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http://www. geocities,com/ail_br/ometodocontrastivoeapratica htm?20081¢ Crieial ctique para imprimir este documento © METODO CONTRASTIVO E A PRATICA DA TRADUGAO NO ENSINO DO PORTUGUES E DO ESPANHOL PARA HISPANO E LUSOFALANTES DE NIVEL AVANGADO. Ana Isabel Briones A decisao mais importante que um professor de linguas estrangeiras deve tomar talvez seja a escolha de um manual de estudo para uso na sala de aula e, portanto, de uma metodologia adequada. As opiniées dividem-se, em termos gerais, entre os professores que preferem um método baseado no estudo gramatical, a partir do qual se propdem exercicios de fonética, morfologia, sintaxe e vocabulério fundamentados na pratica da traduc&o, e outros que consideram mais eficaz 0 método direto ou comunicativo, para o qual no importa tanto 0 critério de correo quanto a possibilidade de entendimento entre os falantes, ‘Antes de continuar com uma breve explicagdo dos diferentes métodos existentes para ensino de uma lingua estrangeira, e da historia que precedeu a situacao atual, 6 preciso adiantar que, em termos de eficdcia, no existe um método melhor do que outro independente das circunstancias. E fundamental fazer um estudo detalhado das caracteristicas e intengées do grupo de alunos com os quais vamos trabalhar, ¢ conhecer 0 nivel educativo e 0 interesse pessoal deles, bem como o grau de conhecimento do funcionamento interno da propria lingua adquitido na escola, ou se fizeram estudos de lingistica geral. Tendo em conta estas consideragées, 0 panorama dos métodos para o ensino de linguas estrangeiras poderia ser resumido nas seguintes afirmacées de carater geral: 0 "método gramatical” 6 mais adequado para alunos adultos com formagao lingUistica média; quando 0 grupo de discentes ¢ constituido por alunos procedentes de culturas muito distantes, ¢ as suas linguas nativas respondem portanto a sistemas lingllisticos bem diferentes, sera imprescindivel o "metodo direto comunicativo"; 0 "metodo contrastivo" ¢ bem mais util, a partir de um nivel avangado, quando se esta ensinando e aprendendo uma lingua préxima a materna, como 6 0 caso com o portugués @ o espanhol. Cada método de ensino baseia-se numa teoria lingUistica e didatica. De fato, tres das mais importantes © difundidas metodologias para o ensino de linguas (es denominadas “gramatical", “audio-oral" © “comunicativa") nao seriam entendidas sem considerar-se a importancia do principio linguistico que as sustenta. Mas 0 professor se perguntara, decerto, “como posso saber que uma teoria, e portanto, 0 método de ensino que dela procede, ¢ correta e adequada para meus fins e dos meus alunos?" Podemos comecar afirmando que nada @ mais pratico do que uma boa teoria. Isto ndo significa, porem, que se deva estabelecer uma relagao de dependéncia absoluta entre lingalstica ou gramatica e ensino/aprendizagem de linguas, como veremos a seguir. E por outro lado, é preciso estar consciente de que nem ‘sempre é possivel estabelecer uma teoria. George Steiner pregunta-se em After Babel se a tradugao, que ndo passa de uma praxis vasta © variada e que, portanto, ndo existe no abstrato e resiste sua inclusdo em qualquer esquema, pode ser de fato uma disciplina Trata-se de uma reflexdio que vai ser aqui aproveitada para estabelecer uma comparacdo ‘entre tradugo ¢ ensino de uma lingua estrangeira a partir do método contrastivo, devido a que ambas as praticas constatam a existéncia de diferencas ¢ semelhancas entre duas linguas, o que nao sempre pode ser fixado enquanto objeto de analise. Tradicionalmente, os professores de linguas ensinavam gramatica seguindo as diretrizes do ensino das linguas classicas, o latim e o grego. Eles tiveram, em geral, seu processo de 16/07/2008 0:57 http://www. geocities,com/ail_br/ometodocontrastivoeapratica htm?20081¢ formagao em Faculdades de Filologia © Lingliistica, de maneira que era normal que se servissem, para sua labor docente, da gramatica sistematizada da lingua de que se tratasse. © contetido dos livros elaborava-se apartir de critérios de organizagao gramatical, e via-se ‘como uma necessidade que 0 aluno aprendesse 0 artigo, o sustantivo e 0 adjetivo e suas formas, 0 verbo e suas flexées, etc. (© modelo por exceléncia do latim classico foi Cicerone. A medida que as linguas locais adquiriram importancia o ensino do tatim como segunda lingua se estendeu. A base da sua docéncia foi a gramética de Donato, do século IV. O metodo era esencialmente dedutivo, baseado na memorizacdo de palavras e frases incluidas em glossarios e, no que foi a pratica mais significativa da metodologia romana, a tradugdo direta ¢ inversa aplicada a frases © textos. O ensino do latim foi posteriormente modelo para as conhecidas como linguas romanicas ou neolatinas. As gramaticas nacionais aparecem nos séculos XV (1492, Gramiética de la lengua castellana, de Nebrija) ¢ XVI (1530, L’esclarcissement de la langue frangoyse, de Palsgrave). Trata-se de gramaticas elaboradas por eruditos, néo pensadas para estrangeiros. Fundamentam-se na idéia de que a lingua é um sistema légico, formulado ‘em regras que se podem aprender e aplicar para alcangar a perfeicao no uso do idioma. Se a tradi¢ao "néo gramatical” ou "conversacional” tinha ja sido um método habitual durante alguns séculos, a vinda do Renacimento, ¢ 0 prestigio da tradi¢ao gramatical devido a sua vinculagao ao ambito escolar e académico, faz com que as gramaticas do latim passem a ser um modelo imprescindivel. Aumentam sua extensao no relativo 8 morfologia e sintaxe e, evidentemente, nao esto conectadas com o uso da lingua (ninguém falava jé latim na vida quotidiana), de maneira que acabam por constituirem a sua propria finalidade. Uma voz perdida a finalidade comunicativa quotidiana, a aprendizagem do latim fica reduzida a uma praética intelectual. Portanto, a tradigo gramatical no ensino das linguas verndculas impregna-se também de abstrago e se afasta da realidade comunicativa. Esta ¢ a origem do “ensino gramatical tradicional". Contribuiu, em certa medida, o fato de nao serem ja capazes todos os professores da época de manter com fluidez uma conversa em latim: uma aula guiada por normas gramaticais ¢ exemplos fossilizados 6 mais facil nesse caso. A partir das aportag6es tebricas de lingliistas de base estrutural como Bloomfield e Fries nos ‘anos quarenta, que influiram a teoria lingUistica até a década de sessenta, considera-se, porém, que so os linglistas, e ndo 0s professores, os que devem elaborar os materiais para sefem usados na sala de aulla. O professor devém ento um simples intermediario. Parte-se do principio de que a lingua é um conjunto de estruturas organizadas e, portanto, os manuais constam de conjuntos de estruturas lingUisticas que o aluno deve consolidar mediante a repetigo continuada. Os livros no mencionam as regras gramaticais. Este ¢ conhecido como "método audio-oral". O descritivismo proprio do estruturalismo faz com que os estudos contrastivos sejam uma das preocupagées destes e outros autores inseridos nesta tendéncia, Veremos mais tarde 0 significado pratico de utilizar 0 método contrastivo. Mas digamos por ‘ora que, ao contrario do que vamos defender aqui, a tese de que a traducdo € um exercicio adequado para alunos formados em jinguistica e cujas linguas maternas s4o muito préximas, 08 estruturalistas consideravam-na nociva: promovia as transferéncias de uma lingua para outa, pensavam eles. Devemos ter em conta, porém, que os primeiros alunos que usaram este tipo de manuais foram os empregados do Programa de Treino Especializado do Exército dos Estados Unidos (Army Specialized Training Program), muito diferentes portanto do tipo de alunos de que vamos falar aqui. A pergunta de que partiam, tanto o método gramatical-tradicional quanto método audio-oral, era "o que &, e como é que funciona a lingua?" Foi, sobretudo, a partir dos anos sessenta, ¢ a0 longo dos setenta, quando surgiram outras questées relativas ao ensino de linguas: "como 6 que se desenvolve no ser humano o processo de aprendizagem?" (ponto de partida da psicologia), “qual é a melhor maneira de ensinar?" (perspectiva da pedagogia). E 2 época na qual, apés 0 estruturalismo lingUistico, impera a teoria generativo-transformacional de Noam Chomsky. Os aspectos cognitivos © semanticos da linguagem, a sua capacidade para a criatividade, bem como a nogao de contexto e os cédigos extralinglisticos, merecem maior atengao do que as estruturas lingUisticas. A teoria geral na qual se fundamenta 6 a 16/07/2008 0:57 http://www. geocities,com/ail_br/ometodocontrastivoeapratica htm?20081¢ Linguistica Textual ou Pragmdtica. O professor Aquilino Sanchez menciona neste sentido uma curiosidade que ilustra a importancia de considerar 0 contexto e as referéncias culturais, que podem ser determinantes em certas situagSes. Parece que na Australia, convidar uma visita a tomar café apés o jantar, é equivalente a uma pergunta do tipo: "Nao acha que é muito tarde e voce deveria ir embora?"; no nosso codigo sociolinguiistico, pelo contrario, se oferecemos um café é porque desejamos prolongar o encontro. Aparece ent&o uma terceira via para o ensino, 0 "método direto comunicativo", fundamentado na teoria de que as ‘segundas linguas devem ser aprendidas da mesma maneira que se aprendeu a primeira, € (98 objectives dirigem-se ao uso da lingua oral. Ja desde o inicio da elaboracao de gramaticas das linguas vulgares, duas tendéncias foram estabelecidas: as gramdticas baseadas na especulacdo e na anélise, e as que tomavam o uso da lingua como ponto de partida, denominadas "gramaticas praticas" ou “pedagégicas", que, ao irem adquirindo caracteristicas proprias, passaram a ser “gramaticas para estrangeiros". Estas novas gramaticas, ou manuais, tém uma orientagdo construtivista-condutista, incluem didlogos e elementos visuais ‘que visam captar a realidade comunicativa, em vez de introduzirem assuntos gramaticais, procuram estabelecer habitos de conduta. Parte-se da idéia de que para um turista, por exemplo, nao tém importancia alguma as normas gramaticais de uma lingua, se ele nao capaz de compreender as frases mais simples de um empregado de hotel. De forma que os ‘exercicios basicos S80 0 resultado do que se conhece como “enfoque de tarefas", ou seja, procuram que 0 aluno aprenda a preencher um impresso, fazer a reserva de uma passagem aérea ou de um quarto num hotel, encontrar um enderego, etc. Se compararmos esta proposta com a Gramatica de Nebrija, da qual falamos anteriormente, veremos que a diferenga fundamental é que esta obra ¢ uma referéncia para escritores e professores. E nesta altura quero recordar que, num nivel avancado de portugués (ou espanhol), e com alunos de lingua materna espanhola (ou portuguesa) de uma Faculdade de Letras, por ‘exemplo, estariamos perante um puiblico semelhante a0 que naquela época se servia da Gramatica de Nebrija, ou seja, professores, ou futuros professores e tradutores. Em suma, 0 método gramatical sustenta-se na racionalizaco, na abstracdo e sistematizagao do saber sobre a lingua; 6, portanto, um meétodo normativo © dedutivo, que quadra nos postulados e praticas do ensino escolar e universitario. Por seu lado, o método conversacional-comunicativo ou direto, reivindica uma volta a natureza, a experiéncia primeira do ser humano quando aprendeu a lingua materna: trata-se de um método indutivo que possibilita a fungao comunicativa e a fluidez no uso da lingua. A simulagao desta pratica pode dar étimos resultados com alunos que procuram a simples comunicagao numa lingua estrangeira, como turistas, colegas de um Ambito professional internacional, ou emigrantes a procura de melhores condigées de trabalho. Mas, estudantes de LingUifstica, ou alunos de nivel superior, que tem adquirido em certos casos profundos conhecimentos sobre gramatica, do esto em situacao de voltar a esse estado de lingua virginal, e devem ter como objetivo a perfeigdo no uso da lingua que esto aprendendo. Trata-se de escolher entre a via mecanica ou a via reflexiva. Penso que os futuros professores e tradutores, sem abandonar completamente outros métodos, devem escolher 0 caminho do estudo detalhado da gramatica, comparando as duas linguas de que se trate, o que significa optar por um "método contrastivo". Porque, ainda que todos os métodos usem técnicas adequadas para atingir seus objetivos, @ claro que nem todas as técnicas sao igualmente uteis para todas as metodologias. Fica, portanto, definido 0 “método” como uma série de elementos linguisticos selecionados conforme uma base tebrica, que constituiro os objefivos propostos de ‘ensinolaprendizagem, e um conjunto de técnicas adequadas para atingir esses objetivos. A partir de aqui, tenciono tratar do método contrastive com certo detalhe. Com efeito, vimos anteriomente que, numa sala de aula na qual predomina a mistura de nacionalidades, preciso renunciar aos detalhes em favor do interesse comum; mas, utilizado no ensino do portugues para hispanofalantes de nivel avancado (ou viceversa), 0 recurso a lingUistica contrastiva entre duas linguas da resultados muito bons em ambas as diregdes. Em verdade, do se trata de um método definido especificamente. Seria melhor dizer que, quando 16/07/2008 0:57 4 de http://www. geocities,com/ail_br/ometodocontrastivoeapratica htm?20081¢ aludimos a0 método contrastivo, estamos falando de umas praticas de ensino que se fundamentam na comparagao de duas linguas, como sao a teflexdo comparativa de determinados aspectos gramaticais, e a tradugo direta e inversa, préticas que, de fato, evidenciam a existéncia de semelhancas e diferengas. Outras metodologias usam também eventualmente este tipo de exercicios. Ja no século XVI, algumas gramaticas para estrangeiros incluiam exemplos para ilustrar 0 uso da lingua baseados na comparagao com outros idiomas, como acontece entre o espanhol e o toscano na obra Osservationi de fa lingua castigliana, de Juan de Miranda, publicada em 1566. E vimos anteriormente que 0 método estrutural ou audio-oral também se servia por vezes da comparagao; bem como o método comunicativo, que considera, entre outras aplicagbes mais caracteristicas da sua teoria metodolégica, a identificagéo de problemas especificos comparando a lingua que se ‘esta ensinando com a propria dos alunos. O recurso a procedimentos filologicos e a tradugao direta e inversa, ¢, porém, especifico do método contraastivo, e & evitado pelos métodos ‘comunicativos puros e funcionais; bem como o facto de oferecer uma selegao de textos literdrios, para serem adoptados como modelo na aprendizagem e com a finalidade da tradugao. ‘© método conhecido como "doble traducéio" foi muito célebre devido a um autor inglés, Roger ‘Aschman, @ sua obra The Schoolmaster, publicada em 1570. A doble tradugdo, que consiste ‘em traduzir 0 original e, posteriormente, traduzir o resultado, visa um dominio do idioma que eta procurado por grupos especificos no século XVI. As elites aristocraticas divertiam-se com a aprendizagem requintada da lingua (delicate Jearning), mais interessadas na beleza formal do que na esencia das palavras. O principal interesse era, portanto, o uso correto da lingua conforme prescreve a gramatica, ¢ a leitura e traducdo de autores classicos. Dois objetivos que nao sao desprezaveis, embora nao deveriam ser os tnicos. Outro modelo importante do método contrastivo na hist6ria do ensino de linguas estrangeiras, que aqui nos interessa porque se adapta em certa maneira a tese proposta, foi a obra de José Gonzalez Torres de Navarra, Ensayo practico de simplificar el estudio de las lenguas escritas, de 1798. O manual é constituido por uma parte de Gramatica comparada, na qual estabelece contraste gramatical entre o inglés e o espanhol, e outra de exemplos de tradugées “literais". Os exercicios baseiam-se na tradugéo e comparacdo de linguas e nos ‘comentarios sobre problemas suscitados em volta da tradugao. O autor, ciente da polémica provocada entre defensores e detractores de um ou outro método, afirma que cada métedo hé-de ser diferente para atingir fins diferentes: @/ fin con el que aprendemps idiomas varia en cada sujeto y en cada ocasién; pues de uno deseamos entender los libros; de otro deseamos entender a las personas que le hablan; y de alguno tal vez ... también hablarle y escribirle como ellos. John Locke, que nao foi linglista nem gramatico, mas foi pedagogo, além do filésofo influente ‘que conhecemos, afirma na sua obra Some thoughts concerning education (1693): Concedo que la gramética de una lengua debe ser estudiada cuidadosamente en algunas cocasiones, pero sélo por adultos, cuando se trata de lograr una comprensién critica de la misma, que no es sino lo propio de los estudiosos y profesionales. Ed Y sila gramatica debe ser ensefiada, deberia serlo a quien ya habla la lengua. ¢Cémo, si no, puede serle enseftada la gramética? Inserido ret nmesmea lendéneia encontra-se G. Langerischeill, que publicou urn rivarual erm 1883 para o ensino do francés para alemées. O autor fundou sua propria editorial, que ainda hoje subsiste. Numa época em que os manuais inspirados no uso quotidiano da lingua e no "método natural" ou "direto" estavam em total expanséo, ele afirma que: "el conocimiento claro y la seguridad en la expresién escrita sélo se logra con la gramatica’. Seu livro 6 dirigido a adultos, e também se fundamenta na traducéo e no isolamento de 16/07/2008 0:57 5 de http://www. geocities,com/ail_br/ometodocontrastivoeapratica htm?20081¢ problemas concretos. Em vez de incluir capitulos organizados sobre quest6es gramaticais especificas, é a pratica da traducao que determina o estudo de dificuldades especificas que vo surgindo. Como concluséo, direi que, a defesa que faco aqui do método gramatical-contrastivo, deriva da convicgo de que a aprendizagem do espanhol e do portugués de parte de alunos adultos luso e hispanofalantes, respectivamente, que j@ adquiriram um nivel avancado e que ainda desejam melhorar, deve ser sempre uma aprendizagem consciente. E n&o sé pela evidéncia de que 0 aluno conserva methor na meméria 0 que descubriu de forma consciente, também porque o adulto é habituado a servir-se da razo e aprender razoando. Trata-se, alias, de um método que funciona quando o grupo de alunos é selecto, ou seja, com pessoas que cultivam valores intelectuais @ so interessadas pela corre¢ao. Uma parte importante do trabalho do professor consistiré, portanto, em corregir erros. Mas isto néo significa, porém, que se deva adoptar a idéia tradicional de que, numa aula de método gramatical, 0 professor é 0 protagonista absoluto, enquanto 0 aluno, que so deveria memorizar regras gramaticais e listas de vocabulério, devém um simples receptor. O processo metodolégico que eu proponho visa que o aluno obtenha conclus6es sobre 0 funcionamento da lingua que esté aprendendo e compare os resultados com a lingua dele. Alguns dos exercicios fundamentais para atingir esse objectivo sao a analise e a traducao de textos literdrios. E n&o sé para conseguir objectivos gramaticais e de compreensso; fambém porque ajudam o aluno a atingir o gosto pela leitura e a conhecer um mundo cultural determinado, além de se autoafirmar nos niveis morfosintatico, léxico e seméntico da segunda lingua. O professor, por seu lado, deve elaborar atividades que coloquem o aluno no caminho adequado, tanto para descobrir as regras que determinam o funcionamento da lingua quanto o estilo singular do texto, o que significa a organizagéo prévia dos elementos linguisticos que deverso ser estudados. Por iitimo, este tipo de prética deve ser entendida também como uma necessidade de que 0s trabalhos de traducéo literéria sejam uma labor séria e profissional, respeitem o contetido € a forma da obra original, e evitem a improvisacao. ‘Apés esta breve introducéo sobre a histéria dos diferentes métodos de ensino de linguas estrangeiras, @ conhecidas as bases da proposta que aqui é apresentada, quero fazer algumas reflexdes prévias sobre as peculiaridades do processo de ensino/aprendizagem da lingua portuguesa ou espanhola de parte de alunos hispano ou lusofalantes. sabido que @ proximidade linguistica do portugues © 0 espanhol faz com que muitos falantes de cada uma destas linguas empreendam o estudo da outra com uma confianga excessiva, considerando mais as similitudes do que as diferencas. Enquanto um estudante de lingua nativa mais distante estaria muito prevenido para as peculiaridades fonéticas, sintéticas @ seménticas da lingua que esta aprendendo, 0 aluno hispano ou lusofalante deixa-se levar pelas interferéncias da sua propria lingua, o que faz com que difcilmente 0 portugués de um hispanofalante, e ao contrério, dé a impresséo de autenticidade. Partindo da nocéo de interferéncia que Rafael E. Hoyos-Andrade expunha no | Seminario de Dificultades Especificas para la Ensefianza del Espafiol a lusohablantes, sabemos que existem interferéncias de natureza "estrutural" © “habitual’, constituindo estas ultimas sistemas de habitos automatizados e internalizados. O caso mais claro de interferéncia é a escolha de palavras e estruturas da propria lingua para serem incluidas sem modificag&o, ‘ou com uma leve mudanca, em estruturas da lingua que se esté aprendendo, o que s6 pode ser combatido pela insisténcia do protessor, para que o aluno atinja uma boa competéncia lingdistica em portugués ou espanhol e se sirva de um registo culto de lingua. Para fazer entender aos hispanofalantes que aprendem portugués, € viceversa, a importéncia de interiorizer as diferencas fonéticas, sintéticas e seménticas entre o portugués 16/07/2008 0:57 6 de http://www. geocities,com/ail_br/ometodocontrastivoeapratica htm?20081¢ ‘© 0 espanhol, vou expor algumas situagées linguisticas em que se produzem a maior parte das interferéncias. No plano fonético-fonolégico, & preciso salientar a dificuldade dos hispanofalantes para pronunciar 0 -s- intervocalico como som linguo-dental fricativo sonoro [2], 4 que se trata da realizagéo de um fonema inexistente em espanhol. A importéncia de pronunciar corretamente este som é obvia, devido a que em portugués existe uma oposicéo fonolégica entre /z/ e 0 fonema surdo que Ihe corresponde, /S/, O mesmo acontece com o som lébio-dental fricativo sonoro [v], que também néo existe em espanhol como fonema, uma vez que a grafia "v" tem idéntica realizacéo fonética que 0 "b", e ndo existe portanto ‘oposicao fonolégica. O professor deveria insistir igualmente na prontincia de vogais abertas, fechadas, semiabertas e semifechadas, bem como nas nasalizagdes, fendmenos totalmente estranhos para os falantes de lingua materna espanhola. No que se refere a0 aspecto morfolégico, os alunos tém com frequéncia interferéncias devidas 4 confuséo do género de determinadas palavras, e ao fato de 0 uso do género neutro em espanhol néo ter uma equivaléncia total no portugués, lingua que mostra uma menor tendéncia para este tipo de abstracdo sintetizada. No ambito verbal, a maior frequéncia de verbos pronominais em espanhol (quedarse, creerse, venirse, etc.) faz com que se dém erros do tipo *"Venha-se/Se vem comigo ao cinema". Os advérbios, as preposi¢des e conjungées, por seu lado, apresentam poucas dificuldades derivadas de Peculiaridades morfologicas, mas séo motivo constante de interferéncias decorrentes da diferente distribuicéo contextual. A conjunc "nao obstante" existe em espanhol (no obstante), mas nem sempre coincide no significado com a portuguesa, e deve ser traduzida or a pesar de, que pode significar, conforme os contextos, "porém”. Todavia, em espanhol, 6 “ainda”, s6 que “ainda” pode significar também, em determinados contextos, “allas" ou "além disso", de maneira que, nestes casos, deve ser traduzida em espanhol por ademas. A palavra "apenas" existe também em espanhol como advérbio, e 6 muito frequente ‘encontré-la traduzida literalmente quando, em geral, néo significa "s6" mas "quase no" de fato, a tradugo em espanhol de O rio triste, de Fernando Namora, proporciona numa determinada altura um caso interesante de significado contrério, ao traduzir 0 enunciado "sou um leviano de pequenas aventuras. E nelas entra apenas o sexo", ou seja, sé 0 sexo, por "me encantan las pequefias aventuras, y en ellas apenas entra el sexo", ou seja, quase néo entra o sexo. No plano sintatico 6 preciso elaborar exercicios especificos sobre o emprego ou auséncia db artigo, colocaco dos pronomes, e sobre complementos diretos de pessoa, por exemplo, que em espanhol so antecedidos da preposicao a, de forma que o hispanofalante que nao seja consciente desta peculiaridade sintética do espanhol (que por sua vez produz os fenémenos de leismo e laismo) vai introduzir nessa situacéio um a que, no caso do nome préprio masculino, pode resultar bastante esquisito: um hispanofalante, num nivel basico da aprendizagem da lingua portuguesa, diré *"Encontrei a Pedro no 6nibus". A sintaxe verbal apresenta problemas com 0 pretérito perfeito simples e 0 composto, que néo séo equivalentes em portugués ao pretérito perfecto simple e pretérito perfecto compuesto do espanhol. Por outro lado, 0 futuro do subjuntivo, que em espanol deixou de ser usado numa fase determinada da evolucao lingdistica (hoje sé permanece na linguagem juridica e em certos ditos populares que ficaram fossilizados) seré motivo de evidentes dificuldades para 0 aluno estrangeiro. O erro mais frequente neste sentido sera a transposico da frase "Se eu tiver muito dinheiro néo ira trabalhar" para "Se eu tivesse muito dinheiro .."; no se trata neste caso de um erro gramatical, mas o significado de probabilidade se transforma em impossibilidade. O enunciado “Quando eu tiver tempo casarei" sera provavelmente “traduzido" por "Quando tenha tempo ...". 0 uso do modo subjuntivo apresenta outras diferencas na comparagéo; por exemplo, numa oragéio subordinada condicional que depende de um verbo principal no passado, 0 sentido de possibilidade improvavel de um fato acontecer no futuro s6 pode ser exprimido em espanhol com imperteito de indicative (entende-se que a possibilidade no existe mais), enquanto que em portugués se deve usar © modo subjuntive ("Pensou que se continuasse falando acabaria por confessar tudo” 16/07/2008 0:57 7 de http://www. geocities,com/ail_br/ometodocontrastivoeapratica htm?20081¢ corresponde em espanho! a "Pens6 que si continuaba hablando ..."). Por outro lado, a inexisténcia na lingua espanhola do infinitive flexionado ou pessoal sera também motivo de confusdo, até porque o uso de oragées do infinitive 6 muito mais frequente em portugués do que em espanol. No aspecto seméntico encontramos 0 problema dos chamados "falsos amigos", que constituem uma dificuldade para estudantes ¢ tradutores. Quando o estudante hispano se ‘encontra na primeira fase da aprendizagem do portugués, diré "alargar” quando quer dizer "alongar’, “articulo” em vez de "artigo", “borrar" por "apagar’, "casco" por “capacete”, "contestar” por "responder" ou “atender", "desenvolver" por "desembrulhar", "distinto” por "diferente", “oficina” por "escritorio", @ “esquisito” em vez de "gostoso" ou “requintado”. A confusdo, porém, quando chegamos a um nivel de maior sutilidade, pode atingir o ambito da traducdo de obras literérias. Como exemplo dos problemas que o tratamento pouco profissional de ambas as linguas pode causar, podemos citar alguns casos de traduges encontrados ao comparar vers6es espanholas de romances em portugués e viceversa. Nao se trata, portanto, de uma reflex8o sobre teoria da traducéo, mas simplesmente de uma aproximagao a questées sobre traduzibilidade. Numa tradugéo espanhola de um romance do escritor portugués José Cardoso Pires (Balada da praia dos cées) encontramos que ha "vasos y cajones” de flores nas janelas (tradugéo de "vasos e caixotes"), em vez de "jardineras y tiestos", que seria a traducéo correta em espanhol peninsular; que os “comprides dedos abertos" das patas traseiras de um lagarto adotam na verséio espanhola uma posicSo impossivel: ao traduzir “compridos” (em espanhol "largos") por “comprimidos” (cujo significado é igual ao portugués), no se entende como podem, ao mesmo tempo, estar os ditos dedos abertos e fechados. Isto 36 para ndo entrar em pormenores sobre escolhas estilisticas ("la mujer de las tetas al aire” -expresséo bastante grossa em espanhol para traduzir "a mulher dos seios nus"). Infelizmente, néo se trata de um caso isolado, A traducéo espanhola de Vidas secas, de Graciliano Ramos, n&o s6 introduz desnecessérias mudancas de sentido, como também proporciona inexplicéveis exemplos de uma interpretacéo errada do texto original: o tradutor entendeu "perto” como participio de "perder’, e traduz “estavam perto" ("cerca", em espanhol) por "se hablan perdido": e interpretou o verbo "chegar” (que no texto tem o significado de "bastar’, “ser suficiente") como "dar entrada” ou “aproximar-se". No &mbito da traducéo de obras espanholas para portugués, encontramos que na edicéo portuguesa de El invierno en Lisboa, de Antonio Mufioz Molina, a locugéo modal "a su aire" (que significa “alheio a tudo") é traduzida por ’com o seu ar’, e “mas bien" é as vezes interpretado como "mas" e outras como “muito”, quando o significado é “antes”, "contrariamente". Por tiltimo, nenhuma das duas vers6es em portugués (uma brasileira € outra portuguesa) do romance Corazén tan blanco, de Javier Marias, consegue transmitir a verdadeira reac&o emocional de um pai perante 0 corpo ensanguentado da filha morta: para a afirmacéo do narrador "se sintis espantado" foram escolhides os termos "espantado”, na verséo brasileira (que constitui um falso amigo evidente; significa sorprendido em espanhol), e "admirado", na portuguesa, que ficam muito longe da sensacdo de angiistia e pavor da personagem nessa terrivel situac&o. A pratica da traduc&o, bem como o ensino de linguas estrangeiras, 6 a base para o conhecimento de culturas diferentes e para as relacdes internacionais em todos os niveis. Dai a importancia de os alunos universitérios, que seréo futuros professores de portugués ‘ou espanhol, ou tradutores espanhol-portugués, estarem conscientes da necessidade da especializacéo @ do estudo rigoroso tanto da propria lingua quanto da que estéo aprendendo. Octavio Paz refiectiu sobre 0 mito da torre de Babel como fenémeno de felicidade e no de castigo, 20 afirmar que “ni la pluralidad de las lenguas ni la singularidad de Jas obras significa heterogeneidad irreductible o confusién sino lo contrario: un mundo de relaciones hecho de contradicciones y correspondencias, uniones y separaciones". Espero que estas “uniones y separaciones" entre 0 portugués e 0 espanhol sejam no futuro consideradas, de maneira que ambas as linguas sejam valoradas no émbito internacional 16/07/2008 0:57 8 de /http:/Awww.geocities.com/ail_br/ometodocontrastivoeapratica htm?20081¢ Bibliografia consultada, Alarcos Llorach, E., Gramética de la lengua espaiola, Madrid, Espasa Calpe, 1995, Canellas de Castro Duarte, Denis M., "El espafiol y el portugués como lenguas universales: discrepancias e interferencias desde la similitud radical y aparente", I Seminario de Dificultades para Ja Ensofanza del Espaiiol a Lusohablantes, Sao Paulo, Embatxaca de Kepanha no Brasil, 1993, G nez Torrego, Leonardo, Gramética didctica del espattol, Madrid, SM, 1998. Hoyos-Andrade, Rafael E., "Las interferencias fonético-fonolégicas del portugués en el espaitol de estudiantes brasilefios", I Seminario de Dificultades para la Enseftanza del Espaitol a Lusohablantes, Sao Paulo, Embaixada de Espanha no Brasil, 1993. 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