Você está na página 1de 18
D.M. LLOYD-JONES ao A Cruz — A Justificagéo de Deus D. M. Lloyd-Jones “Ao qual Deus propGs para propiciacdo pe- la fé no seu sangue, para demonstrar a sua justi- ¢a pela remissao dos pecados dantes cometidos, sob a paciéncia de Deus; Para demonstracao da sua justica neste tem- po presente, para que Ele seja justo e justifica- dor daquele que tem fé em Jesus.” Romanos 3: 25, 26 Ao chamarsua aiencao para as grandes palavras que se encontram na Epistola de Paulo aos Romanos, capitulo trés, versiculos 25 e 26, gostaria de lembrar- -Ihes que, em certos sentidos no existem outros versi- culos mais importantes em toda a extensdo das Escri- turas do que esses dois. Aqui temos a afirmacdo classi- ca da grande e fundamental doutrina da expiacdo. Eis porque a consideramos tao de perto e cuidadosamente. Ja disse que alguém descreveu esta doutrina como a "acropole da fé crista”. Podemos estar certos de que > nao ha nada mais importante que a mente humana pos- sa considerar que estes dois versiculos. A histéria da Igreja mostra com muita clareza que eles tém sido os meios usados pelo Espirito Santo para trazer muitas almas das trevas para a luz e para dar a muitos pobres pecadores 0 seu primeiro conhecimento e a sua primei- ra seguranga da salvacao, Permitam-me dar um exemplo ilustrativo tirado da historia, bem conhecide e notavel. Refiro-me ao poeta William Cowper. Conta-nos ele que estava em seu quarto numa agonia espiritual, sob profundo e terrivel sentimento de culpa. Naéo podia achar paz e andava para frente e para tras, quase chegando ao ponto do proprio desespero, sentindo-se em condicéo completa- 3 mente irremediavel, sem saber o que fazer consigo mes- mo. De repente, sem esperanca, sentou-se numa cadeira ao lado da janela do quarto. Havia uma Biblia ali, To- mou-a e abrindo-a deu com esta mesma passagem. As palavras dele sGo estas: “A passagem com a qual meus © olhos depararam foi a do versiculo 25 do capitulo 3 de Romanos, Ao lé-la recebi imediato poder para crer. Os raios do Sol da Justiga cairam sobre mim em toda sua plenitude.. Vi a completa suficiéncia da expiacdo que Cristo havia efetuado para dar-me perdao e inteira jus- tificacdo. Instantaneamente eu cri e recebi a paz do evangelho. Se o brago do Deus Todo-poderoso nfo me tivesse sustentado creio que teria sido esmagado pela gratidao e alegria. Meus olhos encheram-se de lagrimas: a emocdo embargou a minha voz. S6 podia olhar para o céu em silencioso temor, transbordando de amor e admiracdo”, Foi isso o que fez o versiculo 25 do capi- tulo 3 da epistola aos Romanos pelo famoso poeta, William Cowper. Fez também a mesma coisa por mui- tos outros. Deixem-me lembrar-lhes novamente 0 que a passa- gem diz. E continuacdo do que o apostolo dissera no versiculo 25. Sio as grandes boas novas de que agora nos € possivel sermos “justificados gratuitamente pela sua graca pela redengao que ha em Cristo Jesus”. Em outras palavras, agora existe um caminho de salvacdo, a parte da Lei, que independe de nossa observancia de- la. E este caminho gratuito que ha em Cristo. Deus nos resgatou em Cristo e estes versiculos 25 e 26 expli- cam como aconteceu isso. Mas por que teve de aconte- cer dessa forma? Como isso sucedeu? Ja consideramos (na exposic¢do anterior) duas das grandes palavras que explicam isto. Sdo as duas gran- des palavras “propiciagdéo” e “sangue”. Sabemos tam- bém que a redencdo adquirida dessa forma chega até nos através da instrumentalidade da fé. Mas o apéstolo nao para ai, Diz algo mais. Exami- nem de novo a declaracdo: “Ao qual Deus propos para propiciagdo pela fé no seu sangue, para demonsirar a 4 sua justiga pela remissao dos pecados dantes cometidos, sob a paciéncia de Deus; para demonstracdo da sua jus- tiga neste tempo presente, para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé em Jesus”. Por que o apostolo prosseguiu e acrescentou todas essas coisas? Por que nao se deteve na primeira afirmagdo? Qual é o significado dessa afirmacao adicional? Para descobrir a resposta precisamos considerar novamente esses termos. O primeiro é “propor”. Sig- nifica “manifestar”, “tornar claro”. Aqui esta algo que obviamente é de vital interesse para nds; o termo nos diz isso de imediato. A morte do Senhor Jesus Cristo na cruz do Calvario nfo foi um acidente; foi obra de Deus. Foi Deus quem O “manifestou” ali. Quao fre- quentemente é despercebida toda a gloria da cruz, de- vido o sentimentalismo dos homens, sendo extinguida quando dizem: “Ah, Ele foi bom demais para o mundo; foi puro demais. Seus ensinos foram maravilhosos de- mais e os homens cruéis O crucificaram”! O resultado é que comegamos a ter pena dEle, esquecendo que Ele proprio voltou-Se para aquelas “filhas de Jerusalém” que estavam comegando a se penalizarem por Ele, e dis- se: “Nao choreis por mim mas chorai por vés mesmas”. Se o conceito que temos da cruz é tal que nos leva a ter pena do Senhor Jesus Cristo, significa simplesmen- te que nunca a vimos como realmente é. Foi Deus quem O “manifestou”. Nao foi um acidente, mas algo deliberado. Na realidade, 0 apdéstolo Pedro, pregando no dia de Pentecoste disse que tudo aquilo acontecera “pelo determinado conselho e presciéncia de Deus” (Atos 2: 23). “Ao qual Deus propdés”. O termo também acentua o carater puiblico da acdo. E um grande ato publico de Deus. Ele fez algo ali no palco da historia universal, a fim de que fosse visto, observado e gravado em definitivo e para sempre — 0 ato mais publico j4 acontecido. Assim, Deus publica- mente “‘o propés para propiciacgado pela fé no seu san- bt gue”’. Isto nos leva a esta pergunta vital: por que Deus fez tsso? Por que aconteceu tudo isso? O que foi (per- gunto reverentemente) que levou Deus a fazer isso, que O levou a esse propésito? A melhor resposta, ainda, pode ser encontrada, quando se considerar os termos um por um. Depois os apreciaremos como um todo e veremos exatamente por que 0 apostolo achou que era tdo vital e essencial acrescentar estas palavras ao que ja havia dito. O primeiro termo é este: “declarar” — “declarar sua justiga”. Significa “mostrar”, “manifestar”, “dar uma prova evidente”, “provar”. Deus fez isto, diz Pau- lo, para que assim Cristo pudesse resgatar-nos, entre- gando-Se como oferta propiciatéria. Sim, mas em acrés- cimo a isso, Deus esta “declarando” algo ali; esta mos- trando algo, manifestando, dando uma prova evidente de alguma coisa. Que prova? ‘De sua justi¢a”. Precisa- mos ser muito cuidadosos com esta expressao, termo que estamos examinando desde o versiculo 21. E pena que a mesma palavra seja usada para representar duas idéias ligeiramente diferentes. Até aqui, quando consi- deramos esta palavra “justica”, vimos que significa ““um caminho de justica”. Volte ao versiculo 21: “Mas agora se manifestou sem a lei a justiga de Deus”. Em outras palavras isso significa: “o caminho pelo qual Deus torna justos os homens”, ou “o meio pelo qual da justiga aos homens”. Mas aqui nao tem esse sentido. Aqui ele diz que Deus fez algo pelo qual declara Sua justica, nao a justiga que Deus nos da, mas um dos Seus gloriosos atributos. Significa a equidade de Deus;.tam- bém a retidao judicial de Deus; significa essencialmente © carater moral, santo, justo e reto de Deus. Paulo diz novamente no versiculo seguinte (vs. 26): “para que ele seja justo e justificador daquele que tem fé (ou cré) em Jesus” — “para que ele seja justo”. Na cruz, Deus esta declarando Sua propria justica, Seu proprio carater jus- to, Sua propria justiga e equidade inerente e essencial. A proxima palavra € “pela”. “Para demonstrar sua justiga pela remissao dos pecados dantes cometidos”. 6 “Pela” significa “a respeito de” ou “por causa de”. Ele esta declarando Sua justiga por causa da remissao de pecados passados. A proxima palavra é “remissao”. Aqui esta uma palavra de suma importancia e é pena que a traducdo da Authorized Version seja realmente muito infeliz neste ponto. E um daqueles casos onde a AV é real- mente inferior 4s verses revisadas, incluindo a Revised Standard Version, que estao certas neste ponto. A tra- ducgao da AV é incorreta pelo seguinte motivo. Olhe para a palavra “remiss4o” na sua traducao da AV e vera que ela é usada varias vezes, mas se vocé.se der ao tra- balho de procurar o vocabulo usado no grego fara a in- teressante descoberta de que o usado pelo apdstglo ali € que esta traduzido como “‘remissio” é usado somente neste texto em todo o Novo Testamento. O apdstolo Paulo nfo o usou em nenhum outro lugar; ninguém mais o usou. Ha outra palavra também traduzida como “‘re- missio” e em suas varias formas a achard dezessete ve- zes no Novo Testamento; mas esta palavra que temos aqui é usada somente uma vez e nao significa realmen- te “remissao”’, e sim “pretermissao”’. Esta é uma palavra importante e devemos dar-lhe atencdo. O que significa “pretermisséo”? O que signi- fica “pretermitir” pecados em distingao de “remir” pecados? Trata-se de uma palavra empregada no Direito Romano. Era geralmente usada com o seguinte sentido: refere-se a alguém que fez um testamento e deixou um amigo fora dele. Imagine um homem fazendo um testamento e deixando algo para certos amigos, mas ha um amigo para quem nao deixou nada. Isso é “pretermissao”’! Ele o deixou fora de seu testamento; deixou-o fora de cogitagdo. Significa, se o preferir, “passar por cima”. Aquele homem deu algo a todos aqueles amigos e parentes mas passou por cima daguele unico — isto é pretermitir. Esta é a propria pa- lavra usada aqui — ‘‘passar por cima’’, ‘“‘desconsiderar”, 7 “deixar passar sem notar’’, “passar por alto intencio- nalmente”. Estes sfo os significados dados a esta pala- vra da maior importancia que o apdstolo deliberada- mente escolheu neste ponto. Ora quando o apéstolo faz uma coisa como essa deve ter uma boa razdo. Ele nao faz esse tipo de coisa por acaso. Por que néo usou a mesma palavra que ja tinha usado em outros lugares? Por que esta palavra aqui, e somente aqui? E por que esta palavra especi- fica que significa “passar por cima’’? Obviamente por- que ele desejava transmitir a idéia de passar por cima. Assim, ao invés de traduzir “pela remiss4o dos pecados dantes cometidos”, deverfamos traduzir, “passar por cima dos pecados dantes cometidos” ou “pela descon- sideragao dos pecados dantes cometidos. Podemos colocar a coisa desta forma: a diferenga entre ‘“‘remis- sio” e “pretermissio” é a mesma que ha entre “per- doar” e “ndo punir”. Vocé pode dizer que estamos en- trando em minucias; que é distinc¢ao sem diferenga. Mas ndo é assim. Afinal tudo dara na mesma coisa. Se eu nao punir um infrator, em certo sentido ja o per- doei; todavia, nao o fiz completamente. Se eu o per- doei, certamente nZo o puni; mas perdoar significa mais do que nao punir. Assim sendo, este termo “pretermis- sio”, “passar por cima” fica aquém da remissdo, e por isso € uma pena que a AV coloque “‘remissdo” aqui. E “passar por cima” ou “a ndo-consideracdo dos peca- dos dantes cometidos”’. A frase seguinte com a qual deparamos é esta: “dantes cometidos”. “Pela ndo-consideragdo dos peca- dos dantes cometidos”. Novamente a tradugdo da AV néo é téo boa quanto deveria ser. Segnindo-a poderia- mos muito bem chegar 4 conclusio de que o apdstolo esta falando da ndo-consideragdo de pecados “‘passa- dos”, Os pecados passados de alguém — meus pecados passados, seus pecados passados — “‘pecados passados”’. Mas isso nao é o que o apéstolo esta dizendo, nao é 0 que quer comunicar. Uma traducao melhor aqui seria “pecados que foram anteriormente cometidos” ou “pe- 8 cados dantes cometidos”. O apdstolo esta se referindo a um tempo bem definido. E o tempo que ele contras- ta no versiculo seguinte com “neste tempo pre- sente”. Houve o tempo passado e depois o tempo presente. Ele diz: “Deus propos Cristo para propicia- ¢d4o pela fé no seu sangue, para demonstrar a sua justi- ca pela remisséo dos pecados dantes cometidos, sob a paciéncia de Deus; para demonstracdo neste tempo presente”. Para o que no passado ele esta olhando? Ele esta olhando para a velha dispensagao. Diz que Deus passou por cima de pecados na velha dispensagao scb 0 antigo pacto, nos tempos do Velho Testamento. Pau- lo argumenta que Deus fez isso e agora “manifestou”’ Cristo para fazer algo mais em relacdo aquilo que Ele havia feito antes. Isto nos leva 4 ultima palavra que temos a conside- rar, a palavra “paciéncia”. O que é paciéncia? Paciéncia significa “auto-dominio”, “tolerdncia”, Exatamente o que o apostolo esta dizendo aqui? “Ao qual Deus pro- pos para propiciacdo pela fé no seu sangue, para de- monstrar a sua justiga pela remisséo dos pecados dantes cometidos sob a paciéncia de Deus”. O que sig- nifica isso? Paulo esta dizendo que esse ato publico no Calvario, decretado por Deus, tem rela¢do também com a acdo dEle na dispensagéo do Velho Testamento, quando Ele passou por alto, tolerou, deixou de lado os pecados do povo naquela época, em Sua longanimidade e tolerancia. Mas 0 que significa tudo isso? De modo muito in- teressante podemos responder a essa indagacao olhando para Oo mesmo tipo de afirmagdo em dois outros lugares do Novo Testamento. Lembram-se como o apéstolo Paulo se dirigiu a um grupo de estOicos, epicureus e ou- tros em Atenas? O relato nos é dado no capitulo 17 de Atos dos Apdstolos, comegando especificamente no versiculo 30. O apéstolo, desenvolvendo seu argumen- 9 to, diz: “Mas, Deus, ndo tendo em conta os tempos da ignorancia, anuncia agora a todos os homens, e em to- do o lugar, que se arrependam”. Observe como ele de- senvolve seu grande argumento. Diz assim: Deus nao Se deixou sem testemunhas durante todos esses séculos e geracdes. Deus deixou seus sinais. O objetivo era que © povo buscasse ao Senhor “se porventura, tateando, o pudessem achar; ainda que nao esta longe de cada um de nds; porque nele vivemos, e nos movemos e existi- mos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geracdo, Sendo nds pois gera- cao de Deus, nado havemos de cuidar que a divindade seja semelhante ao ouro, ou 4 prata, ou 4 pedra escul- pida por artificio e imaginacgao dos homens. Mas Deus no tendo em conta os tempos da ignorancia, anuncia agora a todos os homens, e em todo o lugar, que se ar- rependam: porquanto tem determinado um dia em que com justiga ha de julgar o mundo, por meio do varao que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitan- do-o dos mortos.” A outra passagem € 0 versiculo 15 do capitulo 9 da Epistola aos Hebreus: "E por isso (Cristo) ¢ Media- dor dum novo testamento, para que, intervindo a mor- te para remissao das transgressGes que havia debaixo do primeiro testamento, os chamados recebam a promessa da heranga eterna.” Isso é precisamente a mesma coisa. Hebreus 9: 15 diz exatamente a mesma coisa que o apOstolo esta dizendo em Romanos 3: 25. O verdadeiro comentario, pois, sobre este versiculo se acha nessa afirmagdo em Hebreus. Aquele autor desejava que seus leitores entendessem com clareza o velho pacto, como também os sacrificios e ofertas que o povo apresentava a Deus sob aquele pacto. Deviam ser bem esclarecidos em suas mentes e deviam entender claramente que aqueles sacrificios nunca foram capazes de produzir um completo perdao dos pecados; nado expiavam 0 pecado. Podiam fazer algo, diz o autor de Hebreus; tinham pro- veito para a purificagdo da carne. “Porque, se 0 sangue dos touros e bodes, e a cinza duma novilha esparzida 10 sobre os imundos, os santifica, quanto 4 purificagdo da carne.” (Hebreus 9: 13) Mas néo podiam fazer nada mais. Nao podiam tratar da consciéncia. His a dificul- dade, E, entretanto, o problema todo é com respeito a consciéncia. Mas se o sangue de touros e bodes podia purificar a carne “quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espirito Eterno se ofereceu a si mesmo imaculado a Deus, purificara as vossas consciéncias das obras mor- tas, para servirdes ao Deus vivo.” Tudo isso “que é uma alegoria para o tempo presente, em que se oferecem dons e sacrificios que, quanto 4 consciéncia, nfo po- dem aperfeicoar aquele que faz o servi¢o; consistindo somente em manjares, e bebidas, e varias ablugGes e jus- tificagdes da carne, impostos até ao tempo da corregao. Mas, (agora) vindo Cristo, o sumo sacerdote dos bens futuros” — e assim por diante. Os irmaos estao seguindo o argumento? O que ele esta dizendo é€ que sob o velho pacto, da antiga dispensacao, nao havia provisaéo para tralar com peca- dos num sentido radical. Era simplesmente um meio, por assim dizer, de passar por eles, cobrindo-os duran- te aquele tempo. Aquelas antigas ofertas e sacrificios propiciavam uma certa purificagdo da carne, concediam uma pureza cerimonial, habilitavam o povo a continuar orando a Deus. Mas nao havia, sob o Velho Testamen- to um sacrificio que pudesse realmente remover 0 pe- ’ cado, O maximo que faziam era apontar para o sacri- ficio que estava para acontecer na cruz, 0 qual poderia realmente fazé-lo e poderia purificar a consciéncia de obras mortas e reconciliar verdadeiramente 0 homem com Deus. Vocé quer dizer com isso, perguntaria alguém, que os santos do Velho Testamento ndo foram perdoados? Claro que nao quero dizer isso. Obviamente que foram perdoados e agradeceram a Deus o perdao. Ninguém pode dizer, nem por um momento, que pessoas como Davi, Abraao, lsaque e Jacé nao foram perdoados. Na- turalmente que eles foram perdoados. Mas néo o foram por causa daqueles sacrificios que ofereceram. Foram 1} perdoados porque olhavam para Cristo. Ndo percebiam isso claramente, mas criam no ensinamento e faziam essas Ofertas pela fé, Criam na Palavra de Deus, que Ele um dia no porvir proveria um sacrificio, e pela fé se mantiveram firmes nisso. Foi a fé em Cristo que os salvou, éxatamente como é a fé em Cristo que salva agora. Esse é 0 argumento, Mas isso, de certa forma, nos deixou um problema. O problema é este: Deus sempre tem Se revelado como um Deus que odeia 0 pecado. Ele anunciou que puniria o pecado e que a punicao do pecado seria a morte. Deus anunciara que derramaria Sua ira contra 0 pecado e contra os pecados. Entretanto, vemos que Ele através dos séculos, aparente e evidentemente, voltava atrd4s em Suas proprias afirmacdes e em Sua propria Palavra. Pa- rece que Ele nao esteve punindo o pecado. Esteve pas- sando por cima dele. Deus cessou de preocupar-se com essas coisas? Deus Se tornou indiferente para com o mal? Como pode entéo Deus passar por cima do peca- do? Esse é 0 problema. E problema muito real. Esta claro que o sangue de touros e bodes e as cinzas de uma novilha nfo podem fazer isso. Entretanto, Deus passou por cima desses pecados. Como pode fazer isso? O que é que justifica essa “paciéncia de Deus’? Diz 0 apdsto- lo que Deus realmente explicou tudo isso para nds pelo que fez em publico diante de todo o mundo, no palco e teatro do mundo inteiro, em Cristo no Calvario. Ele refreou Sua ira através dos séculos. Ndo a demonstrou completamente naquele tempo; mas a revelou inteira- mente agora, Ele a declarou agora. Paulo diz: “Eu re- petirei isso — ‘‘Para demonstrar”...” Essa foi uma das coisas que aconteceram na cruz. No monte Calvario Deus estava dando uma explicagao publica do que es- teve fazendo através dos séculos. Ao fazer isso, ao mes- mo tempo, vindicou o Seu carater eterno quanto 4a jus- tiga e a santidade. 12 Como exatamente fez isso? Deixe-me responder essa pergunta e, ao fazé-lo, verao porque tome tanto cuidado para defender o uso daquela palavra “propi- ciagdo” e apegar-me a ela a qualquer custo, porque era tio importante. Como Deus fez isso no Calvdrio? Como vindicou Seu cardter? Como Ele explica a Sua preteri¢éo dos pecados de tempos passados quando se conteve e exerceu tolerancia? Ha somente uma ma- neira pela qual poderia fazé-lo, Deus afirma que odeia 0 pecado, que punird o pecado e que derramara Sua ira sobre o pecado e sobre os culpados de pecado. Portan- to, a menos que Deus possa provar que fez isso, deixa de ser justo. O que o apdstolo esta dizendo € que no Calvario Ele ja o fez. Ele mostrou que ainda odeia o pe- cado, que ira punir o pecado, que deve punir 0 pecado, que derramara Sua ira sobre 0 pecado, Como 0 mos- trou no Calvario? Fazendo exatamente isso. O que Deus fez no Calvario foi derramar sobre Seu amado e unigénito Filho a Sua ira contra o pecado. A ira de Deus que deveria vir sobre nds por causa de nossos pe- cados caiu sobre Ele. Deus sempre soube que haveria de fazer isso. Lemos nas Escrituras do “Cordeiro que foi morto desde a fundagdo do mundo”. Foi um plano ori- ginado na eternidade. Por saber que haveria de fazer is- so Deus pode passar por cima dos pecados, como fez durante todos aqueles séculos. Assim, vemos, diz o apostolo, que Deus permanece justo ao mesmo tempo que justifica 0 impio que cré em Cristo. Esse era 0 tre- mendo problema — como poderia Deus permanecer santo e justo, tratar com o pecado da forma como dis- se que iria fazer, e ainda perdoar o pecador? A respos- ta pode ser encontrada somente no Calvario. Faz parte essencial do que esta declarado na cruz. Isso, de acordo com o apostolo, foi a primeira ra- z40, Deus tinha que vindicar o que havia feito no passa- do sob o antigo pacto. Mas Deus tinha algo mais a fa- zer, diz-nos o versiculo 26: “Para demonstragdo de sua justicga neste tempo presente”. Com isso Paulo explicou como Deus pdéde passar por cima de todos aqueles pe- t3 cados do passado. Mas como Ele trata com o pecado agora? Como iré tratar com os pecados no futuro? A resposta ainda esta l4 na cruz do monte Calvario. O ensino em outras palavras é este. A cruz do Calvirio, a morte do Senhor Jesus Cristo, como o apéstolo Jo&o escreve em sua primeira epistola capitulo 2, ver- siculo 2, “E a propiciagdo pelos nossos pecados, e nfo somente pelos nossos mas também pelos de todo mun- do” — o mundo especifico mencionado ali. Os pecados foram tratados de uma vez para sempre na cruz. E na cruz que todos aqueles pecados sob a velha dispensacao, por cima dos quais Deus havia passado e foram por Ele, por assim dizer, pretermitidos - os pecados que ha- via perdoado a Abraao, Isaque ¢ Jacé ¢ de todos os crentes da velha dispensagdo - é la que os meios para fazer isso foram providenciados. Seus pecados fo- ram incluidos no Calvario. Sim, diz Paulo, e os pecados que agora estao sendo perdoados foram também trata- dos 1a. E todos os pecadcs que ainda serfo cometidos foram também tratados 14. Esse é o maravilhoso fato acerca do Cristo do Cal- vario — Ele morreu “de uma vez para sempre” (He- breus 10:10). E o grande argumento da Epistola aos Hebreus, certamente se lembram. Aqueles outros sacri- ficios, diz ali, tinham de ser oferecidos dia a dia. Havia uma sucessdo de sacerdotes e eles tinham que fazer sempre novos sacrificios. ““Mas este” fez um sacrificio pelos pecados “uma vez para sempre’’. Ele tratou de todos os pecados ali. Nado ha necessidade de mais na- da. Nao ha necessidade de um novo sacrificio. Foi feito de uma vez para sempre. DeuS os langou todos sobre Ele ali — dos pecados que ainda nio cometeram, Deus ja tratou. Ali est@o os meios de perdao e ali somente. Do tempo passado, pecados cometidos anteriormente, pecados cometidos agora, de todos os tempos — ali esta a justificagdo de Deus para perdoar quaisquer pecados, ndo importa quando cometidos. Isso € o que o apdstolo esta dizendo aqui. Todo pecado é perdoado nessa base e somente nessa base. A 14. cruz proclama que Deus é “justo e justificador daquele que tem fé em Jesus”, Deixe-me colocar isso desta forma. A cruz do Calvario ndo proclama simplesmente que Deus nos perdoa. Faz isso, gragas a Deus, mas ndo para ai. Se tio-somente afirmasse isso, o apdstclo po- deria ter terminado 0 versiculo 25 com a palavra “san- gue’’. Nao haveria necessidade de mais nada. Mas ele nao para ai; prossegue, Prossegue no mesmo versiculo 25 e acrescenta o versiculo 26. Por que? Porque a cruz nao é meramente a declaracdo de que Deus esta dispos- to a nos perdoar. Posso também expressar isso de outra forma, A cruz nado visa simplesmente influenciar-nos. No entan- to, isto é 0 que 0 ensino popular nos transmite. Diz-nos que o problema da humanidade é que ela ndo sabe que Deus € amor, ndo sabe que Deus ja perdoou a todos. Qual é 0 significado da cruz? Bem, dizem eles, é Deus dizendo que jd nos perdoou e portanto, ao vermos Cristo morrendo, nossos coragdées deveriam se quebran- tar e levar-nos a perceber esses fatos. A cruz, segundo eles, é dirigida somente a nds. Fala a nds, sim; mas ela tem um objetivo muito maior do que esse; faz outra coisa também. . Nosso perdao é somente uma parte; ha algo infini- tamente mais importante, Que é? E o cardter de Deus. Dessa forma, a cruz prossegue para dizer-nos que este é o modo pelo qual Deus tornou possivel o perdéo, O perdao nao é facil para Deus. Falo com reveréncia. Por “que o perddo nao é facil para Deus? Porque Deus nado é somente amor; é também justo, reto e santo. Ele é “Juz e nele nao ha trevas nenhumas”. Ele é tanto justi- ga e retidfo quanto amor. Ndo estou colocando esses atributos uns contra os outros. Digo que Deus € todas essas coisas juntas e nao devemos deixar de fora nem uma nem outra. Portanto, a cruz néo nos diz simplesmente que Deus perdoa; diz-nos que esse é o modo pelo qual Deus 15 tornou possivel o perddo. E o modo pelo qual entende- mos como Deus perdoa. Vou adiante: como pode Deus perdoar e ainda permanecer Deus? — esta é a questao. A cruz é a justificagaéo de Deus. A crua é a justificacado do carater de Deus, Ela nao somente mostra o amor de Deus mais gloriosamente do que qualquer outra coisa; mostra Sua justiga, Sua retiddo, Sua santidade e toda a gloria de Seus atributos eternos. Podem ser vistos to- dos brilhando juntos ali. Se ndo os virem, nado viram a cruz. Razdo porque devemos rejeitar totalmente a as- sim chamada “teoria de influéncia moral” da expiacdo, aquela que descrevi — isto é, a que diz que a cruz ape- nas precisa quebrar nossos coracdes e nos levar a ver o amor de Deus. Acima e além de tudo isso, Paulo diz, Deus esta “demonstrando Sua justiga pela remissaéo dos pecados dantes cometidos”. Por que isto, se € meramente a de- claracfo de Seu amor? Nao, diz Paulo. FE mais do que isso. Se ela somente proclamasse Seu perdao, estaria- mos autorizados a perguntar se podemos confiar no que Deus afirma, e se Ele é justo€ reto. Seria uma per- gunta razoavel, pois Deus afirmou repetidamente no Velho Testamento que odeia o pecado e que ira pu- nir © pecado, pois “‘o salario do pecado é a morte”. O carater de Deus esta envolvido. Deus ndo é como os homens. As vezes pensamos que é compassividade as pessoas dizerem uma coisa e em seguida fazerem outra. O pai diz ao filho: “Se vocé fizer isso ndo ganhara aque- le dinheiro para comprar seus doces”. Entao o garoto contraria mas 0 pai diz: “Bem, esta tudo certo” e lhe da o dinheiro. Isto, achamos que é amor, e 0 perdao verdadeiro. Mas Deus nao age dessa maneira. Deus, se é que posso expressar-me assim, é eternamente coeren- te conSigo mesmo. Nunca Se contradiz. Ele é “o Pai das luzes, em quem nao ha mudanga nem sombra de varia- ¢40”. Podem ser vistos todos esses gloriosos atributos 16 brilhando como diamantes em Seu carater eterrio. E todos eles haverfo de ser manifestos. Na cruz eles estZo todos revelados. Como pode Deus ser justo e ainda justificar o im- pio? A resposta é que pode porque puniu os pecados de impios pecadores em Seu proprio Filho. Derramou Sua ira sobre Ele, O Senhor Jesus Cristo suportou nossa pu- nigdo. ‘“‘Pelas suas pisaduras fomos sarados”. Deus fez o que havia dito que faria; puniu o pecado, Ele procla- mou isto através de todo o Velho Testamento e cum- priu que houvera prometido. Mostrou que é justo. Fez declaracdo publica disso. E justo e pode justificar, por- que, tendo punido um Outro em nosso lugar, Ele pode perdoar-nos livremente. E assim o faz. Essa é a mensa- gem do versiculo 24. “Sendo justificados (sendo consi- derados, declarados, pronunciados justos) gratuitamen- te pela sua graca pela redencdo (resgate) que ha em Cristo Jesus; ao qual Deus propés para propiciacdo pela fé no seu sangue”. Assim Deus declara Sua justica em ter passado por cima daqueles pecados ao tempo de Sua paciéncia, “Para demonstrar” Sua justiga entao, agora e para sempre em perdoar pecados. Em vista dis- so, Ele é justo a0 mesmo tempo que é justificador da- quele que cré em Jesus. Tal, meus irmdos, é esta grande, gloriosa e maravi- lhosa afirmacao. Assegurem-se de que sua visao e com- preensdo da cruz inclui todos os detalhes dela. Prove a sua viséo da cruz. Aonde entra em seu raciocinio esta afirmacdao acerca da “demonstra¢ao”’ de Sua justica e demais atributos? E algo sobre o qual vocés simples- mente passam por cima e dizem: “Bem, ndo sabemos 0 que significa. Tudo o que sabemos é que Deus é amor e que perdoa”? Mas vocés deveriam saber o significado disto, E parte essencial do glorioso evangelho. No Cal- vario Deus estava abrindo um caminho de salvacdo pelo qual nos pudéssemos ser perdoados. Mas Ele tinha que fazer isso de uma forma que mantivesse Seu carater in- tegro. que conservasse absoluta e ininterrupta a Sua eterna coeréncia. A partir do momento que encaramos 17 tudo isso desta forma, vemos que é a coisa mais tre- menda, mais gloriosa, mais estupenda no universo e de toda a histéria, L4 na cruz Deus esta declarando o que fez por nds. Esté declarando também Sua gloria e Sua grandeza eternas, dizendo que “Ele é luze nele ndo ha trevas nenhumas’’. ‘Quando eu contemplo a maravilho- sa cruz...” diz Isaac Watts; mas nao vemos a sua maravi- Iha enquanto nao a contemplamos realmente sob a luz desta grande afirmaco do apoéstolo, Deus estava decla- rando publicamente uma vez e para sempre Sua eterna justiga e Seu eterno amor. Nunca os dissociem, pois so insepardveis no carater de Deus. 18 Porque Cristo morreu? O que significa a cruz? Quase todas as teorias da expia- ¢ao de Cristo se preocupam com c aspec- to humano, porém Dr. Lloyd-Jones nos mostra nesta exposi¢ac de Romanos 3:25-26 que, acima de tudo, a cruz foi a justificagao do cardter de Deus. “Isto faz parte essencial do glorioso evangelho. No Calvario Deus estava abrin- do um caminho de salvacao pelo qual nos pudéssemos ser perdoados. Mas Ele tinha que fazer isso de uma forma que mantivesse Seu carater integro, que con- servasse absoluta e ininterrupta a Sua eterna coeréncia. A partir do momento que encaramos tudo isso desta forma, vemos que 6 acoisa mais tremenda, mais gloriosa, mais estupenda no universo e de toda a historia’. . PUBLICAGGES EVANGELICAS SELECIONADAS Aua 24 de Maio, 116 ~ 3° andar - salas 16/17 Caixa Postal 1287 - 01059-970 - Sao Paulo - SP

Você também pode gostar