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Carta VII ‘Texto estabelecido e anotado por JOHN BURNET Introdugao de TERENCE H. IRWIN Traducao do grego c notas de EDITORA JOSE TRINDADE SANTOS PU } e : no eee | JUVINO MAIAJR. CARTA VII - PLATAO Platao aos familiares e companheiros' de Dion. Passai bem. Mandastes-me dizer que se deve ter em conta que 0 vosso pensamento é 0 mesmo que tinha também Dion, e nessa altura exortaveis também a mim a colaborar, quanto eu pudesse, tanto em obra como em palavra. Quanto a mim, se tendes opiniao e desejo iguais aos dele, concordo haver de colaborar, mas se nao tendes, terei de refletir maduramente. O que ele pensava e queria? Eu poderia dizé-lo nao imaginando mais ou menos, mas claramente, como quem sabe. Pois, quando fui a Siracusa pela primeira vez, tendo apro- ximadamente quarenta anos, Dion tinha a idade que agora Hi- parinos? tem, e a opiniao que entdo tinha, essa mesma também continuou tendo: achava ser preciso que os siracusanos fossem livres, que administrassem de acordo com as melhores leis; nao é de admirar se algum deus os fizesse estar de acordo em relacao a mesma opinido sobre o governo. De que modo nasceu ela? Nao sera indigno ouvi-la, sendo jovem ou nAo; vou tentar, do princi- pio, explic4-la a vés. Pois os fatos presentes dao ensejo a isso. Quando eu era jovem, senti o mesmo que muitos: pensei, mal me tornasse senhor de mim mesmo, ir direto a politica. E eis como alguns eventos das coisas politicas me atingiram. Como 0 governo era detestado por muitos, ! No século IV, 0 termo I oikeios “familiar” indica uma relagao dos que habi- tam um mesmo ofkos “casa”, como os que fazem parte da Academia de Pla- to; hetatros “companheiro” indica uma relacao de pessoas que tem o mesmo objetivo e estdo a servico de um lider. 2 Hiparinos Il: filho de Dionisio I, sobrinho de Dion. Em 387, Dion deveria ter mais ou menos 21 anos. O pai € 0 filho de Dion também se chamavam Hiparinos. 47 nasceu uma revolugio’, e da revolugao foram propostos alguns homens como magistrados, cinqiienta e um, onze na cidade alta, dez no Pireu — cada um dos dois grupos deveria dirigir a assem- bléia popular nas cidades ~ e, de todos, estabeleceram trinta ma- gistrados com plenos poderes. Destes, alguns que me eram por acaso familiares e conhecidos logo me convidaram para também participar dos trabalhos que me convinham. E eu nao senti que fosse coisa espantosa, devido 4 minha juventude. Pois, pensei que haveriam mesmo de dirigir conduzindo a cidade de uma vida injusta para um modo justo; por isso, prestei atengao ao que fariam, E logo vi que esses homens em pouco tempo mostraram que a antiga constituicao era como de ouro. - Além disso, um amigo meu, mais velho, Sécrates, que eu certamente ndo me envergo- nharia de dizer ser entdo o mais justo de todos, mandaram-no com outros contra um dos cidadaos, conduzindo-o a forca para a morte, a fim de que fosse cumplice dos negécios deles, queren- do ou nao. Mas ele nao se deixou persuadir e arriscou-se a su- portar tudo, em vez de se tornar cumplice deles em atos impios'. ~ Considerando entao todas essas coisas e ainda outras tais nao pequenas, desgostei-me ¢ afastei-me dos males de entao. Em nao muito tempo, cairam os trinta e todo o governo des- sa época; de novo, mas mais lentamente, arrastava-me o desejo de administrar a coisa publica e o governo. De fato, havia também nessas agitagdes muita coisa aconte- cendo com a qual alguém poderia se desgostar, e nao era de es- pantar que nessas revolucdes acontecessem vingangas pessoais. Contudo, os que entao chegaram usaram de muita eqiiidade. Mas calhou que alguns que detinham o poder levassem ao tribunal esse nosso companheiro, Sécrates, > Revolugao contra a “tirania dos trinta’, que marcou a vitéria de Esparta sobre Atenas, na Guerra do Peloponeso (404 a. C.). * Apologia de Sécrates 32 c. 49 langando a mais injusta acusagao, que se aplicava menos do que tudo a ele. Pois, uns acusaram-no como impio, outros conde- naram e mataram este que nao quis participar de uma impia condugao ao tribunal de um dos amigos deles, entao exilado, quando, exilados eles préprios, tinham caido em desgraca. A mim, que observava essas coisas e os homens que faziam politica, quanto mais examinava as leis e os costumes e avancava em idade, tanto mais me parecia dificil ser correto 0 dedicar-me a politica. Pois, sem amigos e companheiros fiéis, nao é possivel agir. - Ora, nao era facil achar quem tomasse a iniciativa, uma vez que nossa cidade no era administrada mais nos costumes e usos dos ancestrais, e nao era possivel conseguir com facilidade outros novos amigos e companheiros. — A corrup¢do dos artigos das leis e dos costumes alastrava tao espantosamente, que eu, que de inicio estava pleno de {mpeto para realizar 0 bem comum, olhando para eles e vendo-os sendo completamente levados de qualquer modo, acabei em vertigem. Nao deixei, contudo, de es- perar um momento adequado, se, na verdade, a situacao e todo © governo melhorassem, para ainda aproveitar qualquer ocasido de realizar o bem comum. Acabei por entender que todas as ci- dades de agora sio mal governadas, pois tém legislacdo quase in- curavel, e falta uma preparacdo extraordinaria aliada a fortuna. Fui obrigado a dizer, louvando a verdadeira filosofia, que a ela cabe discernir o politicamente justo em tudo dos individuos', e que a espécie dos homens nao renunciard aos males antes que a espécie dos que filosofam correta e verdadeiramente chegue ao poder politico, ou a espécie dos que tém soberania nas cidades, por alguma graca divina, filosofe realmente. Foi tendo isso em mente que cheguei A Itdlia e 4 Sicilia, *O politicamente justo refere-se 4 cidade, o individual, ao cidadao. 51 pela primeira vez. Tendo eu chegado, a ali chamada vida feliz, cheia das mesas italianas e siracusanas, nao me agradou de ne- nhum modo: viver sendo empanturrado duas vezes ao dia e nao adormecendo sé de noite’, e quantas ocupac6es se seguem a esse tipo de vida. A partir desses costumes, nao seria Possivel nenhum dos homens sob o céu em algum momento tornar-se sdbio, ocupando-se assim desde jovem — nao espanta que ne- nhuma natureza seja assim espantosamente equilibrada -, nem haveria de se tornar algum dia sensato; o mesmo podendo dizer- se de outras virtudes. E nenhuma cidade estard tranqiila segun- do as leis, quaisquer que fossem, enquanto os homens acharem que é preciso gastar tudo em excesso, considerando ainda ser preciso tornarem-se desocupados em tudo, salvo em banquetes e bebedeiras - e entregando-se seriamente aos prazeres do sexo, E necessdrio que essas cidades sejam tiranias, oligarquias e de- mocracias, mudando sem jamais cessar, sem que os soberanos nelas suportem ouvir 0 nome do governo justo e isénomo. Acrescentando isso ao que pensamos antes, encaminhei-me a Siracusa; talvez por fortuna. Pareceu, contudo, algo maquinado por algum poder superior afrontar o que agora esta acontecendo com Dion e Siracusa. E receio que algo de pior aconte¢a ainda, se nao atenderdes agora os conselhos que vos dou segunda vez’. Mas como é que eu digo que o Principio de tudo coincidiu com a minha chegada 4 Sicilia? Associando-me eu préprio a Dion entao jovem, apontando e aconselhando por palavras e atos as coisas que me pareciam ser melhores aos homens, receio nao ter-me dado conta de que ar- quitetava de algum modo, sem eu mesmo perceber, a dissolugao futura da tirania. Pois, Di yn, “Nas edigdes Loeb, Les Belles Lettres e Mondadori, a expressio grega “nunca dormindo sé de noite” contém a insinuagao sexual de “dormir acompanha- do® Parece que a ambigitidade do grego pode ser captada pelo portugues, deixando ao leitor a decisao se Platdo esta aludindo a uma pratica sexual ou a0 habito da sesta, ainda hoje freqiiente nos paises mediterraneos. 7 A primeira vez foi em Olimpia, em 360 a.C. Ver 350 d. 83 entre outras coisas, aprendeu bem as li¢des que dei e ele compre- endeu bem, como nenhum alguma vez dentre jovens que eu por acaso encontrei, e quis viver o restante da vida de modo diferen- te de muitos italianos e sicilianos, sendo mais dado a virtude do que ao prazer e a outras sensualidades. Dai, ter-se tornado mais insuportavel aos que vivem para o regime tiranico, até 4 morte de Dionisio’. Depois disso, Dion refletiu que nao so nele préprio tinha nascido esse pensamento, que adquirira da audi¢ao dos retos propésitos, e, observando, compreendeu que surgia também nos outros, ndo muitos, mas de fato em alguns, dentre os quais, com ajuda dos deuses, logo pensou que Dionisio fosse um. E, se assim fosse, que a vida dele e a dos outros siracusanos viria tornar-se imensamente feliz. Diante disso, achou que era preciso de todo modo que eu fosse quanto antes a Siracusa, para colaborar nessas coisas, lem- brando quao facilmente a nossa uniao tinha concorrido para que ele chegasse ao desejo da vida mais bela e melhor. E certamente agora, se isso acontecesse a Dionisio, como Dion empreendeu, haveria grandes esperancas, sem os massa- cres, mortes e males acontecidos até agora, de que se preparasse uma vida afortunada e verdadeira, em toda a regiao. Tendo Dion corretamente pensado isso, persuadiu Dionisio a chamar-me, ele mesmo mandando dizer-me que era preciso vir quanto antes, de todo modo, antes que alguns outros, que privavam com Dionisio, 0 desviassem do bem para outro modo de vida. Dizendo isto, era preciso, se bem que mais longamente, per- guntar: “Que ocasiées melhores esperaremos, além das que ago- ra se apresentaram, pela graca de deus?” E descreveu o governo da Italia e da Sicilia e seu proprio po- der nele, a juventude de Dionisio, contando como seria forte o desejo dele de filosofia e de educacao, "Dionisio 1, morto em 367, 55 € quanto os sobrinhos e familiares dele bem dispostos estariam para 0 tipo de vida e discurso que eu fizesse, sendo muitissimo capazes de ajudar Dionisio nessa tarefa. Assim, talvez agora, fos- se cumprida toda esperanga de fazer com que se tornassem os mesmos 05 filésofos € os governantes de grandes cidades. Essas e muitas outras eram as exorta¢Ges; mas eu tinha medo com relagao ao que podia acontecer aos mais jovens. Pois os de- sejos deles levam-nos rapidamente e muitas vezes a coisas con- trarias. Eu tinha conhecimento da alma de Dion, que era grave por natureza e de idade suficiente. Dai, considerei e hesitei sobre qual dos dois cursos seria preciso seguir: pér-me a caminho e aceitar, ou fazer o qué? Contudo, a balanca pendeu para o que havia a fazer. Pois, se algum dia alguém empreendesse levar a cabo o que foi pensado acerca das leis e do governo, agora mes- mo havia que tentar. Visto que, mesmo tendo persuadido o bas- tante um apenas, eu seria capaz de executar tudo de bom. Com este estado de espirito e armado de ousadia, parti de casa, nao como alguns imaginavam, mas envergonhando-me ao maximo de achar que era apenas capaz de um tinico discurso vazio, ndo empreendendo nenhuma aco, correndo o risco de primeiro trair a hospitalidade e o companheirismo de Dion, nos nao pequenos riscos em que realmente se encontraria. Se en- tao ele sofresse algo, por ter caido sob dominio de Dionisio e de outros inimigos, chegasse a nés fugindo e pedisse, dizendo: “O Plato, venho a ti, fugindo, nao precisando de hoplitas nem de cavaleiros, incapaz de afastar os inimigos, mas precisando de palavras e conselho, pelos quais muito bem sei que és capaz de incitar os jovens ao que é bom e justo, exortando cada um a ami- zade e companheirismo com os outros. “Por falta deles, por tua causa, agora deixo 87 Siracusa, e eis-me aqui. Mas trago-te a menor vergonha, a filo- sofia, que tu elogias sempre e dizes ser desonrada pelos restantes homens; ora, quanto nao terd sido traida por mim, enquanto em ti ficou? Se calhdssemos habitar em Mégara, virias certamente em meu auxilio, para o que eu te chamasse, ou te julgarias o mais vil de todos. E agora, entao, justificando-te com a distancia da via- gem e grandeza da navega¢ao e a fadiga, julgarias poder escapar a fama de pusilanimidade? Muito havia de faltar” Tendo sido dito isso, que decorosa resposta eu teria? Nenhu- ma. Fui entao, de acordo com o discurso da justica, quanto seja possivel para o homem, por tais coisas deixando minhas confe- réncias, que nao sao indecorosas, para ficar sob uma tirania que nao parecia convir nem aos meus propésitos, nem a mim. Fui € encomendei-me a Zeus Hospitaleiro, e agi de forma nao-censu- ravel, como um filésofo, que seria de reprovar, se em algo tivesse sido amolecido e, acovardando-me, viesse a envergonhar-se. Fui - pois ha que nao alongar ~ e encontrei tudo cheio de se- di¢do em torno de Dionisio e de calunias, segundo as quais Dion estaria contra o tirano. Defendi-o entéo quanto pude, embora fosse capaz de pouco; e, la pelo quarto més, acusando Dionisio a Dion de tramar contra a tirania, embarcou-o em uma pequena nau e o baniu desonrosamente. Depois disso, todos nés, amigos de Dion, tememos ser acu- sados de cimplices dele. A meu respeito, correu um boato em Siracusa: que eu teria sido morto por Dion{sio, como causador de tudo o que entao aconteceu. Este, percebendo-nos a todos disso parti, mas fui de novo, pois Dionisio mandava-me chamar insistentemente, Por que fiz eu isso, que parecia ser tao razoavel e justo a vos, @ quem antes aconselhei sobre o que hd a fazer dos fatos acon- tecidos neste momento? Depois discorrerei sobre isso aos que perguntam por que deliberadamente fui da segunda vez, para que 0 secundario nao se confunda com 0 principal. E pergunto entao isto: a0 que aconselha um homem enfermo e submetido @ um regime miseravel, o que é preciso primeiro mudar, para melhorar a satide, sendo a vida deste? E, querendo ele obedecer, 4 que outras coisas exortar? Se ele nao quiser obedecer, acho que um homem digno e um médico deve evitar a consulta de alguém assim, mas se persistir, serd 0 contrério: pusilanime e inabil. O mesmo acontece na ci- dade, quer tenha um sé senhor, quer tenha muitos: seguindo o governo moderadamente pela correta via, se acaso houver uma Consulta em relagao a algo de util, ¢ de bom senso aconselhar esses tais, Mas, se os cidadaos forem totalmente contrarios ao governo correto e de nenhum modo quiserem seguir suas pegadas e dis- serem claramente ao conselheiro que deixe estar 0 governo e nao mexer, ordenando que se submeta as suas vontades e desejos, de modo que tudo se torne muitissimo facil ¢ rpido o tempo todo, se alguém os aconselhar assim, esse, eu consideraria nao ser ho- mem, por se prestar a aconselhar. Pelo contrario, consideraria ser viril 0 que ndo se prestasse a isso. Estando convencido disto, caso alguém me consulte acerca de algo da maior importancia, acerca de sua propria vida, como de aquisi¢ao de bens, ou do cuidado do corpo ou da alma, caso ele me parega viver cada dia com certa constancia, 63 eu 0 aconselharia de boa vontade, e, com a consciéncia limpa, nao desistiria dele. Mas, caso nao me consulte de todo, ou seja evidente que de nenhum modo cuida de obedecer a mim que o aconselho, nao vou espontaneamente a esse tal, para aconselhar ou forcar, nem que fosse filho meu. A um escravo eu aconselharia e, caso nao quisesse, haveria de forga-lo. A um pai ou uma mie nao considero digno forcar, se nao estiverem dementes. Mas nao quereria viver uma vida imposta aos que a vivem, que agrade a eles, e nic a mim, nem ir- ritar-me em vao censurando-os ou adulando-os, para servi-los, maquinando inumeros desejos que eu mesmo nao abragasse. E € preciso que o sAbio viva assim em rela¢ao a prépria cida- de, considerando falar, caso nao lhe pare¢a ser bem governada, se houver que falar, nao sendo em vao, nem sendo morto, por fa- lar; e nao levar violéncia & patria, por mudanga de constituicao, quando nao for possivel torn4-la melhor, sem exilios e massacre, fazendo votos que tragam bens e tranqiiilidade a sie a cidade. Desse mesmo modo eu vos aconselharia, como também aconselhava Dionisio, de acordo com Don, primeiro, a viver cada dia de modo a que fosse senhor de si mesmo, 0 mais pos- sivel, e a adquirir fiéis amigos e companheiros, para nao sofrer © mesmo que 0 pai dele, que, tendo tomado muitas e grandes cidades da Sicilia, saqueadas pelos barbaros, nao foi capaz de, tendo reconstituido 0 governo em cada uma, tornar fiéis, nem Os companheiros, nem os estrangeiros de outras nacées, nem os irmaos, que, sendo mais jovens, ele criou, fazendo-os, de gente simples, governantes e, de pobres que eram, ricos. Dentre esses, 65 nao foi capaz, por persuasao, instru¢ao, beneficios ou parentes- cos, de fazer, por mais que se esforgasse, nenhum companheiro de governo; € tornou-se sete vezes inferior a Dario, que, tendo confiado nao em irmaos, nem nos criados Por ele, mas apenas naqueles que participaram da submissio do meda eunuco, di- vidiu o império em sete partes, cada uma maior do que toda a Sicilia, e servindo-se de companheiros fiéis que nao lhe faziam frente, nem a ele, nem uns aos outros, deu este exemplo: é pre- ciso 0 legislador e rei tornar-se 0 bem, pois preparou leis e até agora preservou o governo dos persas. Além disso, também os atenienses nao colonizaram eles mesmos muitas cidades dos helenos invadidas pelos barbaros, mas tomaram-nas habitadas. No entanto, mantiveram 0 poder Por setenta anos, porque conseguiram homens fiéis em cada uma delas. E Dionisio, tendo reunido toda a Sicilia em uma s6 cidade, sabio por nao confiar em ninguém, a custo foi salvo, pois era carente de homens amigos e fiéis, ja que nao ha maior sinal de virtude e vicio do que este: o ser carente ou nao de tais homens. Aconselhavamos isso a Dionisio, Dion e eu, pois por causa do pai dele as circunstancias tinham-se tornado assim para ele: nao familiar com a educagao, nem com as relagdes que convém. Primeiro, exortamo-lo a conseguir para si outros amigos, dentre os familiares, tanto coetaneos quanto concordes com a virtude; € exortamo-lo a que fizesse isso consigo mesmo, pois disso ele se tornara extraordinariamente necessitado. E disse isso de modo nao claro ~ pois nao era seguro-, mas por enigmas e lutando com as palavras, insistindo que se salvasse a si mesmo e aos que ele governasse, pois, nao sendo assim, sairia tudo ao contrario. Avangando como dissemos e agindo de modo racionale pru- dente, se colonizasse as cidades devastadas da Sicilia e coligasse 67 constituigdes e governos, de modo a haver entre eles uma frente comum contra as tropas dos barbaros, nao dobraria apenas o reino de seu pai, mas haveria de multiplica-lo, na verdade; pois, isso feito, estaria muito mais preparado Para escravizar os car- tagineses do que Gélon", que os escravizou. Mas nao foi isso que ora aconteceu, pois o seu pai foi forcado a pagar tributo aos barbaros. Era porque diziamos e aconselhavamos essas coisas que di- ziam que tramavamos contra Dionisio. E assim de toda parte corriam esses propésitos, de tal modo que, apoderando-se de Dionisio, provocaram 0 exilio de Dion e nos deixaram apavo- rados. Mas, para terminar nao poucos feitos em pouco tem; o, di- gamos que Dion voltou do Peloponeso e de Atenas e deu de fato uma li¢do a Dionisio. Entdo, depois que libertou e entregou, duas vezes, a cidade aos siracusanos, estes fizeram com Dion o mesmo que Dionisio tinha feito, quando Dion, tendo-o educado e criado como rei digno do governo, se associava a ele para toda a vida. Mas os que difamavam Dion, diziam que ele fazia tudo que fazia naquele tempo por conspirar contra a tirania. Queria que Dionisio, en- cantado, tendo a educa¢ao em mente, descuidasse do governoe © entregasse a ele, de modo a Dion usurpar e expulsar Dionisio do governo, por dolo. Essas caltinias ganharam os siracusanos uma segunda vez, por vitéria muito absurda e vergonhosa para Os que a conseguiram. Pois, € preciso que os que me chamam ougam o que acon- teceu em rela¢ao aos fatos de agora. Vim eu, homem ateniense, companheiro de Dion, aliado dele, ao tirano, para, em vez de guerra, fazer amizade. No entanto, lutando contra o$ caluniado- res, fui vencido. Dionisio quis convencer-me com honras e bens a ficar com ele, tornando-me testemunha e amigo dele, para mostrar a conveniéncia do exilio de Dion. "* Gélon sucedeu a Hipécrates, como tirano da Sicilia, e entio capturou Si- Facusa ¢ fé-la capital. A sua vitéria sobre os cartagineses foi celebrada por Siménides, em 480 a. C. 69

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