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06 Silvia Ancona - Lopez A PORTA DE ENTRADA Da entrevista de triagem & Consulta psicolégica DOUTORADO - PSICOLOGIA CLINICA PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATOLICA DE SAO PAULO 1996 poupando-o- da eaperiétneia A. imeira questdo a que me propus responder no presente trabalho é: “Como dar novo sentido as entrevistas de triagem tornando o primeiro contato com o psicdlogo significativo para o cliente?” A resposta que agora posso dar é da mais extrema simplicidade: “Atendendo seu cliente”. Por mais primaria que esta frase possa parecer ela faz sentido (como ja yim discorrendo no desenrolar desta tese) no universo das instituicdes de ia wta) atendimento psicolégico, no que se refere ao procedimento de entrada dos clientes, ou seja, nas chamadas entrevistas de triagem. Embora seja Sbvio que 0 psicélogo considere como cliente a pessoa que esta a sua frente, ¢ comum (como j4_comentei anteriormente) que no momento da primeira entrevista, o interesse da instituigéo pese mais do que 0 do cliente, Além disso, quando uma pessoa vem em busca de atendimento psicolégico para um terceiro (seja filo, amigo ou parente), a preocupagdo de quem o atende costuma centrar-se na pessoa ausente, preocupado que esta 0 profissional em fazer um encaminhamento adequado para as necessidades de quem “motivou” a procura pelo servico. © que proponho é que os psicdlogos,_procurem voltar-se primeiramente 40 cliente e em segundo lugar as injungdes institucionais rompendo os esquemas rigidos de procedimento que levam o profissional a falas racionais e obturantes conforme se pergunta Vilarinho (1992): “ A que, serve a triagem? Indubitavelmente, serve aos clientes, a uma fatia da populacao, ¢ também serve 4 consecucéo dos objetivos da instituigéo e dos -seus profissionais especializados. Institucionaliza formas de atendimento, reproduz os modelos jé institucionalizados, privilegiando as especialidades que, por sua vez, revelum a fragmentacao a que estd submetido 0 ser humano. A triagem, calcada num modelo médico de autoridade torna-se, portanto, um processo passivo para o cliente e ativo para a instituicao e o psicélogo. Punciona mais como uma peca para a engrenagem da instituigao poder se movimentar”. (p3) Partindo deste raciocinio, sugeri a extingéio das entrevistas de triagem, passando a compreendé-las como consultas psicolégicas com um fim em si 145, mesmas independentemente do fato de que, a partir delas, pudessem ocorrer outras entrevistas ou se iniciarem outros procedimentos. A proposta é transformar 0 processo de_ selecionar ou “(es)colher” os clientes no momento da entrada na instituicéo em momento de acolhimento em que todos os pedidos de ajuda interessem para a instituigao (Vilarinho, idem). Sem diivida, neste caso, havera a necessidade de rever varias praticas € procedimentos que interferirao nos modelos mais tradicionais de prestacéo de_servigos psicolégicos. Nao apenas do ponto de vista institucional modificagdes podem ser Propostas. Manonni, psicanalista emérita, propde uma visio abrangente da primeira entrevista embora pressuponha ( é bem verdade que nos idos de 1965), que a esta entrevista devera seguir-se uma psicoterapia: “A primeira entrevista quase sempre nao passa de urna preparacdo, de uma ordenagao de pecas de um jogo de xadrez Tudo fica para se fazer mais tarde, mas as personagens puderam ser postas em campo”! (p103). Plenamente de acordo com a frase acima sugiro, apenas, transformar o tiltimo periodo por: “As personagens puderam ser postas em campo e algo ja pode ser feito.” Na presente pesquisa, procurei exemplificar através de dois atendimentos de que maneira, na minha atividade profissional, , procuro romper as condutas mais usuais, principalmente nas isftituicdes e como busco tornar o atendimento significativo para os clientes. Em contrapartida, foi também meu objetivo responder a outras duas questoes: . E possivel identificar 0 acontecimento transformado? E possivel facilitar a eventualidade de encontros significativos? Estas duas perguntas imbricam-se a primeira sendo praticamente impossivel _ respondé-las separadamente; no’ entanto, neste capitulo procurarei detalhar minha forma de atuacdo refletindo sobre a influéncia deste modo de agir na nova mancira de_conceber as entrevistas de_triagem €, concomitantemente, _levantar questées acerca do acontecimento. Vou procurar relatar minha experiéncia na perspectiva de que podemos “compreender determinados momentos do fazer psicoldgico como aqueles nos quais dizer é recolhermos o que ‘saltou em cima’, estendendo-o diante do outro, E fazer este trinsito, propiciando que 0 outro passe pela mesma experiéncia pela qual estou passando, numa apresentacdo que garante o efémero, que abre um clardo como um relampago, sobre 0 qual nao hd_ que argumentar”, (Cupertino, 1995 p 205) "Grito mew. ae Que a minha experiéncia sirva, portanto, apenas como disparador para reflexdes sobre a pritica clinica, pois a experiencia do fazer psicolégico ¢ o resultado de um amiélgama pessoal e singular que se da no entrelacamento dos saberes fedricos, tacitos e subsididrios (Figueiredo, 1995b). Dizendo de outro modo: “um saber que se circunscreve no campo do representével”. “uma disposigéo para o uso ¢/ou incorporagao de determinadas habilidades, parte do que sabemos sem saber que saberios” (Cupertino, 1995p 213) e “um outro conhecimento o subsiditrie. Pano de fundo para a apreensio focal e temdtica de aspectos particulares do mundo, os quais organiza e retine, dando-thes contigurabilidade” (idem, p214). Convém lembrar, outrossim, que a elaboracio destes conhecimentos, engendra como lembra Figueiredo: “diferencas entre psicdloges, mas, principalmente, diferencas de cada um para consigo mesmo ao longo do tempo.” (199%¢ p91).2 No préximo capitulo pretendo deter-me sobre as relagdes da pritica clinica com o acontecimento transformador. 3638 Sinto-me sempre um pouco tensa e ansiosa ao receber um cliente. A sala de atendimento’ me parece fria, um tanto indspita, apesar de limpa e organizada de forma até mesmo incomum para uma instituigao de atendimento gratuito. Na maior parte das vezes, ponho duas cadeiras*, face a face, proximas a uma mesa (sobre a qual coloquei o gravador nas sessdes que utilizei para esta pesquisa). Quando ha espelho de visio unilateral explico 0 que €, se haveré alguém obseryando ¢ por qué.’ Este é 0 cendrio onde o acontecimento deve ocorrer, E possivel? Os clientes, mais freqiientemente mulheres, também parecem um pouco constrangidos na expectativa do que se vai passar. Sei que so pessoas em um momento de crise que vieram buscar ajuda. Ao olha-los recebo 0 impacto de um corpo que vejo pela primeira vez, de determinada postura e expressao, que de modo sutil me afeta ¢ me coloca em certa disposicao afetiva. Na Geilo do autor Refco-me a imtituicho onde verho desemsivenis este tips de atadimento. {Bsjam consult particear provavclmene scrim duas paltrona ets. 0 entants a ¢ «realidad das nati es brass * Nas sesnes apreseniadas nesta pesgusa mab howe obser adores verdade somos duas pessoas expectantes: eu diante de uma pessoa que nao sei para que veio, aguardando a revelagao do desconhecido ¢ cliente esperando algum tipo de ajuda. Estamos ambos suspensos, além de nds. Estaremos cumprindo nosso destino de ek-sistentes? Geralmente meu primeiro movimento em direg&o ao cliente se assemelha muito a ternura. Uma ternura peculiar e generalizada pelo seu cliente ja que, na verdade, ainda nem o conhego. Sinto-me responsivel por ele o que me leva a querer que se sinta bem atendido, que se sinta ajudado, que se abram novas possibilidades e caminhos que possam conduzi-lo a alguma < mudanga. Quero que ele possa dizer que algo aconteceu. Nos momentos iniciais da sesso, poderia descrever a sensagao que sinto como a imerséo em um mundo onirico. Os sons de fora da sala_, parecem ficar abafados, os objetos em torno envollos em névoa ¢ minha cabeca um pouco pesada pelo esforgo de focar-me no cliente. Embora pareca concentrar-me totalmente no que vou ouvir e ver, costumo estar preocupada com meu desempenho e meus conhecimentos dos quais, inevitavelmente, comeco a duvidar. A medida que vou escutando passo para uma fase em que fico profundamente interessada na narrativa, na historia que o cliente esta me contando. Sinto-me curiosa, quero saber mais, preciso controlar meu impulso para perguntar coisas que satisfariam minha curiosidade mas nao seriam relevantes para ajudar o cliente. No meu encontro com Vanessa, por exemplo, passou-me pela cabeca perguntar: “A amante do seu pai ¢ jovem? E bonita?”, “Quantos alunos tem sua escola?”. “As vezes fago algumas > perguntas deste jgéx que, geralmente, desviam 0 cliente_ do caminho que * trilhava e raramente trazem um enriquecimento para a sessao. Minha curiosidade percorre uma gama variada de nuangas: desde a mais simples e ha até a mais complexa, dificil de definir, mas_que sinto como ; sendo o motor que me move em direc4o ao cliente. i uma curiosidade insaciavel que ndo se esgota, que est sempre em falta. Ou seja: quero ( compreender, quero captar 0 outro na sua totalidade, o que, apesar de ser | impossivel (Lévinas, 1992), me leva a querer saber mais, ir mais fundo ¢, quem sabe, deparar-me com algo inesperado. £ oque Stern (1990) chama de “Cortejar a surpresa”(...) “A curiosidade é a) imaginagao e a disciplina que levam a ver aquito que é questiondvel, Ser | curioso é estar sensivel 4 possibilidade da pergunta. E a chivida constante de! que a propria capacidade de pensar é aflitivamente inadequada, que se { umostra de varias maneiras, e que eventualmente se torna dolorosamente clara.” (p 12) Como atendo na drea infantil retomo com freqiténcia, durante a Sesso, a crianga que foi trazida como motivo para o pedido de atendimento. Faco isto visando captar: ¢ de que maneira a queixa com relacdo a crianca esta vinculada aquilo que o cliente presente esta trazendo. Quais sao as significagdes que as situagdes que relata tem para cle ¢ de que maneira as colocagoes sobre a crianca esclarecem a maneira de o cliente estar no mundo e de estar com os outros. Além disto,as expectativas, as frustracdes e os planos em relacdo a crianca. com freqiiéncia apontam para 0 campo de possibilidades em que o cliente se silua € © quanto ele estd preso ou restrito a um determinado campo. As discrepancias entre o que é esperado e planejado para um filho e as atitudes, e desejos dos pais, costumam apontar para as possiveis aberturas ‘ou para quais possibilidades se poderia abrir uma porta; * 0 quanto a crianga esta comprometida: dificuldades emocionais, intelectuais, motoras, etc.. Se a crianga esta realmente necessitada de ajuda € 0 que se poderia fazer por ela. Nestes momentos, tomo-me conselheira, orientadora de pais e psicdloga infantil que procura fazer um Psicodiagndstico rapido e eficaz. Atuando nestas duas vertentes (adulto: cliente. resente/crianga: cliente- ausente), 0 enfoque durante a sessio varia. Embora considere, prioritariamente, que o meu cliente é quem esta presente e é sobre ele e o campo relacional que se estabelece entre nds que devo focalizar minha atengao, quando volto 4 crianca, freqiientemente a tomo como cliente ou Procuro ser sua representante naquela sessdo. Algumas vezes, fico especialmente intrigada ou preocupada com a crianca, Nestas ocasides sinto desencadear-se um certo “furor diagnosticante”: costumo crivar o cliente de erguntas, quero fazer uma anamnese em poucd“minutos € nao raro a pessoa. ali presente fica em segundo plano. Apenas quando me dou conta disto € que a recoloco como cliente, chamo-a para compartilhar a compreensao comizo, € 0 atendimento comeca a deslanchar. Creio que a fase “diagnosticante” ocorreu na primeira sessdo com Lucilene. Este movimento de vaivém entre a crianca e 0 adulto interrompe de certo modo o fluxo da sesso, fazendo-a parecer truncada. Ao focar a crianca ou a queixa sobre ela, acontece de perder material importante trazido pelo cliente presente. Muitas vezes isto acontece de forma consciente, para que eu no me desvie da compreensio que estou buscando; outras vezes, no entanto, acontece porque nao me dei conta de que o cliente me esta indicando um novo caminho, ou apontando para algo muito significativo para ele. Saber a quem ou a que informagao dar preferéncia é uma tarefa dificil que exige atencio € a tomada de decisdes sobre que falas s4o mais significativas no momento. Esta oscilacao entre os pais € a crianca causa estranhamento pelas incongruéncias que se entremostram na fala do cliente. A compreensio vai se fazendo, na maioria dos casos, pelo preenchimento das lacunas que se evidenciam e “diante delas temos que aguardar que os sentidos se direcionem, jd que a verdadeira tarefa da terapia nao é tanto dar sentido aos dades, mas resistir é tentagéo de dar sentido a8 dados”. (Cupertino, 1995 px 282) Costuma ser a partir do meu interesse pela historia (a historia exterior a qual ja me referi) que comego a notar algumas dissonancias. Inicialmente é preciso conhecer o corriqueiro, o cotidiano, para chegar ao que esta além dele, Empresto as palavras de Stern (opcit p?): “analista e paciente encontram seu caminho para dizer o familiar e depois encontram naquilo que nio foi dito outras lacunas que podem ser colocadas em palavras, de tal maneira que #1 desorigao da experiéncia se move sempre em direcdo a um grau maior de precisdo ¢ sutileza”. Ea partir dai que, repentinamente, sinto ligar-se um “terceiro olho” e “um terceiro ouvido”, E uma fase dificil pois, ao mesmo tempo em que relaxo e embarco em um “fazer” quase que intuitivo (0 saber do oficio do qual fala Figueiredo, 199%) em que as falas fluem, é, também, a fase em que devo fazer escolhas e decidir que intervencdes ¢ que caminhos seguirei, o que inevitavelmente afetard o desenrolar da sesso. Estas escolhas nao sao refletidas: vao-se dando, surgem do campo que se instituiu; ¢ o que Amatuzzi (1989) descreve como “algo mais sentido do que sabido ou algo mais operative do que refletido” (p15). No entanto sei que sou responsavel pelas escolhas que fago e sdo elas que mais tarde me incomodarao: ao pensar em um atendimento ou ao discuti-lo com * colegas percebo as intimeras possibilidades que deixei para tras ¢ que, iniimeras vezes, me parecem mais adequadas dos que as escolhidas por mim, Farto do principio de que ndo posso pretender saber mais sobre o cliente do que ele mesmo e de que jamais compreenderei o outro na sua totalidade. Acredito que meu papel € o de clarear e reordenar o que ele sabe’ e que nio esté podendo reconhecer como seu, ou seja, procure traduzir-lhe os significados que da as suas vivéncias para, se for 6 caso, ressignificd-las. x Refiro-me ao que Forchat (1982) chama de “jogo ou dialética do manifesto ¢ do encoberto’ na situagéo psicoterdpica” (pt18) em que “0 encoberto pode ser retomado por via de uma rearticulacao dos contetidos presentes no discurso do paciente ou de uma reinsergéo de vivéncias que nao estavain no 4 Aisne twtr devo dizer ue udo ee recordo de nealuna rade que, st cio de nuspeita de peu ntectl de fib, se {enka enganade quanto a roca dale meatal de, Eas mails caren castures orguaias de fran tees epee hae eh ae Seated cate” vu “inelgcncw canter 0 vicabulars ue ea uta) cet fio anckiea corm eabeya ce arate ste wu idade?”§ tempota quest tes in costumam st surptee deotemente pedsimas ns tcrdtae dr ksts vel wea ‘qualguce que jaa jsticava que eat cchatn para «dificadad de cram "Gros da autora campo da consciéncia”( p121). Espero que “o encoberto se revele ao paciente através de seu proprio discurso” (idem, p 121) “ buscando o sentido do que foi manifesto” (ibidem 122). Esta nogio de encoberto se aproxima da nogdo do inconsciente em psicandlise como_,a apresenta Stern: “o inconsciente néo imais ser concebido como algo que contém. E mais consistente com a pritica dizer, acompanhando Heidegger e aqueles que o seguiram, que algo inconsciente estd muito presente pois vivernas nele em vez de vé-lo."(95) Guia-me_o pressuposto de que meu conhecimento sobre o cliente so poderd vir a partir_do que ele me diz e do que eu puder perceber no campo relacional que se criar entre nds. As teorias psicolégicas que estudei, minhas Vivéncias € minha experiéncia profissional serao auxiliares na minha tarefa de “tradutor”: “ Minha profissdo consiste basicamente em conversar com as pessoas € ver se com isso sé cria a possibilidade de maior discernimento e mobilizagio, de descoberta do sentido das vivencias ¢, a0 mesmo tempo, a oportunidade da criagéo de novos sentidos, De crescimento, enfim” (Amatuzzi, 1989 p11) Ha_porém uma outra dimensdo presente_e, paradoxalmente, ausente durante a sessio. Se a maior parte do tempo me dirijo aquilo que o cliente sabe mas ndo vé ou nao sabe nomear: “wm desconhecido que se presume jé ter estado presente ‘no’ paciente”, (Stern, 1990, p5) ha algo que o cliente nao sabe, que nao foi _ “formulado, (e estd) parcialmente indeterminado e realmente ausente”(dem). A expressio deste ausente sera resultado de uma experiéncia compartilhada entre o cliente ¢ o terapeuta e surgira do campo relacional e das possibilidades da linguagem. Este ausente é 0 acontecimento que pode surgir inesperadamente no e do campo terapéutico. £ algo que me chama e me interpela vindo da fala do cliente, alguma coisa que se diferencia de uma hipotese que eu possa estar construindo, embora algumas vezes possa se confundir com ela. £ mais forte, pois varias hipoteses surgem no decorrer da sesso e sio abandonadas porque alguma coisa mais forte me atrai e me conduz. No caso de Lucilene, dentre todas as possibilidades de compreensao, o que me interpelava em sua fala era seu desamparo frente aos outros, (principalmente sua irma e a diretora da escola de sua fila) e, no caso de Vanessa, a estranheza que ela sentia a seu proprio respeito e a distancia que eu percebia entre suas acoes e sua fala. Foi a partir destes lugares que me senti instada a falar. Nao creio que possa induzir qualquer mudanga no cliente, mas que estas virdo dele mesmo se estiver disponivel para tanto. Entendo que o primeiro sinal de que existe alguma disponibilidade para a mudanca é sua vinda_a consulta, mesmo com todas as _, resisténcias que possa trazer consigo. Concordo com Corréa (1996) quando diz: “..0s ganhos ao final do processo j4 1s estdo vinculados com 0 pedido cu com a demanda referida, Neste sentido, posto pensar” que cada pessoa je traz cm si, talvex ndo de forma clara, as» possibilidades que tem naquele momento” (piss) e ainda, “..03 ganhos podem ser potencializados quando a motivacio para ‘a mudanca é identificada pelo terapeuta.”(14) Costumo apontar tal motivagdo ao cliente ¢, geralmente, é a partir dai que comeca a se delinear algum movimento de abertura pois, como bem lembra Coelho Filho (1995), “..quando demarcada e incentivada pelo terapeuta, [a mtivacdo para a mudanga] propicia uma melhor compreensio do paciends sobre seus padrées mal-adaptativos, e, consequentemente, maior controlesobre eles.”(p32) Posso dizer, com as palavras de Porchat (1982), que me identifico com as “formas de psicoterapia (que) reseataram ou puseram em primeiro plano, por assim dizet, os aspectos ado transferenciais do comportamento vincular”(126). Isto €, embora eve em conta e me aperceba de certos aspectos da transferéncia, nao cestumo trazer para elaboragao, no plano atual, os conflitos infantis. Outra linha mestra que adoto ¢ a de compartilhar com o cliente meus pensamentos, minhas opiniées ¢ meu raciocinio sobre o que estou percebendo, Procuro nao desviar-me desta norma e ser o mais transparente possivel. Considero que, se espero que o cliente tenha a menor reserva Possivel* e se revele a mim, nosso relacionamento sera mais justo e correto se eu corresponder da mesma maneira. Nao é uma atitude 6tica, que me levaria a prender-me a valores morais, mas a crenga de que estarei conservando aberto um canal de comunicacao. que facilitara ao cliente desvelar-se a mim. || Paralelamente, com esta postura mantenho-o informado de como 0 percebo | S€ apresentando a mim, o que é um corolario de como ele se apresenta aos outros _¢ se situa no mundo, Busco o que na feliz expressio de Figueiredowpode ser chamado de enunciado apresentativo, que seria apresentar ao cliente o que ele me apresentou de forma que © apresentado se ilumine sob novo angulo. Compartilhando minhas percepsées ¢ meus conhecimentos com o cliente, ele poderd contesta-los de modo que poderemos construir juntos uma compreensao sobre ele proprio e a problemitica que ele traz. A contrapartida desta postura é que ela me leva a ser diretiva ou incisiva em alguns momentos embora, na maior parte do tempo, me mostre acolhedora e compreensiva, Procuro acolher os sentimentos e dificuldades que os clientes trazem € pautar-me pela compreensio deles acerca das vivencias que estdo relatando * Grier da autora 1 Megmo sem esperae cu ga negra fuel daca picanaltc ede zeta en censure. Para Hesdenget “nem fd fe ‘umceme a) fees hua pase ser ik" AYPARICe, 1994 PEA) * Communicaco paso fea uo dcomter da pripe de etcer mre Neen. pois estou plenamente convencida de que ndo sou detentora do saber e de que ndo posso apropriar-me de suas verdades. O cliente é a tnica pessoa que conhece seu campo de experiéncias e apenas ele podera relata-las, e retirar seu sentido, a partir da constelacdo de suas vivéncias, percepgées, idéias, sentimentos € memérias. Seu relato pode manter-se em um patamar objetivo, pratico, exterior a ele ou pode partir de seus sentimentos, valores e do sentido que da as suas vivéncias pautando-se por um referencial interno subjetivo (Stiles, 1973). No primeiro caso, procuro ajuda-lo a caminhar do exterior para o interior na crenca de que confronta- lo com suas ambivaléncias, sentimentos inconsistentes ¢ experiéncias desvalorizadas pode permitir que eles sejam reavaliados, aceitos e ressignificados. No segundo caso, procuro acompanhar seu relato buscando com ele o sentido que da as suas vivéncias. Conforme Gilliéron (1994) “ a idéia fundamental é que um grande nilmero>. de pacientes nao espera obrigatoriamente una mudanca profunda quando de sua vinda ao psiquiatra mas, mais freqlientemente, um alivio imediato. Com efeito na grande maioria_dos casos , o paciente decide consultar-se quando estd cm crise. O modo como esta crise serd tratada ¢ que é a questo. Face a qualquer crise, 0 paciente encontra-se dividido__entre duas tendéncias: a esperanca de reencontrar o estado anterior, solucdo mais facil, e a esperanca de, finalmente, encontrar forgas para mudar.”(p193)"_ Acredito que cabe a0 cliente decidir qual destas duas opgées vai adotar, apés refletir sobre o que cada uma implicaria. Identifico-me com Yehia (1994) quando diz que: “chama a atencéo minha fentativa de salientar os aspectos positivos, adaptativos, sauddveis [dos clientes] em detrimento dos patolégicos’ (pi4z). Procuro o seu desenvolvimento ou, pelo menos, mostrar-Ihes alguns dos potenciais que tem para que deles se apropriem e, quem sabe, possam cultiva-los e vé-los desabrochar. Considero importante ajuda-los a acreditar nas suas _percepgdes, ¢ sentimentos e a darem importancia 4s suas intuicdes pré-reflexivas. Vejo-os, freqiientemente, chegarem desiludidos, decepcionados, descrentes de suas capacidades para manejar os fatos da vida com um imenso sentimento de desvalorizacao de'si mesmos. Procuro mostrar-lhes 0 que vejo de positivo em suas atitudes, comportamentos ou senitimentos, E muito comum, também, que sd destaquem os aspectos negativos das pessoas com quem se relacionam e, quando isto € possivel, procuro mostrar- Ihes 0 que em seus discursos aponta para qualidades do outro que eles se Tendo lines we EST recusami a reconhecer, Acredito que é a partir de uma base de confianca em suas sensagdes e percepgdes que sera possivel ressignificar suas vivencias, experiéncias .¢ relacbes pessoais. Tenho sempre presente que um relacionamento harménico consigo mesmo, o que inclui aceitar suas potencialidades assim como suas limitagdes, é decisivo para iniciar um process de desenvolvimento pessoal, ou seja, a ampliacdo de seu campo de possibilidades. Minha atitude costuma ser ativa e participante o que esta ligado ao fato de saber que terei um numero limitado de encontros. Isto me leva a priorizar um “foco” entre as possibilidades de temas que o cliente traz. Esta postura me aproxima das atuages mais ativas dos seguidores de algumas linhas da psicoterapia breve, como os mencionados por Yoshida (1990): Malan, Sifneos, Davanioo. E igualmente meu: modo de mostrar ao cliente que estou presente, que me interesso, que estou atento e participante naquela relacao. A proposta de um trabalho de curta duracao (como ¢ 0 caso das consultas psicologicas de que trato aqui) conduz a uma certa preméncia que, por sua vez, leva a uma atitude mais ativa. Como explica Gilliéron (embora ele préprio nio adote tal postura), “o principio da atividade inspira-se na técnica ativa de Ferenczi. Implica que o ferapeuta nao se contente em seguir “passivamente” as associages limitando expressamente a duracao do tratamento, e que, através de confrontagées ou de outros recursos técnicos incite ativamente o paciente a entrentar suas angustias” (1993, p283). Mostro-me, muitas vezes, diretiva o que ocorte, principalmente, em certas situagdes: quando ha necessidade de que se tome alguma atitude imediata como um laudo psicolégico, por exemplo, para manter a crianca na escola; quando pereebo o cliente mal informado, desorganizado com os aspectos praticos de sua vida, ou com as diversas orientagdes que vemn_ recebendo nos seus pedidos de ajuda; quando o percebo sofrendo muito ow ansioso com 0 que esta vivendo. Nestes ultimos casos penso que devo ajuda-lo a restabelecer uma certa trangililidade para que possamos iniciar um caminhar mais criativo, Ainda relacionado ao niimero limitado de encontros, ndo mantenho uma atitude de neutralidade que acompanha as associagSes do cliente. Percebo, a partir das reflexdes que descnvolvi neste trabalho, que no decorrer da sess4o faco escolhas que terminam por eleger um foco, dentre os temas trazidos, sobre o qual o cliente e eu dirigiremos nossa atencdo. A elei¢do do foco resulta do desenvolvimento do dialogo e da interacéo com o cliente que se estabelece a partir do campo relacional. Tomo de empréstimo as idéias de Gilliéron (1993) que ndo adota a focalizagao ativa mas “ ‘ focalizagdo pelo paciente’” ( 290). Isto é, ndo tomo a questdo do foco como tema e penso que ele ndo precisa ser explicitado a6 cliente, porque se vai constituindo no campo terapéutico e ali mesmo estara vigorando'. Na maior parte das vezes nao tenho claro qual é, ,0 foco embora cle possa ser entendido como a hipétese ‘privada’ (Gilliéron, 1993) que vou fazendo a respeito do que o cliente traz e que, de algum modo, est presente na minha escuta. Os clientes tendem a colocar em cena o conflito_ que 0s trouxe a consulta, mesmo que (como nos casos das entrevistas que aqui relato) mascarado sob a queixa relativa ao filho. O conflito atual, na minha concepgio, reflete_o campo de possibilidades que o cliente veio constituindo no decorrer da sua vida. Isto é, na atualidade do conflito estarao implicados seu passado e as possibilidades que antevé como futuras. Minha linguagem é corriqueira e cotidiana e procuro aproximar-me da linguagem do cliente_.que com freqiiéncia (em instituigdes) fala de forma muito simples e conereta. Costumo utilizar-me de exemplos tirados da vida diaria, buscando metaforas concretas para sentimentos, situagdes afetivas ou para questionar valores. Procuro cuidar que minhas observagdes se apresentem como uma possibilidade e nado como explicagdo, verdade ou norma (Corréa, 1996). Tenho disponibilidade para a auto revelacéo (Bundza, 1973, Hendrick, 1987) 0 que, acredito, poder facilitar, em alguns casos, um movimento de abertura do cliente na diregao de um encontro comigo, diminuindo a distancia que poderia criar-se entre nés. Entretanto, com clientes como Vanessa, por exemplo, que procuram desalojar o terapeuta de seu papel, tento_manter-me mais reservada, pois, facilmente, cairiamos em uma conversa de “comadres”, que teria pouca validade terapéutica. Em virtude das caracteristicas de minha clientela muitas vezes procuro trazer 4 baila a questo da cidadania. Lembro-me com freqiiéncia das <..nogdes de ‘pessoas’, ‘eros individuos’ e Sujeito’ ...” apresentadas por Figueiredo (1995a, p36). Segundo o autor as pessoas ocupam um lugar determinado ¢ “tém suas vidas reguladas pelas tradigdes ¢ pelos costumes? (937), os meros individuos constituem a massa anénima e indiferenciada e estdo submetidos a “uma lei impessoal que os transcende e deles nao imanou (..) @ nao tém um lugar proprio que thes caiba de direito”(ps8) e 0 sujeito que € “auto-subsistente ¢ auto-sustentado” (ps0) se Pressupde auténomo e independente. . Meus clientes costumam situar-se_¢ ver-se como “seros individuos’, mergulhados no impessoal, sem direitos e submetidos a um nimero enorme de pessoas a quem atribuem antoridade ¢ que com a maior facilidade "Duras um atendinento prcoligico, aa maice parte do tempo, logo gicacm trae de ago indetervenade, acm em endo ‘shyt dictamente manque w alnge ares de nu dadrremnoe ces ecu cates dao na fla do cate teseget, 359). 0 tema ocuto, que €experimeatach ¢ ni Ieorzao,conlim a orrbisdade do acontecimenio,ustdo edo propre acontccimenia, chamam de “Doutor”. Ajudar os clientes a se perceberem como pessoas, com nome, sobrenome, familia, ¢ direitos, nao os desalojari, necessariamente, do impessoal € cotidiano onde vivem (vivemos) a maior parte do tempo, mas permitira que se sintam mais confortaveis. e nao fiquem “ainda e basicamente 4 mercé dos caprichos das pessoas? (idem, p38, nota de rodapé, 14). Embora este tema possa conduzir a questées que escapam ao ambito desta pesquisa, devo acrescentar que considero importante para quem trabalha em instituigdes de atendimento gratuito (ao menos no Brasil) manter a capacidade de indignar-se', ou como diz Baptista (1995) a respeito do servigo social: “evitar o risco da banalizacao da vida humana, que pode ser provocado pela rotina, pelo trato do cotidiano de situagoes de segregacao, de injustica. O risco da perda da capacidade da paixio da indignagao - motor necessdrio para uma agdo comprometida - (é) que pode levar o profissional a viver sua pratica mecanicamente, procurando resultados, mas sem paixao” (p 18). Acredito que, se o cliente também se permitir sentir a paixdo_,da indignacao, esta, como toda paixdo, poder leva-lo a ultrapassar os limites do cotidiano, desalojando-o e desterritorializando-o, obrigando-o a conquista de novos espacos. Fercebo que quando meus clientes se dao conta de que podem se recolocar no mundo em uma postura mais critica, menos submissa e até reinvindicadora uma nova perspectiva se abre para eles. E novas perspectivas significam ampliagao de seu horizonte, abertura para um novo campo de possibilidades a partir do qual o acontecimento pode dar-se, sendo que esta ampliacao ja €, algumas vezes, a propria abertura ou_acontecimento. Devo reconhecer que muito da minha postura, que se aproxima da atitude acolhedora humanista, pode ndo desalojar o cliente do seu habitual, do seu “acostumado”, dificultando 0 deflagrar do acontecimento transformador embora possa, igualmente, ser o inicio de uma construgao gestatoria do acontecimento. | Instalar-se no mundo como pessoa, (lembrando, com Figueiredo, que todos nés constantemente alternamos as trés condicées: metos individuos, pessoas e sujeito) pode permitir “um espaco de separacao e recolhimento, de protecdo, que nao encerre o existente em uma clausura mas Ihe oferega uma abertura limitada (portas ¢ janclas) a partir da qual sejam possiveis encontros - saidas e entradas - em que se reduzam os riscos dos ‘maus encontros’, dos encontros destrutivos e traumdéticos, Portas e janelas por onde wma verdadeira alteridade possa insinuar-se e eventualmente impor~se” (Figueiredo, 1995b p45)."° 1 Agcuns wo cael tcado daha pratica clinica tm mae Velo traze seu bo para om pricodiagubrtco, pis cla aorentadoes dda ccolaacreditav em que cle aprerenteva diiculdales de aprendizager. No decore: do lendinento ietno a tabet sue ele ano ‘cacolar que a iniiara hd 4 anor clam fain to Clave professor subetuts, pos aan etavacin heeaga sauce! 1S Geifor da autora '" Geifodo atte: Neste texto antordeseuvlve a questo da itica fends un pata com a efile de propria evade oe ROMER Ao término da illtima__sesséo, costumo fazer uma sintese da minha compreensao do que ocorréu naquele encontro. Nestas ocasiées retomo o que foi dito (pelo cliente ¢ por mim), que sentido teve para mim o que dissemos e que caminhos se abrem a partir dali. Busco entregar ou devolver ao cliente 0 que é dele'®, procurando consolidar o que foi vivido durante a sessio, isto é, espero que 0 cliente reviva as experiéncias que ocorreram durante aquele encontro. Procuro desta maneira fechar o atendimento, identificando-o como um processo completo com inicio, meio e um fim claramente delimitado a partir do qual o cliente devera tomar decisées sobre o encaminhamento futuro. Ou seja, participo ativamente durante as consultas psicolégicas mas deixo claro ao final que apenas e téo-somente o cliente poder decidir 0 rumo a dar a sua vida. Paralelamente, porém, sempre deixo aberta a possibilidade de o cliente voltar a me procurar se assim o quiser. Ao refletir sobre minha atuagao como psicdloga, percebo que nao fica clara a abordagem que adoto em meu trabalho. No entanto, se devo filiar-me a alguma linha psicologica, opto pela fenomenologia-existencial. Por que tal imprecisio? Pelo fato de que entendo como inviavel__ a pureza teérica na pratica clinic, ja que vejo cada teoria como um recorte epistemolégico que da conia de apenas alguns aspectos do ser humano, sendo impossivel abarcd-lo em toda sua riqueza ¢ complexidade. Por outro lado a abordagem fenomenolégico-existencial caracteriza-se muito mais por ser uma descricdo (fenomenologica, é claro!) do ser humano (0 ser que nés mesmos somos) do que uma teorizacao sobre ele. A fenomenologia é sempre muito mais filosofia do que psicologia e, como tal, questiona as diversas teorias, colocando-as em cheque ¢ constiluindo pontos para reflexdo que poderdo incidir, sobre aquelas enriquecendo-as. x Entendo que, tanto minha postura na clinica psicolégica quanto minha compreensio dos casos que atendo tém embasamento _ teorico fenomenolégico-existencial mas ambas sio, ainda mais, resultado das articulagdes possiveis entre 0 que sei de psicologia com contribuicdes da filosofia (principalmente a heideggeriana sob a dtica de Figueiredo) e outras influencias que considero quase téo importantes quanto estas, que sdo a literatura, especialmente a poesia, ¢ o cinema. Nao necessito retornar ao tema dos saberes existenciais imbricados em toda atuagéo: “so menos na clinica, os psicdlogos estio sempre, ou quase sempre, transitando, quando mais nao seja na medida em que 0 processo de elaboragio - ndo consciente ndo programado - do conhecimento ticito thes impée um movimento © Ndo me refito aqui ao que wamcnts& cham de “devolutiva” devolutvas em geal extto relaciouns sum picodingnitice pactlogs abtve a ree tem aconctacho de traumas ao cent resnllados de ete ou comhenmeste sp as? continuo de metabolizagao: metabolizacdo de experiéncias, smetabolizacéo de informagées tedricas...” (Figueiredo, 1993¢ p31).

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