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Copyright © Daniel Aarto Reis Filho Capa: 123 (antigo 27) Artistas Griticos Revistio: Rosfingela M. Dolis Introdugdo ... ++ : Cronstadt eaNEP As contradie6es da NEP A revolugao pelo alto AURSS ea II Guerra Mut smo... altoou a: Tndicagées para leitura ip editora brasiliense s. 01223 — r. gener so paulo — bra: INTRODUCAO Neste livro procura-se estudar a histéria da cons- truco do socialismo na URSS, da formulacio da Nova Politica Econémica — NEP —, em 1921, & queda de N. Kruchtchey e a revogagio da politica reformista associada a seu nome, em 1% anos vermelhos: 1917-1921 (vol. 61 desta colegao).. Comegamos com a andlise da NEP, de suas motivagdes, caracteristicas, éxitos, contradigdes e da que levou a seu abandono (caps. 1 ¢ 2). Ana- ra (cap. 4) e a elevaria A condighe de superpoténcia mundial (cap. 5). Mas a faria também conhecer um outro aspecto essencial do m Daniel Aardo Reis Filho ticos. A politica de N. Kruchtchey pretendeu refor- ‘mar os mecanismos do terror e outras caracteristicas, consideradas anomalias e deformagies do soci — o alcance ¢ 0s limites desta politica constituem o tema do cap. 6. Nos dois iltimos capitulos estudam- se as relagdes entre a URSS e 0 Movimento Comu- nista Internacional (cap. 7) ¢ as caracteristicas ¢ bases sociais do modelo soviético que é, atualmente, a encarnagao viva do socialismo — o socialismo real- mente existente (cap. 8) Neste final de século XX, no s6 0 cay mas 0 regime socialista eo préprio concei lismo esto em crise. A dependéncia do lista ao mercado internacional, suas contradigées in- ternas (guerras, invasdes, lutas sociais), a crise ideo- Jégica em que se encontra merguthado 0 movimento comunista internacional fazem parte de um mesmo processo que torna atual 0 debate e a reflexao critica sobre a historia da URSS. Participar do debate aberta ¢ francamente é a melhor homenagem a tantos que tanto lutaram para que o regime si fa no fosse apenas o mais caz, mas 0 mais democratico, o mais igual e o mais livre, CRONSTADT E A NEP Margo, 1921: fracassa a revolugao-alema. Mar- ¢0, 1921: os marinheiros de Cronstadt, a base ver- metha da revolucdo russa, levantam-se em armas contra 0 governo bolchevique e exigem uma “terceira "”. Margo, 1921: 0 X Congreso do partido comunista (bolchevique) russo formula as primeiras medidas da Nova Politica Econémica — a NEP. Os trés acontecimentos constituem aspectos de uma nova fase que se abre para a revolugdo russa. A revolugio alema ja sofrera derrotas em 1919 1920. A realidade impunha uma nova tética, Mas 0 II Congresso da Internacional Comunista e os bol- cheviques consideravam a revolugao madura e impu- seram uma nova direcdo aos comunistas alem&es que passaram a ofensiva: foi a “ago de margo”, um fra- casso espetacular que marcou o fim das esperangas Daniel Aardo Reis Filho URSS: O Socialismo Real de uma revolugao a curto prazo na Alemanha. A derrota na Alemanha somaya-se a passividade dos operitios poloneses, que nfo se sensibilizaram com a aproximagao do exército vermelho no verao de 1920, ao recuo do proletariado italiano face a ofen- O III Congresso da Internacional Comunista, em 1921, assumiria a realidade: a etapa do “assalto a0 poder estava encerrada, passava-se a0 “cere Na verdade, era a revolugéo russa que estava cer. cada, Os bolcheviques também estavam isolados no plano interno. A policia politica indicava, reiro de 1921, a existéncia de 118 me insur- reigonais camponeses em todo o pais: locaiizavam-se na bacia do Volga, na Sibéria, no norte do Céucaso e na Ucrania. Os camponeses jé nao suportavam mais 6s rigores do comunismo de guerra e exigiam o fi das requisigbes de cereais e a liberdade de coméi Um camponés, criticando os bolcheviques, resumira 0 estado de espirito do povo: “A terra € nossa, mas 0 ao € vosso, a Agua é nossa, mas 0 peixe é vi florestas sao nossas, mas a madeira é voss Tevoltas camponesas revestiam as caracteris #. espontineas, violentas, localizadas, Na 0s camponeses formaram, sob direco do ‘anarquista N. Makhno, um sistema de comunas fede- rizacdo do trabalho, melhores condigdes de vida ¢ de trabalho. Os marinheiros de Cronstadt solidarizam-se com os grevistas e, marco, declaram-se em estado de reb Cronstadt tinha uma sélida trai naria. Conformava com -m juilho, os mari- ifestagdes de Petro- Kornilov e em outu- bro da vitoria que levara os bolch Os marinheiros nao eram revolucionarios por aeaso. Apesar de possuirem qualificacao profissio- un 2 Daniel Aardo Reis Filho URSS: 0 Socialismo Real nal, devido a complexidade de armamentos e maqui- naria dos navios de guerra modernos, suportavam péssimas condigdes de trabalho: alimentagio precd- ia, repouso insuficiente, castigos corporais etc. Ao se declararem em estado de rebelifio, os marinheiros do russa, O manifesto dos rebeldes formularia rei Vindicagées semelhantes as dos operdrios de Petro- grado: liberdade de expressio e de imprensa para todas as correntes polfticas (citam-se anarquistas e SRs de esquerda), liberdade de reuni&o para a orga- nizagio de sindicatos, libertago dos presos politicos constitui¢do de uma comissio para investigar a existéncia de campos de concentragéo. Os marinhei- 0s exigem uma conferéncia de operarios, soldados e marinheiros de Cronstadt e de Petrogrado sem a pre- iticos, a aboligéo do apoio jo, a eleig&io de novos soviets na base do voto secreto. Pede-se ainda a liberdade de movimentos e de comércio para camponeses ¢ arte- provisério revoluciona- rio que reivindica a publicagao do manifesto na im- prensa e conclama as forgas armadas a se juntarem a0 movimento. s bolcheviques tentam fazer o movimento re- * cuar. Uma série de concess6es diminui 0 impeto das greves, suspensas em 3 de marco, Em 5 de margo, Trotsky, em nome dos bolcheviques, envia um ulti- mato aos revoltosos, que é recusado. Cronstadt tor- nou-se um abscesso intolerdvel para 0 governo bol- chevique. Em 7 de marco, comegara o bombardeio da base. No dia seguinte um primeiro ataque frus- trado radicalizard os animos de parte a parte. Os marinheiros formulario um segundo manifesto ex- pondo as condigées de repressdo em que vivem, de- nunciando o partido comunista e anunciando o de uma terceira revolugio, “contra a constituinte com seu regime burgués e contra a ditadura do PC de Estado". Os rebeldes defendem um soci truco comunista, mecdnica ¢ governamental”’. Pro- poem um regime de soviets livres e de sindicatos nao de agora, os campos esto de- marcados € seré impossivel a conciliacdo. A luta continuaré até 18 de marco, quando a resisténcia, afinal, serd silenciada. Cerca de 12 mil mortos e feri- dos dos dois lados, mais de 2500 prisioneiros entre os marinheiros, que serdo deportados ou fuzilados, por Pequenos grupos. ‘Terminara 0 movimento de Cronstadt. A con- fianga do povo na revolu¢do chegara ao ponto mais baixo. Os bolcheviques estavam atordoados proprio isolamento. Soara a hora da Nova Politica, Econdmica — a NEP. Ela ter como objetivos o cres- cimento da produgdo agricola, a reconquista da con- fianga dos camponeses e « garant estabilidade. A Russia revol sando fome, iz utar pelo s zado. A politica de requisigdes foi substituida por um imposto em géneros. Depois que 0 pagassem, os lismo, mas de manter um pais 4 Daniel Aario Reis Filho URSS: 0 Socialismo Reat 1s camponeses seriam livres para comercializar os exce- denies se, como e quando desejassem. A liberdade de comércio foi, pouco a pouco, ampliada a todo o pais. ‘Os camponeses ganhariam também o direito de assa- lariar forga de trabalho, arrendar terras, ¢ recebe- riam incentivos morais e materiais para aumentar a producdo. As medidas beneficiavam os camponeses como um todo, mas particularmente os camponeses ricos — os kulaks — e seriam consagradas pela Lei Fundamental de Utilizago da Terra pelos Traba- thadores, publicada em maio de 1922, e por um Cédigo Agrario, formulado no segundo semestre do mesmo an‘ ‘A industria também foi contemplada com me- didas especfficas. porque era necessério garantir a existéncia de produtos industrializados pelos q1 camponés trocaria sua produg&o. Apelou-se & inicia- tiva particular para que retomasse as pequenas e jas empresas, cuja produgao destinava-se a0 con- sumo dos camponeses. O Estado dec ‘empresas nacionalizadas ou devolver ao controle pri- vado as que empregassem até 20 operarios. A indiis- ia leve (tecidos, couro, objetos de consumo ime- jato em geral) recebeu estimulos. Instaurou-se um sistema de trustificagdo (Ihozraschet), agrupando as grandes empresas. Em novembro de 1922, j4 tiam 430 trustes, reunindo 4144 empresas, com ‘quase um milhdo de operérios. Gozavam de autono- mia financeira e funcionavam segundo o principio do lucro. O Estado suspendeu os sub: se que as empresas ineficientes deveriam fechar. No plano financeiro, criou-se uma.série de inst tuigdes: um banco do Estado, com fungdes regula- doras de um banco central, um banco de crédito para aindést tro para as cooperativas, além de ban- cos municipais, mutuais e caixas econdmicas par aptar a poupanga popular. Valorizou-se a estabi- lidade da moeda, criando-se o chervonetz, baseado no padrao ouro, que funcionaya como unidade de contabilidade. ‘A NEP extinguiu o trabalho obrigatério e esta- beleceu a remuneragio segundo a quantidade ¢ a qualidade do trabalho prestado. Consagrou-se, no ito das indastrias, os estimulos materiais e 0 sa- ldrio por produgao. A NEP favorecia as tendéncias. capitalistas no campo e na cidade. Os bolcheviques admitiam que a Tuta contra elas seria 4rdua. Afinal de contas, os revolucionérios ‘nao haviam aprendido a comerciar nas cadeit Como enfrentar o desafio? Os bolcheviques responderam no proprio con- gresso de 1921. A “abertura econdmica” seria com- plementada, no plano politico, por um fechamento sem precedentes. Os soviets, j4 bastante desfigu- rados, seriam totalmente avassalados bolche- viques, que, se j4 gozavam de confortaveis e inamo- ~ viveis maiorias desde 1918, passariam, desde 1921, a contar com até 99% dos delegados nos congressos. Os sindicatos, também controlados pelos bolchevi- ques, dilaceravam-se entre as tarefas opostas de de- fender os interesses dos trabalhadores e estimular a Daniel Aardo Reis Filho produgao, As greves eram admitidas em casos excep- cionais, mas, em certos setores, como o das ferrovias, eram consideradas “‘intoleraveis do ponto de vista das tarefas gerais da classe trabalhadora”. Na ver- dade, soviets ¢ sindicatos j4 n&o tinham nenhuma autonomia face ao Estado e a instituicdo que regia os destinos da sociedade: o partido bolchevique. O proprio partido dirigente passou a sofrer um processo de centralizagao e de concentragao de pode- res. As tendéncias eram proibidas, consideradas um “desvio"’. Os infratores seriam passiveis de expulsio. Mesmo os dirigentes do comité central poderiam ser expulsos caso incorressem em erros graves. Ao con- gresso de 1921 seguiu-se um expurgo nas fileiras do itido, reduzindo seu efetivo de 732 mil para 515, l militantes. ‘O mais significativo, entretanto, foi a ase: dentro do partido, do “poder’ dos secretério: crescente complexidade de tarefas fizera surgir um aparelho formado por secretariados que, de rgdos meramente executivos, adquiriam autonomia e in- fluéncia na vida partidaria. Os homens do aparelho — os apparatchik — surgiam com forca ¢ nao aban- donariam mais 0 centro do palco. ‘A Nova Politica Econdmica — a NEP — nio foi propriamente uma poli Jo menos num pri- meiro momento, nem se limitou ao ambito econ6- mico. Conformou-se através de uma sucesso, por ria, de decretos, ¢ s6 foi revelar seu global no segundo semestre de 1922, com a publicagdo dos Cédigos Agrario, Civil e URSS: O Socialismo Real do Trabalho. Certas questdes, porém, permaneciam no ar: a NEP seria capaz de conseguir algo mais do que a recuperacio imediata da producao agricola? Ou seja, 0 isolamento internacional da Ris- ‘g@ncias da construgdo do socialismo num s6 pais? De outro lado, até quando os camponeses se satisfariam apenas com as liberdades econdmicas? Até quando seria possivel manter uma abertura parcial e sob controle? Até quando seria possivel preservar um poder politico ultracentralizado numa sociedade com iberdade econdmica? AS CONTRADICOES DA NEP A aplicagio da Nova Politica Econdmica — NEP ruagdo caética posterior @ guerra vada pela fome, que matou mais de 5 milhdes de pessoas no inverno de 1921-1922, apresentava si de superagao. Em 1926/1927, para uma base igual a 100, correspondente a 1913, a superficie semeada atingia o indice de 93,2, a producao de cereais, 91,7, ea média de producao por pessoa, 85,6. Entretanto, ‘como a produgao de exportagio decrescera propor- cionalmente, caindo de 13% em relag&o ao total (1913) para apenas 3% em 1925, a disponibilidade dos cereais no mercado interno aumentava ligeira- mente (514kg por pessoa em 1926/1927 contra SO1kg. em 1913). A cria¢do de animais também se recupe- rava. Eqlinos, bovinos e porcinos alcangavam, res- pectivamente, os indices 87, 121 e 98, ‘A recuperacao agropecudria estimulava 0 con- URSS: 0 Socialismo Real junto. A populagio voltara a crescer e em 1926/1927 j4 ultrapassara o nfvel anterior & guerra. As grandes cidades repovoavam-se. O indice dos empregados nas indéstrias alcancava 88,9 para uma base igual a 100 referente a 1913. governo concentrara-se em reativar a indtis- tria leve. Era a seguinte a situaco de alguns de seus ramos principais (base = 100 em 1913): tecidos — 81; calcados — 103; agticar — 77; sal — 109; quero- sene — 98; fésforos — 104. No conjunto (industria leve e indiistria pesada), a atividade industrial atin- gira em 1927 0 indice 110,5, mas 0 resultado enco- bria o lento ritmo de recuperagao da indtistria pe- sada. ‘A reativagiio econdmica gerava efeitos positivos nas condigSes de vida da populaco, Os trabalha- dores urbaiios ainda foram beneficiados por uma social avangada: assisténcia médica gra- a, férias de oito semanas para as parturientes, seguro-doenga, seguro social contra o desemprego, aposentadoria para os empregados de certos ramos industriais, melhores salrios para as tarefas mais, penosas. O salirio médio operario em 1927 ultra- passava em 15% os f certa mobilidade social era garantida pel dades operirias”, criadas para formar técnicos e administradores de base e compensar, assim, as per- das em quadros motivadas pela emigracdo maciga de pessoal qualificado (cerea de 2 milhdes até o fim da ‘guerra civil). A populagao rural beneficiava-se com 0 imposto 20 Daniel Aardo Reis Filho em géneros, pedra angular da NEP. As obrigagBes do camponés com o Estado baixaram em mais de 50% ‘em relagdo a 1913. Quanto a alimentagfo, assinale- se a recuperagao dos indices anteriores & guerra. Estes eram os éxitos. Vejamos os problemas. A NEP objetivava a recuperagio da producio agricola, Supunha-se que, pagos 0s impostos, os camponeses comercializariam os excedentes com © Estado. Mas a indistria nao estava sendo capaz de fazer chegar ao camponés os produtos de consumo corrente. O mercado rural destes produtos ainda nao atingira os indices de 1913 e, em 1926/1927, absorvia apenas 1/4 da produgdo, que era basicamente diri- gida para os mereados urbanos. ‘A NEP também deveria fornecer maquinas © implementos agricolas ao campo, Com isso atingia~ se um duplo objetivo: mais cereais em troca destes produtos e mais produtividade no campo, bara- teando o custo dos cereais, ou seja, alimentos mais paratos, 0 que significava um custo real mais baixo da forga de trabalho assalariada na industria. Mas havia também dificuldades nesta drea. A entrega de méquinas & agricultura, em 1927, nfo chegava a superar em 5% os indices de 1913. A de adubos qui- micos era maior em 7%, O total de arados, em ferro ¢ madeira, em 1927, mantinha-se inferior a 1910. ‘O parque de tratores dera um salto: de 600, em 1914, para 24504 em 1927, mas era uma gota d'égua no ‘oceano. Basta conferir o consumo de energia nos tra~ balhos agricolas — energia animal: 73,7%; humana: 24,3%; mecénica: 2%. Um outro indicador mostra URSS: O Socialismo Real como os progressos industriais nfio alcancavam 0 campo: a produgao de eletricidade saltara de 897 para 5325 milhdes de kw/h, entre 1923 e 1927. No enianto, as atividades agricolas, responsaveis por ‘quase $0% da renda nacional, consumiam apenas menos de 1% da eletricidade produzida. Ora, a producdo agricola s6 conti cer se a indistria fosse capaz de aumentar a produ- do de bens de consumo corrente. Se o camponés nao Encontrasse nos mercados rurais 0 fsforo, 0 tecid ‘o sal, 0 querosene, 0 calcado, 0 arado etc., nio teria interesse em vender sua producdo. Na pior hipotese, ‘eela era provavel, diminuiria, por falta de estimulos, ‘a superficie semeada. Por maiores que fossem os pregos pagos aos produtos agricolas, se com 0 di- hheiro camponés nada pudesse comprar, também nao produziria. Na comparagio de precos, alifis, os camponeses vinham perdendo. A exce¢io de um breve periodo consecutivo ao tim da guerra civil, a telagdo do indice de precos a varejo dos produtos industriais eo indice dos precos pagos pelos produtos agricolas fora sempre desvantajosa, aos camponeses. Jé em 1923, comegou-se a falar da “crise das tesou- ras”: verificava-se que os pregos indust yam-se velozmente dos precos agricolas, como se afastani as duas pontas de uma tesoura, Para um afastamento calculado em 1,0, em 1913, saltara-se para um de 2,38, em 1923/1924. Em 1927, 0 afas- tamento continuaya em 1,82, 0 que era altamente insatisfatério para os interesses camponeses. Assi- nnale-se que 0 afastamento era bem menor para as Daniel Aarto Reis Filho URSS: O Socialismo Real B seja, 0 camponés produtor de estava sendopena- .do pela ps problema era que o fornecit uso corrente ¢ 0 enfrentamento da ‘garantiriam apenas 0 atingimento dos talvez até mesmo um certo acréscimo. Mas a Soviética necessitava de muito mais para cons- significativo. Para isso tera necessaria uma verdadeira revolugio tecnolégica mno campo, condigao indispensdvel para a constitu do de uma indfstria em condigbes de enfrentar a concorréncia e as ameagas intern: -la de matérias-primas, para ali ‘os e os empregados dos servicos que ela ci ‘quais dependeria. Como conseguir recursos para em- preender a revolugio tecnolégica no campo? Seria possivel faz@-la nos moldes da NEP? ‘Uma outra questo dizia respeito industria pesads, de modesto desenvolvimento na época ante- or A guerra, Aqui nao se tratava apenas de reativar equipamentos, mas de criar todo um setor aind: stente € que era essencial & revoluedo teen campo, a independéncia da URSS ¢ a propria existéncia da revoluco. A preocupagiio com o desen- yolvimento da industria pesada comegou, desde 1927, 2 alropelar a NEP. Em 1926, fixou-se um montante de investimentos de 900 milhdes de rublos, conside- rado exagerado pelos mais decididos partidarios da NEP. Ainda no mesmo ano os céleulos foram revistos para 991 milhdes e, mais tarde, para 1.068 milhoes. Comegou-se a falar da “crise das tesouras”. | ! i Daniel Aariio Reis Filho URSS: O Socialismo Reat Para 1927/1928, as estimativas chegaram a 1.304 milhdes, 1929. O dispéndio de recursos piiblicos — mais 41% — no correspondia ao aumento da arrecadagao (mais 6,3%). A énfase na indistria pesada ja estava Ievando ao desaquecimento da industria leve, ou seja, A escassez de bens de consumo corrente, particular- mente nos mercados rurais. A contrapartida seria a escassez de cereais, E, no entanto, o desenvolvimento da industria pesada exigia o aumento da produgao de alimentos. Era como se 0s soviéticos estivessem co- brindo a cabeca ¢.descobrindo os pés. Os camponeses comegaram a reagir. Se, antes da guerra, entregavam 26% da produgio 20 mer- cado, em 1926/1927 comer iam apenas 13%. ‘Ja vimos que a produgao de cereais atingia, em 1927, 91,7% da de 1913. Pois bem, 0 montante comer- cializado caira mais de 50% em relagio a 1913. Os ‘camponeses estocayam, ou deixavam de semear. Ou ambas as coisas, Os camponeses pobres ¢ médios asseguravam 85,3% da produgio. Mas s6 estavam jogando no mercado 11,2% de sua producao. A es- cassez de bens industriais de consumo corrente, os camponeses respondiam com a escassez de cereais. Os 6rgiios estatais encarregados de comprar cereais no ano agricola de 1927/1928 ainda equilibraram a situagio em julho e agosto de 1927.Mas a partir de ento as compras comegaram a despencar: em se- tembro, menos 3% em relagdio ao mesmo més do ano anterior; em outubro, menos 30%; menos 56% em novembro. O mesmo déficit em dezembro. Com- prava-se menos em 1927 do que em 1926. E os planos exigiam melhores indices para abastecer cidades em crescimento e para comprar maquinas para a indts- tria pesada em expansao. A crise ameagava subverter 0s planos, punha em perigo a industria pesada e 0 abastecimento das cidades. Como enfrentar 0 pro- blema? Reafirmando ou abandonando a NEP? © partido bolchevique dividia-se em duas ten- déncias. A primeira, sempre derrotada até dezembro de 1927 nas conferéncias ¢ congressos.do partido bol- chevique, previa a revisio, e mesmo 0 abandono da NEP, em proveito de investimentos macigos na it ddstria pesada. A liberdade econdmica da NEP seria substituida por Planos progressivamente mais rigo- rosos nas previsdes, esti cultura seria coletivizada e mecanizada para’ganhar niveis mais altos de produtividade, liberando mio- de-obra para o crescimento industrial que a abaste- de maquinas, tratores, arados etc. Conside- raya-se que a pequena produgdo era responder as e: lerado da indist que enunciava a Lei da Acumulagao Socialista Primi ‘Quanto mais um pais que passe & organizagao socialista da produgao for economicamente atrasado ¢ de carater camponés... mais deveré contar, para a acumulagio socialista, com a exploragao das formas era preciso dirigir a economia do ponto de vista da Daniel Aardo Reis Fitho Produgao, e nao do consumo, A resisténcia campo- nesa deveria ser enfrentada com uma politica fiscal mais rigorosa do que a aplicada pela NEP e com 0 estimulo a producdo coletiva no campo. © projeto era altamente centralizador, mas 0 autor, paradoxalmente, alertava contra tendéncias Partido, levantando-se contra as resolugées pi rias de 1921. O pr llegiava, na pratica, a construg&o do socialismo na URSS, mas o autor insistia na necessidade da revolucéo mundial, adver- tindo que o isolamento da URSS no plano cional conduziria a revolugdo russa ao fracasso, Em torno desta tendéncia agrupar-se-iam Trots- ky, Antonov-Oyseenko, Muralov, Smirnov, Piata- koy, Smilga, Radek, Racowsky, Serebriakov, Sapro- nov e, depois de 1926, mas sem muita firmeza, Ka- menev, Zinoviev, Krupskaya, entre outros. A tendén- cia reunia boa parte da velha guarda bolchevique e a maioria dos intelectuais da organizagio que, sob a lideranga de Trotsky, se hav: ado aos bolcheviques em 1917. A segunda tendénci: de Bukharin e St da Acumulagao Soci zensky levaria ao massacre do campesinato e, em conseqiiéncia, ao rompimento da alianca operdrio- camponesa, e criagtio de uma nova classe de explo- radores. Advogava um plano flexivel, de cardter indi- e suscetivel de coexistir com a liberdade co- mercial que a NEP assegurava, Condenava os inves- timentos macigos na indiistria pesada e lutava pela nogao de “‘combinacao 6tima” entre a produg&o e 0 consumo, Quanto ao ritmo de desenvolvimento, pre- itmo mais elevado a longo prazo" e nio 10 ano ou em qualquer ano isoladamente”. Bukharin criticava a tendéncia de Preobrazensky e de Trotsky por nao compreender que se “‘a indiistria é o elemento dirigente na econo- i ‘agricultura é a base sobre a qual a nossa industria pode se desenvolver”. Bukharin pro- pe a defesa da NEP nao como um recuo titico devido as condigdes de um dado momento, mas como uma nova estratégia, a longo prazo, de construir 0 socialismo baseado na alianga com 0 campesinato contando com sua ativa participagao. R Mas Bukharin ¢ Stalin nao queriam saber de democratizacao do partido, e muito menos na socie- dade como um conjunto. Aferravam-se as definigdes do X Congresso, e ameagavam com punigdes admi- nistrativas os adversérios, classificando qualquer tentativa organizada de travar a luta politica contra a direga0 como 10", ou seja, passivel de ex- pulséo do pi a seu favor 0 argu- mento leninista de que o partido precisava precaver- se contra as ameagas vam, assim, em contradigo com seus proprios obje- tivos de consolidar a NEP como uma alternativa a longo prazo. No plan 28 Daniel Aardo Reis Fitho URSS: O Socialism Reat nhava Stalin: o isolamento era um fato consumado, ‘Aos revolucionérios russos restava perseverar dentro de suas fronteiras. Stalin apressava-se a di a salvar as aparéncias, que a vit6ria “de - ria sempre na dependéncia da revolucdo interna- cional. Mas enquanto esta nao viesse, os bolchevi- ques nao poderiam ficar de bragos cruzados a espera de uma esperanga... ia, XIV Conferéncia do Partido em abril de 1925, afir- mou-se no XIV Congresso em fins do mesmo ano, por $59 a 65 votos, e se consolidou no XV Congresso, senga de uma oposieao digna deste nome. Os vence- dores removeriam da cena polit rios através da expulsio do partido por “fracio- is da prisao e do exilio. O processo de desvi- dos soviets e dos sindi i dade, mas uma tendéncia sini A chamada “Oposi¢ao Unificada” (formada por Trotsky, Kamenev e Zinoviev) tentara todos os meios para inverter a correlagdo de forgas. Mas em nenhum momento empolgaria qualquer setor da populagao em torno de suas idéias ou do debate que se travava no interior do aparelho partidario. O proprio Trotsky admitiria que os efetivos de seus simpatizantes nunca passariam de 8 mil. Era uma gota no oceano de 750 mil filiados ao partido comunista da Unio So- viética, 5s vitoriosos eram homens de organizagao e de 1ados, homens de apa- . constituiam a chamada geragao de “secreté- Taroslavski, secretério na Sibéria; Kagano- vitch, secretério no Turquestio; Kiroy, no Azer- baidjan; Kossior, sucessor de Iaroslayski; Mikoyan, no Céueaso; Ordjonikidze, na Transcau- ibychey, presidente da Comissao Central de Controle; Solts, sucessor de Kuib: supremo, o secretério-geral, SI mulava as fungdes de membro do gabinete pol do gabinete de organizacao e da Inspec&o Opersi Camponesa. Os secretérios haviam crescido com 0 Partido, suas criaturas e também seus criadores. Era de certo modo sintomético que o poder no partido se deslocasse da diregdo politica para as secretarias exe- cutivas, ou melhor, que a diregdo politica passasse a ser exercida a partir das secretarias executivas. Bu- Kharin era o mais brilhante dirigente politico desta méquina, Mas nao a controlava porque nao detinha © controle de nenhuma secretaria importante, A ri- gor, nfo passava de um refém cumprindo fungdes determinadas. As grandes linhas da NEP foram preservadas pelo XV Congresso, em 1927, Mas acoplavam-se estranhamente com um superaparelho partidario e estatal num pais isolado internacionalmente em seu projeto de revoluco politi . As orientacdes de Bukharin correspondiam a um projeto de alianga go prazo com o campesinato. Os aparelhos tracentralizados secretavam o rompimento desta (* Daniel Aardo Reis Filho alianga. As contradigbes da NEP, jé assis que se acirravam em fins de 1927, pr novas ¢ imprevistveis reviravoltas... A REVOLUCAO PELO ALTO A crise anunciada em 1927, e que se agravaria em 1928, levaria a adocao de um novo modelo — © dos Planos Qiiingiienais — baseado na coletivi- zacio forgada da agricultura, na industrializagao acelerada — com énfase na indiistria pesada — e na ago do terror pi Em 1? de janeiro de 1928, apenas 39,3% das compras previstas de cereais foram realizadas. No ano anterior, na mesma época, 63,7% do programa estava cumprido. O partido comunista decretard entio “medidas extraordinarias", enquadrando pe- nalmente kulaks € especuladores autorizando a igo dos estoques que fossem encontrados. Mas os kulaks detinham apenas 20% da produgao comer- izada. Assim, para atender as previsOes e as or- dens recebidas, as autoridades locais estenderdo as Daniel Aarito Reis Filho URSS: O Sociatismo Real medidas aos camponeses médios, que controlavam 85% da producdo e 74% dos cereais comercializa- dos. As requisigdes implicarao prisdes, confiscos ile- utilizagao de grupos armados, empréstimos ar- ete, Em fevereiro de 1928, 0 proprio Stalin mentaré os “excessos” cometidos e dard con: joderaco. Mas 0 relaxamento da presséo é catas- de uma média mensal equivalente a cerca de milhdo de toneladas compradas no primeiro tri- mestre, cai-se para apenas 250 mil toneladas em abril. © cumprimento das metas industriais exigirio novas medidas de fora em maio e junho, o que permitiré fechar 0 ano agricola com um resultado mente inferior ao de 1926/1927. O éxito, contudo, € relativo. Os camponeses, ifiados, reduzirdo a superficie semeada. Nos primeiros seis meses do ano agricola de 1928/1929, as autoridades s6 conseguirio comprar metade dos cereais, comparando-se com 0 ano anterior. O par- io decretara novas “medidas extraordinarias” € a politica de forga agora abate-se sobre 0 conjunto dos camponeses, Os que nio entregam as quotas fixadas sofrem multas e podem até perder terras € bens ou mesmo serem presos ou deportados. Mas os resul- jos so mediocres: menos 20% em relag&o ao ano anterior. As exportagdes de cereais baixam de forma brutal: de pouco mais de 2 milhdes de toneladas para jenos de 100 mil. A brecha coberta com expor- tages de petroleo, manteiga, madeiras, peles etc., abrindo-se com isso novas frentes de escassez nos mercados urbanos ¢ rurais. As perspectivas para 0 ano de 1929/1930 sitio mais do que sombrias. Nada indica uma mudanea de atitude por parte dos cam- poneses. Que fazer? O partido optara pela coletivizagao forgada, Ha muito que a pequena exploragio era consi- derada incapaz de alcangar a produtividade reque- rida por uma indistria avancada. Mas as teses vito- riosas no XV Congresso e a propria filosofia da NEP 1,7% de exploragdes coletivas em ja- ,9'% em junho; 7,6% em outubro. OI Plano neses. A marcha da coletivizagao é répida: 7,6% em outubro de 1929, cerca de 60% em margo de 1930. Na regio de Moscow passa-se de 3,2% para 73%. Nos Urais, de 6,3% para 68%. Na Ucrinia atinge-se 82%. Os camponeses revoltam-se, matam comissi- comunistas, incendeiam os campos, abatem os animais, mas serdo impotentes para deter o proceso, A violéncia é tamanha que as proprias autoridades criticardo (mais uma vez) os “excessos", recomen- \do-se a inscricao voluntéria nas exploragdes cole- 5, aS cooperativas ou kolkhozes. A conseqléncia que a proporcdo de camponeses coletivizados desce para 21%. Na Ucrania o indice cai para 18%. A partir de novembro de 1930 o partido voltara a apelar para a violéncia, combinando-a com medidas admi- 4 Daniel Aario Reis Filho URSS: O Socialismo Real 38 nistrativas ¢ estimulos econémicos (isengao de im- postos, direito a sementes etc.). O indice de cole' vizag&o voltard a crescer: 52,7% em junho de 1931, 61,5% em 1932, pausa até 1934, quando se registra 71.4%. Em 1940, 96,8% das exploragdes estario coletivizadas: 25 milhdes de pequenas propriedades haviam dado lugar a 240 mil kolkhozes ¢ a 5 mil sovkhozes (fazendas estaduais). A agricultura fora coletivizada. Mas custara caro. , Os recenseamentos soviéticos indicam em 1939 um déficit de 10 milhoes de pessoas. Mantidas as taxas de crescimento da década de 1920, deveria estar em 180 5 € ndo passava de 170 milhdes. HA outras estimativas mais sombrias, indicando per- das humanas em toro de 20 milh®es de pessoas. Do ponto de vista da producao agricola, os indices de 1928 s6 seriam igualados em 1948, A criagdo de animais sofreu um imenso recuo: em 1934 reduzia-se a menos da metade do rebanho existente em 1929. Foi necessirio reintroduzir 0 racionamento, que s6 foi suspenso em 1935. Mas a coletivizagao permitira ao partido um estrito controle da produce agricola, das margens de comercializagdo ¢ das disponibili- dades para a exportacdo. E era isto que contava para as metas industrializa Desenvolver era o aspecto essencial dos Planos Qlingtienais. Foram criados novos seto- res: quimica, eletrotécnica, aeronautica, automéveis, construgio de maquinas. A metalurgia foi moderni- zada ¢ impulsionada. Entre 1928 e 1939 a produgao de carvio saltara de 35 para 146 milhées de tonela- das; a de petréleo, de 12 para 32 milhdes; a de aco, de 4 para 17 milhdes; a de cimento, de 1,8 para 5,5 de 7 para unidades; a de maquinas/ferramentas, de 2 de tratores, de 1,3 para S1 mil. A de ., de 5,3 para 11,2 milhdes de kw/h. Em pouco mais de 10 anos a URSS passara a terceira nacdo industrial do mundo e segunda da Europa. & certo que a produgio da indistria leve nao acompa- nhava o ritmo, A de ld eresce apenas 8%; a de algo- dio, 28%. As de sabao, de calgados, de agticar refi- nado etc. registram resultados bem mais’ modestos. O esforgo concentrava-se na indiistria pesada ¢ nos grandes projetos: barragens, centrais elétricas, mi- nas, siderurgia, estradas de ferro ete. Mas a vida nao € facil para os operdrios ¢ para 0s trabalhadores urbanos. Em 1933, 75% dos operd- rios so pagos de acordo com a produgao. E as nor- mas de producio sao fixadas de forma arbitréria, muito altas para as possibilidades da maioria, Em 1938, cerca de 60% dos operdrios metaliirgicos nao atingem as normas. A conseqiiéncia é a queda no saldrio real: em 1937, 0 salario médio real equivale a cerca de 60% do de 1928. Trés anos depois registra- se uma nova queda de 10%. A sistematica das nor- mas de producdo estimula a concorréncia entre os operdrios e uma crescente diferenciagio no interior das fabricas. Os trabalhadores de choque — udar- niks — ¢ 0s stakhanovistas (do nome de um mineiro, A. Stakhanoy), que se dedicam a conceber novos métodos de ificagao do trabalho ou/e do apro- Daniel Aario Reis Filho veitamento dos instrumentos de cam-se do conjunto em termos salari mensais contra uma média de 100 rublos pagos aos trabalhadores nao qualificados) e pelo acesso a um certo mimero de privilégios: prioridade no acesso a a colonias de férias, a géneros escassos etc. A jornada de trabalho 6 aumentada para S6 horas semanais, relaxa-se a seguranga do trabalho, e sao péssimas as condigdes de habitacdo: 25% da populacao urbana mora em dormitorios, 5% em corredores, 23,6% vive “num canto”, 40% em habitagdes de uma s6 pega. As transformagdes na agricultura e na indist modificam a fisionomia da sociedade, Novos eixos de desenvolvimento econémico no espago soviético (Tur- ibéria Ocidental, Urais ete.) rompem o nas regides ocidentais. A popu- ntre 1926 e 1939, de 26 para 56 hoes de habitantes (mais de 112%), enquanto a populagao total passaria de 147 para 170 milhoes (mais 15%). Em alguns grandes centros a populagao chega a duplicar, sem falar nas cidades que nascem do nada. Grandes movimentos populacionais inter- regionais e do campo para a cidade subvertem tra- digdes e Lagos de coesto enquanto novas oj i: dades de trabalho abrem horizontes para jovens mulheres, Na URSS 45% da populagdo tem menos de 20 anos, 63% menos de 30, Em 1937, as mulheres constituem 82% dos novos assalariados e, em 1940, 1/3 da forga de trabalho. Os Planos Qoingtenais sepultam a burguesia URSS: O Socialismo Real privada nas cidades ¢ os camponeses ricos — os ku- laks — na area rural. Estimados em cerca de 5 mi- Ihdes, desaparecerao do mapa. A grande maioria dos 75 milhées de camponeses médios tornar-se-&o kol- ‘Khozianos ou entéo emigram para as cidades. Os assalariados urbanos e os kolkhozianos constituem 90% da populagao. Os trabalhadores intelectuais sio os grandes i lunciondrios da maquina estatal e do 4 rigentes de empresas, enge- nheiros, administradores, pesquisadores, planeja- dores, militares, professores, médicos, técnicos qual ficados ete. Eles se localizarao na cdpula da piramide social e 6 deste setor que sairé a maioria dos que detém 0 poder de decisdo politica, Compreendem, incluindo as familias, de 7 a 13 milhdes de pessoas, ou seja, entre 4 a 7,5% da populagao tot 16,3% pelos chefes de empresas rurais ¢ urbanas, 1,75 mi Iho, ou 18,4%; e salario médio operario, Mesmo os escalde: so privilegiados: um secretirio de cél briea, ganha o dobro do sal Além do salirio mais elevado, destacam-se as van- tagens especiais: pensdes e prémios, direitos de he- | \ 4 38 Daniel Aario Reis Filho ee Tanga, isengo de impostos, habitagdes melhores, transporte melhor, utilizagio prioritéria de colénias de férias, acesso prioritério A educagio ete. ym grau relativamente ele- — quase metade deste lias operdrias ou campo- setor 6 origi nesas. Os trabalhadores intelectuais desempenham um Papel-chave nas instancias de direc&o politica da so- ciedade soviética. Em 1934, constituirao 21% dos delegados ao XVII Congreso do PCUS; cineo anos mais tarde, serdo 54% dos delegados ao XVIII Con- gresso do partido comunista. Em 1938, 70% dos novos recrutas do partido originam-se neste setor, enquanto se estima que os operdrios diretamente li- gados & produgao nao ultrapassam 15% dos filiados. partido estimula o recrutamento nas altas esferas: pertencem aos seus quadros 97% dos diretores de f4- brica, 82% dos chefes de empresas de construc 40% dos engenheiros do pais. Inversamente, os operarios perdem importéncia: 30% apenas dos efe- tivos, em 1941. Ocupados diretamente na produc&o nao passam de 6% neste titimo arto... A influéncia dos intelectuais é também ‘dominante no aparelho sindical: 52% dos delegados ao IX Congresso dos sindicatos realizado em 1932, ; O planejamento centralizado da industria e da coletivizagdo forcada, as miltiplas tarefas de dire- 40, de controle e repressio implicitas nesta dind- Si idam um processo j4 esbogado nos anos 20 e fazem emergir um superestado, dotado de pode- Pd URSS: O Socialismo Real de um aspecto esse lanos Qiiinqtienais e da nova URSS. Neste terreno, e particularmente no interior do partido comunista, se elaborarao as praticas e as i de dominacao: o terror politico e os mo real — 0 culto ao Estado todo-pode- T0S0, a0 progresso industrial e A defesa nacional. © terror abate-se sobre os trabalhadores do ‘campo e da cidade. No campo assume, num primeiro momento, a forma de luta pela “dekulakzagao”, ou seja, da luta pelo exterminio dos kulaks como classe. Na pratica, trata-se de uma guerra contra o campo. nés porque 0 conceito de kulak amplia-se conforme as circunstincias. Ao kulak propriamente dito, €, a0 camponés rico, acrescentam-se 0 pequeno-ku. lak, o subkulak, o kulak pela metade, o kulak na Pratica etc, Mais tarde se diré que devem ser consi. derados kulaks os que assumirem uma atitude tipica dos kulaks, ou seja, os que se opuserem ao partido 08 seus objetivos. Num segundo momento, o terror no campo se manifestaré no controle e na repressio a0s trabalhadores kolkhozianos: extragao pela forca de proporeses crescentes da produgio agricola, esta- belecimento de pregos desvantajosos aos campo. heses, condigdes durfssimas de trab: a uma “servidio” de Estado, dos dirigentes kolkhozianos, punigdes e multas seve. 148 para os que ndo cumprissem as normas de pro- ducdo, vinculacdo obrigatéria do camponés a ‘um determinado kolkhoze (ou remogao obrigatéria, de. Daniel Aariéo Reis Filho pendendo das necessidades do Plano) ete. Nas fébricas, abstraindo-se a fragao de udarniks e stakhanovistas, prevalece o regime de "‘todo 0 po- det ao chefe da empresa’. O chefe tem poderes os operarios. As normas de produgio sfo determinadas pelo alto & obrigatérias para todos. Os que nao condigSes do contrato de trabalho sag pass 4 meses de prisao. A paralisagao do trabalho é pu- nida com penas de prisdo nao inferiores a um ano, ‘com confisco parcial ou total de bens de acordo com a gravidade do caso. Em certos casos prevé-se 0 fuzi- injustificada € sujeita a multas ¢ a trabalho suplementar. Os pequenos roubos € os esedndalos devidos ao alcoolismo sto passiveis de cadeia (mas 0 Estado no deixa de aumentar a pro- dugao de vodea). O trabalhador é obrigatoriamente vineulado 4 empresa e s6 pode sair com 0 consen mento do chefe. Cria-se a carteira de trabalho, que fica em poder do chefe e onde sao feitas as anotagdes correspondentes a cada operdrio. Nenhum operdrio pode se empregar sem a respectiva carteira. Os qua- dros intermediarios, chefes e jufzes sio advertidos “éncia serd punida severamente. Kaga- noviteh diré em 1934 que “... a terra deveria tremer quando o diretor fabrica”. A disciplina 6 garantida pela policia politica: a NKVD mantém segdes em cada fabrica. ‘A legislagio torna-se cada vez mais severa nos anos 30, A lei estipularé pena de morte para maiores de 12 anos, ser4 instaurada a responsabilidade cole- URSS: 0 Socialismo Real tiva familiar: os que nao denunciarem os préprios parentes implicados em algum crime sero conside- rados ciimplices, sujeitando-se a pristio e ao confisco de bens. Mesmo ignorando os crimes cometidos pelo parente estardo sujeitos 4 deportacao por cinco anos. O terror também se abate sobre 0 trabalho inte- lectual. O controle sobre a Histéria ser particular- mente severo, pois o partido considera-se a propria encarnagio do movimento histérico e o intérprete -giado do presente e do futuro. Mas seus ef dores” se estenderao a Filosofia, ‘nos campos e cdrceres soviéticos, sem proceso ou julgamento, ocuparia dezenas de paginas. Os meios jtamente controlados ¢ as de todos os tipos sao reti- ica. A Cheka dos tempos da guerra em 1922 e se transforma na Adminis- tragio Pe por sua vez, se transformaria, em julho de 1934, no. Comissariado do Povo para o Interior — NKVD. A. polfcia politica, que, no inicio, tinha objetivos bem .dos — combater a contra-revolugao branca —, torna-se um gigantesco aparelho encarregado da pr a de “‘dekulakzago” no canipo, da vigilancia sobre as relagdes de trabalho, do controle dos presos sentenciados a mais de trés anos de prisao e da orga- nizagdo dos campos de trabalhos forgados, que che- 2 Daniel Aarito Reis Fitho URSS: O Socialismo Real gardo a abrigar entre 7 a 12 milhdes de pessoas, que desempenharao um papel produtivo impor- tante na consecugiio das metas dos Planos Qitingtie- nais. Os prisioneiros — os zeki — trabalharao sob condigdes degradantes na construgio de ferrovias, canais, fabricas, barragens, nas minas de ouro e de carvao e na extracdio de madeira. Os campos de Ko- 1a, a0 nordeste da Sibéria, contariio com cerca de 3 milhdes de prisioneiros, trabalhado de 12 a 16 ia na extracdo do ouro (300 toneladas por jinas) e das madeiras para exportacio. ia politic ita delegagio do comité central do part fa, possui a facul- dade de torturar fisica ¢ psicologicamente os detidos, além de executar as sentengas que seus prdprios tri bunais proferem. Estima-se que o niimero de prisio- neiros nao era inferior a 5 milhdes em fins de 1930, E impossivel calcular 0 nimero das vitimas, O terror nao pouparia sequer os quadros do par- tido, do exército e da prépria policia politica. Ainda na década de 20, por decisio do comité central, a OGPU comegaria a desempenhar impor- tante papel na luta politica, identificando os grupos “fracionistas”, vigiando reuniées, prendendo e de- portando quadros dissidentes. Mas a policia politica 6 conquistaria um lugar de primei no na se- gunda metade dos anos 30, quando dirigiu os gran- des processos de Moscou, realizados em agosto de 1936, janeiro de 1937 e marco de 1938. A nata dos revolucionarios de 1917 seria acusada de espionagem a favor da Alemanha nazista e das poténcias impe- dos acusados, extrafdas sob tortura ou por meio de chantagens (ameagas aos filhos e as mulheres dos acusados etc.). Os processos foram piiblicos e caus: ram profundo impacto na URSS e em todo o mundo. A relagdo dos revolucionérios fuzilados é extens: Zinoviev, Kamenev, Bukharin, Smilga, Preobra- zensky, Beloborodoy, Sapronov, Kossior, Sosnovski Safaroy, Zalutski, Chliapnikov, Medvedev, Uglanov, mov, Krylenko, Lominadze, Syrtsov, entre centenas de outros. Ai estavam incluidos os partidarios das 10 operaria a tendéncia de Trotsky € Preobrazensky, dos partidarios de Kamenev ¢ Zino- viev aos que se alinharam com Bukharin, cujas teses giria as proprias chev, Hikhe, Sol ria assassinado em agosto de 1940, em seu exilio no México: Trotsky. Acusado de espionagem interna- cional e de assassinato... As forcas armadas e particularmente 0 exército vermelho também foram devastadas pelo terror: trés dos cinco marechais, 13 entre 15 comandantes do exército, 57 em 85 comandantes de corpos de exér- cito, 110 em 195 generais-de-divisto. O Conselho a Daniel Aario Reis Filho) RSS: O Socialismo Real 4s f Supremo Militar foi dizimado: 75 membros em 80 foram executados. O expurgo atingiu milhares de oficiais e de subofi A URSS era uma fortaleza cercada por potén- cias hostis, A realidade aqui se aproximava do curso: 0 Japto desde 1932 ameacava a leste. A 0 dente, Franca e Inglaterra faziam o possivel para jogar a Alemanha nazista contra a URSS. O eixo Roma-Berlim e o pacto contra a Internacional Comu- nista assinado pela Itélia, Alemanha e Japao defen- diam o aniquilamento dos soviéticos. Diante desta situagdo quem nao estivesse com a URSS estava con- tra ela, Quem estivesse contra a diregao do partido comunista estava, automaticamente, contra a pro- ia URSS. Nao havia nuaneas, meios-termos. Aos (0s e traidores, aplicava-se a tortura, o fuzila- mento, 0 terror. O progresso industrial era duplamente necessé- rio: para construir o socialismo e defender melhor a revolugio. A indtistria era 0 progresso, a moderni- zagio, a abundancia, a sociedade nova, sem explo- rados ¢ exploradores. Todos os sacrificios eram justi- ficados para tornar a URSS realmente independente mercado internacional, livre das poténcias capita- tas, capaz de se defender baseada nas proprias forcas, Tudo dependia da industria, da técnica. O culto da produtividade mobilizaria operdrios (cf. 0 movimento stakhanovista), jovens, mulheres. Era exaltante construir um mundo novo. Os jovens, par- larmente, foram sensfveis ao chamado. ‘Completava 0 quadro 0 culto ao Estado. A uto- pia leninista de extingdo do Estado fora deixada para trés. Era preciso agora “amar o Estado’ ‘gressio rumo ao socialismo acentuaria a im como seus auxiliares imediatos, cairiam também, vitimas do terror. A utilizacdo do terror em larga escala foi uma condigao indispensavel 4 existéncia do modelo do: midou o mais timido movimento de critica. Garat a exploragio dos trabalhadores rurais ¢ urba contribuindo assim para as fantést mulagao caracteristicas do desenvolvimento da in- diistria soviética, espionite e de- lag&o que foi essencial para a paralisagao das even- tuais oposigbes. Além disso, os constantes expurgos forneciam ao povo descontente bodes expiatérios. Os Processos procuravam convencer 0 povo (e 0 conse- m em grande parte) de que o Estado e o partido velavam e puniam os “‘culpados” da mé situagdo em gue todos se encontravam. Finalmente, o terror pos- sibilitou a emergéncia de uma nova camada gente, identificada com a filosofia dos Planos Qitin- Gitenais, iada, e dependente do aparelho através do qual elevara-se a condigao de diregao ps tica. Do terror tudo se poderd dizer, menos que falhou em seus objetivos. Mas 0 terror nao seria suficiente para mobilizar © coerir 0 povo. Para isso também concorreriam 0s mitos do sociatismo real: 0 progresso industrial, a defesa nacional e 0 culto ao Estado todo-poderoso. {ir 46 Daniel Aardo Reis Filho URSS: 0 Socialismo Real ses interna e externamente e por isso a ditadura do proletariado precisava de um Estado cada vez mais forte. E de chefes, porque 0 culto ao Estado era co- roado pelo culto ao chefe, ao mestre, ao continuador de Lenin, ao Lenin de nossos dias, ao guia genial, exemplar, 0 “camarada Stalin”. Fotografias, bust monumentos, nomes de ruas, de avenidas, de des, tudo lembrav a de Stalin. Pater- nal, bondoso, mas fi vel, se fosse 0 caso, sempre clarividente, encarnacao da von- tade e da unidade do partido, do Estado e da nagio, © homem tornou-se um mito e 0 mito era querido, temido, reverenciado, adorado. jo houve luta contra este proceso. Mas os sucessivos expurgos diminuiram a possibilidade de critica. Em 1934 ganhava terreno uma corrente favo- ravel A moderag&o dos ritmos, a uma certa abertura politica, representada por Kirov, Rudzutak, Kuiby- chev, Ordjonikidze, Falou-se mesmo na sub: io de Stalin por Kirov. Mas 0 assassinato deste dltimo pela NKVD, em dezembro de 1934, extinguiria qual- quer esperanga de degelo. O exterminio dos quadros do partido foi avassalador: dos 139 eleitos para 0 comité central em 1934, 98 (pouco mais de 70%) foram aniquilados até margo de 1939, o mesmo ocor- rendo com 1108 dos 1966 delegados presentes a0 XVII Congresso(cerca de 56%). ‘Na sombra do terror surgira uma nova geragio de dirigentes: em 1939, 80,5% dos secretérios regio nais e 93,5% dos secretérios locais haviam ingres- sado no partido depois de 1924. Mais de 90% eram adolescentes em 1917. A maioria, inexperiente, acede ‘aos eargos de direco pela primeira vez, A formagio politica de grande parte baseia-se em dois textos: ‘Histéria do partido comunista da URSS” ¢ ““Pro- blemas do leni diata de Stalin. ‘A alta direg2o partidaria mescla “‘veteranos agrupados em torno de Stalin na luta contra as opo- sigdes € novos seeretérios cooptados, como Idanov, Beria, Malenkov, Kruchtchev, Bul Voznes- senski etc, Os secretérios ¢ os funci nentes, sempre nomeados de cima para baixo, domi- nam 0 partido e constituem uma camada solidaria ¢ interdependente, formada por quase 10% dos filia- dos, A organizacio do aparelho baseia-se na nomen- ‘eatura que signifiea ao mesmo tempo a competéncia de nomeagies dos diversos secretirios, os cargos & respectivos poderes, ¢ a relagdo dos quadros afetados a0s istentes. No final da década de 30 0 gabinete politico é formado por Stalin, Vorochilov, Molotov, Kaganoviteh, Kalinin, Andreev, Mikoyan, Tdanov ¢ Kruchtchey. Sob a diregao destes homens a ‘URSS ingressard na II Guerra Mundi I URSS: O Socialismo Real A URSS E A II GUERRA MUNDIAL ‘A ofensiva alema contra a URSS i 22 de junho de 1941 e foi marcada até o final do ano rias surpreendentes: ocupacao dos Estados bi da Biclo-Russia, de parte da Ucrania e da Criméia e de parcela considerdvel da Rissia euro- péia. Os territ6rios equivaliam a 40% da populacao, 65% do carviio, 68% do ferro, 58% do ago, 60% do aluminio, 41% do equipamente ferrovidrio, 38% da produgao de cereais etc. As tropas nazistas chegaram ‘4 25km, do Kremlin e fizeram quase 2 milhOes de prisioneiros. A URSS beirara a catastrofe. No inverno de 1941/1942, 0 exérc’ equilibraria as agdes, mas a situagiio cor tica. Na primavera de 1942, os alemies lancariam nova ofensiva, agora contra o Caucaso, com 0 obje- tivo de ocupar o sul da URSS. Para isso era preciso conquistar Stalingrado, mas os nazistas nfo conse- guiram fazé-lo. A cidade defendeu-se com herofsmo evenceu um cerco de mais de seis meses. Foi batalha da II Guerra, reunindo mais de 2 soldados. A vitGria soviética representou uma revira- volta de : em fevereiro de 1943 os russos é que tomariam a ofensiva. A partir de julho, a correlacio de forgas inclinar-se-ia para a URSS, com a liberta- cio de varias cidades até novembro: Kursk, Orel, Smolensk, Kiev. No comego de 1944 as tropas soviéticas atingi- riam as fronteiras nacionais de 1939 e penetrariam, Jogo depois, na Europa oriental e central. Em outu- bro, os russos j4 estavam em territério alem&o. A derrota nazista.era uma questo de tempo, mas uma incia desesperada prolongaria a agonia até de 1945. No dia 8 deste més ser capitulagio incondicional dos exércitos nazistas. ‘A chamada Grande Alianca — formada pela URSS, EUA e Inglaterra — abatera a Alemanha hitlerista, mas foi a URSS que suportou o peso da guerra e assumiu a principal responsabilidade pela juidagao do nazismo. O balango das perdas é ilus- -ativo: no cerco de Leningrado morreram mais rus- sos do que todos os ingleses e norte-americanos na guerra, As perdas humanas da Inglaterra, da Franga e dos EUA sa jadas em 1,3 milhdo de pessoas, ‘enquanto os soviéticos perderam mais de 20 milhdes, entre civis e militares. Em 1956, regides da URSS no haviam recuperado os niveis demograficos de 1940. ‘As perdas materiais também foram enormes: em relagdo ao indice 100, equivalente a 1940, as 50 Daniel Aardo Reis Fitho URSS: O Socialismo Real SI inddstrias de consumo, em 1945, agricultura caira para 60. A eletr © trigo para pouco mais de 50; 0 cimento para 30: caleados para pouco mais de 30; tecidos para cerca de 40. A vit6ria fora conquistada, mas a guerra come. sara com surpreendentes derrotas. Como explicé- las? A tidade de chefes reco soviética jogaria a responsal ditador. Examinemos estes argumentos. Em 1941, a Alemanha mente com co1 maior forga econdmica, liberdade de movimentos Europa (onde sé a Inglaterra r sionismo), superioridade mi taque, ou atribuir as primeiras der- rotas a oficiais isolados ou ao proprio Stalin. Nao deveria ter havido surpresa. No semestre de 1941, trés redes de espionagem soviéticas enviaram minuciosas informagtes a respeito da inva- so, 0 que seria confirmado por outras fontes. Mas nao seriam consideradas. Uma semana antes do ata- que, os russos declaravam estar de pé 0 pacto ger mano-soviético, de 1939, ¢ denunciavam como hostis os rumores em sentido rio. Nos dias anteriores a0 inicio da guerra os editoriais do Pravda discorriam sobre assuntos rotineiros. No dia 22 de junho, quan- do comecou a ofensiva, o editorial falava da preo- cupagao com o sistema es Enquanto isso as unidades militares das fronteiras recebiam ordens formais de nao reagir a “provocagdes”. As primeiras medidas sérias de defesa s6 foram tomadas mais de trés horas depois da invasaio, © quadro que se forma ¢ o seguinte: nao deveria ter havido surpresa, mas os soviéticos foram, de fato, surpreendidos. Por qué? Porque as autoridades nao consideraram as expiatérios, mas de compreender a politica que orien- tava o Estado soviético e que permitiu a diversas autoridades, em varios escaldes, desprezar informa- ‘ses vitais para a seguranca ¢ a sobrevivéncia do Pais. Desde o ascenso do nazismo, em 1933, a URSS procurara isolar a Alemanha, A Internacional Comu- nista formularia, em 1935, a politica de frente popu- lar antifascista e o Estado soviético tentava articular ‘um sistema de aliancas com a Inglaterra e a Franga, nos. Pretendiam jogar a Alemanha contra a URS. A tendéncia confirmara-se na conferéncia de Muni- que, em setembro de 1938, com o abandono da Tehecoslovaquia, e em setembro de 1939, quando nada fariam em defesa da Pol6nia. Mas a URSS nao assistia ao jogo passivamente. ‘Também procurou aproximar-se de Hitler, estimu- lando-o contra a Franca ¢ a Inglaterra. Caberia aos Mas as poténcias capitalistas tinham outros pla. I 32 soviéticos, neste caso, assis entre as poténcias cai . ‘Os nazistas preferiram a segunda hip6tese e as- sinaram um pacto de ndo-agressio com os soviéticos em agosto de 1939. E em setembro um outro, de delimitagio de fronteiras ¢ de amizade. Protocolos secretos estabeleciam uma divisio de esferas de in- fluéncia na Europa central ¢ oriental, prevendo a idacdo do Estado polonés e a absorgto dos Esta- jos balticos pela URSS. Os acordos germano-sovié- ticos permitiriam & Alemanha atacar e vencer a Franga em maio-junho de 1940, avassalar o conjunto da Europa continental e desencadear uma grande ofensiva aérea contra a Inglaterra no segundo semes- tre do mesmo ano, Mas a surpreendente resisténci inglesa levaria os nazistas a voltar sua maquina mi tar contra a URSS. Os soviéticos nao quiseram compreender @ mu- danga de ramos, deixando-se enganar pelos alemfes, com 0s quais mantinham florescente comércio. A URSS concentrava sua propaganda contra os anglo- franceses e mesmo internamente nao se falava mais em fascismo. A palavra s6 voltaria a circular em 22 de junho de 1941... horas depois da invasdo. Fora, portanto, presa na armadilha por sua propria poli- tica ao nfo acreditar em mais uma reviravolta de aliangas, 0 que acabou desarmando autoridades € povo face & eventualidade de uma guerra. Daf o des- prezo pelas informagies que previam o ataque na- zista. E a “surpresa’” no dia 22 de junho. Para a derrocada inicial concorreriam também ir de palanque ao conflito URSS: O Socialismo Real 53 ——_—_——————— outros fatores. Em primeiro lugar, a insatisfagio dos povos das regides recém-anexadas 4 URSS e dos camponeses brutalizados pela coletivizagao forgada. Em segundo'lugar, os expurgos no exército vermelho: no comego da guerra, apenas 7% dos oficiais tinham diplomas de estudos militares superiores, 37% nao haviam ainda terminado seus estudos, 75% dos ofi- e 70% dos comissérios exerciam fungdes ha apenas um ano. Finalmente, mas nao menos impor- tante, a prépria estrutura politica que emergira das purgagdes dos anos 30 n&o favorecia o espirito de iniciativa e a liberdade criadora, eésenciais para en- frentar a adversidade num momento de surpresa, de retirada, de derrota, Os fracassos iniciais no foram, no entanto, ivos. O povo saberia, 4 custa de terriveis sacri- , virar a sorte da guerra que se iniciara tio des- favoravelmente. Como entendé-lo? partido comunista atribuiré a vitéria ao “ea- marada Stalin". Depois de 1956 a responsabilidade ser transferida para 0 proprio partido e, em menor, medida, para 0 povo. Mas sio explicacdes que n&o satisfazem. ‘A URSS virou a guerra em primeiro e principal lugar gragas @ resisténcia de seus povos. T1 de uma luta pela sobrevivencia. Desde 0 os nazistas nao deixaram nenhuma margem. inham nao apenas para esmagar o Es- ico e matar os comunistas, mas para des- ia dos russos ¢ n&o-russos. restante seria convertido a um regime de semi- Daniel Aardo Reis Fitho URSS: O Sovialismo Real 55 escravidao. Previa-se a deportagao de 30 milhoes de pessoas © sua substituicao por colonos alemaes. A : 08 Estados balticos reser vados para as ragas nérdicas, a Ucrania e 0 Céucaso para os alemaes, Baku tornar-se-ia uma col6nia tar. As grandes cidades, como Moscou ¢ Leningrado (ex-Petrogrado), seriam arrasadas a canhio, riscadas do mapa. Os nazistas odiavam e desprezavam os russos e a raga eslava em geral, considerando-os “aglomerados de animais". A URSS tornar-se-ia um pats de escravos, de operdrios agricolas ou industriais milhées de prisioneiros de guerra, escaparam pouco mais de 1 milhao em 1945; Leningrado teve mais de Kiev passou de 900 tantes, em 1941, para 180 mil, quando { Riissia perderia quase 1/3 de sua . Poderiamos encher dezenas de pa- disso, os alemaes depredavam os recursos materiais absorviam mais de 50% da reduzida produgio agri- meses; Leningrado ficou cercada 506 dias e ndo se entregou, Stalingrado resistiu mais de 180 dias iia a reviravolta da guerra. Na luta pela , Pela defesa da terra, da patria e da independéneia, os russos se superaram e ganharam, mais uma vez, a admiragto do mundo. partido comunista e 0 Estado soviético tam- bém souberam adaptar-se & nova situagdo. A propa- ganda concentrou-se em estimular os sentimentos 10 e pelos ances- trais, pela terra “sagrada” e pelo “glorioso passado do povo russo”. Cultuavam-se os antepassados herbi- retornou-se a tolerdncia religiosa, restabelece- as tradigdes hierarquicas nas forcas armadas 10 aos galdes, as condecoragdes, A continéncia etc.). Até 0 hino nacional mudou: a Inter- nacional deu lugar a uma melodia autenticamente russa. ‘A nova politica nao agitava o patriotismo no ar. Os Planos Qiiingiienais haviam elevado a URSS & condigdo de segunda poténci is nar uma notével concentra- e humanos e este também 'm fator essencial para explicar 0 éxito dos sovié- ticos na guerra, A URSS emergiria da guerra como segunda po- Nas conferéncias de Yalta 56 Daniel Aarao Reis Filho armamentos) e a agricul- fadas. A principal cdo qualitativa fora a aceleracao da transferéncia de pélos produtivos para as regides orientais, proceso 4 iniciado anteriormente e acompanhado de novas ¢ 1s migragdes: mais de 10 milhdes de trabalha- dores foram para o leste com “suas” indistrias. A composigao da forga de trabalho alterara-se com 0 deslocamento dos homens para as frentes de com- bate: 53% da mao-de-obra era feminina, enquanto os menores de 18 anos constituirdo 15% da forca de trabalho. Embora os critérios de eficiéncia sofressem 0 impacto da guerra (nem sempre o melhor “buro- era mais eficiente nas tarefas militares), as as nao se transformaram. O par- tido comunista continuou firme no leme do Estado, acentuando-se a fusdo entre partido e Estado, A eco- nomia de guerra no favorecera a democracia, Os operérios estavam mais enquadrados e vigiados do que nunca: extensas jornadas de trabalho, sindicatos rigidamente controlados, vinculacdo obrigat6ria ao emprego ¢ A empresa etc, Houve concessies aos cam- poneses, mas ndo ultrapassaram uma certa liberdade de comerciar os produtos de seus pequenos lotes no interior dos kolkhozes. Os comunistas niio conheciam mais as priticas democraticas, mesmo formais. A Juventude Comu- nista, entre 1936 e 1949, nao realizaria um s6 con- gresso, Os sindicatos fariam um, em 1942, mas para tratar de produgao e produtividade. Quanto ao par- URSS: O Socialismo Real 37 tido, também nao reuniu um s6 congresso durante a guerra. O proprio comité central nao se reuniria uma 36 vez. Justificar o fato com as dificuldades da guerra 6 esquecer que, em plena guerra civil, entre 1918 1921, o partido realizara congressos at Durante a guerra o comando do Estado seré exercido por um organismo especial — 0 Comité de Estado para a Defesa, formado por Stalin, Molotov, Beria, Vorochiloy ¢ Malenkov. Em 1942, ingressa~ riam por cooptacdo Kaganovitch, Mikoyan e Voznes- senski. E em 1944, Bulganin. Este organismo no- mearé e desfaré comissdes espectficas para as varias fungdes de céipula do sistema, O partido seré gover- nado pelos secret O partido comunista, a rigor, transformara-se numa frente patridtica popular, ¢ 0 mesmo aconte- ceu com a Juventude Comunista. Os efetivos do par- tido saltaram de 2 mithdes de membros, em 1938, para 5,5 milhdes em 1945. A Juventude contava com cerca de 15 milhdes de filiados. A influéncia dos tra- balhadores intelectuais acentuara-se com a guerra. A vit6ria, 0 poderio e o prestigio internacional da URSS fortaleciam os lagos de coesto do povo em torno do Estado, do partido, dos chefes. O culto & personalidade de Stalin, venerado, adorado e endeu- sado pelos Orgtios de propaganda, atingia o paro- xismo. Havia uma esperanga difusa de que, depois dos horrores da guerra, a situagao tenderia a melho- rar. Mas 0 modelo dos Planos Qilingtienais passara pela prova da guerra: nao sb sobrevivera mas safra dela ainda mais forte... I O APOGEU DO STALINISMO Depois da guerra a reconstrugdo da URSS seria realizada sob orientagiio de novos Planos Quinqle- nais — 0 49, de 1946 a 1950, e 0 59, janeiro de 1951. Mantinha-se 0 padrao da década de 30: énfase na indiistria pesada, expropriagio dos excedentes camponeses e dos trabalhadores fabris, terror pol lativo a 1940 — carvao: etréleo: 167; ago: 211. Mas avam retardatarias — te- mentos equivalente a 42% do total, sobrando para a indistria leve apenas 5,4%. E certo que as necessi- dades militares absorviam entre 1/4 e 1/5 URSS: O Socialismo Reat 39 profundas, A agricultura continuaya a deriva: a compara- do entre as previsdes dos planos ¢ as colheitas efeti vamente realizadas revela que 0 partido nao domi nava ainda a realidade da agricultura, mesmo coleti vizada. Em 1940, a colheita ficara em 80% das pre- visdes. Em 1948, os resultados fora inferiores a 60% do previsto. Em 1949, a colheita ficou em 56% do previsto, Entre 1950 e 1952 houve ligeiras melhorias, mas em 1953 as previsdes confirmavam-se apenas em 70%. O mais grave é que, em nimeros absolutos, a colheita de 1953 fora inferior a de 1940, e apenas Ievemente superior & de 1913. Certos produtos salva- vam-se do incéndio, como as matérias-primas indus- triais. Mas, no que se refere aos cereais e aos legu- mes, a situagdo era preocupante. A pecuéria apre- sentava também um quadro sombrio: em relag&o & base igual a 100, de 1914, 0 néimero de bovinos, em 1953, nao ultrapassava 0 indice de 103; 0 de porcinos estava em 104, 0 de ovinos em 105. da guerra, a agricultura sovié- srescia muito lentamente, quando nao revelava. de estagnacio. Mas continuava sendo uma a secundaria de investimentos — m entre 1946 € 1953, © sonho da mecanizacao acele- rada no se coneretizara. A produgao de tratores estava longe de atender aos requi i membros dos kolkhozes e execrada ideologicamente como expressio e fator de atraso econdmico e mesmo Daniel Aardo Reis Fitho) cultural, assegurava mais de 50% da produgio de batatas e de legumes, ocupando apenas 4% da super- ficie cultivada. As autoridades respondiam com o aprofundamento do processo de coletivizactio e do controle sobre os camponeses. Assim, os kolkhozes passario de 252 mil para pouco mais de 75 mil, em 1952. Argumentaya-se com a pos de de con- centragio de recursos ¢ controles. Mas a agricultura continuava rebelde aos planejadores soviéticos. Os fracassos eram atribuidos a dificuldades méticas ou a deficiéncias de organizagao, mas os problemas eram sociais ¢ politicos.Os camponeses, sempre insatisfeitos com a coletivizagao forgada, ha- viam recebido durante a guerra pregos Ora, no transcurso do 4° Plano Qilingtienal, refor- mas monetirias e fiscais expropriaram os lucros € rendimentos auferidos no periodo anterior. De outro lado, o estrangulamento da indiistria leve tornava cerGnico 0 velho problema da escassez de produtos de bris, rigidamente enquadrados pelos poderes ilimi- tados dos chefes de empresas, pelas normas de pro- dugiio fixadas de cima para baixo, por uma repressio onipresente. Parecia nao haver perspectivas no re- pas- siva: falta de iniciativa, de entusiasmo, lentidio no trabalho, despreocupacdo com a qualidade dos servi- 08 e dos produtos, com os meios de trabalho e de URSS: O Socialismo Real a produgio, com a produtividade... Depois de 1945 o terror voltaria a flagelar a sociedade soviética. Dois ministérios (a designacao “comissariado do povo” caira em desuso durante a IT Guerra) ocupavam-se do, assunto: o do Interior (MVD) e o da Seguranga do Estado (MGB), depois transformado em Comité para a Seguranga do Es- tado, 0 KGB, substituto das pol década de 30 — OGPU e NKVD. As vaga de terror foram, em primeiro lugar, os ex-pri- sioneiros de guerra. Libertados dos campos nazistas transitaram diretamente para os campos soviéticos. O regime desconfiava dos que escapavam dos na- zistas: poderiam ser espiées ou colaboracionistas. ram 0 peso da repressdo, acusadas com o invasor. Depois da responsabilidade coletiva da soli r, adotava-se a responsabi- lidade solidaria para nagdes inteiras. A deportagio ria 75 mil karatchais, 134 mil kalmuyks, 500 ativos, deseo: vos, toda uma nova de presos politicos (estimados entre 6 a 10 toma o rumo do leste, onde serio colocados sob a severa vigilancia da direcio geral dos campos de concentragaio — o Gulag. ‘A propaganda e a “Iuta ideologica”" complemen- tavam 0 terror. A exaltago do nacionalismo russo a Daniel Aardo Reis Filho desdobrava temas j4 tratados durante a guerra. In- tensifica-se 0 culto aos herdis russos, passados e pre- sentes, reais ou imaginérios, inflam-se as previsbes, ritmos e resultados dos Planos, mesmo que a real dade néio corresponda aos objetivos fixados. O culto a Stalin mobiliza toda a sociedade. Seus livros e pensamentos so as biblias do movimento comunista internacional, editados em milhdes de exemplares ¢ dezenas de linguas. Em 1949, por ocasiao do seu 70° aniversério, abrem-se museus dedicados a seus fei- tos, as estétuas multiplicam-se, crescendo em tama- ‘generalissimo, guia, chefe, , Pai. © tema da defesa nacional volta ao primeiro plano gracas & guerra fria, que se insinuaria desde agosto de 1945, com o langamento das bombas até- micas sobre o Japio. Os EUA nao pretendiam ape- nas liquidar o inim.go, mas advertir 0 aliado que se tornava incdmodo. Ao mesmo tempo que se realiza- vam sucessivas reunides ¢ conferéncias destinadas ao fracasso, as maquinas de propaganda preparavam © condicionamento dos povos para novos édios € novas guerras. Os BUA, principal poténcia mundial, tomam ati i doutrina Truman e 0 Plano Marshall, em 1947; a formacao da OTAN e da Repiblica Federal Alema, em 1949; a Comunidade Econ6mica Européia, em 1952. A URSS responderia lance por lance: a fundagdo do secretariado de infor- magio — o Kominform, em 1947; acentuagio do dominio sobre a Europa Oriental, em 1947 e 1948; URSS: O Socialismo Real 63 fundagao do Conselho de Ajuda Méitua Econdmica, jgaré as chamadas “democracias populares” (Polénia, ia, Roménia, Tehecoslovaquia, Hun- aria e Albania) a se regerem pelo modelo dos Pla- nos § s, € a formagdo da Republica Demo- crdtica Alem, em 1949. Mesmo os paises socialistas icos nao escaparao. A Repiiblica Popular da China, formada em outubro de 1949, alinha-se ao padrao soviético pelos acordos de 1950 e 0 mesmo acontece com a Coréia. A guerra neste pais, iniciada em junho de 1950; “‘justificaré” a posteriori a guerra fria, servindo como uma luva para agrupar os campos” em torno das superpoténcias que emergi ram do conflito mundi ‘As foreas internacionais interessadas na guerra terao sabido afirmar-se, ganhando as populagdes para um novo clima de tensio, dé medo, de histeria ¢ sam-se com 0 que se mili- seus delirantes ritmos e do terror politico indispen- savel ao cumprimento de suas metas. A fortaleza ‘a cresceu com a guerra, ste e a Para defendé-la tudo sera permitido. E nem 0 proprio partido comunista escapard’do zelo de seus defensores. Em 1946/1947 uma ampla depuracao atinge 0 wrtido: na Ucrania, caem 38% dos secretirios de dos presidentes de soviets locais. Na Bielo-Riissia 90% dos secretarios locais e 96% dos ada’ 64 Daniel Aardo Reis Fitho URSS: O Socialismo Real 65 responsaveis administrativos. No Kazaquistio, 67% dos dirigentes do p: € do Estado, No conjunto da URSS, mais de 30% dos dirigentes locais. A depuragio chega a céipula dos tém formagao superior e 20,5% formacao secundaria completa, a propor¢0 dos diplomados em escolas superiores entre os delegados ao XIX Congresso, em 1952, sobe para 58%, Os organismos regulares do partido nao tém fas e propostas vém dos niveis superiores e as discussdes existem na medi quando suscitadas por eles. As nomeagées, de ci para baixo, preenchem os cargos de responsal dade, Até a investidura dos secretérios de célula de- pende das instancias superiores. Os congressos ¢ con- feréncias referendam relat6rios j4 aprovados, Nao Passam de rituais com uma fungdo precisa: © propagar a “linha geral”, O XIX Congresso geria” os supremos detentores do A. Kuznetsov, secre- tario do comité central. Varios foram fu: Processo e sem julgamento, Os expurgos “democracias populares”, onde se re cros dos processos de Moscou da década de 30. Rajk, na Hungria, Kostov, na Bulgaria, Gomulka, na Po. nia, Clementis, na Tchecoslovaquia, entre outros, Sao demitidos © muitos perderio a vida. Trata. se de garantir 0 mon sta no “ondicio- , Malen- kov, Kruchtchev, Susioy, Aristov, Brejnev, Ignatov, Mikhailov, Pegov e Ponomarenko, Em 1952/1953 o stalinismo chega ao apogeu dentro e fora da URSS. Mas um certo nimero de contradig®es minava sua forga. na Alemanha, Bierut, na na Hungria ete, Expulsdes, afastamentos Rakosi e Geroe, depuragdes impri- hoes de ‘antes “envelhecém”: em 1939, ape- nas 18,5% tinham mais de 40 anos. Em 1952, 76,6% encontram-se nesta faixa etdria (15,5% acima de 50 anos). As proporgdes serio bem mais elevadas nos 10s dirigentes. Predominam os trabalhado- telectuais. Se, no conjunto, apenas 6,3% dos em contradigao com as 1ento econdmico do pais, O regime frustrara as expect: i tentes depois da guerra, Os Planos continuavam im- 66, Daniel Aardo Reis Filho pondo ritmos alucinantes de acumulagao, despre- zando as caréncias do poyo soviético em bens de con- ‘sumo industriais e em alimentos. As préprias sentiam-se inseguras com os intermindveis expurgos. ‘© modelo dos Planos, pelo menos em certos aspec- tos, parecia entrar em contradig&io com a comple- xidade da sociedade soviética. Setores do aparetho partidario e da policia poli- tica pretenderam enfrentar as contradigdes com no- ‘os € monumentais expurgos, uma reedigZo da dé- cada de 30. A morte de Sti em margo de 1953, teria evitado, por pouco, n¢ morticinios indiscri- minados. Stalin seria entao o tnico respons4vel pelo es- tado de excegao na URSS, como pretender crer N. Kruchtchev em seu relatério “secreto” de 1956? Ou causas mais profundas continuariam im- pondo 4 URSS 0 modelo dos Planos Qii O REFORMISMO PELO ALTO OU A DESESTALINIZACAO Ap6s 0 desaparecimento de Stali perfodo de reformas cujo objetivo prin inico, é a superacdo do terror politico nado existente desde 1929. A primeira medida é 0 arquivamento do pro- cesso contra quinze médicos acusados de tentativa de assassinato de dirigentes do partido comunista. Os acusados, que j4 tinham confessado, mas sob tor- tura, segundo se reconhece publicamente, sio libe- rados. O processo era um pretexto para expurgos generalizados que afetariam a alta diregao do partido e do Estado. A seguir concede-se anistia aos presos com penas inferiores a cinco anos, reduzindo-se & metade as penas maiores. Real tes atingidos pelo terror depois de 1934 ¢ os chefes Daniel Aardo Reis Fitho URSS: 0 Socialismo Real 0 militares executados em 1937. As autoridades anun- um, em dezembro de 1953, a liquidacdo de Beria e de seus principais assessores na chefia da policia listas em arrancar confissdes, con: Por sua vez, trabalhar como agentes do imperialismo desde 1919... A nova direg&o extingue © departamento secreto do comité central e 0 secre- tariado pessoal de Stalin, que haviam desempenhado papel relevante nos expurgos anteriores. O KGB per- deri competéncia para deportar, prender e executar gamento e as investigagdes sero regidas por ‘as € no mais por orientagdes secretas. No itexto de uma campanha contra 0 cul tucionaliza-se o controle do partido sobre a polfcia politica até entao diretamente subordinada a Stalin e seu secretariado pessoal. O partido recuperava poderes perdidos. As tancias de direcdo partidaria recomegavam a fut nar regularmenie. As diregdes intermedidrias rejuve- nesciam e se revitalizavam. Certas reformas abalarao @ burocracia estabelecida — no aparelho central, criam-se comissdes ¢ érgdos destinados a dinamizar 6 controle do partido sobre os setores mais importantes da economia; desmembra-se o secretariado central em dois rgdos: um para a Repiblica russa e outro Para as demais repiiblicas. Varias medidas descen- tralizam poderes e, em 1957, 0 partido sera dividido, em cada regidio, em dois setores, o industrial e 0 agricola, cada um dirigido por um primeiro-secre- trio. Reduz-se a méquina partidéria: 3 200 comités distritais dao lugar a cerca de 1500. As modificacdes no Estado seguem 0 mesmo padrao: transferéncia de responsal para as repdblicas e regides, ex centrais, autonomia para os niveis intermediérios, criago dos Conselhos Nacionais da Economia — Sovnarkhozes — com o objetivo de dirigir e contro- lar, em direas determinadas, os investimentos, a pro- ducao, os salérios, as condigées de trabalho, 0 abas- tecimento. Os novos organismos chegardo acontrolar 3/4 da produgio industrial, estendendo-se pela URSS num total de 105 consethos: 70 para a Russia, | 11 para a Ucrania, 9 para 0 Kazaquistéo, 4 para 0 Uzbequistao, e 1 para cada uma das 11 repiblicas soviéticas restantes. Ha um certo florescimento dos 6rgios do poder local: ampliagao de suas fungdes, participagao popular ete, Mas as reformas nio se politicas, © governo resolve uma série de medidas em relac&io aos kolkhozianos para enfrentar a crOnica escassez. dos produtos alimenticios: elevacao dos pre- Gos dos produtos agricolas, supressio de dividas fis: iminui¢ao de impostos, prioridade para o abas- tecimento dos mercados rurais, antecipagdes sala- riais aos trabalhadores rurais ete. Quanto a classe operéria, revogam-se as leis que vinculavam os traba- adores as empresas e puniam como crimes a indis- ina, as auséncias injustificadas, os atrasos etc. Novas leis prevém 33% de aumento para os salérios mais baixos, a melhoria da remuneragao dos apo- itam as instituigdes 70 Daniel Aario Reis Fitho sentados, a redugo da jornada de trabalho aos sé- bados para 6 horas, salérios maiores ¢ jornadas de trabalho menores para os jovens com menos de 18 anos, maiores licencas para as mulheres gravidas etc. Os sindicatos ganham autonomia para controlar as normas de produgao, as condigdes de emprego e dis- pensa. Criam-se comités permanentes de producdo para contrabalancar o poder dos dirigentes das em- presas. © vento das mudangas atingiré a intelectuali dade. Um grupo de editores transforma certas revis- tas — Novo Mundo, Outubro, Juventude ¢ Moscou Literéria — em veiculos de demincias contra a buro- cracia, os abusos de poder, as injustigas sociais e s, a hipocrisia ete. Autores criticos fazem su- |. Ehrenburg (O degelo), V. Panova (As esta~ i G. Nikolaeva (O -m s6 de pao vive 0 Evtuchenko, Voznessenski, Kuz- Nekrassoy, entre outros. A Unido dos Escritores, que nfo se reunia ha 20 anos, realiza dois congressos — 1954 ¢ 1959 — ¢ elege para postos de diregio intelectuais identificados com o movi- mento de renovacao. 0 reformismo adquire uma dimensio cional: armisticio com os EUA na Cort Conferéneia de Genebra reconhecendo déncia do Vieina (1954), Tratado neutral Austria (1955), visita de Adenauer & URSS (1955), URSS: 0 Socialismo Real n cipio e ndo como expediente tético. A reconciliacao com Tito pressupde 0 reconhecimento de caminhos diferentes para a construgao do socialismo. A dis- tensio internacional permite 4 URSS desmobi efetivos convencionais e reduzir a importdncia dos aumentos concedidos aos quadros das forgas arma- das e da policia politica. A ofensiva reformista € coroada com a re zagao, em fevereiro de 1956, do XX Congreso Partido Comunista, que aprova as mudangas reali- zadas. Mas a URSS e 0 mundo ficarfo at6nitos com as dentincias feitas por N- Kruchtchey, No informe pronunciado no iiltimo dia dos trabalhos, em sessio secreta, mas cujo contetido o autor teria a habilidade de fazer circular pelo pais ¢ pelo mundo, N. Kruch- ieados na época de Kruchtchev, que passava do 5? lugar na ia para o cargo de primeiro-secret estar demasiadamente associado a Stalin). A nagao de Beria, em dezembro de 1953, a subordina- do de Malenkoy, em fevereiro de 1955, prepararam © caminho. Kruchtchev confirmaria sua lideranga no n Daniel Aaréo Reis Filho URSS: O Sociatismo Real B (Malenkov, Molotoy e Vorochilov), destituido em 1957, e na demissio do marechal Zukhov, acusado de bonapartismo e também destitufdo em outubro de 1957. A comemoragio do 40° aniversério da reyolu- cdo de outubro assinalaria 0 auge da politica refor- mista. O langamento do Sputini cago pratica do acerto de uma pol temacfonal, uma reunitio dos PCs de todo o mundo em Moscou consagrava a lideranga de Moscou. ‘Mas as reformas esbarravam em resisténcias tradigdes. ‘A economia continua Iutando com estrangula- mentos persistentes. Para uma base igual a 100, relativa a 1953, teremos em 1964 os seguintes indices carvao: 173; petroleo: 422; eletricidade: stria leve continuava em plano secun- e de bens de consumo durdvel era altamente insa- isfat6ria em relagio A demanda. A agricultura cres- lentamente. Utilizando as mesmas referéncias es indices — bovinos: 155; (32. A produgio de cereais indice em 1964 era igual a 146, mas em 1963 caira a 107, obrigando a URSS a recorrer a compras macicas de cereais no exterior e a promover © racionamento do pio, abolido desde 1947. Opior é que a direcdo soviética parecia confusa. OVI Plano Qiiingiienal a comegar em 1956 néio fora anunciado, Entre 1956 ¢ 1958 a URSS foi regida por poreinos: 152; ovine permanecia preocupante: icos e de bens de consumo fatoria em relagdo a de- ‘manda. Daniel Aariio Reis Filho anos anuais. Em 1959 anunciou-se um mirabo- ante plano setenal que iria até 1965. Trés anos de- pois, porém, retornava-se ao modelo qlingtienal. Nas marchas e contramarchas, contudo, a diregio conservara a ret6rica e 0 estilo triunfalistas do pe- riodo anterior a 1953. Kruchtchey conclamava o povo a superar os EUA na producdo de carne até 1960 e propunha solucionar a escassez. crOnica de cereais com o desbravamento das terras virgens na Sibéria central e no Kazaquistio, onde se pretendia abrir para o cultivo 37 milhdes de hectares. O Plano setenal previa ritmos alucinantes em todos os setores. Kruchtchev queria ult fs istas, em todos os niveis, ¢ atingir as bases mate- da sociedade comunista em 1980. ‘Mas a realidade era madrasta. A imprensa lamentava a falta de produtos de ‘uso corrente: meias, sapatos, roupas de baixo. Deter- ‘minados produtos ‘amontoavam-se nas lojas, mas ninguém os comprava, “por feios ¢ de m& quali- dade”, segundo o Pravda. Em Leningrado os respon- séveis registravam 2,5 milhdes de jornadas de traba- las por atrasos ou faltas nao justificadas. Os administradores ¢ chefes de empresa receavam demissées e ocultavam a capacidade de producto das empresas para poderem, depois, superar as “normas” do Plano. Os apelos triunfalistas tinham, as vezes, efeitos catastroficos. Por exemplo, ao desbravar milhées de hectares de terras virgens, no se cuidou como devido do tratamento do solo, da adequacao das sementes URSS: O Socialismo Real B ao clima, da assisténcia técnica e dos adubos. O re- sultado € que, em 1962, perdeu-se cerca de 80% da colheita. Ao mesmo tempo, milhares de jovens e de kolkhozianos, mobilizados para as terras virgens, desfalcavam setores produtivos importantes, gerando quedas ou estagnagio da producao. Planos setoriais irrealistas promoviam desastres localizados. A obses- so em superar os paises capitalistas em prazos cur- tos também ocasionava crises regionais ou de produ- tos. No plano politico afloravam as contradicdes. ‘As reformas ndo alteraram o mecanismo eleito- ral. O voto era formalmente secreto, mas nao havia nenhuma liberdade de escolha, ¢ até mesmo 0 direito de yotar nulo ou em branco era de dificil exercicio. Na época de Stalin as eleigdes ers a farsa. Ora, as de 1962 nao inovaram pela originalidade: 99,95% de comparecimento, Mais de 99% dos votos para a chapa Gnica de candidatos apresentados pelo par- tido. O Soviet Supremo continuava sendo o parla- mento da unanimidade e um vefculo de propaganda para decisdes tomadas em outras instancias. ‘Jéem 1962 as autoridades revertiam as reformas descentralizadoras com a reduc&o-concentragao dos conselhos de economia, A repiiblica russa passou a ter apenas 24 (70 anteri da Ucrania, 7, em vez de 11, as 4 rep ficas passavam a ir uma s6 regidio, o mesmo ocorrendo com as as transcaucasianas e as biilticas. Criaram- el superior, 18 conselhos regionais de eco- ‘0 Supremo Consetho se, em nomia e um organismo centri 6 Daniel Aario Reis Filho da Economia Nacional. Constatava-se a mesma ten- déncia centralizadora em relagao a elaboraciio do Plano e do orgamento anual, questies, nunca haviam passado por um auténtico processo de descentralizagio. E certo que o terror indiscriminado nao retor- nara, Os dirigentes nao eram mais executados quan- do destituidos — ganhavam postos de menor respon- sabilidade e direito 4 aposentadoria (foi o caso, por exemplo, do grupo antipartido em 1957), Mas isto era pouco em face das expectativas abertas pelo XX Congresso. As discuss0es decisivas contimuavam se- cretas, as demissbes, mesmo de altos postos, nao eram politicamente esclarecidas. © poder do Estado sobre o individuo, embora contido em suas formas mais aberrantes, permanecia esmagador. O aparelho da justica continuava depen- dente do partido, A milicia conservara 0 direito de manter 0 preso incomunicavel por dois meses, sem julgamento, e até por nove meses, com 0 acordo de procurador. E verdade que os campos de concen- cio haviam sido esvaziados ap6s o XX Congresso. 1958, o Soviet Supremo deliberava sobre .es de campos de concentragao. O regime ligho politica de muitos prisio- neiros, considerando-os criminosos comuns ou lou- 0s... préprio partido comunista resistia as mudan- as. Os dirigentes locais protestavam contra a redu- 80 dos comités de distrito. Os escalées intermedi ios estavam insatisfeitos com a divisio do poder a Mas, desde URSS: O Socialismo Real nivel regional — o partido fora segmentado por se- tores econdmicos (0 industrial e 0 agricola). O con- junto do aparelho temia as conseqiéncias da deses- talinizagdo. As reformas descentralizadoras nao ‘eram apoiadas pelos apparatchik. O partido nao que- tia perder 0 controle sobre o Estado e a sociedade. Internamente, o centralismo permanecera intocével: as iniciativas sempre vinham do alto e as discussdes dependiam da luz verde das cépulas. A concentragao ea personificago do poder voltaram a se manifestar: desde 1958, N. Kruchtchev acumulava as chefias do partido ¢ do Estado. O culto & personalidade, em- bora combatido, retornava. ‘As dificuldades e impasses atingiam a dimensto internacional que fora de grande importfncia para a consolidagao inicial dos novos dirigentes. Um ba- lango dos avangos e recuos entre 1953 e 1964 mostra um resultado desfavoravel para a URSS. ‘A politica de coexisténcia pacifica objetivava a superado da guerra fria e 0 estabelecimento de rela~ des estaveis com os EUA. A visita de Kruchtchev aos EUA em setembro de 1959 parecia coroar de éxito a nova politica. Mas no ano seguinte a confe- réncia internacional de Paris (maio de 1960) termi- naria num lamentivel fracasso. No confronto com as istas a URSS acumularia uma série de fracassos: invasio dos mariners no Libano, em 1958; intervengdo no Congo, em 19 da guerra especial no sul do Vietna, em 1961, e, mais importante, a crise cubana, em outubro de 1962, com a vergonhosa retirada dos foguetes soviéticos 1 8 Daniel Aardo Reis Filho instalados na itha do Caribe. E certo que os EUA também perderiam posigdes na Europa ¢ nas Amé- ricas com a revolugdo cubana. Mas a URSS, sobre- tudo depois de 1962, parecia incapaz de enfrentar a agressividade norte-americana. O aspecto mais sombrio da nova politica externa era a crise aberta no mundo socialista, Na Europa oriental, os soviéticos esmagaram com tanques insur- reigdes via trouxera magros beneficios. Do outro lado do mundo, a China apresentava-se como novo “farol" da revolugaio mundial. As divergéncias com os chi- neses degradaram-se ¢ levaram ao rompimento de relagdes e a enfrentamentos armados. Os chineses acusavam cistas e .. Sem que ‘ou desejado, a deses- juidacdo do controle wiéticos o tivessem previs izagtio desembocara na Diante destas contradigdes, 0 reformismo vaci- lava. Era preciso avancar ou retroceder. As posigdes ergentes se enfrentariam no XXII Congreso, rea- lizado em 1961, e a corrente de Kruchtchev pareceu levar a melhor. Aprovou-se o aprofundamento das reformas periodo stalinista. Com base nos arquivos do cor central e nos testemunhos dos milhées de prisioneiros URSS: O Socialismo Real gantesca dos expurgos e a participacao no processo. O mais grave, porém, icagtlo de uma série de livros, o principal €0 de A. Soljenitsyn: Um dia de I. Denis- sovitch, revela que 0 terror politico nao é (¢ nao poderia mesmo ser) obra de um homem 6, to caso, Stalin, por mais poderoso que tenha sido. E todo um sistema que se encontra em questo. Novas reformas comegam a desequilibrar a es- trutura partidaria. Descentralizacao, rotagdo obriga- t6ria de responsabilidades, supressdo das remunera- bes no declaradas e que excediam de muitas vezes 6 salario oficialmente concedido, supressao de sim- bolos e niveis hierdrquicos que cristalizavam os pri ios dos membros do partido comunista, criagio de ‘um novo organismo de controle partidario com pode- res praticamente ilimitados. © aparelho partidério sente-se ameagado, A insatisfagdio ganha os quadros das forgas armadas e do KGB, frustrados com os sucessivos fracassos na politica internacional, com as restrigdes em seus pé- deres e saldrios. Os préprios intelectuais, beneficia- dos com maiores margens de liberdade e de criagao, ntem atendidos em suas reivindicacdes. E a reformista de N. Kruchtchev era mar- fangos ¢ recuos. Fora assim no aso de B. Kruchtchev convocaria os intelectuais para dois en- 9 Daniel Aarao Reis Fi URSS: O Socialismo Real a contros, em 1962 ¢ 1963, repreendendo-os severa- mente. A censura yoltaria a atacar, forgando o apa- recimento dos sarnizdat (de sam — 0 proprio; e izdat — editor), textos impressos pelo proprio autor. Va- rias revistas circulam clandestinament ir Boomerang, Fenix, Spiral etc. O flore te tipo de oposigio inquietava os mais conserva- dores. A crise agricola do ano de 1963 acelera: tisfacdo geral e a convergéncia de movimentos de oposigao de natureza ¢ sentic F. Claudin registra manifestagdes operdrias, de importancia diversa, em 1961 e 1962, em Grosni, Drasnodra, Donetsk, Yaroslav, Zdanov,-Gork, Ale- xandrov, Muron, Ninney Tangil, Odessa, Kuyt chey, Timerdam etc. A principal ocorreria em junho de 1962 numa fabrica de locomotivas em Novotser- kask. Exasperados por aumentos simultdneos nos precos da carne e da manteiga e pela elevagdo das normas de producto, os operdrios entram em greve e desmontam os trilhos da estrada de ferro Moscou- Rostoy. As autoridades respondem com a repressdo e prendem 30 operdrios, mas a greve estende-se, mobi lizando os estudantes do Instituto Politéenico sediado na cidade. Os grevistas organizam manifestacdes favoraveis a libertago dos prisioneiros. O exéreito, entio, apareceu e atirou na multidao com balas dum-dum, matando perto de 80 pessoas. Os feridos e mortos, assim como suas fat is, desapareceram completamente. Processos sul ios condenaram 9 operrios 4 morte ¢ um ndmero indeterminado a pe- nas pesadas nos campos de concentragao. A impren- sa oficial nao publicou nenhuma noticia sobre 0 con- flito e a justica nfo incomodou os responsaveis pelo massacre da multido, Mas as autoridades rebaixa- ram os pregos das mercadorias... Uma outra expressio da insatisfagio é o surgi- mento de organizagdes clandestinas de oposigio. A policia politica anunciou o desmantelamento de vé- : Uniti de Patriotas da Réissia, nas universidades de Moscou e Leningrado; Unido dos Operarios e io de Luta pelo Renas- iversidade de ins- taco do Povo. Diferentes nomes, d i denominador piragdes, comum € a oposi¢ao ao regime vigente. ‘A politica reformista aprovada pelo XXII Con- gresso enredava-se em suas contradigdes: demasiada para o aparelho partidario e para a cfipula do re- gime, era insuficiente para atender as aspiragbes € esperangas que ela propria suscitara e estimulara, Considerada perigosa pelas elites no poder, nao fora capaz de agrupar forcas sociais significativas. contrario: as manifestades apontadas confirmam. versos tipos de oposigao. Amadureciam assim as condigSes para uma mu- danga de politica, Ela se concretizaria na aboligao do reformismo vigente. O golpe foi dado em duas reu- nides sucessivas do Presidio ampliado do partido comunista, em 11 de outubro de 1964, confirmada, trés dias depois, por um pleno do comité central: 82 Daniel Aardo Reis Filho Kruchtchev seria deposto e, sinal dos novos tempos, enviado suavemente para a aposentadoria. Os sucessores constituiriam uma troika: Leonid irigiria o partido, Alexey Kosygin, o con- tros e Nicolai Podgorny asseguraria as decorativas fungdes de presidente do Soviet Supremo. A nova direc&o revogaria as reformas do periodo anterior. Liquidou os conselhos nacionais de econo- e reunificou os regionais. Eliminou as modificagdes intro- duzidas no aparelho central ¢ restabeleceu os privi- Iégios ameagados pelas resolugdes do XXII Con- gresso. Preocupou-se mesmo com os nomes: restau- rou 0 titulo de secretirio-geral, atrit nev, ¢ voltou a chamar a céipula part nete Politico, o Politbureau, associado 4 época de Lenin. E verdade que nao se trouxe de volta o cada- ver de Stalin para 0 mausoléu onde se encontrava de onde fora retirado apés 0 XXII Congreso, mas houye um processo parcial de re: i voltaria a ser incensado, mas deixaria de ser o bode expiatério dos erros cometidos. seria totalmente liquidada. O terror indiscriminado, por exemplo, seré banido dos costumes politicos, embora permanega o terror seletivo, aplicado sob formas sofisticadas. O periodo de 1953 a 1964 terd revelado os limites do reformismo pelo alto. O mode- Jo dos Planos demonstrou ter rafzes sociais e polfticas que nfio se deixardo remover ou destruir por medidas legais, provenientes do proprio centro do poder. URSS: O Sociatismo Reat €0 partido comunista, Confirma-se seu Estado e a sociedade. Consoli ses que 0 subentende. A dor esté institucionalizada, esti O grande vitorioso na deposigdio de Kruchtchey poder sobre 0 URSS: O Socialismo Real A URSS E O MOVIMENTO. COMUNISTA INTERNACIONAL De 1919 a 1943 as relagdes entre a URSS e 0 Movimento Comunista Internacional — MCI — transcorreram sob a égide da Internacional Comu- nista — IC. Entre 1943 e 1947, o Estado soviético manter contatos diretos com 0 MCI e em setembro deste iiltimo ano restabelecer-se-4 novo centro de coordenacio — o Secretariado de Informacao dos PCs e Estados socialistas — 0 Kominform, desati- vado em 1953 e dissolvido em 1956. Desde entao, Moscou retoma relacGes diretas com os PCs ¢ Esta- dos socialistas. O balanco da teoria e da pritica da URSS e do MCT desde 1921 até 1964 surpreende pela sucessio de experiéncias revolucionérias fracassadas, No mundo capitalista avancado (Europa ocidental, EUA ¢ Tapio) a revolucao socialista nto riosa e a classe operdria permanece dominada pelo refor- mismo. Onde os comunistas conseguiram hegemo- Itélia e Franga, foram assimilados pelo refor- mismo que tanto combateram na década de 20. A IC no soube transformar as crises revoluciondrias ale- mi ¢ italiana do comeco dos anos 20 em revolucdes vitoriosas. Nao entendeu a estabilizagao do capita- lismo depois da I Grande Guerra. Superestimou suas contradigdes internas. Nao compreendeu, nem soube deter 0 avango do nazismo. A politica de frentes populares nfo assegurou o aproveitamento das crises revolucionérias na Espanha (1936-1939), na Italia, na Franga e na Grécia (1944-1947). Finalmente, no mais aceso da If Guerra Mundial, a IC dissolveu-se melancolicamente, sem formular sequer um balango ico de suas infelizes experiéncias, Na Europa, a igoslavia, exatamente porque 0 PC Iugoslavo insurgiu-se contra as orientagdes e de- cisdes da IC. E claro que nfo se esquece 0 apare- cimento de Estados socialistas na Europa oriental — ia, Roménia, Bulgéria, Hungria, Tchecoslo- véquia ¢ Alemanha oriental. Mas, nestes casos, no se trata propriamente de revolugdes, mas do ascenso dos comunistas ao leme do Estado sob a protego do exército soviético. . Na América Latina, Africa e Asia o MCI sempre foi débil, com as excegdes da China e do Vietna, onde processos revoluciondrios prolongados permitiram a vitoria do socialismo. Mas 0 éxito s6 foi possivel porque os comunistas chineses e vietnamitas, como 0s ingoslavos, insurgiram-se contra as orientagdes da. ICe do Estado soviético. Quanto & revolugao cubana, 86 Daniel Aardo Reis Filho —_— i desenvolveu-se, até a tomada do poder, quase que totalmente a revelia dos comunistas. As relages no interior do bloco de Estados so- cialistas também nao apresenta um balanco exal- tante. Depois de 1956 0 MCI perde 0 cardter mono- litico ¢ os Estados socialistas trocam insultos e tiros. Como explicar a inapeténcia revolucionéria da IC? Como entender que o primeiro Estado socialista no mundo — a URSS — tenha desempenhado um Papel tdo discreto na promogao da revolugdo mun- dial? E que tenha se oposto ativamente a processos tevolucionérios vitoriosos (Iugoslavia e China) ou ao aproveitamento de crises revoluciondrias (Espanha, Itélia, Franga, Grécia etc.)? Por que o MCI e 0 Es. tado soviético contribufram tao pouco para a irrup- io da revolucao socialista e por que atuaram, em ‘Arios momentos, como freio € mesmo contra a tevo- ico? A andlise das concepgdes da IC e do Estado Soviético sobre a revolugéo fornece uma primeira icagdo. Enquanto existiu, a IC manteve uma visio europocentrista da revolugao mundial, Os ope- ririos teriam a missdo de destruir o si lista. A revolugao estaria “madura”, cendo rapidamente”. O capitalismo “agonizava" num beco sem saida. Seria derrubado em pouco tempo. Os fracassos cram atribuidos aos traidores lemocratas ou a “agentes” do ini i trados. Quando o refluxo do movimento social im- punha-se ao delirio, dizia-se que a revolugdo se reatualizaria com rapidez. A teoria nao era eficaz na URSS: O Socialismo Real 87 ————— ee prética, mas a IC perseverava, insenstvel aos apelos da realidade, No seu tiltimo congresso, VII, realizado em 1935, sem fazer ym balango eritico da experiéncia anterior, a IC renunciava a revolugio iminente e adotava a orientagao das frentes populares. Os comu- nistas deveriam construir amplas frentes contra o nazi-fascismo na base do programa dos partidos anti- fascistas mais atrasados politica e socialmente. Quando o movimento popular antifascista rompia os diques era freado pelos comunistas. Na Espanhae na Franga, antes da guerra, e na Franca, Italia e Gré- lepois da guerra, os comunistas ficaram presos a Programas timidos, prejudicando a mobilizagtio dos trabalhadores. Depois de se empenharem a fundo na luta anti- fascista, os comunistas receberiam orientagio, em agosto de 1939, de voltar sua luta contra os impe- rialismos anglo-franceses. E que a URSS acabava de assinar um tratado de paz com a Alemanha nazista e © MCI, unanimemente, de um dia para o outro, sem implesmente trocava de “inimigo’ Era um fato ins6lito. Os comunistas nfo falavam nada do nazismo em plena expansdio depois de terem sido, durante anos, os campedes da luta antifascista, A anomalia s6 foi corrigida em junho de 1941 quando os nazistas invadiram a URSS. Os comunis. tas voltaram, entéo, & propaganda antinazist Durante a II Guerra os PCs se destacariam na luta antinazista, mas a revolugaio n&o figurava como Daniel Aario Reis Filho teve infiufncia decisiva no. nfo aproveitemento da crise revolucionaria de 1944/1947. Some goslévia os comunistas fizeram da luta ar um momento ¢ um proceso de actimulo de forcas rumo a revoluco socialista. Mas 0 fizeram sob pres- sdo e contrariando explicitas orientagdes da IC e de Moscou. Quando a Grande Aliana deu lugar & guerra fria — 1947-1948 — houve nova reviravolta. Os EUA ca Inglaterra, que até 1947 pertenciam ao campo das nagdes democriticas e amantes da paz, trans- formavam-se e gos do socialismo e da huma- jade. Para enquadrar a nova mudanga, foi re- criado um centro internacional — 0 Kominform, em setembro de 1947. Participam de sua fundagio — caracterizando a persisténcia do fendmeno europo- centrista — nove PCs: os da URSS, Polonia, Romé- Bulgéria, Hungria, Tcheco-Eslovaquia, Iugos- lavia, Itélia e Franca. A concepgdo revoluciondria do Kominform de- finia a existéncia de uma contradig4o fundamental que oporia os Estados socialistas — liderados pela igidos pelos BUA. Os movimentos revoluciondrios ¢ os PCs em todo o mundo constitufam “forgas de apoio” a0 campo socialista, O programa reyoluciondrio era resumido na luta pela paz, pela democracia e pelo progresso social. A revolugio socialista era empur- URSS: O Socialismo Reat 80, rada para um futuro indefi cimento da URSS, garantido pela correlagao de forgas em favor d tacdo seria consagrada com a politi pacifica de Kruchtchev e nao se alteraria até 1964, Quanto a Asia, América Latina e Africa, o mé- ximo que se conseguiu foi a definigao de que’ revo- lugao nestas regides no precisava esperar a euro- que passar por uma revolucdo nacional, de cardter burgués, e sob diregao da burguesia, com a qual os PCs deveriam compor uma frente tinica. A realidade da luta de classes, as evidéncias do carter antina- cional das burguesias, nao sensibilizavam a IC, que manteve suas concepgdes, apesar de nao poucos de- sastres politicos de envergadura (cf. a derrota da revolugio chinesa de 1927). O problema é que os comunistas transpunham mecanicamente elabora- Ges européias para a Asia, ou para a Africa e Amé- rica Latina. Por exemplo, 0s comunistas latino-ame- ricanos, a partir de 1941, terdo que atenuar ou si pender as dentincias contra os EUA, para nao prej dicar a Grande Alianca... embora prejudicassem 0 movimento comunista na América Latina, O PC da India, em plena guerra'mu obrigado a apoiar a Inglaterra, poténcia colonial... Na dissolugao da IC os PCs das regides colo zadas ou dependentes nem sequer sero consultados. Quando da criagao do Kominform, 0 mesmo acon- teceré. Na verdade, eram considerados comunistas Daniel Aario Reis Filho de “segunda classe”, na medida em que a revolugao socialista era invidvel em suas reas de atuagaio. Nao passavam de foreas de apoic Tais concepgdes contribuiram para o enfraque- cimento dos comunistas nos processos de libertagio nacional. Estiveram praticamente ausentes, como forga organizada, nos movimentos de libertagdo afri- canos, pan-islamicos, asidticos, e nos pafses latino- americanos. Como foi dito, houve duas excecdes: China e Vietna. Porque os comunistas destes paises souberam abandonar, na pratica, a cor revolugao nacional sob direc4o da burguesi: maram sua independé tagdes da IC e do Estado soviético. As revolucdes chinesa ¢ vietnamita souberam combinar a luta so- 36 e mesmo modelo? A primeira rachadura veio em 1948 com a separagao da lugoslivia. Rapidamente ‘caminhou-se para a troca dos piores insultos e, j em 1949, 0 Estado iugoslavo era caracterizado pela URSS: O Socialismo Real a1 1960, explodiu o conflito com a China, que j4 vinha ocorrendo hé anos de forma subterranea. As diver- géncias degeneraram para insultos ¢ troca de tiros, A lei do cardter monolitico do MCI e do bloco soci lista, sua unidade indestrutivel com a URSS, esta- vam revogadas pela pratica. Orientagdes equivocadas, desconhecimento das realidades que se pretende transformar, inversdes stibitas de aliangas, exportac&o de modelos ciondrios, ziguezagues desconcertantes; decid mente, as concepgdes € teorias da IC e do Estado soviético nfo ajudaram e nao poderiam mesmo ter ajudado a revolucao socialista mundial. A estrutura organica adotada pelo MCI é a se- gunda explicagio para a sucessio de fracassos que vém sendo estudados. Prevaleceu 0 padro ultracen- ido pelo If Congreso da IC: as fa- Assim, oluciondrio internacional, centr Este padrao nao mais se mesmo depois da dissolugo da IC. As organizagdes comunistas eram assimiladas a regimentos de um 10. As discusses sempre or- ganizadas de cima para baixo. O dogmatismo, favo- recido, As minorias ndo tinham vez, eram depura- das. A trajetéria do pa ica: no comego de 1920, 0 grupo Levi ascende & ve 0 expurgo dos “‘esquerdistas”. Em Levi sera expulso por nfo concordar com as 21 condigdes. Ascende entdo o grupo Bran- Daniel Aardo Reis Fitho URSS: 0 Sovialismo Real 93 esquerda" da revolucdo alema de 1923. Serao, por sua vez, depurados, acusados de trotskysmo, pelo que expulsaré todos os que se walheimer, acusados de bukha- essa dindmica infernal de expurgos a direita e a es- querda e que, muitas vezes, nao tinham sequer re- ago com a revolugdo alema, mas com as marchas € contramarchas da revolugdo russa. A estrutura orginica nao s6 depura ¢ elimina politicamente. Também pune com a morte, Na se- gunda metade dos anos 30, paralelamente aos pro- . Sem nenhum processo serio condenados & morte dirigentes comunistas iugosla- vos, poloneses e alemaes. O detalh revoluci Anos mais tarde, reedigao dos processos de Moscou. PC Teheco perderia, entre 1949 e 1954, mais de 600 tantes; o polonés e 0 romeno, cerca de 300 mil cada uum; o hiingaro, perto de 400 mil; 0 biilgaro, cerea de 200 mil. A maioria foi expulsa, mas muitos morre- ram assassinados. Os expurgos fazem parte do pro- cesso de enquadramento dos Estados socialistas no bloco monolitico dirigido pela URSS. Cada onda de expurgos era seguida por todos 0s PCs do mundo que competiam entre si na capacidade de “desmascarar” isfarcados. t ca era intrinseca- mente incapaz de criatividade, de originalidade te6- rica, de enfrentar os desafios colocados pelo capita- lismo, pela construc do so mento de libertac&o nacional, pela combinac%o da Iuta revolucionéria nestes trés campos. A pobreza te6rica seré a marca registrada do MCI e do Estado soviético. As excegdes, mais uma vez, virio dos PCs que desrespeitardo as orientagdes emanadas dos cen- tros do MCI. Qual 6 significado de tantos erros ¢ desastres? Haverd alguma l6giea neste emaranhado de fracas- 308? Na verdade, as conceppdes “equivocadas”, os erros, os ziguezagues e 0 ultracentralismo da estru- ico. E certo que a revolug&o socialista mundial nfo avangou como poderia ter avangado. Mas 0 Es- 0 ampliou sua influéncia e forga no mundo, e a URSS, apesar dos erros, ou por causa deles, converte-se numa das duas superpoténcias mente compreensivel do Estado soviético. O anunciado refluxo da revo- ista mundial (quando o refluxo era evi- luz dos interesses imediatos na Europa) corresponde as necessida- ica externa da NEP; a determinacao de ofensivas em 1928 corresponde a face externa dacole- Daniel Aarito Reis Filho ‘ago do na- zismo estA ligada as relagdes preferenciais mantidas pelo Estado soviético com a Alemanha desde 1922; a linha das frentes populares corresponde ao pacto franco-soviético, de 1935, quando a agressividade de Hitler levara os soviéticos a, provisoriamente, desistir de um entendimento com os alemies. O abandono da linha antifascista depois do pacto germano-sovié- tico dispensa, pela evidéncia, explicagdes. Os conse- thos de moderagao ao MCI durante a II Guerra, A visio de que era possivel estabelecer ‘st@ncia, a longo prazo, com os EUA depois também se integram no plano maior de conciliagao com os EUA. E 0 mesmo se pode dizer da subes- timagio com que foram tratados, sempre, os movi- mentos de libertagao nacional, relegados ao papel de “forgas de apoio”. ‘Como compreender 0 processo de instrumenta- lizagao do MCI pelo Estado soviético? A teoria da revoluc&o socialista ndo previra o seu cardter inter- nacional? O fato é que as previsdes imaginavam a explosdo revolucionaria nos principais centros do capitalismo internacional. Os bolcheviques, quando apostaram na revolugdo russa, nunca colocaram, nem por hipétese, a possibilidade da propria sobre- sem o apoio ativo da revolugao socialista eu- . A revolugio russa seria o prologo de um processo maior. Ou entio seria esmagada. Mas a realidade, como jé se viu, desmentin a previstio. A Russia revoluciondria ficou s6, a classe URSS: O Socialismo Real 95 operdria nao se levantow em seu apoio no mundo, nem se identificou com sua causa. Os bolcheviques tenderdo, entio, a formular a tese de que 0 Estado soviético e 0 MCI teriam inte- resses harménicos. A IC seria o instrumento de de- fesa e promogao destes interesses. Mas, desde 1918, apareceram contradigbesentre 0s interesses do Estado soviético © os do MCI. As experigneias entre 1918 e 1921 (cf. Reis vermethos) sao ilustrativas: cooperagao comercial, Jlomatica e militar com Estados capitalistas, par- a Alemanha, com a qual foram assinados, desde 1918, tratados secretos; alianga com Estados dependentes, como a Turquia, a Pérsia, a China; relagdes com partidos burgueses dos paises, dependentes etc. Ora, nem sempre este conjunto de relagdes podia se adequar As necessidades do MCI. Quando era necessirio optar, os soviéticos jamais vacilaram, desde 0 inicio: escolheram, sempre, a melhor opgao para o Estado soviético. Poderia ter sido de outra forma? A formulagao tebrica que encobriu o proceso, ou melhor, que 0 justificou, foi definir a defesa da URSS como a primeira tarefa do MCI, subordi- nando-se a esta todas as outras. A URSS era uma base decisiva para o MCT, sua destruigao significaria uma derrota histrica para o comunismo e para a classe operaria A escala internacional. Desde 1924- 1926, reforgou-se o argumento com a afirmagio de que seria possivel construir integralmente 0 socia- lismo na URSS, mesmo que n&o houvesse revolucao Daniel Aariéo Reis Fillio URSS: O Socialismo Real mundial. Em 1946, Stalin retomaria e ampliaria a tese: no s6 0 socialismo, mas também 0 comunismo poderia ser construido na URSS. Em 1947, 0 Ko- minform faria sua a tese. E 0 XXII Congresso do PCUS a anunciaria como uma possibilidade imediata em 1961. A luta pela paz, pela democraci progresso social ganharé assim consisténci que a URSS se O que nao significa que 0 status quo mun seja eventualmente alterado. Mas as alteragbes deve- 10s, dos interesses revolucionar 0 mundo. No entanto, a partir da ado- aio do modelo dos Planos, o MCI lutaré pelas frentes populares nos limites dos interesses da burguesia de cada pais, abandonando a revolugao socialista como projeto num prazo definido. O mesmo preceito de- vera ser observado pelas lutas de libertagao nacion: dimensdo internacional do modelo dos Planos plica uma subordinagao cada vez mais caricatural do ‘MCT ao Estado soviético e a seus acordos interna- cionais. ‘Como explicar que o processo de instrumenta- lizagio do MCI pelo Estado soviético tenha durado tanto tempo? mundial ou, observando as coisas de outro angulo, a resistencia demonstrada pelo capitalismo, fornece ‘uma primeira explicagdo. Um movimento socialista forte e, consequentemente, critico recusaria as ma- nobras tortuosas do MCI sem renunciar & revolucao a. Mas esta ndo foi a realidade. De um ponto de vista interno a URSS, a perma- néncia do modelo dos Planos, desde 1929-1930, ex- plica a permanéncia da politica de instrumentaliza- ‘go do MCI. De fato, 0 Estado soviético que e dos Planos, da industrializagio acelerada, da coleti- vizago forgada, dos constantes expurgos etc. nao esté interessado no processo da revolugio socialista, salvo se sob sua direta inspiragio e controle. Por isso © Estado soviético ameagou a Iugoslavia e invadiu repetidas vezes a Europa oriental. Por isso foi quase & guerra com a China. E reduziu a apéndices das respectivas burguesias as segdes nacionais do MCI. De 1921 a 1964 0 Estado soviético dificultaré ao mé- ximo experiéncias socialistas fora de seu controle, esmagar4 pela forca as que puder esmagar e “‘coexis- tiré mais ou menos pacificamente, conforme as cir- cunstfncias, com as alternativas que nfio puder su- primir. ‘Um terceiro fator refere-se as concepgdes € & estrutura orginica adotadas pelo MCI. Embora se- jam um efeito da instrumentalizagio do MCI pelo Estado soviético, atuam, ¢ poderosamente, refor- cando a dinfimica do proceso. O carter excludente da estrutura organica desempenha um papel-chave: ‘conserva a “‘pureza” da linha, punindo com 0 ex- purgo ¢ a morte os dissidentes e os rebeldes e debi- Daniel Aario Reis Filho litando as préprias lutas pelo socialismo, ‘inalmente, os PCs em todo 0 mundo conver- também em agéncias de reprodugao da instru- izacio do MCI pelo Estado soviético. Seria necessario estudar sua estrutura orgtinica e composi- so social para desvendar a Iégica que est4 na base de sua existéncia e de sua sobrevivéncia apesar dos repetidos fracassos e das revira caricaturais. Mas a politica de instrumentalizagio do MCI pelo Estado soviético nao impediu a eclosio de novas revolugdes socialistas, mesmo fora do controle de Moscou, como foram os casos da China, do Viet da Tugoslvia, de Cuba. Nem impediu o desenvi mento e a vitéria de muitos processos de libertagao nacional, apesar de e contra a vontade dos PCs lo- cais. Em 1964, Moscou, principal capital revolucio- naria do mundo em 1917, nao tera inspirado ne- nhuma revolugio lista i A URSS — O SOCIALISMO REAL intelamento dos mitos relativos a expe- ica levou ao questionamento do carter socialista da URSS. Mas é a vida e a pritica, e nao as intengdes tebricas, que dao consisténcia e significado as palavras. Assim como seria indcuo indagar do cardter social-democraitico dos partidos operdrios da Europa ocidental por ocasiéo da I Grande Guerra, também seria imitil questionar se existe ou nao socia- lismo na URSS. O termo é indissociavel da expe- riéncia soviética que se tornou a experiéncia modelar, por exceléncia, do socialismo, o socialismo real. Mai importante do que lutar por nomes 6 tentar com- preender 0 contetido politico © social do sistema soviético, As principais caracteristicas do socialismo exis- tente na URSS j& foram apontadas quando se ana- lisou a revoluctio pelo alto (cap. 3): desenvolvimento industrial acelerado, altissimas taxas de acumulagao, 100 Daniel Aardo Reis Fitho URSS: 0 Sdcialismo Real 101 énfase na indiistria pesada, preocupaco com 0 au- mento continuo da produtividade, organizagio do sistema industrial-fabril segundo o modelo da revo- lugdo industrial capitalista, coletivizagao forcada da agricultura, empregando a violéncia em larga escala contra 0 campesinato, orientagaio do conjunto da economia por um planejamento central, realizado através dos Planos Qiinqienais, subdivididos em Planos Anuais. O crescimento depende da extragio do trabalho excedente dos trabalhadores urbanos e rurais. © modelo exige um Estado ultracentralizado e todo-poderoso. Trata-se de uma condico indispen- sdivel para a realizacdo dos planos, para a garantia da extragdo do trabalho excedente e decorre da proprie- dade dos meios de producdo que o Estado assume. z0es politicas também fundamentam o ultra: 1a verdade, o regime cairia inevitavel mente se se dispusesse a organizar consultas demo- craticas a respeito de seus objetivos e métodos. Ha uma contradigao irredutivel entre os interesses ime- diatos dos trabalhadores ¢ os obj garantir os se- gundos apesar dos ou contra os primeiros. Processos mente inécuos provocam perigosa instabilidade no sistema soviético. A ditadura é uma necessidade intrinseca e essencial do sistema. Dai os limites do processo de institucionalizagio comandado por N. Kruchtchev e de qualquer nova tentativa de refor- mismo pelo alto. O regime soviético tenta legitimar-se perante & populagao pelo recurso constante e sistematico auma ideologia de exaltagdo, baseada numa série de mitos: a defesa nacional, o progresso industrial, 0 Estado todo-poderoso, o culto A personalidade dos chefes etc. As campanhas ideolégicas nao se desenvolvem no ar, totalmente desligadas da realidade: a URSS, em menos de meio século, e apesar de devastada por coletivizagao forgada de 1929-1932 —, « tornar-se uma das duas superpoténcias mundi condigdes de vida do povo, embora ainda abaixo dos semicoloniais do mundo, as quais pertencia a URSS em 1917, O regime politico tem outro eixo de sustentagiio as lacunas do modelo econdmico-social, iS que permanecem, serdo atribuidas a “culpados” que o terror policial-fabricaré. Grande parte dos processos ¢ expurgos foram decididos nas instancias superiores antes mesmo que os culpados fossem identificados. Além disso, o terror desempe- nha fungdes econdmicas — parte considerdvel dos objetivos dos Planos serd atingida pela mobilizagio e enquadramento do trabalho semi-escravo das vitimas li Daniel Aardo Reis Filho dos expurgos, agrupadas nos campos de concentra- so. ‘Como explicar estas caracteristicas cuja existén- cia, hoje, & impossivel e indtil negar? Anomalias? Deformagies? Alguns sustentam que 0 modelo soviético resul- lugdo socialista na Russia. As aquele modelo apresenta decorre internacional e do atraso que a revolugao foi obri- gada a enfrentar desde o inicio. Esquecem que 0 modelo consi revolucdo pelo alto, a partir de 1929, num momento em que nao eram tao graves 0s efeitos do isolamento a que estava submetida a URSS em 1917. De outro Indo, parecem nao considerar que os regimes socia- listas vitoriosos depois de 1945 reproduzem estranha- mente os elementos essenciais do modelo soviético, apesar de nao passarem pelo isolamento internacio- nal que tanto teria condicionado negativamente a revolugio russa. Quanto ao argumento do “atraso”, nfo deixa de ser estranho, depois de mais de meio século, as: ao revigoramento dos velhos mitos da social-demo- craciae da II Internacional (que, aliés, nunca foram radicalmente superados pela III Internacional), se- gundo os quais os paises atrasados deveriam esperar 0s adiantados realizarem a propria revoluggo para, depois, ajudados ¢ guiados por estes, caminhar na “tuminosa senda da sociedade sem explorados ¢ ex- ploradores”. O argumento ndo se sustenta pelo fato URSS: 0 Socialismo Real de que foi exatamente saindo do atraso que a URSS consolidou o sistema dos Planos e, hoje, cont numa das superpoténcias mundiais, parecem viveis os fundamentos do referido sistema. também os que atribuem as "deformagdes” ‘ético aos excessos de Stalin e de seu grupo. Mas a dinamica do sistema nio se explicam pela aco ou pela parandia do ditador. Ao contrério, Stalin assu- miu a chefia do sistema e foi pelo mesmo incensado, exatamente porque soube interpretar suas necessi- dades mais profundas. A rigor, no passou de um eximio executor. Muito mais criatura do que criador. As caracteristicas do sistema soviético nfo sto anomalias nem deformagbes. Correspondem a inte vendar. No entanto, a anélise da realidade soviética, ‘Amica do modelo dos Planos ¢ das instituigbes ‘as permitem caracterizar um grupo social do- inante e por isso privilegiado: os trabalhadores . Trata-se de um conjunto heterogéneo, e — 08 quadros permanentes do partid ‘a, 0s quadros das forcas armadas, da poi ica, das administracdes centrais do Estado, dos grandes conglomerados industriais — mas, como um conjunto, sao socialmente privilegiados e, ou indiretamente, exercem influéneia determinante ‘nos rumos do sistema, nas opgdes pi € na definigdo dos critérios de investimento e de Daniel Aariéo Reis Filho —_— A andlise da evolugo do partido comunista, instancia maxima de poder politico, social e econd- mico na URSS, mostra o papel dominante deste grupo social que, sempre, deteve a maioria dos dele- gados aos congressos partidarios, ‘como amaio- ria das instancias dirigentes do partido e do Estado, embora fosse minoritario na sociedade ¢ no proprio partido. A hegemonia dos trabalhadores intelectuais, es- bogada antes mesmo da revolugdo pelo alto, conso- lida-se com esta, na medida em que a coletivizagao forcada e os ritmos alucinantes de industrializagao jogam por terra qualquer possibilidade de o Estado soviético basear-se numa alianga formada por operd- poneses. O rompimento da possibilidade ica (implicita na dinamica da NEP), provo- revolucao pelo alto, 6, portanto, 0 marco da histéria da construgao do socialismo na A expropriagio dos proprietdrios privados dos meios de producao extingue a propriedade destes meios como fator de poder. Mas a opg%o por um desenvolvimento industrial acelerado, segundo o mo- delo da revolucdo industrial capitalista (que apro- funda e consolida a divisao social do trabalho, a di sio entre trabalhadores manuais e intelect visdo entre campo e cidade etc.), erige a propriedade do saber como fator de dominagao econémica, social ¢ politica. E 0 saber € monopolizado pelos trabalha- dores intelectuais. Nao é por mera coincidéncia que a ideologia dos Planos exalta de forma quase carica- URSS: 0 Socialismo Real tural 0 progresso baseado no controle da téenic: ciéneia, um tipo de progresso que esté na es dependéncia dos trabalhadores intelectuais. Quem sao os trabalhadores intelectuais na URSS? Uma proporgtio consideravel (pouco mais de metade) provém do proprio grupo social, mas quase metade € originéria das camadas diversas de traba- thadores urbanos — fabris ou nfo — e rurais. O sistema, alids, outorga relativa abertura do ponto de vista do acesso ao saber. Nao se trata de um movi- mento de generosidade, mas uma exigéncia do pré- prio desenvolvimento acelerado promovido pelos Pla- nos. Logo apés a tomada do poder, sio inémeros os casos de operdrios fabris projetados a cargos de di- recto do aparelho estatal ou partidirio. Num se- gundo momento, os operarios conhecerao as chama- das “‘faculdades operdrias” — as rabfaks —, desti- nadas a preencher as lacunas causadas pela emigra- io de intelectuais que se recusam a admit governo revolucionério. As rabfaks consti pontes para escal6es inferiores de poder e, desde entio, n&o sera incomum a presenca de operdrios alificados de origem (e dé (os niveis do poder politico. Pode-se dizer, assim, que embora os trabalhadores intelectuais formem ‘um grupo heterogéneo quanto & origem, homogenei- zam-se pela pratica social, pela influéncia no poder e Mas os trabalhadores intelectuais nio esto s6s Daniel Aardo Reis Filho URSS: O Socialismo Real 107 ho poder. Articulam-se numa alianga com uma fracio expressiva dos trabalhadores urbanos, fabris ou no silo os udarniks — ou trabalhadores de choque — os stakhanovistas. Representam, segundo estima- tivas realizadas no periodo da revolugao pelo al cerca de 15% dos trabalhadores urbanos. Udarniks ¢ stakhanovistas silo, quase sempre, trabalhadores qualificados e constituem uma fora de auxilio e de apoio & dominacio social e ao regime politico. Ele- vam as normas de produgao, comportam-se “‘exem- plarmente” face & massa de “ausentistas” ¢ “'passi- vos”, fornecem os quadros de controle de qualidade e de controle da forga de trabalho. Em troca, recebem salfrios mais altos e uma série de vantagens — prio- lade no acesso a habitacdes, a bens de consumo es- cassos ete. (cf. cap. acima de tudo, ganham ‘acesso aos circuitos formais de transmissio do saber. A alianca entre trabalhadores intelectuais ¢ uma fragio de trabalhadores urbanos materializa.se no ido comunista, cujo crescimento — cerca de, Ihdese 700 mil, ou perto de5% da populacio total ‘onseqiiéncia fator da estabilidade do regime so- .de comunista, sindicatos etc.) compreende, so- la a este, um total préximo a 20% da populagao nicamente ativa. Os apelos periédicos ao in- 0 de operarios no partido, que se concretizam rocessos macigos de recrutamento, exprimem as idades de uma alianga que se caracteriza por Daniel Aardo Reis Filho um nivel elevado de mobilidade social. O sistema soviético nao seria portanto uma res- tauragtio do capitalismo — os kulaks, nepmen e demais pro privados foram ados pela revolucdo pelo alto e a propriedade dos meios de producao deixou de ter um cardter privado na URSS. Nao ha nenhuma forga social em condic®es de pro- mover sua restauraciio, Também nio se pode falar de extragao de mais-valia, ainda que haja apropriagaio de trabalho excedente. Também nao estamos diante de um regime de transigdo, que caminha para o comunismo sonhado nas utopias de Marx e de Lenin. As caracteristicas do regime soviético ndo derivam de sua “juventude”, ao contrério: ficam progressivamente mais nitidas na medida em que 0 tempo passa, e silo vis as espe- rangas de reformé-las profundamente por dentro ¢ pelo alto. Isaac Deutscher afirmou certa vez que os bolche- viques s6 poriam em risco seu poder através de cor sultas democraticas se fossem “santos ou idiotas”. Hoje, pode-se dizer, invertendo a afirmac&o do au- tor, que s6 os santos e idiotas acreditarZo que a alianga de classes que domina a URSS possa ser removida pela persuasio e por reformas, Caird como lencia. jsta que fuja ao controle dos soviéticos haver4 de se enfrentar nao s6 com o capitalismo, mas tam- ‘bém com o socialismo real... INDICACOES PARA LEITURA As caracteristicas e contradigdes da NEP, assim como sua crise, que levou a revolugao pelo alto e a dinamica dos planos, cujo modelo marca até hoje a fisionomia da URSS, podem ser estudadas no tra- balho de Carr, E., publicado pelas Editoras Penguin, Londres, e Alianza, Madri. A obra cobre o perfodo de 1917 a 1923 em trés instituigdes poli- ticas, economia e relages internacionais); um tinico volume — 0 Interregno — trata da luta no partido e da situagao no pais em 1923-1924; a seguir, nova série — O socialismo num s6 pais (em trés volumes pela Alianza, e em dois, pela Penguin) — analisa o reriodo entre 1924-1926. Finalmente, as bases eco- micas, p i 1a economia planificada — também em trés yolu- es, cobrindo a fase de 1926-1929, Para o estudo da revolucao pelo alto, leia-se Daniel Aardo Reis Filho Medvedev, R. — Le stalinisme — Ed. Seuil, 1972: uma andlise do regime soviético, suas origens, hist6- tia, caréter e perspectivas de mudanca; ¢ Grosskopf, S._- L’alliance ouvriére et paysanne en URSS, Mas- pero, 1976, onde se combatem os mitos tradicional- mente associados a crise da NEP e & revolucio pelo alto. (© estudo especifico do terror e dos campos de trabalhos forgados soviéticos tem uma vasta biblio- grafia, sobretudo depois de 1956. Destacam-se os Relatos de Kolyma, de Chalamov, V., em trés volu- mes, Ed. Maspero, 1981-1982, e L’archipel du Gou- lag, Ed. Seuil, 1974-1976, de Soljenitsyn, A., tam- ‘pém em trés tomos, assim como as obras de Con- quest, R. — The great terror e The nations killers —~ soviet deportation of nationalities, Londres, 1970. ‘A participagao da URSS na II Guerra Mundial poder ser estudada em Ellenstein, J. — Histéria da URSS (3° volume), Ed. Europa-América, Lisboa, 1976, O ponto de vista oficial encontra-seemL’URSS dans la II guerre mondiale, Ed. Diffusion, 1967, cla- borado sob direcio de sete marechais soviéticos. Ne- Keritch, A., em 22 de junho de 1941, Ed. Grasset, 1968, apoiado em arquivos oficiais e em testemunhos inéditos, revela as condigdes e causas dos primeiros fracassos soviéticos na guerra, enquanto Dalin, A. analisa 0 processo de ocupagio e as modalidades de agtio nazista em territ6rio soviético entre 1941 ¢ 1944 em La Russie sous la botte nazie, Paris, 1970. Para uma historia geral da guerra leia-se Michel, H. — La II guerre mondiale, Patis, 1968-1969, em dois volu- URSS: O Socialismo Real m1 mes. Sobre a época de N. Kruclitchev e do refor- mismo pelo alto, Tatu, M. — Power in the Kremlin, 1969, e Daix, P. — L'avenement de la nom: nklature, Ed. Complexe, Bruxelas, 1982, cujas anélises esten- dem-se até a queda do “primeiro secretario”. ‘A historia do partido comunista, instfncia ma- xima de poder na URSS, desde 1917, merece estudo especifico, Poderao ser consultadas as biografias de Stalin ¢ Trotsky (trés volumes), de Deutscher, Ts ® acho Brasileira; a nuit, 1971 © texto eldssico de Schapiro, de 1970 — “The co- munist party of the Soviet Union”, das origens até 1966, e que podera ser complementado pela obra do mesmo autor sobre as instituigdes politicas soviétice The government and politics of the Soviet Union, Ed. ‘tage Books, Nova Iorque, 1978; 0 trabalho de Yoslensky, V. — La nomenklature, Ed. Belfond, 1980, que procura caracterizér 0 aparelho perma- jente do PC como uma nova classe dominante na IRSS; e 0 ponto de vista oficial sintetizado em His~ ia do partido comunisi Soviética, Mos- cou, 1967. Tendo em vista o periodo que vai até 1964, trata-se da primeira edi¢ao pés-kruchtchevista, ievidamente revista e atualizada segundo as conye- encias da huta pc ‘Ainda em relagio ao partido comunista seria ortante chamar a atengdo para dois trabalhost le Proccaci, G. — A grande polémica, Ed. XX- nasi r —— t m2 Daniel Aario Reis Fitho URSS: O Socialismo Real 3 XXI, Lisboa, 1975, com textos de Trotsky, Stali Kameney ¢ Zinoviey sobre a interpretagao histérica da revolugdo russa e as alternativas de construcao do socialismo na URSS; eo excelente texto de Werth, N. — Etre communiste en URSS sous Stalin — Ed. Gallimard/Julliard, 1981. O autor tem a virtude, inica, de fazer falar os militantes de base do partido numa pesquisa feita a partir dos arquivos de Smo- Iensk, que cairam em poder do exército alemao du- rante a II Guerra e foram, mais tarde, transferidos para os EUA, encontrando-se hoje A disposigio da inyestigacdo hist6rica. As relagdes entre o Estado si comunista © 0 movimento comu: estdo brilhantemente estudadas por Claudin, F. La crisis del movimiento comunista — Ed, Ruedo Iberico, 1970. Para as relagdes entre russos e nio- russos, leja-se Carrére d’Encausse, H. — L'empire importante, para a discus- so sobre 0 cardter do regime soviético, consulte-se, entre outros: Histéria do partido comunista da URSS (volumes 3 a tese de que 0 capitalismo, sob a forma de capitalismo de Estado, foi restaurado na URSS Deutscher, I., nas biografias j4 citadas e em Jronias da histéria © Revolugao inacabada, ambos da Ed. acto Brasileira, 1968, sustenta com nuancas a visio trotskysta; Bahro, R. — L’alternative, Ed. Stock, 1979, e Palmeira, V. — URSS: existe socia- lismo nisto?, Ed. Marco Zero, 1982, propdem o sur- gimento de um novo sistema, nem socialista, nem ia importante, para acompanhar a erro, M. — Loccident e, do mesmo autor, La révolution de 1917, Ed. Au- bier, 1976; Malia, M. — Comprendre la révolution , 1980, e Carrére d'Encausse, H. — qué, Ed, Flammarion, 1980, e L'URSS, de Lenine @ Staline — 1917-1953 — Ed. Rich.-Bordas, 1973.

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