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Antonio Cartos Ropert Moraes Meio AMBIENTE E CiéNcIAS HUMANAS QUARTAEDICAO ‘SBD-FFLCH-USP Cc URL ae 20900036388 Centro de Dacumentagio e Tnformagto Polis Instituto de Bstndos, Formagio © Assessoria em Politieas Sociais M17 eres, Amonio Cas Robert ‘love Ciéaos Humans 4:6, Antonio ‘ca aoe Nes, So Pu: Anmblomes 208 16295108 x 18m sp 95-7419-5680 ___ folic Ambion 2, eno aa. 3, Deseavonea seat inti SH nie © Ce tio ae: CHBCINSHBAANAS Joan Amoto Fea, Protagto sinc. Feo ‘CONSELHO EDIORIAL Tn Peel Cail Norval akelo Jin Mado Ol Lied Sia Dias (Cols Mara Marne de Aner “Gonvo Renard Kesar ‘Mai de Law Sekt Ces de Ane Sais ecko Ja eg: semen de 2003 (© Antonio Cros Rober Necset ANNARLUMI adios. comming os Pate Ccvao, 225. Pats 1547.10). Sio Plo SP. Bret Tee Fa (01) 38126764 Teleenda 10319727 ese anmabiane com Prefécio da Quarta Edigdo (Ampliada) Apresentagiio Condicionantes do Planejamento no Brasil: ‘Uma Pontuagao Genética das Dificuldades para a‘Gestio Ambiental Interdisciplinaridade e Gestdo Ambiental PatrimOnio Natural, ‘Teritirio e Soberania Pundaments Bpistomoligioos para o Esto do Meio Ambiente Meio Ambiente, Sociedade, Estado, e Universidade) Bases Bpistomoldgieas da Questio Ambiental: O Melo > 35 45 37 67 Ia Meri, Antonin Coe Rott ‘No ete beac mans. 2 a, Astonia (Cao Rae Res. So Palo: Anuablune, 205 16995105 x 18m ISHN 5.741908. | Pin Anica Holga Hunan 3. Desmelinen ‘suet 4 aes Urban 3 Meso Ante 6 nl Fanaa Ti. couseaas epbs0131 MIO ANDIENTEECIENCIASHIUMANAS Cound eerie Aoi Aron Mere Prego Livin €.t. Poot yaingia coNsHLHO ROFTORIAL "a Petit Cae Nerval Balto Henke Movs Oia Si Dae Cela Mara Marto de Azevedo havo ered Kee ‘Mar Laude Seb clin de Ns Sale lg: stent de 2005, © Aaoso Cato Raten Maes ANNABLOMEediorcoranicaco Rus Pai Cacrato, 275. Piaees (0527-100. So Palo, SP, Dos Te fan (01) 3812-6764 — Teles 10919727 Iapuon ana cme Prefécio da Quarta Edigio (Ampliada) ‘Apresentagio 1. Condicionantes do Planejamento no Brasil ‘Uma Pontuagao Genética das Dificuldades para a Gestfio Ambiental 2. Imerdisciplinaridade ¢ Gestto Ambiental 3. PairimOnio Natural, Testitério e Sobesania’: 4. Fundamentos Epistemolégicos para o Estudo do Meio Ambiente ( / 5. Meio Ambiente, Sociedade, Estado, Universidade 6 Bases Epistemol6gicas da Questo Ambiental: Método 5 3 29 35 37 or 7 a Temética Ambiental nas Cigncias Sociais 81 8 Valor, Natureza e Patriménio Natural sor 9 Ordenamento Testitorial: Uma Coneceituagio para o planejamento estratégico 139 10 Isolamento, Planejamento e Participagio 149 PREFACIO DA QUARTA EDICAO (AMPLIADA) Publicado ha mais de dez anos, © presente livio~a0 contririo do meu otimismo quanto a0 avango da discussio te6rica na érea do planejamento ambiental ambiental (expressa na apresentagdo da primeira edigao. ~ ainda suscita polémicas e discussdes. A forga do naturalismo e do tecnicismo no trato do tema ainda 6 grande, sendo responsdvel pela recorréncia de tais, posturas em programas de gestéo contemporaneos. Tal fato anima a publicagio dessa nova edicio, na qual inteoducimos ts novos artigos afeitos & matéria tratada, cescritos em tempos mais recente, O primeiro —"*Valor, Naturezae PatrimOnio Natural” constituiu um capitulo de minha tese de Livre Docéncia (defendida em 2000, no Departamento de Geografia da USP) ¢ foi originalmente publicado no niimero 28 dla revista Ciéncia & Ambiente (Universidade de Santa Matia, 2004) (© segundo ~ “Ordenamento Territorial: Uma conceituago pata o planejamento estratégico” ~ foi apresentado na Oficina sobre a Politica Nacional de Ordlenamento Territorial, organizada pelo Ministério da It FUNDAMENTOS EPISTEMOLOGICOS PARA O ESTUDO DO MEIO AMBIENTE Nam primeita momento, os estudos sobre a temd tica ambiental emergiram num plano bastante técnico e 86 ans poucos se foi afirmando a necessidade de aprofun dlar a teflexio metodotogica e epistemolégica. As caré clas so muitas © seria impossivel nesta mesa-redonda sequer enuncid-las de forma exaustiva, Assins, me fim rei a comentar alguns aspectas do tema com base funcla- mentalmente nos debates que tenho aeompanhado nos seminéios nacionais sobre universidace € meio ambiente. iente 0 resgate da cen Uwalidade e da importéncia da epistemologia no trabalho cienttfico. O avango em qualquer drea do conhecimento demanda um acompanhamento epistemolSgico constan- te. Alguns pensam, ertoneamente, que ela atuatia apenas ‘na montagem de uma investigagio e depois sairia de 1p0. Tocavia, no & isso que ocorre, pois, a todo mo- mento, o trabalho cientifico requer uma atuaglo de cu ho epistemeldgica, nao apenas no momento inicial de circunscvever 0 campo de pesquisa, de desenhat um ob Jetivo teérico para a investigagio, de definir uma meta 4 que se quer chegar com aquela Jibute empitica. Tal 45 4 FUNDAMENTOS, EPISTEMOLOGICOS PARA O ESTUDO DO MEIO AMBIENT! Num primeiro momento, os estudos sobte a tem ica ambiental emergiran num plano bastante t6enico & 86 0s poutcos se foi afirmando a necessidade de aprofun- dar a reflexio metodoldgica e epistemolégica, As carén- clas siio muitas © seria impossivel nesta mesa-redonda ssequer enuncid-las de forma exaustiva, Assim, me limita- rei a comentar alguns aspactos do tema com base funda- mentalmente nos debates que tenho acompanhado nos seminairios nacionais sobre universidade e meio ambiente. © primeiro ponto € exatamente o resgate da ce Ualidade e da importincia da epistemologin no trabalho ciemtfico. O avango em qualquer area do conhecimento demands um acompanhamento epistemol6gico constan- te, Alguns pensim, etroncamente, que ela atuaria apenas ‘na montagem de uma investigayio e depois sairia de campo. Toda, nfo € isso que ocorre, pois, a todo mo- mento, 0 trabalho cientifico requer uma atuagio de cu nnho epistemolégico, nfo apenas no momento inicial de citcunserever 0 campo de pesquiss, de desenhat um ob Jetivo teérico para a investigagio, de definir uma meta @ que se quer chegar com aqueta labuta empirica, ‘Tal 45 taref inicial & sem dGvida, muito importante no (ato ‘de uma questo nova, como a problemética ambiental, fpredia aos paradigas tradicionais. Mas 0 trabalho epis- temoldgico vai além. F através dele que estamos con tinuamente checando os enunciados gerados mum campo de conhecimento, aferindo 08 instrumentos analiticos {quo temos e avaliando 08 resultados obtids. Entim, € a epistemologia que permite agregar os novos conhec- tmentos que o desenvolvimento da pesquisa vai trazendo. Isto €, quem faz o balango critica das novas téenicas, dos novos paradiginas, das novas tcofias, & exatamente fesse acompanhamnento epistemal6gice. TBem, se isso é vélido para qualquer dominio dé ciéneia, adquire mais destaque quando se aborda uma firea nova que, como jf dissemos, Mio se encaixa tran diilamente- nos paradigmas tradicionaiss uma drea om {que, do poato dle vista teérice, ainda estamos tate. ‘Rasim, wo trato de questio ambiental, as tarefas episte- idlogicas possuem importancia émpar. Radertamos lis- tar rapidamente algumas dessas aplicagoes. Por exemplo, no deslindamento ontaldgico desse campo de investiga ‘io, colocando a pergunta: de que ser estamos falando? Testa pergunta no esté respondida, pois geralmente partimos ce pesquisas disciplinérias e chegamos a um Fniverso interdisciplinar difuso, cuja celimitagtio onto~ iigica aio esta feita. Isto €, earecemos de uma identi Ficagdo clara e precisa de nosso universo de endise: quer dizer, uma localizagao filosdfica dos fonémenos € rela- ges que buscames na investigagio empirica. Este é um primeiro front do trabalho epistemoldgico na sea. ‘Uma segunda tavefa seria a reflexio diretamente metodolégica, Saimos do questionamento sobre 0 que trabalhamos © passamos pata a abordagem do como ttt bathamos, Este ponto tratamos em maior detalhe num trabalho de 1987 ("Bases Bpistemolégicas da Questio 46 Ambiental: O Método”, texto n9 6 deste livto), que bus- Wy mostrar as carénias existentes nesse plana. Sabe- ‘mos que ha uma grande diversidade de métodos nas cigneias contemporineas, cada um trazendo formas pr prias de abordar & realidade, com visbes distintas averea da naturoza, acerea da sociedade ¢ acerca da relagio 80- Ciedacle-natureza. No hé apenas um método na ciénciay urge entender as possibilidades de cada umn no equs tionamento da tematica ambiental. Aqui se localiza este segundo front: na pesquisa metodoldgica ‘Uin terceiro front fiea evidente quando se obser- vam 08 féruns coletivos de discussdo dos pesquisadores hha area de meio ambiente. Af vive-se um elima de babel onde cada um fala uma Ifagua diferente, Isto é partindo de froas de formagdo disciplindrias dispares, cada um trav, uma bagagem conceitual espeetfica e, muitas vezes, nio comunicante, Nao ha em nosso campo uma padro nizagio mfaima de Finguagem; aos mesmos termos se ateibuem conteddos deferentes, © termo ecologia, por texemplo — e ninguém vai negar a sua centralidade para ‘ discusso em foco —, aparece em alguns contextos discursivas como um objeto, porém, em outros contex- tos aparece como um método; em outros ainda como iéncia, ¢ mesmo em alguns, como questo politica. Te mos entio um terme que varia bastante, dependendo do contexto discursive de quem o emprega. O exemplo fasta paea ilustrar as carénctas neste terceiro front © a necessidade de buscar este aclarenmento conceitual mf nnimo, esta padronizagio elementar de linguagem, Esta breve exposigio basta para mostrar que hi muito que fazer em termos de uma reflexio epistemo- Jégica a respeito da questio armbiental e seu teatamento aralitico, Contudo, a epistemologia nfo deve ser con- bide como uma espécie de inquisigo para 05 pesqui- ‘ones da frea que, em sen aft de sistematizagio, em a7 | sua fnsia normativa,faria um index do certa e do ervado neste amplo campo de investigagio, {sso seria imposs- vel, pois jf no plano do debate filosstica existem po- lemicas acerca da detinigao da prépria epistemole Assim, ela nao pouteia rigidamente defini un camiaho finico, uma vex que contece diferentes significaios em sua propria. affemaga. ‘Apenas para ilustrar essa variedade de concep- e0es, podem-se apontar alguns entendimentos classices do trabalho epistemol6gico. Para alguns autores, como Kaynap ou Hempel, a epistomologia se aproxiena da I sica e da gnosiologia (ou teoria do conecimento); part outros, como Goldmann ou Kuli, ela se aproxima dx sociologia do conkecimento e da histéria da ciéncis, A. icéia mesma de epistemé vai variar bastante, ova enten- dida como padtao l6gico de exposigio — isto €, como umm ordenamento dos enunciados no texto de uma teo- rizagio, uma estritura do discurso cienttico. Em outros autores, a epistemé quase se iguala ao conecite webe- Tiano de ethos, 0 espltito de uma época, isto &, a forma imental vigente num dado petiodo hist6rico, Nesta visio, nfo se trata da estrutura do discurso, mas da estratura mesma da meatalidade sinperante, Observam-se assim «duns formas antipodas de encarar 0 problema: uma visio Logica (internalista dos textos) e uma visio histériea (atenta aos contoxtos de formulagio). No getal, todas os autores acatam a idéia de que «a epistemologia trata da natureza do conhecimento cien- tifico; este € 0 tema da epistemologia. Mas, quando vangamos um pouco na visualizagio da forma de operae este campo, os caminhos se bifurcam de imediato entre as concepeses internalistas (em que o trabalho deve cir- cunserever-se ti l6giea interna do texto) © as contextua- lists (que tomam o texto como um resultado explicsvel pela realidade externa que 0 gerou). Bxistem ainda pro- a8 postas que, numa graduagio bastante extensa, buscam articular as duss concepedes existentes, cada uma en- volvendo diferentes dimensées do trabalho cientifico. Por isso que € mais adequado falar em bases ou funda. tmentos epistemol6gicos — sempre no’plural — de wma ci€ncia ou campo do conhecimento cientifico, pois im- plica diferenciadas dimensées de trabalho. A ampla ‘gama de tarefas abrigaria desde a avaliagio da coeréncia de uin dado discurso até a aferigo de sua correspon dancia com processos identificéveis em nivel empitico. Devemos, assim, problematizar desde os enunciados até a8 priticas cientiicas: 0 que abre um vastfssimo campo para abordagens epistemol6gicas. ‘Uma corrente interessante de reflexio a respeito do trabalho da ciéncia origina-se nos autores agrupados nia chamada “Escola de Frankfur’”. Adorno, Horkheimer, Marcuse ©, no presente, Habermes, desenvolvem uma perspectiva por eles denominada de “teoria cx que, traballzando o plano do discarso e 0 plano do con- texto, coloca a epistemotogia como uma espécie de mau- vaise conscience do trabalho cientifice. A este sitimo ‘autor devemos textos denses como “Conhecimento ¢ In- teresse” e “Técnica e Citncia Enquanto Ideologia’, em que 0 trabalho epistemotégico abrangeria toda uma di mensio de questionamento éticas, postos como centrais na avaliagéo das cigncias Observamos que falar das bases epistemotbgic: o trabaltio cientifico na Area da pesquisa ambiental im- plica a armagio de uma ampla e complexa tela de re- ages oujo deslindamento garante 0 controle racional — ¢ moral — da pritica cientifica, A epistemologia como instramento que possibilita ao pesquisador maior con: trole sobre os fundamentos, a metodologia, os conceitos © 05 resultados de seu trabalho, Trata-se, assim, de mét- tiplas dimensdes © tarefas que s6 2 custa de um grande 49 reducionismo poderiam ser circunsctitas a um pachio ‘nico de procedimento. Em trabalhos anteriores tivernos 4 ocasido de tratar alguns aspectos desta smpla proble- matica (além do texto citado, também em “Introdugio da Temética Ambiental as Ciéncias Sociais”, texto a? 7 deste livro) e seria interessante resgatar algumas po- sigGes af defendidas (obviamente som refazer todos os raciocfnios e argumentos apresentados, que se encon tram nos textos 4 disposicio). Um primeiro juizo diz respeito a defesa da neces sitia anterioridade do desenvolvimento dlsciplinar da pesquisa ambiental, ante o trabalho interdisciplinat. Isto ¢, sem uma base disciplinar, a interdisciplinaridade vita tuma palavra vazi wente a partir dos resultados plinar que © trabalho interdis- ciplinar pode avangar. Um eabedal (ou vétios) acum lado por diferentes disciplinas constitui a matéria-prima para uma fértil empresa inter ow transdisciplinat, Por isso, num primeciro momento, a discussio sobre a ques- Go ambiental deverd trafegar nos limites de marcos dis. ciplinares. Ha uma anterioridade que no anula as ten- tativas imediatas do trabalho interdisciplinar, mas que, do ponto de vista {6gico, coloca a formagiio © a pesquisa iplinares como prévias: o interdisciplinac alimentan: se do disciplinar. Este é um assunto interessante para © debate que faremos a seguir. Um segundo jutao refere-se & necessiria anterio- Fidade também da reflexio metodolégica ante a inves- ‘igagio empirica, E aqui um lembrete: discutimos muito iplinares & questionamos muito pouco as barteiras metodolégicas, Sendo que a falta de didlogo entre diferentes métodos Pode ser um empecitho mais forte que a divisio disci- plindia. Aqui, © caminho esté na perfeita compreensio dos pressupostos contidlos nos diferentes métodos, por 50 exemplo no significado atribuido as categorias essen- ciais para o tratamento da temética ambiental como na- tureza ou relago sociedade-natureza. Assim, urge pes- quisar, questionar e entender os préprios métoxlos antes dia aplicaglo cega de um insttumental cujos fundamen- tos se desconhecemn, Um terceio jufzo, retomando algo que ji eatoca ‘mos antetiormente, assume a preméacia de uma padro- nizagio conceitual minima, que propicie © patamar de tuma linguagem comum, Esia & a base para qualquer pos- sibilidade de comunicayio interdiseiplina. *Conereto”, Para um filgsofo, é vim nivel de apreenséo do real; para tum engenheio,trata-se de uma massa para edificagbes. “Meio”, para um geégralo ou um bidlogo, € um habita; pata'um economist refere-se a um instrumento ou fator (de proxugio, de cixculaglo etc). Os exemplos poderiam ser multipicados, mostrando que a questio da lingua gem nfo & secundéria, Uma ago comam entre diferentes areas, cigncias © pesquisas, pele, como patamar elemen- lar, uma relags comunicativa Os és jufzos que emitimos cnvolvem investiga- @6es de onlem epistemol6gica no rastreamento das mé- ‘odes, no clareamento dos conceitos, na desmontagem das teorias, na problematicapio de fandamertas filosd- fFicos © outras. A essas tanefas mais interna (em certo Sentido mais metodelégicas) gostarfamos de acrescentar uma nova — outra dimensto das bases epistemotéigicas dda questio ambiental. Trata-se da problematizagéo de unho ético, a qual colocamos como dimensto limite do campo epistemolégico — 0 questionamento moral do trabalho cientiico (no sentido da “teotia erftica”) A importancia dessa dimenséo se imp6e pela con- juntura atual vivenciada pelas universidades no trato da temética ambiental. O advento da politica ambiental e fatal , notadamente, a obrigatoriedade da claboragio ot dos Rimas para os grandes projetos, acelerou © desen- volven a pesquisa ambiental nas univetsidades brasitei- ras. A novidade e a velocidade desse proceso levaram a ctiagdo de niicleos, programas e centros, com modelos de instalagiio muito diferenciados. O debate nos encon- tros sobre universidade ¢ meio ambiente mostra que, por cexemplo, 08 modos e os papéis pelos quais a pesqui tuniversitaria se relaciona com os Rimas so muito he- terogéncos. Existem programas que se propéem a fazer os Rimas; existem propostas que visam julgé-los; exis- tem niicieos que nfo desejam nenhuma vinculagio; ha universidades que se propdem a trabalhar nas andiéncias piiblicas; ha outras que buscam © contato com movimen- tos ambientalistas e comunidades; outras t&m os érgios de Estado como interlocutores privilegiados. Enfim, 0 ‘que chamamos de dimensfio moral implica a discussiio dessas opgées, num ponto de vista social. Cabe novamente salientar que a problematizagiio desse campo ético nfo significa, de modo nenhum, um julgamento ideol6gico de posigées ou instituigées com vista a normatizar um cédigo de condutas, ou algo assim, Pelo contririo: esse questionamento estimnula a reflexio de nfvel sobre os desdobramentos sociais da pesquisa ica, tirando essa discussio do patamnar dirctamente politico, © sentido é do aprimoramento da pesquisa © do autoconhecimento do pesquisador, o controle racional nio apenas de seu modus operandi, mas, também, dos resultados sociais de sua atividade. A discussiio sobre a pratica cientéfica passa assim a ser posta num plano re- finado, onde temos a possibilidade de aferigdes Iégicas das argementagées ¢ de encaminhamento objetivo das polémieas, sem o subjetivismo do debate imediatamente ideolsgico, marcado pela falta de pardmetros e pelo im- pressionismo das argumentagies. ‘Como uma provecagio para 0 debate, gostaramos 92. de apontar trés posturas — ¢ 0 plano ético é basicamente uma discussio sobre posturas, isto 6, ages orientadas por valores ¢ prinefpios — que nos parccem presentes com certa forga na comunidade cientifica que se dedica A problematica ambiental. © primeiro tema ¢ 0 naturatismo, ow a postura fi- loséfica naturalista perante o mundo, perante 1 histori petante a relagio homem-natureza, que toma a proble- ‘mética ambiental numa perspectiva que perde totalmente 1 sua dimensfio social. Tratam-se daqueles discursos que vyéem © homem apenas como fator de alteragéo do equi IMbrio de um meio; daquelas analises que ni falam de soviedade mas apenas da ago antrSpica” , uma varidvel a mais num conjunto de fatores basicamente naturais; a relagio homem-natureza, assim, sendo concebida sem a mediagio das relagées sociais. A postura naturalista € uma revivéncia que a temética ambiental traz para as ci€ncias humanas contemporiineas, pois havia em grande parte sido enterrada — ao longo deste sculo — com ‘a crise do positivismo elissico nos vétios campos de co ninecimento. Na antropologia, a erftica das teses racistas levou a separagio entre a Antropologia fisica © a cul- tural. Na Geografia, a critica ao determinismo natural evou a uma progressiva desnaturalizagio de seu objeto. Enfim, todas as ciéncias humanas vivenciaram esse pro cesso de afirmagio de especificidede & qualidade pro- prias do campo social. B hoje, por meio da questio am: biental, notamos certa revivéncia de Sticas naturalistas, em nome de uma visio holistica desta temética, Bis um bbom tema para reflexd. ‘Uma segunda postura, presente também amitide nas pesquisas ambientais, € 0 tecnicismo. Se 0 naturalismo perde a dimensio social da questao ambiesital,o tecnicis- mo dilui as implicagdes politicas de seu manejo — como s¢ as “solugdes téenicas” no envolvessem decisées po- 3 : Iiticas, interesses, projetes e perspectivas conflitantes et. ‘Aqui temos o tema caro aos frankfurtianos: a emergéncia ide uma razéo técnica e a logica intema de sua autolegi- timago (tao bem exposta pelo professor Gerd Borheim 1 siltimo semindtio sobre universidade e meio ambiente, ‘em Cuiabé). O teenicismo visa, ao buscar uma legitima ‘gio integralmente autocentrada, autonomizar aciéncia cm felacdo & sociedade que a gerou, pondo a técnica como ‘algo acim dos conflitos ¢ das disputas; enfim, com uma ‘aura de verdade $6 acessivel a seus préprios formuladores. [Este processo se acentun a0 longo de nosso tempo, um perodo cm que dominagio técnica chegaa se manifesta has mais diferentes esferas da vida social (como, por exemplo, a tecnificagéo do lazer). Na area da pesquisa ambiental, essa postura se manifesta com forga. B inte ressante até mesmo saliontarmos que, por paradoxal ue seja, exatamente aqueles pesquisadores mais diretamente cenvolvidos com o planejamento © os Orgios péblicos, Jogo, os que mais diretamente podem aferir o peso politico das decisbes “ téenicas” , s80 08 que geralmente professatn ‘com maior énfase o neutralismo tecnicista. His outto bom tema para debate. "A. teseaira. postura coloca-se, em certo sentido, como a antitese da anterior. Trata-se do romantismo que, permeia muitos discursos referentes &temética ambiental Pasta postura peca pelo inverso: se 0 tecnicismo nega a dimensio politica, o romantismo peca por uma excessiva politizagto, na maioria das vezes com fundamentagées frdgeis ou inadequadas, Temos muito uma espécie de bom ‘senso bem intencionado, ingénuo, ao tomar a politica como teino da pura vontade — como se a politica nfo tivesse sua logica c suas determinagées. Num belo texto intitulado Por que Filaséfico?, 0 professor José Arthur Giannotti discorre sobre 0 conformismo objetivo subj: conte na“ revolugao imaginéria” e seu locus privilegiado: st a universidade. Do ponto de vista da questo ambiental, ‘ comantismo se manifesta, por exemplo, no preservacio- nismo radical que, no limite, pode veicular perspectivas anti-humanisticas ao colocar a natureza como um valor ‘maior que o homem, Num pafs como © Brasil —~ com sua formagio territorial ainda inconclusa, com uma sociabi- lidade altamente perversa com as classes populares, com ua imensa divida social ~-a postura romdintica tem uma potencialidade profundamente perigosa. His um texceiro, ponto interessante de discuss. Naturalismo, tecnicismo, romantismo so postusas ‘que ni temos dificuldad em localizar nos discursas das pesquisas universitérias que tratam da temdtica ambien- tal. Tais posturas podem, também, ser rastreadas nos mo- ddclos institucionais de alocagio de tais pesquisas nas. uuniversidades € nas Formas de scu relacionamento com a sociedade © 0 Estatlo. Nao se tratam apenas de idéias e concepedes, mas de idéias que se materializam em pro- jetos, em estruturas burocréticas, em encaminhamentos de investigagées, em programas de pesquisas, em finan- ciamentos e, mesmo, em politicas ptiblicas para 0 setor Diseutir, entio, esses modelos institucionais passa ne- cessariamente por discutir as idéias concepgdes que presidem suas origens € funcionamentos. O que di um ccariter epistemolégico @ mais esta dimensdo, S6 se secusatio a esse debate os que intencional- mente deslocam a teoria da pritica, a sua investiga dde qualquer reflextto, 0 seu discurso de sua ago efetiva. (Ou, o que seria ainda pior, os que querem explicitamente cencobrir os resultados coneretos de seu trabalho como ciemtistas. Como sabemos que aqui neste frum nao ha ninguéim con estes desejos, com estas intengles, porgue {quem tem estas posturas niio vem diseutir abertamente, ete pion, tos seeea do que temas ua Jommada, | | 9 ORDENAMENTO TERRITORIAL: UMA CONCEITUAGAO PARA. O PLANEJAMENTO. ESTRATEGICO 1 CCabe iniciar com ma explicitagdo conceitual mais ampla, Entende-se o territsrio — na concepgto classica da cogtafia politica ~ como espago de exercicio de um poder, o qual no mundo moderno se define como um poder basicamente centralizado no Estado. Trata-se, portanto, da drea de uma soberania estatal, delimitada pela jurisdigao de uma dada legislagio e de uma autotidade. O tertitdrio €, assim, qualificado pelo ‘politico de uma porcao da superficie terrestre. Os tesit6ros io entidades histéricas, que expressamn © controle social do espago por uma dominagto politica insttucionalizada, Os teritérios modernos so resultado de dominias estatais, ¢ 0 Estado moderno é ui Bstado terttorial (com uma base fisica definida), Tal base pode ser caracterizada como “Territério usado” (0s espagos cfetivamente apropriados, conforme conceituagio de Milton Santos) ou como “fundos teritoriais” (areas de 139 | soberania nacional ainda nfo incorporadas 10 tevido do cespago proditivo). ‘O terrtsrio é uma materialidade terrestre que abriga © patriménio natural de um pafs, suas estruturas de produc € 08 espagos de reprodugio dla sociedade (ato senso). E nele que se alocam as fontes ¢ estoques de recursos naturais disponfveis para uma dada sociedad © também os recursos ambientais existentes. E é nele que se acumulam a5 formas espaciais erindas pela soviedade a0 longo do tempo (0 espago produzido), Tais formas se agregam ao solo, tornando-se estrutaras territoriais, condighes de produgio e reprodugdo em cada conjuntura considerads, “Assim, tanto o capital natural (potencial ou utifizado) quanto 0 capital fixo (de diferentes temporalidades) localizam-se no tertitério, qualificando sua capacidade © potencialidade em face do padrio de acumulago vigente ‘A avaliagdo sincrénica das formas de valorizagio do espago praticadas na historia de um pais 6 dada pola analise de sua formagdo tervtorial. Isto & a sua histéria analisada na dtica da dimensio espacial. Esta revela padraes de ocupagio e de uso dos recursos, que modelaan 6 territ6rio de que dispase a sociedad na atualidads, (O grande agente de produgio do espago € 0 Estado, por meio de suas politicas teritoriais, £ ele © dotador Gos grandes equipamentos e das infraestruturas, © cconstrutor dos grandes sistemas de engenhatia, 0 guardio do patriménio natural e 0 gestor dos fandos territoriais. Por estas atuagves, o Estado & também 0 ‘grande indutor na ocupacio do teritério, Um mediador sseacial, no mundo moderno, das relagGes sociedade~ tespaco € sociedade-natureza, Tal qualidade gana poténcia nos paises periféricos, notadamente nos de Formagiio colonial, como o Brasil (conforme Moraes). 140 0 A nogdo de “ordenamento territorial” remonta & geografia regional francesa da década de 1960, mais especificamente& escola do “aménagement du teritoie” (ver: Manuel Corteia de Andrade - Espago, Polarizagao ¢ Desenvolvimento). Buscava-se ali utilizar o arsenal teéricoe éenico desenvolvide para aandlise regional em programas de planejamento estatal, tendo como objetivo a articulagdo das diferentes politcas piblicas numa base territorial, entendida como uma “tegio-plano” (conccito teabalhado em detalhe por Bernard Kayser). A ambiguidade ‘scalar propria ao conceito de tego permitaintervengdes plangjadoras em diferentes escalas com a mesma metodologia No cato do planejamento brasileiro, tal corrente se associou de inicio com as teorias copalinas, ajudando a ‘compor 0 instrumental técnico-teérico da doutrina de governo hoje denominada de “nacional desenvolvimentismo”. A meta buscada eraade ineremento © equalizagio do crescimento econdmico, superando as isparidades regionais ¢ promovendo o bem-estar social 0 fomento estatal as rogides deprimidas emergia como instrumento de eonsolidagdo de um mercado nacional. A

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