da liberalizagdo comercial, mediante medidas mais ou menos radicais, tornou-se a politica oficial do Estado brasileiro, Ocorre que para a implementago de tais medidas foram utiliza- dos majoritariamente portarias do Executivo e instrumentos legislativos herdados do regime de excegdo. Entre as medidas mais importantes de liberalizagio comercial, mencione-se: a Medida Proviséria n° 158 — revogando todas as isencdes e redugdes do imposto de importagao e do IPI sobre importagdes; a Port MEFP n? 56 — revogando a lista de importagdes suspensas (ou 0 Anexo “C” da Cacex, que proibia a importagao de cerca de 1300 produtos); e a Medida Provis6ria n° 161 — eliminando regimes especiais de importacao e abolindo incentivos fiscais e regionais. Ademais, em junho de 1990, com o langamen- to das Diretrizes Gerais da Politica Indusirial e de Comércio Exterior (Portaria n° 365) anunciou-se a nova estrutura tariffria a ser gradualmente implantada ao longo dos cinco anos seguintes, prevendo-se uma tarifa modal de 20% em 1994, com a média em 14% ea alfquota maxima em 40%.'2 Isto quer dizer que 0 conjunto de decisdes que promovem a liberalizagao da economia brasileira é elaborado e executado sem consulta & opinido majoritdria do Congresso. E, como vimos no modelo apresentado na segao anterior, as preferéncias do presidente e do legislador mediano, no que se re- fere & politica de comércio exterior, tendem a divergir substantivamente. Para colocar de forma mais precisa, é perfeitamente razodvel supor que o grau de abertura comercial embutido no pacote presidencial esteja fora da curva de indiferenga do legislador mediano. E se isto é verdade, entdo, de fato, temos um cenério nao de delegacdo, mas sim de abdicagio congressual. '2 © cronograma de desgravamento tarifério foi estabelecido pela Portaria MEFP 1° 58 GI/1/91), sendo posteriormente revisto pela Portaria n° 131 (18/2/92). Ao longo de 1990 foram eliminadas praticamente todas as barreiras ndo-tariffrias sem amparo legal (Bonelli; Motta Veiga ¢ Brito (1997, pp. [- 3). A POLITICA DE COMERCIO EXTERIOR 143, Com o langamento do Plano Real, em junho de 1994, a con- dugdo da politica de importagdes passou a estar subordinada ao objetivo de estabilizagio dos pregos, sendo a liberalizagdo comercial um de seus pilares de sustentacdo. Do ponto-de-vista organizacional, observou-se a centralizagao do poder de decisao das politicas industrial e de comércio exterior no nicleo burocratico constituido pelo Ministério da Fazenda e Banco Central. Em fevereiro de 1995 foi criada a Camara de Comércio Exterior, vinculada diretamente A Presidéncia da Repiiblica e presidida pelo Chefe do Gabinete Civil. Com finalidades consultivas, sua fungdo € coordenar as agéncias do governo com atribuig6es na rea, no dispondo de representaco formal das associagdes de interesse. A prerrogativa de decidir em matéria fiscal € do Ministério da Fazenda, responsavel pela manipulagao dos dois principais instrumentos da politica de coméreio exte- rior: a concessao de incentivos e subsidios & politicas setoriais e a fixagiio das aliquotas de importagao (Costa Filho, 1995, pp. 26-30). Novamente, pode-se supor perdas importantes para o Congreso em matéria de comércio exterior, como efeito da concentragao do poder decis6rio no Executivo: a implementagdo do cronograma de redugio ta- riféria se torna errdtica, variando em fungdo da discricgéio dos gestores econémicos. As alteragao das alfquotas ocorrem ao sabor de diversas justi- ficativas, nenhuma derivado de um programa sistematico ¢ gradual de beralizagao: compromissos internacionais; introdugao da Tarifa Externa Comum (TEC) vinculada ao Mercosul; programa de estabilizagio de pregos; desequilfbrios da balanga comercial; e, demandas por protecdo de Setores supostamente prejudicados pela abertura, foram as fontes de mudanga no cronograma da liberalizagio.!3 E bem verdade que o governo FHC procurou modernizar o sis- tema de detesa comercial, tendo em vista ajusté-lo ao novo modelo de economia aberta. Entretanto, a legislagdo especitica sobre antidumping; subsidios; direitos compensatérios; e, salvaguardas é articulada no interior '3 Em abril de 1995, com a resolugdo n° 7/95 do Grupo Mercado Comum, o governo formu- tou uma nova relagio de produtos sujeitos 8 protego tarifiria, (além da jé existent lista de excegiio & Tarifa Externa Comum, no ambito do Mescosul), a lista Dallari com dois objetivos em principio conflitantes: responder As pressdes protecionistas e lidar com problemas de desabastecimento. Em abril de 1996, cerca de 60 produtos constavam desta lista, que é rene- gociada a cada trés meses, com prazo de validade de um ano, Adeiais, no Ambito do Mercosul tem sido constante alteragées nas alfquotas de importagdo dos produtos integrantes da lista de excegiio & TEC com vistas a manter acima daquela as aliquotas de produtos como artigos de vestuério, eletrodomésticos, automéveis, entre outros. Ver Bonelli, Motta Veiga e Brito (1997), pp.16-20. 144 LUA NOVA N* 32 ~ 2001 das burocracias de comércio exterior, padecendo da falta de transparéncia que caracterizou a abertura em primeiro lugar. Assim sendo, na implemen- tagao da politica de liberalizagiio comercial introduziu-se razoavel grau de incerteza para os agentes econémicos, na medida em que insulamento burocratico e acesso privilegiado de atores empresariais as agéncias decisdrias do Executivo continuam como marcas distintivas da integragao do Brasil & economia mundial. No plano externo, a abertura comercial brasileira adotada de forma unilateral, isto € sem negocié-la ex ante no ambito do GATT, coincidiu com mudangas significativas no regime multilateral de comércio. Ampliam-se os temas sujeitos 8 disciplina internacional: servigos, investimentos, propriedade intelectual, protego ambiental, regras de concorréncia e propostas de inclusdo.de uma cléusula social na OMC. Nao custa lembrar que a inclusao de tais itens na agenda do comércio mundial reflete motivagbes domésticas dos makers do regime. Sensiveis & pressdes de seus respectivos eleitorados, 0s governos dos pafses do primeiro mundo passam a defender maior inter- vengdo na soberania dos pafses periféricos (Mello, 1996). No Brasil, 0 monopélio anterior do Executivo na condugao das negociagées internacionais passou a ser questionado nao apenas pela nova ce mais complexa agenda multilateral, mas pela prépria abertura comercial. Com a liberalizagdo econémica, passou a ser racional para os empresarios ¢ sindicatos participarem das negociagdes internacionais. Isto quer dizer que a politica externa passa a modificar 0 status quo-a ponto de mobilizar os interesses organizados da’ sociedade brasileira. Tanto na. Rodada Uruguai do GATT, mas com maior énfase: nas iniciativas de integrago regional, leia-se Mercosul, empresdrios‘e sindicatos procuraram de algum modo intervir no processo decisério. A disposigo dos agentes econdmicos para -participar de féruns decisdrios internacionais ocorre, todavia, sem qualquer intermediagao dos partidos representados no Congresso Nacional. Vale dizer, a fungao do Legislativo continuou limitada pelo principio cons- titucional do poder ratificador. ‘Como conclusio, podemes afirmar que a burocracia encarrega- da da agenda externa do Brasil pés-real adota praticas de “representagio corporativa”, de resto, hd muito utilizadas por suas congéneres domésticas na execugdo da politica de comércio exterior. Como vimos, no mundo globalizado, marcado pela economia aberta e por uma agenda positiva de negociagdo, a postura de defesa de temas de “interesse nacional” tende cada vez mais para a oferta de concess6es comerciais espectficas. Sabemos também que a barganha internacional produz efeitos distributivos rele- A POLITICA DE COMERCIO EXTERIOR 145 vantes para a sociedade brasileira. Além disso, a politizago da agenda internacional transfere para instincias multilaterais questdes tradicional- mente da algada dos legislativos nacionais. Assim sendo, é, para dizer 0 minimo, questiondvel a continuidade de um papel meramente homolo- gatorio do Congresso Nacional na polftica de comércio exterior. Tal papel, como se viu, significa ao fim e ao cabo a abdicagio do Legislative em favor do Executivo, com todas as implicagdes em termos de agency losses que as formas ineficientes de delegagdo podem trazer para quem delega. CONCLUSOES © que se pode concluir da discuss4o? Do ponto de vista histéri- co, 0 diagnéstico feito aponta para a consagragio do Poder Executive como agente decisor nico da politica de comércio exterior. A diminuigao das atribuigdes do Congresso Nacional tem inicio com o golpe de 1964. Curiosamente, a politica externa dos militares nao traiu o espirito da dele- gagdo congressual promovida nos anos cinglienta e que se encontrava embutido no modelo de substituigo de importagdes, qual seja, industria- lizar o pafs por intermédio de tal politica. A pedagogia politica do governo autoritério permaneceu, todavia, apés a redemocratizagao, no sentido de que as decisdes no Ambito do comércio exterior passam a modificar sis- tematicamente © status quo representado pelo modelo de substituigao de importagdes sem que o Congresso pudesse emitir qualquer opiniao a respeito. Eo que € pior, o poder ratificador do Congresso ficou consagra- do pela Constituigdo de 88 em ambiente inteiramente distinto daquele que deu origem A fase inicial de industrializagdo programada, De um ponto de vista analitico, 0 trabalho mostrou que 0 dese- nho constitucional que regula a politica de comércio exterior nfio € com- pativel com o espfrito do presidencialismo, sistema de governo adotado no pais. Isto porque € atribuigdo exclusiva do Poder Executivo iniciar atos, acordos e tratados internacionais, ao Legislativo cabendo apenas ratificar as decisdes de maneira ex post. Ora, na medida em que o pats incorre em custos significativos caso rejeite acordos internacionais previamente nego- ciados, 0 presidente acaba tendo poder unilateral de definigao da agenda externa do pais. Tal matriz institucional trai a escolha constitucional pelo presidencialismo porque, em tal sistema, o processo decisério, seja onde for, pressupée a existéncia de “freios e contrapesos”, os quais, como ficou comprovado, inexistem na atual configuragao institucional. 146 LUA NOVAN Em suma, a insergéio do Brasil no mundo globalizado exige intimeros tipos de reformas. Diffcil definir, e muito menos concordar a respeito de quantas e quais devem ser o seu formato. Mostramos, contudo, que a reforma politica no Ambito do processo decisério em comércio exte- rior € uma questo da maior relevancia, ¢ seu sentido parece claro: desenhar uma forma de delegac%io mais eficiente do Legislative para o Executivo. E relevante ressaltar, por outro lado, que a justificativa para tal reforma néio se restringe & defesa do Congresso per se, ainda que isto seja fundamental quando se deseja aperfeigoar 0 funcionamento das instituigées democréti- cas. B possivel também argumentar em favor de desenho institucional alier- nativo com base na idéia de eficiéncia, e isto mediante a anilise de trés nogées cruciais: credibilidade, estabilidade e poder de barganha. Credibilidade. Tanto do ponto de vista interno, quanto externo, decisées tomadas pelo governo com o respaldo do Legislative encerram maior credibilidade do que as que so produzidas sem qualquer consulta as instituigdes representativas. A participagfio do Congreso na definigo dos termos pelos quais o presidente € autorizado a negociar em féruns inter- nacionais significa que as pressdes dos agentes econdmicos sio feitas luz do dia, seus argumentos ponderados por visdes alternativas e eventual- mente opostas, Uma politica ptiblica com as caracterfsticas semelhantes & do comércio exterior possui maiores possibilidades de eficdcia quanto maior for a visibilidade do processo decis6rio. E isto porque seu objetivo & a de promover ganhos de eficiéncia na indiistria nacional e ao mesmo tempo beneficiar os consumidores com o acesso a bens e servigos produzi- dos no exterior. Os resultados de tal politica nao ocorrem no curto prazo, néio dependem de efeito surpresa, Dependem sim da adesiio dos agentes econdmicos a seu “espitito”, no sentido de estarem predispostos a compe- tir com produtores de outros paises na base de aumento da produtividade e busca de novas tecnologias, ao invés de Jobbies junto ao governo por ele- vagdo de tarifas. De outra parte, o debate com parlamentares contribui para © aumento da informagao sobre condigdes locais de emprego, transporte ¢ infra-estrutura, Em certas condic6es, a abertura pode, ao invés de pro- mover eficiéncia, comprometer definitivamente a capacidade auténoma da economia local. Em suma, a negociago ex ante com 0 Congresso a respeito dos limites e cronograma da liberalizago comercial fornece respaldo e eleva as chances de eficacia da politica, Estabilidade. Uma politica negociada previamente com o Congreso, 0 que quer dizer que sua modificagao pressupde a sangiio do Legislativo, 6 mais resistente a presses para sua alteragdo, uma vez ado- A POLITICA DE COMERCIO EXTERIOR 147 tada, do que decisbes que dependem tinica e exclusivamente do arbitrio de pouquissimos agentes. O que isto significa? Significa que os parceiros comerciais externos podem prever maior estabilidade de decisdes tomadas segundo o primeiro modelo do que no segundo. Medidas de liberalizagaio comercial, como reducao unilateral de tarifas, mas que podem, por efeito de pressdes localizadas, sofrer modificagdes repentinas comprometem a imagem do pafs enquanto negociador externo, Portanto, se é verdade que o processo decisério congressual necessariamente mais lento, por outro seu resultado sera sempre menos instavel do que 0 output burocratico. Poder de barganha. Tal nogio é inspirada em trabalho pioneiro de Putnam (1998). Quanto maior o limite imposto pelo contexto institu- cional interno aos termos da negociagao externa, maior € 0 poder de bar- ganha do agente diplomético nos féruns de negociagaio. O espago de decisdes possiveis € reduzido no por conta do desejo do agente, mas sim porque cle se vé constrangido por legislagao interna, aprovada democrati- camente pelo Legislativo de seu pais. Se h4 o perigo do impasse, por outro lado 0 governo pode definir de antemao acordos considerados inaceitéveis, © que restringe a margem de manobra dos representantes de outros pafses. E importante notar que quanto maior a adeso do pafs ao espirito da glo- balizagdio, maior serd 0 néimero de tratados e acordos internacionais de cooperagao a serem assinados. Por isso, a insergdo competitiva do Brasil espera a organizagao de uma sistematica de negociagio que confira a0 presidente maior poder de barganha nos féruns externos. A participacao ex ante do Congresso parece 0 caminho mais adequado. Enfim, as nogdes de credibilidade, estabilidade e poder de bar- ganha servem para mostrar que a sugestZo de aumentar a participa Congresso no proceso decisério em politica de comércio exterior nio é anacrénica, muito menos levaria a policy outcomes ineficientes. Pelo con- trério, a montagem de um sistema eficiente de delegacaio congressual pos- sui a dupla virtude de por um lado, contribuir para o aperfeigoamento do sistema de freios e contrapesos do presidencialismo brasileiro, e de outro, aumentar as perspectivas de eficdcia de politica to fundamental para 0 destino do pais no mundo globalizado. MARIA REGINA SOARES DE LIMA € pesquisadora do Instituto de Relagdes Internacionais — IRI, da PUC-RJ e do IUPERJ. FABIANO SANTOS € pesquisador do [UPERJ 148, LUA NOVA N* 52 2001 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS ABREU, Marcelo de Paiva (1992) “O Brasil e 0 GATT, 1947-1991”. Texto para Discussdo, 280, Departamento de Economia, PUCIRI. 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Retume Dumaré, 200 LUA NOVA N* 50 — 2000 O CONGRESSO E A POLITICA DE COMERCIO EXTERIOR MARIA REGINA SOARES DE LIMA FABIANO SANTOS Como assegurar a qualidade da politica nacional de comércio exterior pelo incremento concomitante (1) da eficiente delegacio pelo Legislativo ao Executivo de poderes para estabelecé-la e implementé-la, ¢ (2) do pleno funcionamento dos freios e contrapesos que permitem o con- trole do Executivo em sistemas presidencialistas? O desenho institucional brasileiro é insuficiente em ambas essas dimensdes no que conceme & politica de comércio exterior, argumentam os autores. Faz-se necessario um desenho alternativo, que dé conta das exigéncias constitucionais democrati- cas sem perda de eficiéncia nas decisdes restritas ao Executivo. THE CONGRESS AND THE FOREIGN COMMERCE POLICY How to assure the quality of a foreign commerce policy through the concomitant increment (1) of the efficient delegation from the Legislative to the Executive of powers for establishing and implementing it and (2) of the full operation of the checks and balances which allow for the control of the Executive in Presidential systems? The Brazilian institutional design is lacking on both these dimensions in what concerns the foreign commerce policy, argue the authors, An alternate design is needed, one that takes into account the constitutional democratic demands without loss of efficiency in the decisions belonging to the Executive.

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