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IL MOMENTO IDEALE NELL' ECONOMIA E SULLA ONTOLOGIA DEL


MOMENTO IDEALE
Georg Lukács (Roma-1981)

Tradução para o português de Maria Angélica Borges com a colaboração de Silvia Salvi

1. O Momento Ideal na Economia podem ser examinados na sua separação, todavia -


ontologicamente - eles adquirem o seu verdadeiro ser
As nossas pesquisas demonstraram que o fato somente enquanto componentes do complexo concreto
mais fundamental, mais material da economia (o representado pelo trabalho. Disso deriva também, que a
trabalho) tem caracteres de uma posição teleológica. contraposição gnosiológica entre teleologia e causalidade,
Nossos leitores recordam o ponto ontológico da como dois momentos, elementos, etc., do ser, do ponto
determinação dada por Marx: "Mas o que desde o começo de vista ontológico; não tem sentido. A causalidade pode
distingue o pior arquiteto da melhor abelha é o fato de que ele existir e operar sem teleologia, enquanto que esta pode
construiu o favo na cabeça antes de construi-lo na cera. Ao fim do assumir ser real apenas no jogo agora indicado com a
processo de trabalho, emerge um resultado que já estava presente causalidade, somente como momento de tal complexo,
desde o início na idéia do trabalhador, que, portanto estava presente presente só no ser social.
idealmente. Não que ele efetue somente uma mudança de forma do Antes de examinar este caráter teleológico,
elemento natural; ele realiza no elemento natural, ao mesmo tempo, comum a todos os atos e complexos econômicos, temos
sua própria fínalidade, por ele bem conhecida, que determina como que ver brevemente quais foram até agora
lei o seu modo de operar e à qual deve subordinar a sua vontade." 1 intencionalmente as concepções gerais dos marxistas,
Isto significa claramente que no trabalho - e o trabalho embora sem tentar, tampouco, uma reconstrução
não é somente o fundamento, o fenômeno basilar de histórica, não essencial aqui. Na sua prática, tem
cada práxis econômica, mas também, como o sabemos, o predominado em geral certo dualismo metódico, no qual
modelo geral da sua estrutura e dinâmica - a posição o campo da economia foi apresentado como
teleológica produzida na consciência (isto é, o momento subordinado a uma legalidade, necessidade, etc.,
ideal) deve preceder a realização material. É verdade que interpretada em termos mais ou menos mecanicistas,
isso acontece no quadro de um complexo real e enquanto que aquele da superestrutura, da ideologia,
inseparável: do ponto de vista ontológico, não se trata de resultava o único setor no qual apareciam as forças
dois atos autônomos, um ideal e outro material, que de motrizes ideais, muito freqüentemente vistas em termos
alguma maneira se interligam, não obstante, esta ligação psicológicos. Isto é claríssimo em Plekhanov2. Mas este
mantenha a própria estrutura de cada um deles; ao dualismo metódico predomina em geral, prescindindo-se
contrário, a possibilidade da união de cada um dos dois do modo no qual venha colocada a relação entre base e
atos, isoláveis apenas no pensamento, é vinculada à superestrutura; se em uma ótica mecanicista, ou com
necessidade ontológica do ser do outro. Isto é, o ato da germes de uma certa dialética. Uma espécie de unificação
posição teleológica, somente por meio da real efetivação do método - mas falsificando radicalmente a essência do
da sua realização material, torna-se um verdadeiro ato ser social - é tentada por Kautsky, quando na sua tardia
teleológico; sem isso, torna-se um mero estado fase teórica reconduz a totalidade do ser social à
psicológico, uma imaginação, um desejo, etc., que tem categoria de substância biológica; assim, segundo ele "a
com a realidade material, no máximo, uma relação de história da humanidade constitui apenas um caso especial
espelhamento. E, por outro lado, a específica corrente da história dos seres Vivos"3. Este desconhecimento da
causal que é movida teleologicamente, e na qual consiste constituição real da práxis econômica e social o leva a
a parte material do trabalho, não pode produzir-se por si tomar acriticamente, dos manuais acadêmicos, a mais
mesma, a partir da causalidade produzida em-si no ser superficial concepção da relação entre teleologia e
natural, não obstante nela operem exclusivamente causalidade, onde a primeira, considerada uma forma de
momentos causais naturais, essência-em-si (as leis da pensamento dos estágios primitivos, com o progresso do
natureza, por exemplo, nunca produziram uma roda, conhecimento, acaba por fazer desaparecer a vantagem
ainda que os caracteres e as funções desta sejam
totalmente reconduzíveis às leis da natureza). Se é
verdade então, que na análise do trabalho, os atos que o 2 G. W. Plekanow, Die Grundprobleme des Marxismus, Stuttgart,
constituem podem ser considerados teoricamente e 1910, ´p.77.
3 K. Kautsky, Die materialistische Geschichtsauffassung, II, Berlin,
1 K. Marx, Das Kapital, I, cit., p.140 (trad.it.cit.m p.212). 1927, pp.630-631.
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da causalidade4. Em Max Adler desaparece, ao invés do tanto mais evidente aparecerá este seu caráter. Mas
ser social, cada momento material; também as relações qualquer que seja o grau de diversidade a que se pode
econômicas são "em substância relações espirituais" por chegar não se elimina o elemento comum, em última
isso, a totalidade da sociedade dos homens transforma-se análise decisivo; isto eqüivale dizer que, em ambos os
em um produto - kantianamente entendido - da casos, trata-se de posições teleológicas, cujo sucesso ou
consciência; "... e disso deriva, finalmente, que a socialização insucesso depende do conhecimento que o sujeito que
não surge simplesmente no curso do processo histórico-econômico ... põe tenha da constituição das forças que devem ser
a socialização já é dada na consciência individual e com ela, e por postas em movimento; da precisão com a qual o sujeito
esse meio, torna-se o pressuposto de todas as ligações históricas de correspondentemente esteja em condições de atualizá-las
uma maioria de sujeitos singulares". 5 Por fim, a economia da maneira desejada nas seqüências causais nela
política e a teoria da sociedade estalinista operam, em imanentes.
parte, com categorias idealístico-subjetivas, voluntaristas, É preciso ter claro, então, que todas as posições
onde a subjetividade social apresenta-se definitivamente econômicas têm uma estrutura análoga. Na economia
como um resultado das resoluções do partido; e, em desenvolvida - e tanto mais, quanto mais explicitamente
parte, quando a pressão dos fatos obriga o ela tenha como base uma totalidade de atos práticos
reconhecimento de alguma maneira da validade objetiva tornados sociais - é fácil manifestar a aparência de que se
da teoria do valor, opera-se com o dualismo da trata não de atos humanos, mas de um automovimento
necessidade entre a posição mecânico-materialista e a das de coisas. Assim, em geral, fala-se de movimento das
decisões voluntaristas. Em cada caso todas estas teorias mercadorias num processo de intercâmbio, como se não
não souberam explicar nem a unidade dinâmico- fosse evidente que as mercadorias não podem mover-se
estrutural e a peculiaridade do ser social, nem as por si, que o seu movimento pressupõe sempre atos
diferenças e contradições que se verificam em tal esfera. econômicos por parte de comprador e vendedor. E
Depois desta breve digressão, podemos voltar ao embora seja um jogo de ver como estão as coisas, Marx
nosso verdadeiro problema. A seu tempo, vimos como também nesse caso não se furta de dissolver a aparência
as posições práticas, freqüentemente mediatizadas de reificada, para mostrar que se trata de atos teleológicos
maneira fortemente complexa, que a divisão do trabalho da práxis humana. O capítulo sobre o processo de
produz, trazem um caráter teleológico-causal, com uma intercâmbio começa com as palavras: "As mercadorias não
única diferença, importantíssima, com relação ao podem ir sozinhas ao mercado e não podem, trocar-se. Devemos
trabalho a que as finalidades que são suscitadas e que, ao então procurar os seus tutores, os possuidores das mercadorias. As
se realizarem, não visam diretamente a um caso concreto mercadorias são coisas, portanto, não podem resistir ao homem". 6
da troca orgânica da sociedade com a natureza, mas ao O processo de troca, corresponde, então, na sua
contrário, tendem a influir sobre outros homens, de dinâmica complexa, àquela do trabalho, enquanto que
modo que eles cumpram por si só os atos de trabalho também mediante atos prático-teleológicos alguma coisa
desejados pela posição do sujeito. Não tem importância de ideal é transformada em real. Isto aparece em cada ato
decisiva, aqui a extensão da cadeia de mediações em cada de troca: "O preço - diz Marx -, ou seja, a forma monetária das
caso concreto; o importante é que a cada momento, a mercadorias, é, como a sua forma de valor em geral, uma forma
posição teleológica volte a direcionar a consciência de distinta da sua forma corpórea tangível e real; portanto, é somente a
um outro homem (ou mais homens) em uma forma ideal, ou seja, representada".7 Essa dialética entre ideal
determinada direção, querendo induzi-lo a cumprir a e real traduz-se numa polaridade dinâmica, quando se
posição teleológica desejada. Se várias podem ser aqui as considera o processo de troca no seu automovimento,
finalidades e os meios (a começar pelo uso direto da como processo relativamente total de um complexo.
violência na escravidão e na servidão da gleba, até as Marx dá-nos uma detalhada descrição analítica: "A
manipulações de hoje), seu "material" não é mercadoria é realmente valor de uso, a sua existência como valor
absolutamente homogêneo como no próprio trabalho, aparece apenas idealmente no preço, o qual equivale ao ouro que
no qual só existe a alternativa objetiva, se a consciência está a sua frente como sua figura real de valor. Ao contrário, o
captou a realidade objetiva corretamente ou não. Aqui, o material ouro vale somente como materialização do valor, dinheiro.
"material" da posição da finalidade é o homem, que deve Portanto, é valor de troca. Seu valor de uso aparece agora somente,
ser induzido a tomar uma decisão alternativa. A idealmente na série das expressões relativas de valor, nas quais ele
resistência em tomar a decisão desejada, é que há uma se refere às mercadorias que ficam à sua frente como as órbitas das
estrutura ontológica diversa daquela que desempenha o suas figuras reais de uso". 8
material natural do trabalho, onde o que conta é só ter O desdobramento da esfera econômica da
captado, corretamente ou de maneira errada os nexos do produção em sentido mais restrito e verdadeiro, do
ser da natureza. O "material" é qualitativamente mais intercâmbio orgânico da sociedade com a natureza, até as
oscilante, "doce", imprevisível, que no trabalho. Quanto formas mais mediadas e complexas, nas quais e por meio
mais indireta for a ligação destas posições com o das quais efetua-se a socialização da sociedade, torna
trabalho, que em definitivo representa sua finalidade, essa. relação entre ideal e real sempre mais, dinâmica e

4Ivi, pp.715-717. 6 K. Marx, Das Kapital, I, cit., p.50 (trad.it.cit.,117).


5M. Adler, Grundlegung der materialistischen Geschishtsauffassung, 7 Ivi, p.60 (ivi, p.128).
Wien, 1967, pp.92, 158-159. 8 Ivi, p.69 (ivi, p.137).
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dialética. Já vimos como aqueles atos teleológicos que um lado, Marx observou que determinadas categorias
somente mediatizados se referem ao intercâmbio simples, por exemplo o trabalho concreto como
orgânico com a natureza, de imediato são dirigidos para produtor de valores de uso, não podem encontrar-se em
influenciar a consciência sobre as decisões de outros. cada formação,10 por outro lado demonstrou como as
Isto quer dizer que, neste caso, o momento ideal está relações recíprocas entre as categorias, suas funções no
presente como motivação e objeto, tanto na posição processo global, não apenas estão sujeitas a uma
quanto no objeto dessa intenção; por isso, o peso do mudança histórica, mas também recebem o lugar
momento ideal aumenta em confronto com as posições adequado na totalidade num estágio avançado e somente
originárias do trabalho, e cujo objeto é necessariamente agora adquirem a sua constituição adequada: assim o
real (sobre as múltiplas questões que nascem da dinheiro, embora existindo já em sociedades
peculiaridade destas posições nos deteremos ainda relativamente primitivas,. só com o capitalismo assumiu
longamente adiante). Mas, pouco antes vimos como no processo global a função correspondente à sua
aquelas inter-relações puramente econômicas entre os essência;11 do mesmo modo, o trabalho é uma categoria
homens que, do mesmo modo que a troca de muito antiga, mas, considerada na sua simplicidade
mercadorias ora em questão, decorrem diretamente do puramente econômica "é uma categoria tão moderna quanto o
trabalho social, vimos também que existem posições são as relações que produzem estas simples abstrações".12 Esta
teleológicas específicas voltadas uma em direção a outra, historicidade das categorias econômicas com os efeitos
postas em movimento idealmente, (que são) que ela produz sobre sua constituição, estrutura,
transformações do ideal no real e vice-versa. Aqui dinâmica e modo de operar - elimina da esfera
porém, não temos apenas uma coisa, o momento ideal, econômica, corretamente entendida em sentido
que é finalidade teleológica da outra, puramente material, ontológico, cada reificação que tenha introduzido o
mas temos, ao invés, duas posições teleológicas que se fetichizado pensamento burguês. Marx já escrevia na
dirigem uma para a outra e provocam uma interação na Miséria da Filosofia: "As máquinas não são uma categoria
qual, de ambos os lados, verifica-se uma transformação econômica mais do que o boi que puxa o arado. As máquinas não
do ideal em real. Marx examinou com exatidão também são senão uma força produtiva. A fábrica moderna, que se baseia
esse processo: "A oposição entre valor de uso e valor de troca no emprego das máquinas, é uma relação social de produção, uma
subdivide-se polarmente sobre as duas extremidades de M-D, sendo categoria econômica".13 Isto esclarece porque somente os
que a mercadoria, em relação ao ouro, é um valor de uso que deve complexos dinâmicos, que são o fundamento da
primeiro realizar no ouro o seu valor de troca ideal; o preço, assim economia, devem ser considerados categorias da esfera
como o ouro, nas relações das mercadorias, é um valor de troca que econômica; logo, a concepção muito difundida -
materializa o seu valor de uso formal somente na mercadoria. proclamada por Bukhárin, mas até hoje popular -,
Apenas mediante esta duplicidade da mercadoria em mercadoria e segundo a qual deveria se ver na técnica o "elemento"
ouro, e mediante a relação por sua vez dialética, na qual cada fundamental da economia, é de todo insustentável.
extremidade é idealmente o que seu oposto é realmente, e é Muito cedo, Marx, em Trabalho assalariado e capital,
realmente o que seu oposto é idealmente então somente mediante a pesquisando um caso particular, nos dá um quadro
representação das mercadorias como antíteses da dupla polaridade, plástico desta complexidade de fundo da esfera
resolvem-se as contradições contidas no processo de troca das econômica, com seus efeitos sobre o ser social em geral:
mercadorias".9 No exame da esfera econômica, então, é "Um negro é um negro. Somente em determinadas condições ele se
preciso partir do fato de que temos à nossa frente um torna um escravo. Uma máquina fiadora de algodão é uma
complexo social da legalidade objetiva, cujos máquina para fiar algodão. Somente em determinadas condições ela
"elementos", por sua essência ontológica, são diferentes se torna capital. Subtraída dessas condições, ela não é capital, do
complexos que determinam cada uma daquelas posições mesmo modo que o ouro em si não é dinheiro, ou o açúcar não é o
teleológicas cuja totalidade comporta a reprodução do preço do açúcar. Na produção, os homens não agem só sobre a
ser social. Mesmo que a unidade desse processo global, natureza, mas também uns sobre os outros. Eles produzem
como sempre no âmbito do ser social, seja de caráter somente quando colaboram de um determinado modo e trocam
histórico, os complexos, os processos singulares que reciprocamente a própria atividade. Para produzir, entram uns com
compõem a totalidade de cada formação, no campo da os outros em determinadas ligações e relações, e a sua ação sobre a
economia, adquirem um caráter sempre mais social. O natureza, a produção, só se dá no quadro dessas ligações e relações
recuo da “barreira natural" não somente transforma o sociais".14
conteúdo e o modo de operar das posições teleológicas Assim sendo, quando a esfera econômica é
singulares, mas também ilumina um processo que cria considerada ontologicamente, longe de preconceito,
entre elas ligações sempre mais internas, complexas e aparece logo sua importância, para compreender a
mediatizadas. Sabemos que somente com o capitalismo totalidade e os grandes complexos parciais, assumindo
surge uma esfera econômica na qual cada ato
reprodutivo singular, mais ou menos mediado, exerce um 10 K. Marx, Das Kapital, I, cit., p.9 (trad.it.cit.,p.75).
certo influxo sobre cada um dos outros. Por isso, se por 11 K. Marx, Grundrisse, cit., p.23 (trad.it.cit., I, p.29).
12 Ivi, p.24 (ivi, p.30).
13 K. Marx, Das Elend der Philosophie, cit., p.117 (trad.it.cit.,p.192).
9 K. Marx, Zur Kritik der politischen Okonomie, Sttutgart, 1919, p.77 14 K. Marx, Lohnarbeit und Kapital, Berlin, 1931, p.28 (trad. It., in

(trad.it. di E. Cantimori Mezzamonti, Per la critica dell´econmia K.Marx-F.Engels, Opere scelte, Roma, Editori Riuniti, 1966, pp.340-
política, Roma, Editori Riuniti, 1972, p.70). 341).
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como ponto de partida os complexos que funcionam, de ideal, isto é, o complexo de idéias que determinam as
modo elementar, ao invés de querer entender suas leis posições teleológicas, constitui também aqui o momento
isolando artificiosamente alguns "elementos" e da iniciativa, mas é ao mesmo tempo o momento da
concatenando-os de maneira mecânico-metafísica. Onde realidade (concordância ideal com o real) e o critério da
conduz este último caminho, pode-se ver com facilidade realização.
considerando-se a crítica dirigida por Marx a tese de Anteriormente vimos como tal papel do
James Mill, segundo a qual, sendo cada compra uma momento ideal não elimina absolutamente a legalidade
venda (e vice-versa), com isso assegura-se objetiva do processo global. No momento em que cada
"metafisicamente" um permanente equilíbrio na troca de posição teleológica pretende pôr em movimento cadeias
mercadorias. Mil1 diz: "Nunca pode haver insuficiência de causais reais, a legalidade desenvolve-se como síntese da
compradores para todas as mercadorias. Quem quer que ponha à sua dinâmica objetiva, na qual se afirma necessariamente,
venda uma mercadoria, exige receber uma outra em troca, e é então à revelia dos produtores singulares, prescindindo-se das
comprador somente pelo fato de ser vendedor. Compradores e suas idéias e intenções. Isto não significa, porém, que a
vendedores de todas as mercadorias tomadas no seu conjunto, devem contradição descrita seja irrelevante. Ao contrário.
então equilibrar-se em virtude de uma necessidade metafísica". Precisamente, a diversidade das formas fenomênicas, dos
Marx contrapõe de saída o simples fato da circulação das efeitos, etc. que nas diferentes formações econômicas
mercadorias: "O equilíbrio metafísico das compras e das vendas são diferentemente suscitadas pelo complexo elementar
limita-se ao fato de que cada compra é uma venda e cada venda é M-D-M, representa um momento de grande relevo no
uma compra, o que não constitui um grande conforto para os processo econômico global. Marx sustenta ainda que, em
portadores das mercadorias, os quais não conseguem vender, estágios mais avançados da economia, tornados sempre
tampouco comprar".15 A tese de Mill baseia-se precisamente mais sociais, está implicitamente contido o germe das
na idéia da isolabilidade e no isolamento típico da ação crises econômicas. Mas somente o germe, porque o
dos "elementos" do mundo econômico. Em sentido realizar-se da crise "exige todo um conjunto de relações que, do
gnosiológico ou lógico, abstrato-formal, pode-se também ponto de vista da circulação simples das mercadorias, ainda não
afirmar com aparente segurança que cada compra é uma existe".18 Assim sendo, embora tais nexos entre
venda e vice-versa. Na circulação real das mercadorias, "elementos" dinâmico-simplistas do ser social constituam
ao contrário, acontece que a mais simples, a mais decisões alternativas teleológicas e o processo econômico
elementar forma de troca é uma corrente, cujo elo mais global seja considerado por Marx com grande cautela
simples é representado pelo nexo mercadoria-dinheiro- crítica, a sua análise revela com clareza que as leis
mercadoria ou dinheiro-mercadoria-dinheiro. E já nessa econômicas objetivas, independentemente da decisão
forma elementar aparece a contradição: "Ninguém pode individual, aliás independente também da somatória
vender, sem que outro compre. Mas ninguém precisa comprar logo, social, definitivamente são na sua estrutura e dinâmica
só pelo fato de ter vendido". 16 Na vida econômica, isto é, reconduzíveis a esses "elementos", às características das
quando se considera o ser autêntico e não uma figura posições, à sua dialética de ideal e real. Por meio da
artificialmente isolada, deformada na abstração, não crítica ontológica das generalizações teóricas de fatos
existe nenhuma necessidade "metafísica" pela qual venda econômicos elementares, concretiza-se em Marx a
e compra devam ser idênticas. Ao contrário. E isto no característica de última instância das conexões mais
plano ontológico depende mais uma vez do fato de que gerais na sua relação com as respectivas leis concretas.
cada ato econômico apóia-se numa decisão alternativa. Como vimos, estas têm sempre o caráter histórico-
Quando alguém vendeu sua mercadoria e está na posse concreto, de "se ... então". A sua forma generalizada, a
do dinheiro, deve decidir se compra ou não com esse sua elevação ao conceito, todavia, não é - em contraste
dinheiro uma outra mercadoria. Quanto mais com Hegel - a forma mais pura da necessidade e, nem
desenvolvida a economia, quanto mais socialmente mesmo, como pensam os kantianos ou os positivistas,
determinada a sociedade, tanto mais complexa se torna uma mera generalização intelectual; ao contrário, no
essa alternativa, tanto mais indispensável se torna a sentido meramente histórico, é uma possibilidade geral,
causalidade, a relação heterogênea entre compra e venda. um campo real de possibilidades para as realizações
De fato, a divisão do trabalho "é um organismo natural legais concretas de "se ... agora". Em uma das suas
espontâneo de produção, cujos fios foram tecidos e continuam a ser exposições sobre a teoria da crise, Marx sublinha
tecidos à revelia dos produtos de mercadoria".17 Ela torna tão fortemente esta diferença: "A possibilidade geral da crise é a
unilateral o trabalho, quanto tornam-se multilaterais as metamorfose formal do capital mesmo, a separação temporal e
necessidades. Para o produtor singular isso significa que espacial de compra e venda. Mas esta não é jamais a causa da
a sua produção é o resultado de posições teleológicas que crise. Porque não é senão a forma mais geral da crise, eqüivale
- seja pela quantidade, seja pela qualidade, podem ser dizer a crise mesma na sua expressão mais geral. Procura-se a sua
justas ou falsas em relação às necessidades sociais que causa, quando se quer saber por que esta é a sua forma abstrata,
devam satisfazer e em relação ao trabalho socialmente na forma da sua possibilidade, da possibilidade tornada
necessário -, diz respeito àquela produção. O momento realidade".19 Sobre, a importância decisiva desta

15 K. Marx, Zur Kritik etc., cit., pp.86-87 (trad.it.cit. pp.77-78). 18 Ivi, p.78 (ivi, p.146).
16 K. Marx, Das Kapital, I, cit., p.77 (trad. It.cit., p.146). 19 K. Marx, Theórien über den Mehrwert, II, 2, cit., p.289
17 Ivi, pp.70-71 (ivi, p.139). (trad.it.cit.p.557).
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concepção da legalidade, voltaremos a falar ainda A análise até agora conduzida a respeito da
profundamente no capítulo dedicado à ideologia. No constituição ontológica da esfera econômica dá a esta
momento, nos limitamos a observar que Marx, também união dialética entre causalidade e teleologia - embora
nesse caso, entende a possibilidade no sentido da heterogeneamente - uma figura mais concreta do que a
dynamis aristotélica e não simplesmente como uma inter-relação acenada entre momento ideal e real. A
categoria gnosiológica da modalidade. concretização ontológica depende objetivamente do fato
Aparece claro, então, como a estrutura que, se de que diante da causalidade natural não existe mais
exprime na recíproca polaridade dialética de ideal e real, somente a posição teleológico-humana que a move mas,
por nós agora indicada, atravessa de um ponto a outro ao invés, já no campo da economia pura, o ser social
toda a esfera econômica e - sem ao menos prejudicar o também, menos composto, é movido pelas atividades
objetivo dos nexos legais - exerce uma influência humanas. Quando a troca de mercadorias realiza-se,
determinante sobre o conteúdo e sobre o modo de temos um processo que acontece diretamente e no
apresentar-se das suas realizações. A objetividade e a terreno do ser social, onde obviamente a intervenção
legalidade específicas da realidade econômica têm como teleológica na causalidade natural - não importa quando
sua base indispensável o fato de ser e Marx sublinha mediado - é a base suprimível, o que porém não elimina
muitas vezes - um processo histórico, que é criado pelos o caráter essencialmente social da troca de mercadorias, a
próprios homens que estão interessados e constituem a índole social das suas categorias. Aqui, de fato, no campo
sua história, realizada por eles mesmos. Aqui, também, a da economia pura, não precisamos dizer que isto se
teoria marxiana do ser social, discutindo precisamente a verifica sempre no intercâmbio orgânico com a natureza,
problemática do seu fundamento material, a economia, onde são movidas aquelas posições teleológicas cuja
põe luz à interdependência dialética, à referência finalidade é a de influenciar outros homens. Atrás da
recíproca, à indissolubilidade ontológica na economia fórmula M-D-M esconde-se, em cada caso, a realidade de
entre as atividades humanas preparadas de forma ideal e um grande número de posições teleológicas desse feitio;
a legalidade econômico-material desenvolvida a partir algumas se realizam, outras não. O homem que cumpre a
delas. Analisando a ontologia do trabalho, Marx posição teleológica no âmbito da economia, está também
demonstrou que é insustentável a tradicional diante da totalidade do ser, e enquanto o ser social aí
contraposição entre teleologia e causalidade. Disso desenvolve um decisivo papel de mediações, pois o
resulta que a dinâmica do ser natural é determinada pela confronto com o ser natural nunca pode ser totalmente
causalidade sem a teleologia. Conclui-se disso que a imediato, mas passa sempre pela mediação econômica,
interligação da causalidade e teleologia é uma no curso desse desenvolvimento torna-se sempre mais
característica ontológica primária do ser social. Por um mediatizado. O momento ideal da posição econômica,
lado a representação ou a intenção subjetiva de uma aquele que agora nos interessa, tem como seu oposto
posição teleológica torna-se algo puramente mental, ou polar o momento real, que tais mediações tornam
seja, uma intenção humana sem eficácia, quando não põe predominantemente social. Isto retroage no tipo de
em movimento - diretamente ou de modo fortemente decisões alternativas que intervém, em relação à
mediado - as correntes causais da natureza inorgânica ou componente ideal. Como o simples fato da interligação
orgânica. Na ontologia do ser social não há teleologia entre teleologia e causalidade ter significado uma ruptura
enquanto categoria do ser, sem uma causalidade que a radical com todas as velhas soluções filosóficas sobre
realize. Por outro lado, todos os fatos e eventos que esta relação, então a situação geral que existe no âmbito
caracterizam o ser social enquanto tal são resultados de da economia nos fornece um ulterior ponto de apoio
elos causais postos em movimento teleologicamente. para iluminar as relações da atividade humana, da práxis
Como é óbvio, há eventos causais que não são postos humana, com a legalidade daquele ser que para esta
teleologicamente (terremotos, tempestades, o clima, etc.), representa o pressuposto, o ambiente e o objeto. A partir
que muitas vezes têm efeito relevante para o ser social do momento em que, tanto neste caso, como também no
concreto; e não somente em sentido destrutivo, mas trabalho, temos que lidar com a gênese do complexo de
também positivo (uma boa colheita, um vento favorável, problemas constituído pela liberdade e necessidade, a
etc.). Nos confrontos de determinados fenômenos questão não pode mais ser tratada aqui, no seu nível
naturais desse tipo, até a sociedade mais desenvolvida, máximo de desenvolvimento.
ainda encontra-se vulnerável. Isto não exclui, porém, que E, embora a possibilidade e necessidade
o desenvolvimento econômico do ser social tenha uma ontológicas de decisões alternativas representem a base
força decisiva no domínio de forças naturais de qualquer de toda liberdade - para aqueles seres que não devem e
tipo. Por outro lado, aqueles mesmos eventos naturais nem podem ter alternativas como fundamento prático da
que, de alguma maneira não são dominados, provocam própria existência, a questão da liberdade não se põe
posições teleológicas e resultam assim inseridos a tampouco -, as duas coisas não são idênticas entre si.
posteriori no ser social. E também se esse domínio da Sem entrarmos por ora no problema da liberdade,
natureza pode apresentar-se apenas como tendência em podemos todavia dizer, como resultado da ontologia
contínuo progresso é nunca como estado modificado, é marxiana do ser social, que na práxis não existe nenhum
contudo evidente que a origem teleologicamente posta ato que não tenha como seu fundamento uma decisão
dos eventos e das objetividades constitui o elemento alternativa. Uma contraposição metafísica entre
ontológico específico do ser social. necessidade (não liberdade absoluta) e liberdade jamais
6
existiu no ser social. Existem simplesmente estágios de história da filosofia, só foi visto por Aristóteles e Hegel.
desenvolvimento da práxis humana, que se podem E mesmo assim de modo parcial e não em todas as suas
individualizar na sua gênese, determinados pela dialética conseqüências. Nìcolai Hartmann foi o único filósofo
histórico-social que, em correspondência as suas burguês de nossos dias que, dentro de certos limites, viu
condições e exigências, com modos diferentes de o sentido real dos problemas do ser; ele tentou recolocar
apresentar-se, com formas e conteúdos diferentes, não para o público filosófico a análise de Aristóteles, embora
produzem, reproduzem, desenvolvem, problematizam, trazendo exemplos tirados do campo do trabalho, da
etc., socialmente a essência, sempre e em cada caso arquitetura e da medicina, para iluminarem
fundada sobre decisões alternativas. Isto deriva da concretamente a maneira de ser da teleologia; no
constituição ontológica do ser social, na qual nunca entanto, incorreu na incoerência de fundar sua teleologia
aparece uma necessidade não determinada na gênese por do mesmo modo que a sua concepção da natureza.
atos conscientes. Evidentemente, como vimos na análise Hartmann vê, com justo sentido crítico, que na teleologia
do trabalho, as conseqüências causais dos atos aristotélica estão excluídos todos os processos "que não
teleológicos afastam-se das intenções dos sujeitos que são guiados pela consciência"; consequentemente, as
põem aliás, indo muitas vezes até em sentido oposto. concepções da natureza e da história têm somente
Mas quando, só para repetir um exemplo do qual nos caráter teleológico. Hartmann, além disso, completa a
servimos freqüentemente, a tentativa de obter um super- análise aristotélica, que distinguia noesis e poiesis,
lucro num estágio determinado de desenvolvimento subdividindo posteriormente o primeiro ato em "posição
capitalista determina a queda da taxa de lucro, da finalidade" e o outro em "seleção de meios". Com
defrontamo-nos com um processo que ontologicamente isso, ele realiza um progresso real na aproximação do
difere daqueles que se realizam, determinados pelas leis fenômeno, dando passos essenciais em direção à visão
naturais, como as diferentes constelações, uma pedra concreta da posição teleológica, quando nos mostra que
rolando de cima para baixo, ou alguns vírus provocando o primeiro ato contém em si um endereçar-se do sujeito
uma doença no organismo. ao objeto (somente pensado), enquanto que o segundo é
Assim, a totalidade do ser social, nos seus traços uma "determinação retroativa", enquanto são
ontológicos fundamentais, é construída sobre as posições construídos retroagindo, a partir do novo objeto
teleológicas da práxis humana; isto, no seu sentido planificado, os passos que lá conduzem.20 Os limites da
formal, sem levar em conta o grau de correção com o concepção de Hartmann mostram com a máxima
qual o ser, falando em geral, é captado pelos conteúdos evidência que ele não analisa posteriormente o ato da
teóricos destas posições, dado que elas podem somente posição da finalidade e contenta-se em afirmar, não
realizar suas finalidades imediatas, e, obviamente sem incorreta mas insuficientemente, que esta posição parte
levar em conta a correspondência ou não entre as da consciência, em direção ao futuro, em direção a
intenções dos sujeitos que põem e seus efeitos causais. alguma coisa que ainda não existe. Mas na realidade, a
Do ponto de vista objetivo, o que conta são quais as posição da finalidade tem uma gênese e uma função
cadeias causais postas em movimento por estas posições social muito concretas. Estas provêm das necessidades
e quais efeitos produzam na totalidade do ser social. Para dos homens, não simplesmente das necessidades em
vermos com toda clareza os problemas ontológicos que geral, mas de desejos explícitos, particulares, de obter a
daí derivam, nos parece necessário considerar um pouco satisfação efetiva; por isso, são estes desejos junto a
mais de perto estas posições teleológicas, com referência circunstâncias e aos meios concretos e possibilidades
seja à sua constituição objetivo-estrutural, seja à sua ação socialmente existentes, que determinam de fato a posição
sobre os sujeitos que põem. Já que sobre este ponto, os da finalidade, e fica claro que a seleção de meios, assim
simples fatos da ontologia do ser social contradizem como a forma de realização, tornaram-se ao mesmo
absolutamente algumas veneradas tradições fìlosóficas tempo possíveis e são delimitadas pela totalidade das
que, partindo dos fenômenos mais evoluídos e circunstâncias. Somente assim, a posição teleológica
complexos, os examina no seu isolamento metafísico, pode tornar-se o veículo central do homem - seja no
lógico, gnosiológico; consequentemente, jamais plano individual, seja genérico -, só assim ela se mostra
conseguirão penetrar na sua gênese, no real fundamento categoria específica elementar que distingue
do ser, na chave para decifrar a sua ontologia. No plano qualitativamente o ser social do ser natural.
objetivo, os "elementos" do ser social aqui indagados não Uma tal concretização - que se coloca muito
implicam em outra coisa que: cadeias causais reais podem além das considerações abstrato-gnosiológicas, como
ser movidas por uma posição teleológica. As aquela segundo a qual o movimento parcial entre este
interligações causais existem completamente complexo iria do sujeito ao objeto, ou vice-versa - é
independentes de qualquer teleologia; esta, ao contrário, absolutamente necessária para compreender que também
pressupõe uma realidade que, seja movida pela primeira: uma outra questão secular ainda não resolvida na história
as posições teleológicas são possíveis só num ser da filosofia, pode encontrar a correta resposta
determinado causalmente. De fato, são realizáveis só ontológico-genética, precisamente a partir deste
quando podemos contar de maneira absoluta com o complexo. Referimo-nos ainda ao problema da liberdade.
funcionamento contínuo de uma cadeia causal cujo Igualmente para a relação entre causalidade e teleologia,
conhecimento prático seja concreto. Embora isso resulte
simples, este nexo entre causalidade e teleologia na 20 N. Hartmann, Teleologisches Denken, cit., pp.65-67.
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de acordo com a maneira de ver precedente, temos que pode verificar que esta estrutura é válida em todos os
sublinhar que o problema da liberdade pode ser posto de campos nos quais apareçam posições teleológicas,
maneira sensata apenas numa relação de observando qualquer colóquio: de inicio, pode-se
complementaridade com a necessidade. Se na realidade também ter um objetivo geral e que se quer perseguir por
não existe nenhuma necessidade, tampouco seria meio deste colóquio, mas a cada frase pronunciada, seu
possível a liberdade, a qual não existiria no mundo efeito ou a sua falta de efeito, a réplica e talvez o silêncio
dominado pelo determinismo de Laplace, do "eterno do interlocutor, etc., dão lugar forçosamente a uma série
retorno" de Nietzsche, e assim por diante. Já temos de novas decisões alternativas. No entanto, quer seu
acentuado várias vezes a característica, existente de fato, campo de possibilidades seja maior, mais extenso, etc. do
do "se .:. então" da necessidade e estamos certos de que que aquele que se tem em sentido restrito no trabalho.
o problema da liberdade pode ser posto de modo correto físico, não será nenhuma surpresa para qualquer um que
e colado na realidade somente partindo do ser deste saiba o que estamos falando sobre os dois tipos de
complexo, da forma normal de seu funcionamento e da posições teleológicas.
sua gênese enquanto parte constitutiva do ser social. No Assim sendo, já delineamos nos seus traços mais
entanto, é evidente que aqui podemos discutir e dar elementares o "fenômeno originário" da liberdade no ser
resposta apenas à última questão. O complexo global da social dos homens. Isto é, todos os momentos do
liberdade pode ser estudado adequadamente somente no processo da vida sócio-humana, quando não têm uma
quadro da Ética. Mas de qualquer forma, para colocar o característica biológica totalmente espontâneo-necessária
problema corretamente, essa questão precisa ser (respirar), são resultados causais de posicionamentos e
analisada através do esclarecimento da sua gênese. Nesse não simplesmente anéis de cadeias causais.
caso, a gênese, da qual de fato temos falado, é a decisão Naturalmente, a decisão alternativa dos homens não se
alternativa, sempre e necessariamente presente no restringe simplesmente ao nível do trabalho; de fato,
processo de trabalho. Na verdade, também em seu vimos que as posições teleológicas que não se destinam
sentido primordial, é incorreto simplificar a coisa e ao intercâmbio orgânico com a natureza, mas são
limitar-se a vê-la somente na posição da finalidade. direcionadas à consciência de outros homens, com
Indubitavelmente esta é uma decisão alternativa, mas a relação a este aspecto revelam a mesma estrutura e
sua realização, tanto nos preparativos mentais quanto no dinâmica. E embora sejam complexas as manifestações
seu traduzir-se em prática, unicamente, não é um simples da vida produzidas pela divisão social do trabalho que se
evento causal, a simples conseqüência causal de uma elevam até as máximas atividades espirituais dos homens,
precedente deliberação. Nos devidos termos da sua na sua base funcionam as decisões alternativas.
realização, esta deliberação assume o significado de um Naturalmente isto significa que a especificidade da
programa concreto, isto é, de um campo de possibilidade gênese conserva-se em termos extremamente gerais e
real, delimitado e consequentemente tornado concreto. consequentemente abstratos. Conteúdo e forma sofrem
Não é necessária uma análise profunda - isto continuamente mudanças qualitativas radicais e, por isso,
pode ser confirmado por cada experiência cotidiana - não se pode e nem se deve simples mente "deduzi-los"
para ver que tanto nos preparativos mentais do trabalho, da forma originária da gênese, entendendo-os como suas
sejam eles científicos ou apenas empírico-práticos, meras variantes. Mas o fato de que esta forma originária,
quanto na sua execução efetiva, nos encontramos sempre apesar de todas as mudanças, permanece presente, revela
diante de uma completa cadeia de decisões alternativas. que se trata de uma forma elementar e fundamental do
Desde a escolha entre os gestos da mão, dos quais cada ser social, da mesma maneira como, por exemplo, a
vez procura-se aquele mais oportuno e recusa-se aquele reprodução do organismo, que apesar de todas as suas
menos apto, até a escolha entre procedimentos parecidos mudanças qualitativas, permanece analogamente uma
efetuados no curso da planificação mental, é sempre forma continuamente da natureza. Sabemos ainda, como
visível, com toda evidência, esta série de deliberações, sublinhamos anteriormente que o desenvolvimento e a
igualmente entre o campo concreto do plano concreto constituição dos tipos fenomênicos superiores de
global. O fato é que na cotidianidade média esse decisões alternativas, ainda que possam ser discutidos de
processo, que nem sempre é considerado por todos, maneira adequada, sobretudo na Ética, todavia, também
deriva diretamente da experiência do trabalho, a qual neste lugar é possível antecipar algumas observações
baseia-se substancialmente na fixação em reflexos muito gerais, podendo-se dizer alguma coisa a respeito
condicionados e também em atos "inconscientes" de da essência e da sua realização real. Desde o início, para
ações singulares que já se mostram eficazes; mas, não haver mal-entendido, revelamos que a usual
geneticamente, cada reflexo condicionado foi alguma vez generalização filosófica de uma única e - metafisicamente
objeto de decisões alternativas. Naturalmente isso não - indivisível liberdade é para nós uma construção
anula o processo causal como conseqüência da posição intelectual vazia. O desenvolvimento da sociedade
teleológica; simplesmente este não vem movido produz sempre novos campos da práxis humana, nos
novamente por uma única posição teleológica, mas vem, quais o que vem geralmente chamado de liberdade em
ao contrário, continuamente diferenciado, ajustado, geral, aparece repleto de conteúdos diferentes, plasmado
melhorado, ou piorado, pelas decisões singulares da em estruturas diferentes, operando com diferentes
realização objetiva, obviamente dentro da linha de fundo dinâmicas, etc. Entretanto, esta multiplicidade não leva a
estabelecida pela posição da finalidade geral. E cada um algo de heterogêneo e descontínuo, nem do ponto de
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vista da sucessão histórica, nem mesmo da presença objetivações. E isto vale também para aqueles eventos
simultânea numa mesma sociedade; estas diversas naturais não transformados que intervém no ser social
encarnações relacionam-se umas com as outras, sem (talvez porque não sejam transferíveis). O vento é um
porém nunca se fundirem completamente numa unidade fator da natureza que por si só não tem nada a ver com
(por exemplo, a liberdade jurídica com a moral). Apesar as idéias de valor. Os navegantes, porém, desde tempos
de todas as modificações históricas e sociais, permanece antiquíssimos, sempre falaram de ventos favoráveis ou
o dado da multiplicidade, e isto significa que no refletir desfavoráveis; de fato, pois no processo de trabalho da
sobre ela, quando não se quer violentar os fatos como navegação à vela, do lugar "x" para o lugar "y", há uma
são, precisa-se respeitar sempre a especificidade das força e direção do vento e o mesmo rumo que, em geral,
esferas, do campo, etc. Por isso, temos que adiar a tem as propriedades materiais do meio e do objeto do
exposição e a análise na Ética, onde este crescimento em trabalho. Nesse caso, então, o vento favorável ou
direção da complexidade poderá ser tratado em termos desfavorável é um objeto no âmbito do ser social, do
histórico-sociais, em direção do nível - de imediato - intercâmbio orgânico da sociedade com a natureza; e a
puramente espiritual e individual; onde este pluralismo validade e não-validade fazem parte das suas
das liberdades poderá receber uma fundamentação propriedades objetivas, enquanto momentos de um
ontológica, ao invés de mero conceito abstrato, complexo concreto do processo de trabalho. O fato de
metafisicamente unitário, da liberdade como tem sido que o mesmo vento seja considerado favorável por um
aceita em muitos sistemas filosóficos. navegante e desfavorável por outro não introduz
Apesar disso - embora permanecendo nenhum subjetivismo na valorização: o vento, de fato,
plenamente nesta concepção pluralista -, tem sentido somente num determinado processo concreto torna-se
ontológico discutir em geral as decisões alternativas. momento de uma objetivação social; só dentro desse
Quando falamos que a decisão de um homem primitivo, complexo essencial suas propriedades podem ter valor
ao polir uma pedra, ao colocar a mão um pouco para o ou desvalor, e seu modo de manter-se inteiramente nesta
alto à direita e não em baixo à esquerda é uma decisão, conexão é precisamente objetivo e não subjetivo.
alternativa tanto quanto aquela de Antígona que sepultou Se podemos então dizer que nas decisões
o irmão contra a proibição de Creonte, não registramos alternativas do trabalho se esconde o "fenômeno
simplesmente uma peculiaridade abstrata comum a dois originário" da liberdade, é porque ele põe em movimento
processos fenomênicos completamente heterogêneos, os primeiros atos nos quais e por meio dos quais surgem
mas enunciamos alguma coisa que capta seus as objetivações, as quais, de um lado, conforme seu ser
importantes aspectos comuns. O lado objetivo desta diferem-se das simples transformações espontâneas de
ligação interna entre fenômenos completamente um ente em um ser-outro e, de outro lado, podem
heterogêneos é constituído pelo fato de que seus atos são tornar-se, consequentemente, o veículo através do qual
repletos de valores. Já dissemos, falando do trabalho, que surge alguma coisa de realmente novo; podem tornar-se
seu produto é por necessidade ontológica bem sucedido algo que não apenas transforma objetivamente o ser
ou não, útil ou inútil, etc.; com isso temos que, no ser social, mas que torna a transformação objeto de uma
social, os objetivos têm uma constituição completamente posição desejada pelo homem. Assim sendo, o
estranha a cada objetividade natural; sua base é formada "fenômeno originário" não consiste na simples escolha
exclusivamente pelo processo de reprodução social. entre duas possibilidades - algo parecido acontece
Todas as transformações que o trabalho, também na vida dos animais superiores -, mas na escolha
primordialmente, exerça sobre os objetos naturais são entre o que possui e o que não possui valor,
mediadas pela relação formada entre seu decurso e seus eventualmente (em estágios superiores) entre duas
resultados por um lado, e o processo de reprodução pelo espécies diversas de valores, entre complexos de valores,
outro; e a aplicação desta medida tem uma ineliminável precisamente porque não se escolhe entre objetos de
característica de valor que quer dizer que existe maneira biologicamente determinada, numa definição
objetivamente a polaridade alternativa entre válido e não estática, mas ao contrário, resolve-se em termos práticos,
válido. Que a valorização aparece imediatamente como ativos, se e como determinadas objetivações podem vir
um ato subjetivo, não nos deve induzir a errar. O juízo realizadas. O desenvolvimento da sociedade humana -
subjetivo da aptidão ou não desta ou daquela pedra para considerada sob o ponto de vista dos sujeitos humanos -
polir outras pedras baseia-se no fato objetivo da sua consiste substancialmente no fato de que todos os passos
aptidão; em casos singulares, o juízo objetivo pode da vida do homem, desde aqueles mais cotidianos aos
também não considerar a validade ou não-validade mais elevados, são dominados por estas decisões.
objetiva, mas o critério real de qualquer forma possui Qualquer que seja a consciência que os homens têm
caráter objetivo. E o desenvolvimento social consiste deste fundamento de todas as suas ações - em cada
precisamente na afirmação tendencial na práxis do que é sociedade a vida produz continuamente circunstâncias
objetivamente válido. Igualmente, sempre nos cursos dos que podem ocultar esse estado de coisas -, eles têm de
movimentos desiguais e sempre no quadro de que para qualquer forma alguma sensação, embora muito
as ações dos homens é cada vez realizável pelo hic et nunc indistinta, de fazer a própria vida, por si só, por meio
histórico-social. O motivo de tal insuprimibilidade das dessas decisões alternativas. Por isso, nunca pode
valorizações está no fato de que os objetos do ser social desaparecer completamente da sua vida emotiva aquele
são, não simplesmente objetividade, mas sempre complexo de experiências anteriores nas quais apoia-se a
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idéia filosófica da liberdade; consequentemente, as idéias os conhecimentos acerca da essência de alguma
de liberdade e as tentativas de traduzi-las em prática são conexão natural podem ter efeitos sociais
uma constante na história humana e aparecem, em parte, revolucionários, seja no desenvolvimento das forças
em primeiro plano, em cada tentativa dos homens de produtivas (vapor, eletricidade, etc.), seja, da mesma
esclarecerem eles mesmos as suas atitudes em relação ao forma, na ideologia (os efeitos da astronomia copérnica
mundo, assim como aparece também, em parte, no na imagem do mundo possuída pelos homens).
primeiro plano, no seu pólo oposto, ou seja, a Depois desta rápida e obrigatória digressão,
necessidade, ela também experimenta continuamente na podemos voltar ao ser social mesmo, iniciando nosso
vida cotidiana. Mas nossas considerações tencionavam discurso com a importante enunciação metodológica de
chegar só até o ponto em que o problema resultasse Marx - que se refere contudo à totalidade complexa do
visível na sua generalidade. As exposições concretas problema fenômeno-essência - a qual soa: "Toda ciência
poderão ter lugar somente na Ética. seria supérflua se a aparência das coisas coincidisse diretamente com
Então, se queremos entender em termos ao sua essência"21. No célebre capítulo sobre o caráter do
menos aproximadamente adequados a estrutura essencial fetiche da mercadoria, Marx ilumina, pode-se dizer, a
e dinâmica interna da economia no ser social, devemos - estrutura originária do mundo fenomênico da economia,
especialmente aqui, onde nosso interesse à dirigido à em contraposição com a essência que está na sua base:
colocação e função ontológica do momento ideal e, mais "O mistério da forma das mercadorias consiste simplesmente no
adiante, da ideologia - dar uma olhada no problema fato de que tal forma, como no espelho, restitui aos homens a
ontológico do fenômeno e da essência no ser social. Não imagem dos caracteres sociais do seu próprio trabalho, fazendo-lhes
é este o lugar para analisarmos esta relação nas outras aparecer como caracteres objetivos dos produtos do seu próprio
formas de ser. Existe de fato uma especificidade, uma trabalho, como propriedades sociais naturais daquelas coisas, e
diferença qualitativa, ou seja, que o mundo fenomênico então restabelece também a imagem das relações sociais entre
do ser social constitui o fator pelo qual é posta em produtores e trabalho existente fora deles".22 Este é
movimento a maior parte das posições teleológicas que naturalmente só um caso típico mais originário do
determinam imediatamente sua constituição e movimento do ser social que estamos examinando por
desenvolvimento, assumindo também uma parte ora, no setor da práxis econômica. Quanto mais
importante na dialética objetiva do fenômeno e essência; evoluída, quanto mais social se torna a vida econômica,
a natureza, ao contrário - a natureza em-si, não enquanto tanto mais. claro nela .se torna o predomínio desta
terreno do intercâmbio entre sociedade e a natureza -, relação entre fenômeno e essência. No conjunto com o
mostra-se completamente indiferente às reações seu fundamento ontológico, isto resulta visivelmente
suscitadas pela sua essência e pelo seu modo de claro quando Marx discute a forma fenomênica,
apresentar-se. Resta um mero problema cognitivo, difundidíssima no capitalismo, do dinheiro que,
privado de conseqüência ontológica, aquele de saber se aparentemente, gera dinheiro. Ele conclui sua análise
os observadores da natureza de se detêm no fenômeno com esta caracterização do fenômeno: "Mas isto é expresso
(apenas na aparência), ou se penetram até a essência. apenas como resultado, sem a mediação do processo, do qual este é o
Isto, para dizer a verdade, não se refere mais à natureza resultado".23 Vem assim precisado com exatidão no plano
como objeto. do intercâmbio orgânico com a sociedade, ontológico um importante traço comum dos modos
mas também aqui o conhecimento e a posição fenomênicos no processo econômico: no ser social e
teleológica daí derivada podem influenciar somente os antes de tudo no campo da economia, onde cada objeto
efeitos provocados no mundo sócio-econômico das é, por sua essência, um complexo processual; este,
legalidades naturais e não estas mesmas legalidades. Para porém, no mundo fenomênico, apresenta-se muitas
evitar qualquer mal-entendido, repetimos com toda vezes como um objeto estático, firmemente definido; o
energia o caráter "se...então", já várias vezes sublinhado, fenômeno, aqui, torna-se fenômeno precisamente
de todas as relações necessárias entre as legalidades. De fazendo desaparecer, de imediato, o processo ao qual
fato, quando se absolutiza abstratamente termos lógicos deve sua existência de fenômeno. E é de grande
ou gnosiológicos, o conceito de necessidade, nos casos importância social essa maneira de a essência apresentar-
em que a ciência natural produz (por exemplo, de modo se, isto é, do processo econômico. Em outro lugar, Marx
experimental) fenômenos que não aparecem na natureza nos oferece um panorama em que vemos quais
por nós conhecida, pode-se ter a falsa aparência de que relevantes orientações teóricas dos pensadores de
se trata de fenômenos novos em relação à natureza. Na primeiro plano, quais decisivas orientações práticas de
verdade, pode-se afirmar somente que, por exemplo, períodos culturais inteiros são decorrentes de um tal
uma experiência iluminou uma nova relação "se ... então" modo de apresentação do dinheiro. A gênese real do
por nós ainda não encontrada na realidade conhecida até dinheiro, em nada misteriosa, foi descrita por Marx, no
hoje; isto comprova a real possibilidade ontológico- âmbito da análise da relação da mercadoria, de modo
natural precisamente desta relação "se ... então", ontologicamente restrito como simples, óbvia
enquanto por ora não haja prejuízo se e, eventualmente, necessidade de sua gênese econômica. Ele de fato
quando e onde a natureza mesma produza uma tal
relação "se ... então" prescindindo do homem.
Qualitativamente diferente é, pelo contrário, o papel da 21 K. Marx, Das Kapital, III, 2, cit., p.352 (trad.it.cit., p.930).
22 K. Marx, Das Kapital, I, cit., p.38 (trad.it.cit., p.104).
natureza no intercâmbio orgânico com a sociedade. Aqui 23 K. Marx, Das Kapital, II, cit., p. 21 (trad.it., p.49).
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mostrou como a forma geral do valor transformou em Pior que superficial seria ridicularizar como
figura independente da vida econômica a sua encarnação preconceito da época primitiva a mitificação do poder do
já adotada na prática, o dinheiro: "O ouro apresentase como dinheiro, a sua fetichização na vida cotidiana, e orgulhar-
dinheiro nas relações das. outras mercadorias só porque já se das visões maduras das formações superiores. De fato,
anteriormente tinha se apresentado como mercadoria nas suas a formação capitalista desenvolvida produz uma análoga
relações. Ele também funcionou como eqüivalente, como todas as forma fenomênica distorcida, que para os homens
outras mercadorias: seja como equivalente singular em atos isolados práticos na sua ação e para os portavozes teóricos desta
de troca, seja como equivalente em particular ao lado de outros práxis é tão pouco transparente, quão pouco o era para
equivalentes de mercadorias. Aos poucos ele tem funcionado, em os gregos o enigmático poder do dinheiro. Referíamo-
esferas mais ou menos amplas, como equivalente geral; logo que nos ao ocultamento econômico espontâneo da práxis
conquistou o monopólio dessa posição na expressão do valor no capitalista inevitável da mais-valia por obra do lucro;
mundo das mercadorias, tornou-se mercadoria-dìnheiro, e somente aquele mundo fenomênico capitalista, em que a mais-
no .momento em que ele tornou-se dinheiro ... a forma geral do valia desaparece completamente atrás do lucro e que a
valor foi transformada na forma de dinheiro". 24 Bem, esta clara conseqüente reificação, que deforma a essência do
perspicácia da real gênese econômica da essência está em processo torna-se a sólida base real de cada práxis
contraste no mais alto grau com a opacidade capitalista. Marx descreveu com a máxima exatidão
fetichizadora, muitas vezes mítica, do mundo também esse processo: "A mais-valia, enquanto é posta pelo
fenomênico que a ela corresponde. Também nesse ponto capital mesmo e medida pela sua relação numérica com o valor
Marx nos oferece uma clara exposição sintética que global do capital, é o lucro. O trabalho vivo apropriado e captado
devemos citar, apesar de sua amplitude, para tornar pelo capital apresenta-se como força vital do capita1 mesmo; como
visível concretamente o contraste entre a relativa sua força auto-reprodutora, além disso modificada pelo mesmo
simplicidade da gênese e a constituição da essência, ao movimento do capital, a circulação, e pelo tempo conexo ao seu
invés da confusão do mundo fenomênico da economia. movimento, o tempo de circulação. Somente assim o capital é posto
Diz Marx: o dinheiro "não é uma forma simplesmente como valor que se renova perenemente e se multiplica, enquanto se
mediadora da troca de mercadorias. E uma forma do valor de troca distingue, como valor pressuposto, por si mesmo como valor posto.
surgida do processo de circulação, um produto social que se produz No momento em que o capital entra inteiramente na produção, e
por si, através das relações em geral que os indivíduos estabelecem como capital suas várias partes constitutivas distinguem-se apenas
entre si na circulação. Não apenas ouro e prata (ou qualquer outra formalmente uma da outra, são, isto é, todas na mesma medida,
mercadoria) desenvolvem-se como medida de valor e meio de soma de valor; a criação do valor é imanente na mesma medida a.
circulação ... Eles tornam-se dinheiro sem a intervenção e sem a elas todas. Além disso, do momento em que a parte do capital que
vontade da sociedade. O seu poder aparece como um fato, e a se troca com trabalho tem efeitos produtivos apenas junto às outras
consciência dos homens, especialmente em situações sociais que partes do capital- e a relação desta produtividade pela grandeza do
determinam o mais profundo desenvolvimento das relações do valor valor etc, pela determinação recíproca diferente destas partes (como o
de troca, rebela-se contra o poder que um objeto, uma coisa obtém capital fixo, etc.) - a criação da mais-valia, do lucro, apresenta-se
frente a ele, contra a autoridade do metal maldito, que aparece determinada na mesma medida para todas as partes do capital.
como mera loucura. E somente no dinheiro, nesta que é a forma Por um lado, porque para uma parte, as condições do ,trabalho são
mais abstrata, mais absurda, mais inconcebível- uma forma em que postas como e1ementos objetivos do capital, e por outro lado, o
cada mediação é superada - e no dinheiro as relações sociais trabalho mesmo é posto como uma atividade nele incorporada, o
recíprocas aparecem transformadas numa relação social que fixa, processo de trabalho inteiro é posto como processo próprio do capital
domina, e assume sob si os indivíduos. Fenômeno tanto mais duro e a criação da mais-valia se apresenta como mais um de seus
quando surge do indivíduo privado, atomisticamente e produtos, cuja grandeza por isso mesmo não é medida por meio do
arbitrariamente livre, que está em relação com outra pessoa na mais-trabalho que ele obriga o operário a fazer, mas com a
produção somente através de necessidades recíprocas ... Os filósofos produtividade majorada que ele confere ao trabalho. O produto
antigos, mesmo Boiguillebert, consideram isto como uma perversão e verdadeiro e próprio do capital é o lucro. Nesse sentido, o capital é
um abuso do dinheiro, o qual de servo torna-se patrão, despreza a agora posto como fonte de riqueza". 26
riqueza natural, suprime a simetria dos equivalentes. Platão na Ainda mais uma vez temos de lidar com um
República quer constranger o dinheiro a ser simples meio de mundo fenomênico surgido da dialética própria da
circulação e medida, não quer que se torne dinheiro enquanto tal. produção econômica, com um mundo fenomênico que
Aristóteles, na forma M-D-M, em que o dinheiro funciona no seu ser-próprio-assim é a realidade, não a aparência; e,
somente como medida e moeda, vê então o movimento que ele chama de fato, na prática cotidiana do capitalismo constitui-se a
econômico e que considera como natural e racional; enquanto base real imediata das posições teleológicas, sem que
condena como antinatural, contrário à finalidade, a forma D-M- estas últimas - como aconteceria se fossem embasadas
D, chamada por ele de cremástica. O que aqui é combatido, é só o numa aparência não correspondente a nenhuma
valor de troca como tal; o fato de que o valor como tal se torne realidade - acabassem por rebocar a si mesmas, uma vez
finalidade da troca e adquira forma independente, antes de tudo na que põem alguma coisa de irreal. Ao contrário: a
forma simples e manifesta do dinheiro". 25 constituição assim dada deste mundo fenomênico é o

24K. Marx, Das Kapital, I, cit., pp.36-37 (trad.it.cit.,p.102). política, in K. Marx, Seritti inediti di economia política, Roma, Editori
25 K. Marx, Grundrisse, cit., pp.928-929 (trad.it. di M. Tronti, Riuniti, 1963, pp. 105-107.
Frammento del texto primitivo (1858) di “Per la crítica dell’economia 26 Ivi, pp.706-707 (trad.it., Lineamenti ecc., cit., II, pp. 562-563).
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fundamental real e imediato de todas aquelas posições sempre mais irreconhecível e não se revela no fenômeno, mas deve
pelas quais a reprodução real do sistema econômico ser descoberta como um mistério escondido". 31
inteiro pode-se conservar e crescer ulteriormente. Esta distorção fenomênica da essência,
Também aqui a verdade sobre o mundo fenomênico produzida pelo desaparecimento do verdadeiro processo
pode iluminar apenas a indagação ontológico-genética a produtivo, não pode ter lugar também na produção
respeito da essência; apesar disso, como já observamos direta da mais-valia. Sabemos que a essência do
analisando o trabalho, pode constituir um sólido progresso econômico consiste, antes de tudo, no fato de
fundamento imediato para as posições teleológicas da que o trabalho necessário à reprodução da vida daqueles
práxis cotidiana. Marx descreve essas relações da mesmos que trabalham, representa pouco a pouco uma
seguinte maneira: "Mais-valia e taxa de mais-valia são, em porcentagem sempre menor do trabalho global que eles
sentido relativo, o invisível, o essencial a descobrir, enquanto a taxa socialmente prestam. Este desenvolvimento da essência
de lucro e então o lucro, forma da mais-valia, mostram-se na verifica-se, embora em muitos aspectos desiguais, a partir
superfície do fenômeno". 27 É claro que a constituição aqui do momento em que surgiu a escravidão. E a estrutura
descrita do mundo fenomênico da economia domina o das formações econômicas é, na substância, determinada
complexo problemático inteiro, já lembrado muitas pelo modo no qual - sob tais condições, entre tais
vezes, das taxas médias de lucro; e, de fato, sua base determinações econômicas - tem lugar o nascimento e a
econômico-ontológica foi dada pelo desaparecimento da apropriação do trabalho excedente (mais-valia). Ora,
mais-valia atrás do lucro. A relação essencial, aqui Marx demonstra que não apenas neste desenvolvimento
decisiva, que no mundo fenomênico desaparece, é econômico existem desigualdades substanciais, mas que
iluminada por Marx da seguinte maneira "A progressiva os modos de apropriação presente nas diferentes
tendência à diminuição da taxa geral de lucro é tão somente uma formações ou revelam, ou escondem esta relação. E
expressão peculiar ao modo de produção capitalista,, do interessante notar como o feudalismo é a única formação
desenvolvimento progressivo da força produtiva social. do trabalho". na qual a relação entre o trabalho prestado para a
28 reprodução própria e a mais-valia vem à luz, em termos
Do processo econômico do capitalismo, separados e distintos, enquanto que, tanto na escravidão
desenvolve-se necessariamente, a reificação da como no capitalismo, embora de maneira contraposta,
objetividade social como mundo fenomênico objetivo; e, esta diferença desapareça sob as formas de exploração.
naturalmente também o espelhamento deste Marx expõe esta diferença da seguinte maneira: "A forma
correspondente na consciência dos homens que do salário esconde cada vestígio da divisão da jornada de trabalho
cumprem suas posições práticas neste mundo em trabalho necessário e trabalho excedente; entre trabalho
fenomênico imediato que vivem neste mundo, cujas remunerado e trabalho não remunerado. Todo trabalho aparece
ações são respostas às perguntas que ele subleva. A como trabalho remunerado. Nas prestações de trabalho feudais, o
transformação da mais-valia em lucro é aqui fator trabalho do servo feudal por si mesmo é distinto no espaço e no
decisivo. Marx o descreve nestes termos: "Na mesma tempo, de maneira tangível e sensível, do trabalho coercitivo para o
medida em que a imagem do lucro esconde seu núcleo interno, o proprietário fundiário. No trabalho escravo, até a parte da jornada
capital assume uma figura sempre mais coisificada; de uma relação, de trabalho em que o escravo só reintegra o valor dos próprios meios
se transforma sempre numa coisa, uma coisa que se confronta assim de subsistência, em que ele então trabalha na realidade para si
mesmo com uma vida e uma autonomia fictícia, um ser mesmo, aparece como trabalho não remunerado". 32 Também
sensivelmente ultra-sensível; e nesta .forma de capital e lucro neste caso, para colher a verdadeira essência diretamente
aparecem na superfície, como um pressuposto acabado. É a forma das formas fenomênicas, é necessária a gênese sócio-
de sua realidade, ou melhor sua verdadeira forma de existência".29 ontológica em termos objetivos, científicos.
Tal realidade impõe-se em cada relação que nasce nesse Da economia de Marx, nós escolhemos aqui
terreno. Assim acontece pois, a causa da distorção da apenas alguns dos complexos problemáticos mais
reificação: é que a renda fundiária apresenta-se como um importantes. Poderíamos continuar à vontade, mas
produto do solo: "A renda, como cada figura criada da acreditamos que o discurso até aqui conduzido seja
produção capitalista, aparece ao mesmo tempo como um pressuposto suficiente para clarear a dinâmica real da esfera
fixo, dado, presente em cada instante e, então, para o indivíduo econômica e refutar os freqüentes juízos errôneos que se
independente. O arrendatário deve pagar uma renda, em particular dão a seu respeito. Principalmente entre aqueles que não
um tanto para uma unidade de medida conforme a qualidade do desvalorizam o significado da economia no contexto
terreno".30 No momento em que, no mundo fenomênico global do ser social - incluindo um grande número de
do capitalismo desaparece a mais-valia, aparecem intelectuais burgueses -, em especial entre marxistas que
entidades reificadas deste tipo, nas quais sua subjetiva fundam sua metodologia, ou sobre o período da Segunda
unidade comum, propriamente a mais-valia, "torna-se Internacional, ou sobre o período do stalinismo, é
difundida a idéia segundo a qual a esfera da economia
constituiria uma espécie de segunda natureza, que
27 K. Marx, Das Kapital, II, 1, cit., p.17 (trad.it, cit., p.69). distinguir-se-ia qualitativamente pela estrutura e dinâmica
28 Ivi, p.193 (ivi, p.261). das outras partes do ser social, do que é chamado
29 K. Marx, Theorien liber den Mehrivert, III, cit., p.555 (trad. It. Di

C. Pennavaja, Teorie sul plusvalore, III, in K. Marx & F. Engels,


Opere Complete, XXVI, Roma, Editori Riuniti, 1979, p.518). 31 Ivi, p.558 (ivi, p.520).
30 Ivi, p.557 (ivi, p.519). 32 K. Marx, Das Kapital, I, cit., p.502 (trad.it.cit., p.590).
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superestrutura, ideologia, e teria com esta uma relação de (Lembre-se a diferente função, aliás freqüentemente
rígida contraposição, de exclusão recíproca (Basta contraposta, do capital comercial e monetário nas
recordar as visões de Plekanov ou de Stalin). Nosso formações pré-capitalistas e no capitalismo). Apesar de
discurso tem mostrado, precisamente, a refutação desses todas essas passagens extremamente complexas, se não
preconceitos. O trabalho, enquanto elemento último da podemos contrapor em termos metafísicos absolutos,
esfera econômica, não ulteriormente cindível, é fundado sem escalas, a esfera econômica à superestrutura, não
de fato numa posição teleológica e, como mostramos podemos tampouco falar que o complexo das posições
sob diferentes pontos de vista, todos os momentos que teleológicas entre o ser social é um conjunto uniforme,
produzem a estrutura e a dinâmica da esfera econômica, indiferenciado. Como vimos há pouco, é preciso ter
são também estes atos teleológicos direta ou presente também na esfera econômica, e com efeitos
indiretamente orientados em direção ao processo de significativos nos outros complexos, a distinção de
trabalho, ou postos em movimento por ele. Por este grande relevo ontológico entre fenômeno e essência.
aspecto fundamental a esfera econômica não se Temos mostrado como, em contraste com os
diferencia em nada dos outros campos da práxis social. preconceitos ideológicos, ambos devem ser considerados
Em particular, e isto acontece necessariamente nas em si, e não simplesmente determinações ideais, simples
posições teleológicas, que são os movimentos essenciais distinções do pensamento. Além disso, fica-nos claro que
do processo, cada uma delas tem como ponto de partida estas duas formas do ser, unidas entre si por uma
um momento ideal. Neste sentido, portanto, a totalidade infinidade de interações, constituem uma unidade
do ser social tem uma construção ontológica unitária. dinâmica, na qual porém as determinações concretas do
Quando a realidade é pensada com profunda coerência e seu ser processual, não obstante, apresentam-se muito
é concebida nos termos dialéticos marxianos, não se diferentes.
pode sustentar uma bi-repartição em esferas, numa Para entender corretamente na economia a
estrutura e dinâmica rigidamente contrapostas. E não se unidade e a diversidade ontológica de cada fenômeno, é
chegaria a resultados satisfatórios mesmo querendo ver preciso partir, em termos ontológicos-críticos, do
princípios absolutamente contrastantes, de um lado, no tratamento hegeliano deste complexo problemático. Já
intercâmbio com a natureza e, de outro lado, na práxis na sua obra relativamente juvenil, Propedêutica
internamente à sociedade. É verdade que nas esferas Filosófica, Hegel caracteriza o fenômeno, a aparência,
ideológicas altamente desenvolvidas existem tipos de como algo que não é "por si, mas somente num outro". E,
posições que, por via de regra, só indiretamente influem como determinação decisiva da relação entre essência e
sobre a ação material dos homens; mas precisa-se pensar fenômeno, acrescenta a seguir: "A essência deve manifestar-
que, neste caso, o processo de mediação apresenta se". 33 Onde, por um lado, a essência vem apresentada
somente uma diferença qualitativa. Quanto mais ontologicamente como momento a mais da interação e,
desenvolvida, quanto mais social é uma formação por outro lado, a relação igualmente ontológica entre as
econômica, tanto mais complexos são os sistemas de duas coisas vem concretizada no fato de que do ser deve
mediações que essa deve construir em si e em volta de si; necessariamente derivar o fenômeno. A unidade
mas estes interagem todos de alguma maneira com a dinâmica entre eles - mas isso não está presente com
auto-reprodução do homem, com o intercâmbio toda clareza nas considerações de Hegel, que são
orgânico com a natureza, ficando em relação com esta, e somente ontológicas e não conscientemente orientadas
são ao mesmo tempo tais que retroagem sobre esta, no para o ser social - depende do fato de que no ser social
sentido de que podem favorecê-la ou obstaculizá-la. está fundada a derivação de ambas as posições
Nestes casos, é também evidente que partes importantes teleológicas, isto é, em cada posição singular deste tipo
da superestrutura, basta pensar o direito e a política, da esfera econômica, essência e fenômeno são
estão intimamente conexas e tem uma estrita relação objetivamente postos de modo simultâneo, e só quando
recíproca com o intercâmbio orgânico. as séries causais entram em movimento, desenvolvem-se
As posições teleológicas que nascem com o em complexos de ser separados, com fisionomias
trabalho e deste se desenvolvem são, portanto, específicas, e, embora na persistência da contínua
componentes fundamentais do ser social do homem; interação, distinguem-se - de imediato e relativamente -
mas este último, na sua totalidade, tem ligações múltiplas uma da outra, somente se houver uma diferenciação mais
e tão incindíveis com a sua existência física e a sua clara. Hegel caracterizou de maneira genial os traços mais
reprodução, que uma bi-repartição absoluta não pode ser genial desta divergência entre coisas que finalmente
possível. Isto não significa porém, que as interações, no formam um todo; entretanto, uma ontologia da dialética
interligar e unificar, tenham em cada 1ugar a mesma materialista deve corrigir um pouco suas caracterizações,
força e intensidade. Ao contrário. Tampouco no interior para torná-las mais concretas. "O reino das leis é a imagem
das várias partes da esfera econômica conseguem ter calma do mundo existente ou fenomênico",34 afirma ele. Como
uma proporção constante a respeito. A historicidade da infelizmente acontece muitas vezes com Hegel, também
economia, enquanto se manifesta definitivamente, não aqui um estado de coisa, ontológico decisivo é expresso
apenas numa permanente transformação da estrutura e
intensidade dos seus complexos singulares, mas também 33 G.F.W.Hegel, Philosophische Propüdeutik, in Sämtliche Werke, ed.
na sua mudança de função, que por sua vez tem Glockner, Stuttgart, 1949, pp.124-125.
34 G.F.W. Hegel, Wissenschaft des Logik, cit., IV, p.145 (trad.it.cit.II,
importantes efeitos de retorno nestas proporções p.564).
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não em seu ser em-si ontologicamente objetivo, mas em pretensão de determinar de modo lógico-unitário a
termos subjetivados de um ponto de vista gnosiológico- essência e o fenômeno do ser global. No ser social, por
lógico (imagem). O que Hegel propriamente entende, isso, a característica "calma" da essência não é senão uma
adquire maior clareza e plasticidade quando o mundo continuidade tendencial daqueles processos que
fenomênico é posto em confronto com aquilo que a constituem sua determinação mais fundante. Esta
essência, assim, caracteriza. Desta identidade entre continuidade deriva, no plano ontológico, do fato de que
identidade e não-identidade em relação à essência e ao nela e a partir das posições humano-teleológicas, que
fenômeno, Hegel oferece o seguinte quadro: "O reino das ininterruptamente põem e mantêm em movimento as
leis é o conteúdo calmo do fenômeno. O fenômeno é o mesmo séries causais do ser social, sempre, provavelmente são
conteúdo, mas enquanto se apresenta no inquieto processamento e é os momentos objetivos-causais a serem dominantes, do
refletido em outro. É a lei como existência negativa absolutamente fato, isto é, que o protagonista aí é o princípio conhecido
mutável, o movimento do passar no oposto, do tirar-se e do voltar por nós já faz tempo, segundo o qual os resultados vão
na unidade. A lei não contém esse lado da forma inquieta, ou da além das posições das intenções humanas. De maneira
negatividade. Então, frente à lei, o fenômeno é a totalidade; porém, claríssima, isto resulta visível na tendência à diminuição
contém a lei mesma também algo mais, isto é, o momento da forma contínua pôr parte daquele trabalho que é
que se move".35 Observada a integração na qual Hegel irremediavelmente necessário à reprodução do indivíduo,
caracteriza o reino da necessidade como conteúdo, já de em comparação ao trabalho global que ele,
modo mais ontológico do que anteriormente, embora gradativamente, executa no curso do desenvolvimento
sua caracterização permaneça lógico-gnosiológica e não histórico-social. A irresistibilidade desta tendência surge
considere o nexo ontológico decisivo, do momento, e no momento do novo, que caracteriza ontologicamente
apesar de ter também esses dois complexos entre eles o trabalho como posição ontológica. Também este novo
uma relação reflexiva no plano do ser, a essa relação tem um caráter dinâmico a partir do momento em que,
específica entre complexos, ele aplica de maneira formal na posição teológica, ele não somente opera entre os
uma relação reflexiva tomada na sua generalidade respectivos atos singulares imediatos da realização, mas
(conteúdo-forma). Em sentido ontológico rigoroso, o precisamente através desta mediação advém o princípio,
fenômeno não é a forma da essência, assim como esta permanentemente na obra que suscita as inovações. A
última não é simplesmente o seu conteúdo. Cada um essência ontológica das inovações, embora a sua
desses complexos é, no plano ontológico, por sua estrutura técnica possa aparecer infinitamente uma
natureza, a forma do próprio conteúdo e, miscelânea - consiste substancialmente sempre em
conseqüentemente, sua ligação é aquela de duas relações reduzir o tempo de trabalho socialmente necessário para
forma-conteúdo em si homogêneas. a reprodução direta dos trabalhadores, e dar livre curso a
É necessário fazer-se estas críticas às prestações e resultados laborativos à estrutura social -
formulações de Hegel, pois nelas são colhidas de modo geral. Desta linha de desenvolvimento do trabalho
fundamentalmente correto alguns traços decisivos desta deriva, pelo trâmite de crescimento contínuo para ela
diferença dentro da incindível unidade. Para penetrar até suscitada da eficiência laborativa, por um lado, o
esta última, devemos antes de tudo reconduzir à sua retroceder da barreira natural torna-se sempre mais social
autêntica natureza ontológica o adjetivo calmo, usado na sociedade um processo para nós já repetidamente
para caracterizar a essência. Como primeira, relativa descrito em outros contextos; por outro lado, um
aproximação dos fatos, temos que a "imagem calma" põe crescimento das sociedades singulares e o ininterrupto
luz, decerto nos lados importantes das leis que governam intensificar-se da inter-relação econômica que se tem
a essência, que não constituem a essencialidade, mas ao entre elas, cujo vértice é constituído até agora pelo
mesmo tempo aproxima demais a sua dinâmica mercado criado pelo capitalismo, mas já tem inequívocos
ontológica a uma estática gnosiológica. De fato, a sinais de um desenvolvimento ulterior quantitativo e
"calma" da imagem ideal é certamente uma conotação qualitativo.
que sintetiza algumas propriedades reais do processo Ora, apesar de ter razão por considerar estas três
existente - a continuidade das suas tendências principais, séries evolutivas, que são estritamente ligadas entre si,
a proporção legal de seus componentes -, ao mesmo como conteúdo de um complexo processual unitário,
tempo porém obscurece o fato de que aqui se tem antes todavia podemos contejar-lhes duas partes diferentes que
de tudo um real processo de desenvolvimento. Que esta iluminam, como certamente Hegel estaria autorizado,
indagação transforma muito menos quando se trata de embora isso acabasse induzindo a um erro, ao ver na
ilegalidade que diz respeito à natureza, antes de tudo essência o princípio do repouso e da unitariedade, em
inorgânica, é coisa que se entende por si só; e, de fato, no contraposição à inquietude, dinâmica, multiformidade do
ser social, se por um lado o caráter histórico de cada lei, a mundo fenomênico. Isto é, enquanto que, em primeiro
sua gênese e seu findar exprimem-se com uma evidência lugar, o mundo dos fenômenos sociais apresenta o
toda diversa, por outro lado a reação humana pode quadro de uma inexaurível variedade, de uma cadeia de
adquirir significado ontológico somente em termos formas cada vez únicas, inconfrontáveis, heterogêneas e
sociais. Os limites das caracterizações hegelianas, contraditórias entre si, de um processo continuamente
portanto, dependem da sua generalidade, da sua desigual, em segundo lugar, nas suas mudanças ou
rigidez, a atividade humana parece tocar uma parte, por
35 Ivi, p.146 (ivi, p.565).
certo não onipotente, mas sem dúvida co-determinante;
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ao contrário, o mundo econômico da essência revela Reconhecer na economia a esfera ontológica
caminhos, tendências, univocamente determinados que específica da essência, porém, não quer dizer fixar-se na
mostram uma autonomia muito ampla das intenções das idéia de que se trata de um mundo em-si, o qual, embora
posições. A "calma" de Hegel deforma, porém, alguma determinando a fundo outras esferas, acha - se com estas
coisa de extremamente importante, precisamente numa relação de real interação. Isto vale antes de tudo
também a processualidade da essência, mas todavia põe para o mundo fenomênico. Partindo aqui também, como
em relevo com clareza as diferenças de fundo, aliás, as sempre, da gênese ontológica, devemos ter sempre
contradições entre as esferas da essência e do fenômeno. presente que ambas, igualmente, no plano do ser, são
E esta diversidade, quaisquer que sejam as críticas que se produtos das mesmas posições teleológicas. Seria
faça em relação ao ponto de vista hegeliano, deve ser simplesmente impossível imaginar que tenha
mantida, se se quiser chegar a conhecer de modo determinadas posições de trabalho das quais venham
adequado o ser autêntico da economia no âmbito do ser sintetizar-se a esfera da essência e outras posições
social. Temos, porém, que avançar uma posterior reserva laborativas, diferentes das primeiras, que formariam a
complementar (não abolida). A maior autonomia dos base do seu mundo fenomênico. Não. Não pode não ser
movimentos entre toda a esfera da essência em relação às evidente para qualquer um que no ser social exista
intenções das posições, atribui a elas como uma somente um único processo de trabalho,
"aparência" de naturalidade - com tanta freqüência, ontologicamente unitário, cujos elementos são sempre
quanto ambigüidade - e quando se fala da sociedade em cada lugar constituídos pelos atos produtivos
como de uma "segunda natureza", no mais das vezes, se singulares de grupos humanos singulares e unidos no
quer referir-se precisamente a essa autonomia do sujeito. trabalho coletivo. Destas posições laborativas em si
Com isso, quando se tem uma suficiente concretização unitárias, surgem simultaneamente e indissolúveis, a
dialética, é enunciada uma propriedade real desse ser. essência e o fenômeno da respectiva formação
Todavia, não devemos nos esquecer de que esta econômica. Esta unidade na dualidade, ou dualidade na
independência dos atos conscientes, após, os pressupõe unidade não é, em termos de ser, em nada misteriosa. Da
como própria base do ser, isto é, do ser social, também análise do trabalho sabemos que o ato da posição
quando consegue a sua máxima e mais pura objetividade, teleológica, inevitavelmente, nunca realiza apenas o que
não pode possuir a completa independência do sujeito, ele se propõe, mas ao invés, atua sempre sobre alguma
que é característica dos eventos naturais. Ficar firme coisa a mais e diferente (pressupondo que a posição não
nessa objetividade "natural", embora assumindo uma falhe). O trabalho, de fato, precisamente enquanto
suficiente distância crítica em relação a cada analogia constitui o modo de cada praxis, não se subtrai à situação
com a natureza, constitui ao mesmo tempo uma garantia fundamental de cada práxis humana, isto é, de ser
gnosiológica contra a concepção enraizada, ainda induzido ou até obrigado a agir em condições qye nunca
presente em Hegel, de uma teleologia real na história da são completamente conhecidas pela consciência. É pois,
humanidade. Esta esfera efetivamente revela ser uma o caráter de cada posição teleológica pôr em movimento
espécie de "segunda natureza", dado o seu decisivo séries causais cuja importância, eficácia, etc., vão além do
caráter não teleológico, e como ela é regulada ato de pôr.
unicamente pela necessidade causal. A diferença Esse ir-além é ele mesmo um fenômeno
qualitativa determinante está no fato de que, sendo extremamente complexo, que vem à luz em todas as
ontologicamente fundada sobre posições humano- questões objetivas do processo e dos seus produtos, mas
teleológicas, isto comporta que o caráter tendencial das que, embora nessa infinita multiformidade, mantém uma
legalidades, seu afirmar-se como linha de tendência - própria unitariedade do ser. A dialética ontológica entre
com inevitáveis oscilações - exprima-se na universal essência e fenômeno seria impossível se eles surgissem
estrutura de "se...então". A natureza não teleológica do desta gênese fundamentalmente unitária e esta
processo global esclarece também esta característica de unitariedade não fosse conservada dinamicamente. Para
"se...então" da legalidade da essência. Se suas voltar a um exemplo, já muitas vezes apresentado, a
manifestações fossem as de um processo finalístico essência da queda da taxa média do lucro é constituída
visando sua realização, não poderiam existir nem desvios, pelo desenvolvimento das forças produtivas (rebaixando
nem vias de desenvolvimento sem saída. Mas no quadro do trabalho global a parcela do tempo de
precisamente Marx tem mostrado que aquelas formações trabalho necessário para reproduzir o trabalhador); agora,
por ele indicadas como relações de produção asiáticas esse desenvolvimento verifica-se no curso do processo
revelam, por todos os aspectos decisivos, os traços de que visa produzir estas taxas médias e sua queda
um beco sem saída; e precisamente no sentido de que as tendencial é o modo fenomênico deste processo que
tendências fundamentais da economia aqui relacionadas constitui a essência. Neste caso, como em outros, é
possam desenvolver-se só até um certo ponto, e depois,
no máximo possam gerar de novo o mesmo nível que foi
africanos nunca foi indagado; assim sendo, hoje não há ninguém que
conseguido, na forma de reprodução simples, sem nunca saiba alguma coisa de cientificamente utilizável sobre a sua história. E
passar para níveis qualitativamente superiores36. no momento em que a comparação entre formas econômico-sociais
desenvolvidas e estes países ilumina tendências economicamente
novas, inexploradas pela ciência marxista, o marxismo de hoje não
36 Entre as lacunas do marxismo do período estaliniano, acha-se tem nada a dizer sobre esta problemática central do desenvolvimento
também o fato de que o passado econômico dos povos asiáticos e da nossa época de cientificamente argumentável.
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evidente que se trata de alguma coisa que, no plano do com grande precisão ontológica, os contornos de duas
ser, é em última análise, unitária e indivisível. Todavia, o relações que, no plano formal, estão muito próximas
que distingue entre si a essência e o fenômeno, também àquelas indicadas por nós, mas que, pelo tipo particular
aqui em termos de ser, não é outra coisa senão um de sua processualidade, distinguem-se absolutamente: a
simples modo diferente de considerar os momentos relação entre a duração e a mudança na natureza e na
idealmente distinguíveis. O desenvolvimento das forças personalidade humana. Quanto à primeira relação,
produtivas é uma tendência real do processo assim como porém, para tratá-la filosoficamente, é preciso fazer de
a queda da taxa de lucro; ambos têm sua existência nos imediato uma ressalva que a concretize. Goethe parece
complexos objetivos do processo. O que falar da natureza em-si, mas na realidade discute somente
ontologicamente os separa, mesmo nessa insuprimível a relação entre o desenvolvimento do organismo,
unidade objetiva do processo, e o que faz de um a sobretudo nos estágios inferiores, e o seu ambiente, que
essência, e de outro o fenômeno, é o modo de por sua vez é expressamente entendido como
relacionar-se ao processo: de um lado, na sua pertencente à natureza inorgânica. Destas interações
continuidade global e do outro, no seu concreto hic et nasce um movimento cíclico que, de modo
nunc histórico-econômico. Seria errado entender, de um particularmente evidente no âmbito do mundo vegetal, e
lado, os traços constitutivos, gerais, do processo também em setores determinados do mundo animal (por
simplesmente como generalizações de uma realidade exemplo, no caso de muitos insetos), liga o processo da
sempre irrepetível na sua concretude, e de outro, atribuir vida às contínuas mudanças cíclicas que se verificam na
a elas um ser "superior" independente da realização, que natureza (estações). Isto é, temos que tratar com
por força das circunstâncias seja sempre irrepetível. processos em que a indissolúvel interação entre as duas
Nunca podemos perder de vista que, tanto a esferas - aqui o organismo e o seu ambiente - exprime-se
generidade como a singularidade são categorias como a dialética de duração e mudança. Em
ontológicas dos objetos e processos: que tanto a conformidade com a mesma concepção de mundo, o
generização quanto a singularização são, em primeiro mesmo Goethe ultrapassa diretamente ilustrando a vida
lugar, processos reais, cujos resultados são humana à altura de seu máximo nível de autoformação.
mimeticamente reproduzidos nas formas Aqui também se tem imediatamente - em termos gerais -
correspondentes de pesamento. Mas, a constelação um movimento de caráter cíclico, mas que não se trata
ontológica que deriva disso, isto é, do fato de que a mais da repetição de determinações cíclicas objetivas do
essência vê o predomínio da generidade, enquanto que mesmo complexo, como por exemplo na relação das
no fenômeno se verifica um movimento em direção à plantas com as estações. Trata-se, ao invés, de uma
singularidade e à particularidade, seria superficial concluir ligação criada pelos homens mesmos, desejada ou pelo
que nesta relação estaria claramente expressa a verdadeira menos posta por eles, entre o princípio e o fim da
relação da essência e do fenômeno. Além de tudo, própria, da respectiva vida, cujos fundamentos, em si,
também generidade e singularidade são determinações são ineliminavelmente dados pela natureza do organismo
reflexivas, isto é, elas aparecem em cada constelação humano, mas no curso do desenvolvimento do homem
concreta de modo simultâneo e bipolar: cada objeto é são submetidas a um peculiar processo plasmatório. "O
sempre ao mesmo tempo um objeto geral e singular. Por princípio com o fim juntam-se numa unidade", diz Goethe,
isso, o mundo fenomênico - se referido à essência formulando assim numa poesia, uma das teses principais
entendida como alguma coisa de permanente - embora de sua ética, que em prosa, por outro lado, expressou da
represente o mundo da singularidade dinâmica, não pode seguinte maneira: É o mais feliz dos homens aquele que
produzir no plano do ser as próprias generidades, assim consegue ligar o fim da própria vida com o princípio". Aqui a
como as generidades apresentam-se continuamente duração já é alguma coisa que em momentos importantes
também como singularidades. De fato, as generidades na está posta como o resultado de uma série coerentememte
economia burguesa não são outra coisa, no máximo, realizada por parte do homem (embora não seja
senão generizações fixadas no pensamento de absolutamente necessário que isso aconteça
objetividades específicas da esfera fenomênica. Nisso conscientemente), de decisões alternativas no âmbito de
não existiria nada de desviante, se a orientação por uma vida inteira. Seja o decurso biológico da vida - as
princípio anti-ontológico do positivismo, da suas determinações puramente sociais e aquelas
cientificidade manipulatória, não significasse o deter-se biológicas mais socializadas -, assim como o ambiente no
definitivamente neste nível. qual ela se desenvolve, formando um complexo cuja
A generidade de uma singularidade pode ser atividade que põe contrapõe-se enquanto criadora de
então a determinação reflexiva de objetividades que duração, formadora de continuidade na pessoa que se
pertencem a um complexo, mas também de dois torna si mesma. O resultado é uma determinada forma
complexos. Este caso, que é precisamente aquele que nos real de vida, que precisamente no seu ser, e
interessa, foi descrito com riqueza de conteúdo e exclusivamente no plano do ser, é algo que possui valor.
realismo por Goethe na bela poesia Duração na As diferenças que são intercorrentes entre esses
Mudança. Embora não toque absolutamente o nosso complexos e aquele do qual estamos discutindo neste
problema como tal, ou quem sabe mesmo por isso, o trabalho nos dão a possibilidade de clarear a sua
quadro que lhe dá é próprio para iluminar o que nele autênctica especificidade. Antes de tudo, no nosso caso,
existe de específico. Goethe desenha poeticamente e trata-se de uma relação reflexiva interior de um
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complexo social. No seu fundamento, no trabalho, acha- último necessariamente dá lugar, torna-se sempre mais
se um intercâmbio orgânico com a natureza, que não social: de uma parte, pelas formas que a divisão social do
muda as coisas quanto ao essencial, porque precisamente trabalho cada vez assume e fixa; por outra parte, pelo
através do trabalho, a natureza vem mediada desenvolvimento das faculdades humanas que nascem do
socialmente, enquanto o nascimento, o desenvolvimento processo produtivo, entendido no sentido mais amplo, e
e o fim da vida, num segundo caso tratado por Goethe que enquanto vem determinado pelo sistema de
parece, embora na socialização das suas formas, mediações constituído pela divisão social do trabalho,
permanecer fenômenos naturais. Todavia, não é casual por sua vez age sobre esta última, modificando-a. Este
que a esfera da essência, a encarnação da duração na sistema de circunstâncias não escolhidas pelos homens,
mudança, seja precisamente aquela em que as categorias que vai cada vez mais envolvendo o inteiro âmbito de
deste intercâmbio orgânico têm a maior parte no que diz suas vidas, não pode tampouco tornar-se efetivo e eficaz
respeito àquelas das relações meramente sociais. De fato, independentemente das atividades humanas. O recuo da
somente nesta esfera o princípio do novo, fundado na barreira natural reforça duplamente, como uma interação
essência do trabalho, opera de modo relativamente permanente, a participação ativa da práxis humana e este
retilínio e, na segunda das situações, com relativa sistema, enquanto essas atividades exercem uma
liberdade. Quanto mais mediadas se tornam as posições influência cada vez mais forte sobre as formas e os
teleológicas, iste é, quanto mais de longe atuam sobre o conteúdos dos complexos que vão se estruturando em
processo originário do trabalho, tanto mais vêm ao termos sempre mais mediados, mas ao mesmo tempo em
primeiro plano aqueles fatores que introduzem neste todas as suas determinações são condicionados pela
desenvolvimento desigualdades (também estagnações, socialidade auto-criada, como "mundo exterior" social,
regressos, etc.). O intercâmbio orgânico direto da como campo real de cada atividade. Estas forças e
sociedade com a natureza é então, ao contrário das tendências múltiplas, heterogêneas entre si, coagulam-se
formas mais mediadas, o fundamento de um crescimento nas formações econômicas, as quais - no plano histórico-
irreprimível das forças produtivas: mas somente quanto é mundial - acontecem e ultrapassam, e nas quais assumem
considerado como linha de tendência histórico-mundial. a expressão plástica que Hegel, em contraposição à
Como essência, duração na mudança, por isso, aqui não essência, chama fenômeno; e Goethe, em contraposição
temos os processos como um princípio e um fim, ou à duração, mudança.
como retornos cíclicos, similarmente ao que acontece Hegel, na caracterização do mundo fenomênico,
nos casos discutidos por Goethe, mas ao invés, uma sublinhando sua autonomia e os múltiplos conteúdos
linha de tendência em permanente ascensão - no plano novos em relação à essência, aproxima-se bastante de
histórico mundial. Apenas onde, por exemplo, nas algumas partes importantes da situação, como realmente
relações de produção asiáticas, o mundo fenomênico cria se verifica na mudança do ser social. Como temos visto,
obstáculos insuprimíveis por esta permanente elevação ele justamente põe em evidência que o fenômeno tem
da produtividade, retornando aos processos cíclicos do conteúdos diferentes da essência, que este possui uma
processo global. Marx fala de "comunidades auto-suficientes força inquieta, móvel, que não pode ficar estranha à
que se reproduzem constantemente nesta mesma forma e, quando essência. Com isso, Hegel vem dizer, com razão, que a
por acaso são destruídas, reconstroem-se no mesmo lugar, com o esfera do fenômeno, a causa desta peculiar fisionomia
mesmo nome".21 (37) É fácil compreender-se como deste nitidamente distinta daquela da essência precisamente
estado decoisas, muitas vezes, tenha sido (e ainda seja) pela sua variedade, mobilidade, irrepetibilidade, até
tirada a conclusão fetichizante de que este fugacidade, é o verdadeiro terreno da historicidade na
desenvolvimento se moveria conforme uma necessidade sua imediaticidade. Se aqui, a diversidade em relação à
"natural", exatamente quando, ao invés, sua base essência - como antes, a propósito da essência, a calma -
ontológica seja precisamente a saída do homem da é excessivamente sublinhada, a razão está na concepção
natureza, o seu fazer-se homem, o seu tornar-se social de fundo idealista de Hegel. Precisamente sobre este
através do trabalho. Também para este desenvolvimento problema, Marx pôs em evidência seu limite idealístico,
vale a sentença de Marx, por nós muitas vezes citada: os depois de ter revelado que a grandeza de Hegel está no
homens fazem para si a própria história. fato de que ele "entende o autoproduzir-se do homem como um
Mas, é preciso acrescentar: não, porém em processo... que ele então capta a ess6encia do trabalho e concebe o
circunstâncias escolhidas por eles. De fato, ainda que a homem objetivo, o homem verdadeiro porque homem real, como
essência mais geral do trabalho, a posição teleológica, no resultado do seu próprio trabalho". Marx acrescenta
intercâmbio orgânico com a natureza subsista o princípio criticamente: "O trabalho que Hegel concebe e reconhece é
fundante e - considerada em si - permaneça igual a si somente o trabalho espiritual abstrato".22 (38). Todas as
mesma, sem ter, por princípio, em alguma medida, que catacterísticas corretas que Hegel enuncia derivam do
mudar o seu próprio caráter de fundo, ela pode realizar- reconhecimento de que o trabalho é a base do ser e do
se no plano do ser somente no respectivo hic et nunc desenvolvimento do homem; todas as extremizações e,
concreto do ser histórico-social. Este hic et nunc, no início, consequentemente, os erros, surgem do fato de que ele,
prevalece determinado pela natureza, mas com o
desenvolvimento da divisão social do trabalho, que este
22MEGA, III, 1. Pp. 156-157 (trad. it. Manoscritti economico-filosofici, cit.,
pp. 360-361.
21 K. Marx, Das Kapital, I, cit., p. 323 (trad. It., cit., p. 401).
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de modo inconsciente e espontâneo, pensa o trabalho diferente das outras. Não há necessidade de se
como algo puramente espiritual. Se corrigindo a demonstrar que esta constelação, no capitalismo da
interpretação de Hegel, voltarmos ao trabalho real, Inglaterra, da França, da Alemanha, etc. apresente a
veremos que aqui, o novo, o diverso, o que aparece mesma estrutura de dependência da essência e da
autônomo em relação à essência, não desaparece especificidade fenomênica. Como se supõe, o modo
completamente, mas simplesmente resulta no seu lugar concreto de operar destas interações entre essência e
apropriado na totalidade das inter-relações com a fenômeno no ser social poderá ser discutido somente
essência. A "calma" da essência, nesta visão ontológica quando estudarmos a fundo os problemas da ideologia.
não falsificada pelo idealismo, transforma-se na Entretanto, não é inútil revelar desde já o quanto temos
tendência contínua, última, que se realiza no processo acenado também mais acima que, segundo Marx, a forma
global constitutivo pelo desenvolvimento do ser social, geral da essência relaciona-se com as próprias realizações
enquanto a autonomia do mundo fenomênico reduz-se concretas da práxis no mundo fenomênico - também na
ao fato de que ele possui uma - relativa - autonomia no área econômica e com maior razão na área ideológica -
interior da interação com a essência, isto é, não é seu como possibilidade, como campo concreto de
simples produto mecânico. Essa autonomia, porém, possibilidade.
existe apenas no quadro de interação com a essência, Se, com isso, a dialética geral da essência e do
certamente como campo de manobra muito amplo, rico fenômeno esclareceu-nos no setor da economia, a
de níveis e de lados, mas somente como campo de auto- relação geral entre forças produtivas e relações de
expansão entre uma interação na qual a essência tem um produção, quando passarmos aos problemas da
papel de momento superador. ideologia, que são precisamente aqueles sobre os quais
O confronto desta situação ontológica nos induz agora tentaremos iluminar, temos que integrar o que
a tirar conseqüências importantes em dois sentidos. Em agora estabelecemos. Ocorre-nos repetir mais vezes que,
primeiro lugar, temos que romper com o preconceito quanto mais se estende a divisão social do trabalho,
idealista segundo o qual a unicidade, a multiforme quanto mais social se torna a sociedade mesma, tanto
particularidade dos objetos da história, de que é mais numerosas e complicadas são as mediações que se
constituído o mundo fenomênico também no mundo da tornam necessárias para manter o curso normal do
economia, seria algo de definitivo no plano do ser, de processo reprodutivo. Constatamos, através de muitos
não reduzível ao conceito, a uma causa externa, pela qual exemplos, que isso se verifica na economia. E só
a matizada factualidade do mundo historicamente repetimos o óbvio, ao dizermos que o processo de
existente seria algo de último, de fundado somente em si reprodução econômica, a partir de um estágio
mesmo. Em segundo lugar, temos que recusar também o determinado não poderia funcionar, nem no plano
preconceito oposto, do materialismo vulgar (também econômico, se não se formassem campos de atividade
quando se autodefine marxista), segundo o qual cada não econômica que tornassem possível o
momento singular do mundo fenomênico seria um efeito desenvolvimento desse processo no plano do ser. Não
direto, mecânico, da essência, de cuja legalidade ele seria acenamos tampouco aos problemas concretos e
deduzível em simples termos causais também em relação essenciais que disso derivam, mas é claro que chegamos a
à sua unicidade. O discurso, embora ainda muito geral, falar da esfera da superestrutura, da ideologia. O que no
que temos feito sobre a relação ontológica entre essência momento podemos falar disso é muito simples. Embora
e fenômeno, revela a completa fragilidade dos dois a fome da mais-valia (mais-valor) seja uma força motriz
modos de ver. Não é difícil compreender que um campo central dos acontecimentos sociais, é evidente que ela
de manobra no qual a causa da interação entre dois pode atuar realmente apenas no respectivo hic et nunc
complexos nasça num deles, não possa chegar a uma fenomênico. O campo de manobra cada vez criado pelo
auto-legalidade total, completamente repousante sobre si respectivo desenvolvimento das forças produtivas é o
mesma. A possibilidade de se ter uma autonomia relativa único teatro existente, o único objetivo realmente
nos campos de manobra cada vez existentes, permite que possível pela práxis dos homens. Está claro então que as
ela seja determinada de modo decisivo pelos princípios e atividades não econômicas, mas organizadoras da
pelas leis que, em última instância, condiciona este sociedade, o resultado e o sistema das quais constituem a
campo de manobra. Mas, precisamente por isso, é superestrutura - Marx põe em evidência o jurídico e a
impossível que as leis da essência determinem de modo política -, devem se ligar de modo direto ao mundo
direto, com causalidade retilínia, os momentos singulares fenomênico da esfera econômica. Esta ligação é tão
do mundo fenomênico e suas concepções causais estreita, tão íntima, que em alguns casos singulares não
imanentes. Nas suas interações com o mundo seria absolutamente fácil estabelecer quando o conteúdo
fenomênico, a essência produz nestes últimos campos das posições teleológicas que aí se tem é
"livres", cuja liberdade só é possível no interior da prevalecentemente econômico e quando, ao contrário,
legalidade do campo. Basta para comprovar este fato, um vai além da mera economia. No mais das vezes, elas
rápido olhar à história das formações econômicas. Está visam por em movimento ambos os complexos
claro que a existência, o florescimento e a decadência de conjuntamente, plasmando o mundo fenomênico da
Atenas, Esparta e Roma, pressupõem, como base, a economia (e o conteúdo pode ser naturalmente tanto a
escravidão; assim, é evidente que cada uma delas não conservação, quanto o desenvolvimento ou também a
poderia ter uma história específica, qualitativamente destruição) segundo as suas imediatas necessidades, com
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o objetivo imediato de plasmá-lo, mas ao mesmo tempo dar uma olhada naquele processo ao longo do qual
na intenção de chegar na esfera da essência. Por isso, não surgem ontologicamente perguntas e o modo de
se trata apenas formalmente das mesmas posições responder a elas.
teleológicas que se têm na esfera da economia, mas além
disso, os conteúdos destas posições freqüentemente
coincidem em amplos trechos. 2. Sobre a Ontologia do Momento Ideal
No entanto, seria errado, como vamos
demonstrar detalhadamente em seguida, se isso O resultado da nossa exposição anterior é,
provocasse o desaparecimento total do limite que passa primeiramente, que o ser social, na sua estrutura
entre a base econômica e a superestrutura ideológica; é ontológica essencial, é unitário: seus "elementos" finais
difícil também, em certos casos, traçar com exatidão este são as posições teleológicas dos homens, que na sua
limite, que existe, porém na realidade e têm constituição ontológica basilar, não mostram diversidade
conseqüências relevantes para a constituição do ser de princípio dentro e fora da esfera econômica.
social. O que a análise conduzida até aqui queria Naturalmente, isto não significa que tais posições são
simplesmente assegurar é, antes de tudo, a estrutura todas do mesmo gênero. Em outro contexto, várias
fundamental unitária, a unitariedade última no plano do vezes colocamos em relevo que entre aqueles que
ser, dos seus "elementos", das suas forças ativas, objetivam diretamente a transformação orgânica entre a
motrizes. É de suma importância conscientizar-se de que sociedade e a natureza, tais posições se lhes apresentam
nada pode acontecer de socialmente relevante, que não com diferenças essenciais, tanto subjetiva como
tenha como próprio motor as posições teleológicas dos objetivamente, daquelas cuja intenção direta é
homens. Naturalmente, têm-se catástrofes naturais, etc., transformar a consciência de outras pessoas, por outro
mas desde as crises do período glacial até o terremoto de lado, mesmo que estas últimas possam revelar diferenças
Lisboa, elas entram na história depois das reações - qualitativas em torno das profundas mediações que se
realizadas em posições teleológicas - dos homens nos colocam na transformação, da consciência desejada com
seus confrontos. Também aqui se demonstra que o os problemas da reprodução do homem circunscritos a
homem é um ser que responde. Isto é, somente uma essas transformações. Sobre a importância de tais
versão concentrada do sujeito da tese marxiana, segundo divergências, já acenamos mais de uma vez em outra
a qual os homens fazem por si a própria história, mas ocasião; e sobre esse importantíssimo complexo de
não em circunstâncias escolhidas por eles. Afirmar isso, problemas devemos retornar em seguida. O objeto de
porém, significa ir além da simples enunciação formal de nosso interesse não é somente a estrutura diferente das
que as posições teleológicas são os "elementos" posições singulares, mas, sobretudo quais diferenças
fundamentais últimos do ser social. De fato, posição resultam quando se observam quais sínteses são
teleológica significa ao mesmo tempo, que nela, o ponto formadas no socializar-se necessário de cada tipo de ser e
de partida é sempre constituído pelo momento ideal. E que relação ilumina as ulteriores alterações entre uma
se imediatamente devemos precisar que ela não pode de série de conseqüências sociais que se realizam. Mas, por
maneira nenhuma, nem do ponto de vista do conteúdo, mais importante que seja fazer essa distinção do modo
nem daquele da forma, ter caráter autônomo, mas mais preciso possível, não podemos, todavia esquecer os
encarna uma resposta a perguntas feitas para o ser social traços comuns das bases ontológicas gerais. E isto é de
e para o ser natural mediado por este último, tornado importância decisiva quando se trata da relação entre a
objeto de intercâmbio orgânico com ele, temos que base econômica e a superestrutura ideológica. De um
acrescentar também, imediatamente, que uma ameaça lado, a gênese ontológica de tais relações aparece em
causada pelo ser, ou uma possibilidade de nutrição, etc., cada ato do trabalho, de cuja análise a economia e a
no seu imediato ser-em-si, não são ainda uma pergunta. superestrutura precisam sistematicamente evidenciar as
Para poder "responder" ao vento abrindo as velas, é ramificações, as afinidades e as mudanças de funções.
necessário que o momento ideal intervenha novamente, Por outro lado, este complexo imaginário da sociedade
que entre em atividade prática. Somente este transforma tem por sua essência caráter histórico. O trabalho
os fatos da natureza (e, depois, da sociedade), que põe mesmo, enquanto motor decisivo da humanidade e do
em movimento as reações, em perguntas do ser social, homem, não é um estado de coisas fixas, mas um
em primeiro lugar da reprodução social, econômica, dos processo histórico; assim também todos os momentos
homens mesmos, aos quais se deve e se pode responder. do desenvolvimento da humanidade, embora apresentem
Também a natureza orgânica chegada ao seu máximo diferenciações aparentemente independentes, mas na
grau de complexidade alcança reações - às vezes realidade estão fortemente mediatizados e galgados de
acompanhadas pela consciência - aos dados do mundo uma autonomia relativa, devendo estas ser respeitadas
circundante. Pergunta e resposta, ao invés, pressupõem como estágios em movimento do processo histórico da
uma elaboração ideal desse estado de coisas, que surge humanização.
somente com o trabalho e cujo universalizar-se - com Várias vezes temos insistido em um ponto
um salto e, junto, gradativamente - põe como existente o metodológico decisivo do marxismo, segundo o qual
ser social, a nova forma de reprodução, como o seu todas as formas complexas do ser social nascem
fundamento econômico. Por isso, antes de nos objetivamente da força primitiva da sua gênese
adentrarmos pelos problemas da ideologia, temos que ontológica; pense-se quando Marx, no início de O
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Capital, mostra como o dinheiro nasce da dialética complicados, pode até "perguntar-lhes", depois de
interna do desenvolvimento da circulação das breves ou longos exercícios e estes estão em condições
mercadorias. Temos que proceder do mesmo modo e de "responder" e amiúde com grande habilidade: mas
tentar ver que as premissas e conseqüências ontológicas não acontece que o animal generalize uma situação, em si
da posição teleológica estão na, sua forma inicial, no neutra, transformando-a em uma verdadeira pergunta, e
trabalho, para entendermos a partir do desenvolvimento nem encontre por si mesmo uma resposta (Os macacos
da própria coisa, saindo dela, a essência das mediações, podem procurar um pau para alcançar uma banana, mas
das afinidades, etc.. Sobre tal questão já dissemos algo no somente se o pau for posto pelo homem na jaula, etc.).
capítulo sobre o trabalho; agora se trata de ulteriormente Naturalmente estes resultados são extremamente
concretizar, com referência ao nosso problema atual, se instrutivos e demonstram que determinados animais
tudo aquilo a que nos referimos naquele momento está superiores possuem potencialidades até aquele momento
claro. Antes de tudo, é preciso observar que Engels tem latentes; isto é, de diferenciar mais que as próprias
razão quando concebe a gênese da linguagem como um reações ao ambiente; e que num estado de segurança,
processo simultâneo à gênese do trabalho e quando, essas potencialidades se liberam e eles podem atuar de
como recordamos, deriva a linguagem do fato de que, maneira extraordinária. Todavia, o salto que separa o
devido ao trabalho, os homens precisam dizer alguma homem trabalhador do animal que reage ao ambiente
coisa uns para os outros.23 Este novo conteúdo está em dentro do quadro das suas possibilidades biológicas,
correspondência a esta nova forma, um novo meio de embora fortemente desenvolvidas, repousa sempre sobre
comunicação, exatamente adequado ao novo complexo um salto qualitativo que não se pode agarrar em termos
de relações do homem com a realidade, de seu novo adequados mediante aproximações (é interessante poder
modo de reagir a ela; é nesse sentido que se pode dizer confrontar os comportamentos humanos no período da
que o homem é um ser que responde. Em tal contexto, simples coleta, isto é, antes do aparecimento do trabalho
temos também dito que uma resposta pressupõe sempre no seu sentido próprio, com aqueles animais mais
uma pergunta, mas esta não pode ser um dado originário; desenvolvidos. Talvez assim possamos colocar um
as suas bases são constituídas, por assim dizer, por pouco de luz em torno do que é "descartado" pela
determinações exercidas sobre o homem pela realidade humanidade).
que o circunda (natural e social); todavia, elas devem Conhecer as possibilidades e os limites da reação
sofrer uma transformação ideal, antes de apresentarem- biológica ao ambiente, assim que se tornam visíveis, não
se diante do outro homem como pergunta a ser significa, portanto ter clareza em torno do salto
respondida e suscitarem nele posições teleológicas. É representado pelo trabalho e pela linguagem, mas
evidente que um tal modo de reagir à realidade, para o certamente nos colocamos em condições de entender
qual ocorrem estes preparativos ideais, deve ter uma mais concretamente a especificidade do seu ser. Com
longa pré-história. Esta começa, como muitas vezes salto quero dizer justamente que o homem é capaz de
temos indicado, com a estimulação que o ambiente trabalhar e falar, continuando a ser um organismo
suscita no organismo, induzindo-o antes a determinadas biologicamente determinado, desenvolvendo atividades
reações só físicas ou químicas. A tendência imanente, de novo tipo, cuja constituição essencial não pode ser
intrínseca ao desenvolvimento dos organismos, para uma compreendida em nenhuma categoria da natureza.
adaptação sempre mais gradual, para um aumento da Tratando-se do trabalho, já vimos como mediante este
possibilidade de uma melhor e mais segura reprodução nascem, tanto do ponto de vista subjetivo como
ontogenética e filogenética, provoca no organismo um objetivo, as conexões, processos, objetividades, etc., que,
crescente diferenciar-se das estimulações através de um com respeito à natureza, representam algo
diferenciar-se dos órgãos receptivos e reativos. Não é qualitativamente novo, de onde, porém ocorre ter
nossa tarefa descrever este processo, nem mesmo presente que todas essas coisas novas são possíveis
sumariamente - nem eu tenho de fato competência somente quando elas realizam as leis da natureza em
científica para escrever estas linhas; a nós interessa novas combinações. O trabalho apresenta assim uma
apenas colocar em relevo o abismo que separa as formas dupla face: de um lado, a sua execução é sempre de
mais elevadas de desenvolvimento, daquelas operações modo absoluto ligada à leis naturais, que devem ser
laboriosas mais primordiais do homem. E esse abismo é empregadas; de outro lado, porém, este produz alguma
possível de ser superado somente com o salto coisa qualitativamente nova com respeito à natureza. Isto
representado pelo trabalho e pela linguagem. As significa que na sociedade, as inter-relações entre
experiências feitas com animais mais evoluídos e as organismo e ambiente se enriquecem e se transformam
observações das características desses animais que se pela inserção de outro elemento, a consciência, a qual
encontram em estrito contato com os homens adquire a função de aproveitar mais satisfatoriamente, as
demonstram esse abismo de maneira evidente. Depois de reações nascidas do estímulo imediato, mediando-as.
havermos colocado os animais em ambiente seguro, no Esta inserção transforma por isso a relação imediata
qual estes não têm necessidade de procurar para si a entre as necessidades do organismo e os meios para
comida e nem se proteger dos inimigos, o homem pode satisfazê-las em uma relação mediatizada. Para
lhes ensinar novos comportamentos, às vezes até compreender porém este fenômeno, não basta
simplesmente ver no trabalho o momento intermediário.
23 F. Engels, Dialektik der Natur, cit., p. 696 (trad. It. cit., p. 462).
Isto não é de todo um erro; trata-se antes de um
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fenômeno originário, mas para poder ser individualizado mais primitivo do fogo pelo homem, mostra-se
na sua verdadeira constituição, antes, cumpre desagregá- evidente que nem o fogo contém no seu imediatismo a
lo nos seus momentos. De fato, os diversos momentos, capacidade de ferver ou cozinhar, nem a carne ou o
de cuja cooperação só deriva o complexo constituído do vegetal tendem a tornarem-se fervidos ou cozidos; os
trabalho, os quais têm função diversa, heterogênea, e que instrumentos para a realização deste processo devem ser
vamos conhecer especificamente, só podem ser apropriadamente criados pelo homem trabalhador. A sua
compreendidos sob a luz da sua totalidade concreta. combinação é, portanto uma síntese de elementos
A necessidade originária pertence ao organismo heterogêneos, que devem ser plasmados novamente e de
humano assim como ao do animal. Quando, porém, forma apropriada para estas funções. A peculiaridade
como Marx revela várias vezes, sua satisfação não se deste fato novo é, justamente na sua estrutura decisiva, a
desenvolve mais de modo biológico imediato, isto é, forma de ser da atividade humana, ao passo que a
deixa de guiar diretamente (dentro de um campo de combinação de momentos reais e ideais conservam-se
manobra biológico) as ações que conduzem a realizá-la, nos seus fundamentos ontológicos, quaisquer que sejam
mas que, todavia não derivam imediatamente desta, não as diversidades manifestadas por esses estados
são ligadas a ela de modo direto, e, portanto podem ser evolutivos. A insuprimível prioridade do ser do
usadas também por outras necessidades. Coloquemos, momento real surge do fato de que - para produzir, por
por exemplo, que o fogo originalmente serviu à exemplo, com o fogo, a carne, o espeto, etc. um alimento
necessidade de afastar os animais ferozes; uma vez humano - as propriedades, as relações, etc. destes objetos
disponível, porém, pode ser utilizado para ferver, que são apresentados objetivamente em-si de modo
cozinhar; etc.; e nem a sua utilização deveria parar por aí, absolutamente independente do sujeito ativo devem ser
mas estender-se à fabricação de melhores armas, corretamente conhecidas e corretamente usadas. É
equipamentos, etc.. As mediações que intervêm na verdade que já a expressão "corretamente" mostra a
satisfação das necessidades, portanto, podem conduzir a dupla face de tal relação. As propriedades existentes-em-
uma extensão aparentemente sem limites no intercâmbio si do real devem ser conhecidas corretamente, isto é, a
orgânico da sociedade com a natureza. O caminho práxis humana deve colocar em movimento tudo aquilo
biológico, nos animais, ao contrário, procede em sentido que através desses objetos realize as posições
único e permanece ligado às suas funções originais; teleológicas. Por isso, o homem trabalhador com o seu
mesmo quando existe uma certa elaboração, como na pensamento não deve geralmente só conduzir-se até este
"fabricação" do mel pelas abelhas, esta, tanto no existente-em-si, mas deve ao contrário descobrir estas
processo como no resultado, tanto subjetiva como propriedades, relações, etc., talvez nem mesmo
objetivamente, continua a ser um evento biológico não perceptíveis imediatamente, que tornam tais objetos
ampliável. Em segundo lugar, cada novo meio para adequados à sua finalidade. Um bastão, por exemplo,
satisfazer uma necessidade retroage sobre esta última, tem certamente em-si a aptidão para ser usado como
modificando-a. Uma vez iniciada a mudança, a espeto para cozinhar, mas o ser-em-si nunca poderia
necessidade original pode rápida ou lentamente, segundo mostrar espontaneamente esta propriedade. Por isso,
o ritmo da respectiva produção social, até mesmo para poderem os objetos, processos, etc., existentes-em-
desaparecer completamente, ou modificar-se tanto, a si obter uma "resposta" da realidade à necessidade que
ponto de tornar-se irreconhecível. Em terceiro lugar, move a posição teleológica, é necessário que esta venha
dentro desta conexão sócio-dinâmica, a possibilidade real precedida por uma "pergunta" racionalmente baseada
de satisfazer as necessidades adquire um caráter sobre estas verdadeiras conexões. O antílope tem no seu
econômico-social sempre mais profundo. A partir do ser real imediato - não em sentido teleológico; mas em
momento em que há satisfação das necessidades termos causais, ao mesmo tempo, necessária e
desenvolve-se no consumo, quando a circulação das casualmente - a possibilidade de se tornar alimento para
mercadorias socializou esta satisfação somente uma um leão, enquanto o galho, mesmo que seja reto, não
necessidade "pagante" poderá obtê-la. Obviamente a tem possibilidade de servir de espeto nas mãos do
necessidade biológica natural continua existindo no homem.
organismo humano, mas só será efetivamente satisfeita Depois desta relação entre "pergunta" e
quando for mediada por determinações puramente "resposta", surge no trabalho, no ser social em geral,
econômico-sociais. aquela ligação indissolúvel entre momentos reais e ideais
O processo econômico descrito, que se coloca que caracteriza esse tipo de ser. Não será demais
entre necessidade e satisfação, já é suficiente para sublinhar que nesta associação, o real constitui o
esclarecer o significado ontológico no processo momento concretamente predominante: na posição
laborativo da "questão" sublinhada por nós. Pensemos teleológica nada pode operar que não tenha como seu
na assimilação da comida por parte de qualquer animal: é fundamento a constituição real do ser: o ideal deve,
claro que tanto nos herbívoros quanto nos carnívoros, porém colocar em movimento o real no sentido
um acúmulo de experiências deve ter precedido essa desejado; ele pode retirar aquilo que no ser natural nunca
satisfação já fixada no instinto, mas esta experiência, seria realizado espontaneamente, mas este abrir caminho
mesmo quando se trata de caçar uma presa, move-se a possibilidades reais em-si já deve estar presente -
dentro da esfera da satisfação biológica de uma independentemente de qualquer posição teleológica -
necessidade. Se, ao contrário, observarmos o uso ainda como possibilidade real. O ser-em-si material da
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natureza, portanto, não pode - enquanto em-si - sofrer funcionamento ser-em-si, sem a intervenção da
nenhuma mudança por obra de quaisquer que sejam posição teleológica. Enquanto a essência não sofre
estas posições. Esta propriedade do real domina nenhuma influência, o mundo fenomênico, ao invés,
indiscutivelmente no reino da natureza. O ser social está estende-se e diversifica-se fortemente. A novidade
fora disso só através de seus objetos, que surgem no ontológica de tal intervenção na gênese do ser social,
interior orgânico com a natureza; o processo de colocar portanto, é que na consciência do homem surge uma
em movimento agora descrito constituiu um pressuposto imagem que corresponde à realidade objetiva, e é
absolutamente indispensável. Quando as leis da natureza somente a análise atenta desta imagem e a sua aplicação
- sem mudar a própria essência - são capazes de produzir sempre mais diferenciada à realidade, que tornam
no âmbito do ser social também objetos, movimentos, possível a práxis material, a realização das posições
etc. diferentes daqueles que o seu mero ser-em-si teleológicas. Esta imagem, este espelhamento da
costuma manifestamente produzir, quando essas entram realidade na consciência dos homens, atinge por isso
em relações que a natureza por si, nunca teria criado, só uma autonomia imediata na consciência, que está adiante
então surge o ser social como forma específica de ser. como objeto próprio e específico; e é só por isto que se
Mas, o que é afinal este momento ideal? tornam possíveis tais análises irrenunciáveis e o contínuo
Enquanto força motriz, criadora do novo no ser social, é confronto entre os resultados destas e a realidade
justamente a intenção que conduz aquele movimento mesma. A posição teleológica demanda, por isso, uma
material do trabalho que, no intercâmbio orgânico da determinada distância da consciência em relação à
sociedade com a natureza, traz para essas realidade, isto é, demanda que a relação do homem (da
transformações, ou melhor, estas atuações de consciência) com a realidade seja colocada como relação
possibilidades reais. Mas é a força material do trabalho sujeito-objeto.
que age sobre o ser material da natureza (a situação não O novo surge antes de tudo do lado do objeto.
muda, quer se trate da força de trabalho imediatamente O estímulo originariamente dá lugar a reações físico-
humana, quer se trate do trabalho "morto", armazenado químicas do organismo. Quando estas se diferenciam e
em instrumentos e máquinas, que originalmente, porém, são percebidas, separadamente como luz, som, etc., não
é também imediatamente humano). Também neste caso, podem se destacar nem do objeto existente, nem do
portanto, é claro que o mundo material não é superado, organismo perceptivo numa autonomia como a que foi
muito menos abandonado. O que, de outra maneira seria descrita. Estas permanecem incrustadas, como
impossível, porque aquilo que não pode - diretamente ou momentos, no processo de reprodução do organismo, na
com mediações mesmo amplas - ser realizado sua concreta inter-relação com o ambiente, inseparável
materialmente, nem mesmo existe. Isto, todavia de tal processo. Neste sentido, podemos afirmar várias
determina somente o campo real, dentro do qual o vezes que a consciência surgida e operante em tal
momento ideal pode operar no âmbito do ser social. contexto é um epifenômeno do processo real e da
Fora deste momento ideal, não existe; dentro do seu reprodução biológica. Na posição teleológica do
âmbito, ao contrário, está o insubstituível pressuposto de trabalho, ao invés, a imagem da realidade objetiva que se
tudo o que surge e existe socialmente. Para chamar a forma na consciência atinge uma forte autonomia. No
atenção do leitor para este estado de coisas nem sempre sujeito esta se afasta sempre mais decididamente da
reconhecido, tentamos mostrar em relação à esfera ocasião prática que impulsiona a percepção, que a faz
econômica, como tudo o que lá acontece tem como entrar na esfera biológica, reproduz em termos
pressuposto um momento ideal. Isto não contradiz o que crescentes, em uma dimensão sempre mais diferençada, a
acabamos de expor: na verdade, a especificidade do ser imagem do objeto (compreendido no sentido mais
social consiste justamente no fato de que as interações amplo) como esse é realmente, em-si,
materiais neste são postas em movimento por posições independentemente das relações que o ligam à vida do
teleológicas e estas só podem operar como tentativas de homem. A práxis tornada consciente através da posição
transformar em realidade um fim colocado idealmente. teleológica, e por isso a práxis mesma em sentido estrito,
O momento ideal pode ter este papel nas posições pode surgir, portanto somente quando a consciência do
teleológicas, não somente porque neste a posição mesma agente vai além dos laços biológicos imediatos que
do fim é amplamente concretizada, mas, além disso, nascem espontâneamente das suas inter-relações vitais
porque todos os modos reais para traduzi-la em realidade com o ambiente, radicando-se na consciência como
devem ser fixados no pensamento, antes de poderem reações instintivas a essas. Isto é, a consciência pré-
tornar-se ações prático-materiais na atividade real humana liga, com extraordinária fineza de detalhes, um
material do homem que realiza o trabalho. determinado fenômeno do ambiente com uma
Como vimos, o poder, em si inseparável, do ser determinada reação, em geral correta. Pense-se, por
material não vem nem mesmo arranhado na sua essência exemplo, nos sinais que muitos animais emitem na
pelo momento ideal. Este último pode dominar as leis da presença de aves de rapina que estão aproximando-se no
realidade somente na medida em que as reconhece como ar. Mas, mesmo que a galinha choca e os pintinhos em
dominantes em absoluto, mas descobrindo nestas, geral reajam a esses sinais prontamente e de maneira
proporções, combinações, etc., por cujo meio de seu adequada ao fim, isto não quer dizer absolutamente que
operar legal pode surgir também qualquer coisa eles tenham uma imagem do que a ave de rapina é em-si.
qualitativamente diversa do que se teria no seu
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Nem é garantido que em uma situação completamente enquanto as palavras, justamente por causa do seu
diferente a reconheçam. caráter abstrato, têm uma aplicabilidade universal e,
No trabalho e na linguagem, justamente é tomadas isoladamente, expressam só a natureza geral de
superada esta ligação entre a capacidade receptiva da um objeto; por isso, não contêm ainda, neste nível da
consciência e os fatos do ambiente que acontecem consciência, a demanda de um comportamento
freqüentemente e que são importantes para a vida. O determinado. Em si, no enunciado lingüístico, manifesta-
trabalho mais primitivo pressupõe uma distância entre a se somente a fixação no pensamento de um estado de
percepção da coisa que serve como objeto, instrumento coisas, primeiramente independente na aparência, da
do trabalho, etc., e estas referências, como justamente tomada de posição do homem nos seus confrontos.
descrevemos. Para serem usadas no trabalho, as Aparentemente, porque também a gênese ontológica das
propriedades das coisas devem ser conhecidas de vários palavras é sempre prática. E o convite ao
lados, qual sua capacidade de reagir de diversos pontos comportamento tem necessidade de formas de
de vista, isto é - tendencialmente -, é necessário conhecer expressões lingüísticas específicas que, justamente por
o ser-em-si das coisas segundo certas determinações pretenderem objetivações também, não podem ir além
objetivas essenciais. Disto deriva um processo de do mero sinal. Quando com a linguagem digo: você não
abstração que atua de maneira espontânea e certamente é deve roubar (ou uma outra proibição), eu viso obter um
verificado - durante longo tempo - que está fora de comportamento geral dos homens na sociedade. O mero
qualquer consciência. Por exemplo, se quisermos usar sinal, por exemplo, a luz vermelha na esquina da rua,
uma pedra para cortar, temos em primeiro plano proíbe simplesmente de atravessar esta parte
determinações gerais como dureza, possibilidade de ser determinada de uma rua determinada, de um período
afiada, etc., que podem estar presentes em pedras muito determinado. Isto é, está rigorosamente ligado a uma
diferentes, à primeira vista, no exterior, e faltar, ao invés, situação.
em pedras de aparência muito semelhantes. O trabalho, Naturalmente também esta estrutura é o
mesmo o mais primitivo, deve ser precedido, na prática, resultado de um processo histórico-social. Os primeiros
de generalizações, as abstrações das espécies mais passos sobre este caminho não os conhecemos e
variadas. Que o homem que pratica tais atos tenha a tememos que permaneçam desconhecidos. Com relação
suspeita ou não de fazer abstrações, não atinge a coisa- à evolução dos instrumentos, a Arqueologia já recolheu
em-si. O que vigora é a verdade marxiana por nós muito material e, além disso, datando, estabelecendo
freqüentemente citada: os homens "fazem, mas não o sucessões, analisando o modo de trabalho, a divisão do
sabem". Fazem, porém, não cada um por sua conta, mas trabalho, etc., caracterizando o nível e as linhas de
em sociedade. A pedra trabalhada de maneira primitiva, desenvolvimento das ferramentas, pode esclarecer muitas
até mesmo um pedregulho escolhido simplesmente para coisas sobre a história do mundo. Some-se a isso o fato
trabalhar, já são objetos do mundo e para o mundo do de que os depoimentos humanos também esclarecem
ser social: podem ser usados por qualquer um. Esta se muito a respeito da transformação do homem dentro e
torna assim uma propriedade, inerente ao objeto mesmo, mediante o processo evolutivo do trabalho
que os objetos da natureza no seu ser originário não (desenvolvimento do cérebro humano com relação à
possuíam. Sob esse ponto de vista, a sua utilidade social é história das ferramentas, do trabalho). Porém, sobre o
casual (o que não exclui como é óbvio, que esta seja início da linguagem, não podemos encontrar um
determinada de maneira causal). A objetividade social é, conjunto semelhante de documentos. Os estágios iniciais
portanto sempre uma objetividade universal. onde a etnografia pode estudar as línguas primitivas já
Este processo espontâneo de generalização estão há muito tempo apagados. Todavia, pensamos, as
objetiva-se praticamente durante o seu emprego na reais tendências evolutivas das línguas poderiam ser
práxis laborativa e "teoreticamente" na linguagem. É concretizadas muito mais do que hoje, uma vez que se
evidente como até mesmo a palavra mais simples, mais seguissem as verdadeiras linhas de tendências das
cotidiana, é uma abstração. Quando dizemos "mesa" ou transformações, relacionando-as com o crescimento da
"andar" conseguimos em ambos os casos expressar produtividade do trabalho, mais do que as baseando em
lingüisticamente só o aspecto geral dos objetos, mitos do passado e do presente, e projetando-os na pré-
processos, etc. Para especificar, porém, necessitamos história. As linhas de tendência já são decifráveis com o
operações sintáticas, freqüentemente muito complicadas, material até agora conhecido: as formas lingüístiças
uma vez que justamente a simples palavra expressa movem-se do nível da representação (ligação de uma
sempre e tão somente uma generalização. Anteriormente situação concreta com e estágio concreto do sujeito e do
já destacamos como a linguagem no seu sentido próprio objeto lingüísticos) para o do concreto. Pode-se notar,
distinguia-se dos sinais que alguns animais, em situações por exemplo, que comparações aproximativas baseadas
importantes da sua vida, são capazes de transmitir uns em representações do tipo “como um corvo” etc.,
aos outros. Estes sinais, porém, estão presentes na vida gradualmente esgotam-se dando lugar à palavra e ao
social dos homens, até em estágios mais evoluídos. conceito "negro"; ou surgem termos que expressam um
Todavia, os sinais estão sempre ligados a uma situação; nível maior de abstração em relação a fenômenos
as palavras nunca. Os sinais visam obter, e de uma singulares, os quais, no plano lingüístico, já formam
maneira direta, um comportamento exatamente generalizações naquele nível: pense-se em palavras como
determinado em uma situação exatamente determinada, grãos, fruta, etc.; pense-se como da conjugação vai
23
sempre desaparecendo cada vez mais a ligação com o prioridade do ser nos é revelada pelo fato de que a
gênero, o número, a direção do movimento, etc. dos posição teleológica realiza-se, ou seja, pode tornar-se um
sujeitos e se reduz a uma generalidade abstrata (o dual e momento do ser social, somente quando é capaz de
os seus escassos resíduos remetem ainda a tais colher de maneira aproximativamente adequada os
passagens). momentos mais essenciais do ser que se prepara para
Para nós, porém, interessa somente o problema transformar. Somente a pedra que foi trabalhada de
ontológico encerrado em tais desenvolvimentos. E maneira apropriada para cortar, torna-se um elemento
consiste no fato de que, tanto no trabalho como na ativo do trabalho, da produção, do ser social. Se a
linguagem, a força fundante da nova forma do ser social operação não tem sucesso, a pedra permanece um objeto
é o homem. A ferramenta e o processo do trabalho, a da natureza e não pode, portanto, fazer parte do ser
palavra e a proposição são momentos dinâmicos do social. Aqui se manifesta em termos bastante concretos a
processo no qual o homem - sem perder jamais a estrutura da nova forma do ser, da sociabilidade. De fato,
determinação biológica da sua vida - edifica uma nova ainda que o produto do trabalho que não teve sucesso
forma própria de ser, a sociedade. A ênfase é baseada na permaneça um objeto da natureza e não atinja o ser
atividade. O homem tornado social é o único ente que - social, nem por isso o processo da sua fabricação possui
sempre mais – produz e desenvolve ele próprio as um caráter social - negativo; trata-se, isto sim, de um
condições de sua interação com o ambiente. Os dispêndio de energia desperdiçada.
instrumentos dessa atividade devem por isso ser feitos de Aqui vem à luz uma nova categoria - categoria
tal maneira que, através deles, os objetos e as forças da no sentido marxiano de "forma de ser, determinação de
natureza possam ser colocados em movimento de um existência" - do ser social: os produtos do trabalho são,
modo novo, correspondente às posições que venham em termos objetivos, válidos ou não-válidos (com
realizar-se. Isto já foi descrito para todos os momentos passagens intermediárias muito gradativas). Quer dizer, o
do trabalho, os subjetivos e os objetivos. valor objetivo, a avaliação subjetiva suscitada por este, a
Se quisermos sair do nível geral, até agora posição de valor, a concordância ou a discordância a
inevitável, devemos indicar os movimentos dos fatos respeito de um valor, não são resultados de uma
ontológicos já estabelecidos, e acima de tudo: tanto do civilização humana amplamente evoluída, que
lado subjetivo como do lado objetivo, temos que lidar permanecem indubitavelmente no "ser natural" do
com complexos onde a posição, teleológica e o ser-em-si homem, que estão com este último numa relação de
dos objetos e processos naturais colocados em contraposição inconciliável, como dizia a filosofia
movimento formam por sua vez um novo complexo, idealista. Trata-se, ao invés, de componentes
indissolúvel e unitário no seu ser - e isto o diferencia ontologicamente necessários do ser-homem, do seu ser-
substancialmente dos complexos que surgem na social em geral; e somente enquanto momentos do
interação biológica entre organismos vivos e seu trabalho contrapõem-se à mera existência natural, que
ambiente inorgânico. Também é verdade que todos os não conhece valor objetivo. Todavia, porque no ser do
seus momentos são objetivados no pensamento e, organismo, no seu processo reprodutivo, aparecem
portanto tornam-se autônomos, sem, no entanto por isso necessariamente os momentos favoráveis e
destruir de fato a unidade ontológica do complexo desfavoráveis, estes podem ser, sem dúvida,
processual. Para traduzir no ser os resultados de tais considerados formas preparatórias, da passagem. Mas o
análises dos momentos, é preciso uma nova posição salto representado pelo trabalho destaca estes momentos
teleológica, a qual faz nascer outro complexo (uma do processo de reprodução biológica, fazendo deles
variante do primeiro ou um complexo totalmente objetos da consciência, da práxis consciente, que nas
plasmado de novo), que porém, quanto à sua estrutura consciências podem adquirir certa autonomia -
ontológica geral abstrata, não se diferencia em princípio relativamente elevada - em relação ao sujeito imediato; e,
daquela antiga que sofreu a transformação: ambos são justamente em virtude de tal autonomia, podem influir
seus objetivos. A consciência que realiza a preparação, decisivamente sobre a sua práxis. Para o nosso discurso
portanto, pratica atos analíticos e sintéticos, cujo atual, o determinante é o momento da consciência com a
resultado é uma nova posição teleológica que, ou repete, realidade existente-em-si. O valor não surge da posição
ou modifica, ou de novo plasma radicalmente a de valor, mas sim a partir da realidade objetiva, a partir
precedente. Análises e sínteses são por isso produtos da da função objetiva vital do valor enquanto índice do
consciência e não momentos reais daquele processo real, trabalho bem sucedido, que desenvolve as reações
sobre o qual a posição teleológica procura influir de avaliativas subjetivas em relação à sua bem sucedida ou
várias maneiras. Portanto, para servir de base a esta mal-sucedida realização, em relação ao processo que
última, os seus resultados devem corresponder às leis de produz o sucesso ou o insucesso (somente na Ética
movimentos complexos que esses tentam captar. Devem, poderemos ver como esta estrutura, apesar de amplas
portanto de alguma maneira reproduzir - mesmo sendo modificações, mantém-se também na relação de valor
algo além da cópia direta - estes seus momentos mais elevado).
duradouros. Ora, tal obra de reprodução nos revela Aqui nos interessa outro lado desses fenômenos:
alguns traços novos e essenciais, que devemos fixar bem, a relação das formas de consciência assim surgidas, com
se pretendermos colher adequadamente o ser social na a realidade objetiva; e, em estreitíssima relação com isso,
sua especificidade ontológica. Em primeiro lugar, a as novas funções assumidas pela consciência. Com o
24
trabalho e no trabalho, os modos de agir do homem compete ao sujeito um papel ativo, uma iniciativa: sem
perdem a sua ligação com as situações singulares a posição teleológica não existe nem percepção, nem
concretas, assim como os seus produtos podem ser reprodução da imagem, nem conhecimento praticamente
sempre mais desligados da utilização original. Com os relevante do mundo objetivo. Somente a posição
mesmos gestos apropriadamente modificados, podem-se teleológica orientada para atuar, para transformar o
fabricar sempre coisas diferentes e também as mundo objetivo produz aquela seleção, entre a infinitude
ferramentas podem ser usadas ou adaptadas de maneiras extensiva dos objetos e processos naturais, que tornam
as mais variadas. Este fato liga-se estreitamente à possível um comportamento prático nos seus
possibilidade de se aperfeiçoar sempre mais o processo confrontos. Naturalmente o ser-em-si permanece
do trabalho e seus produtos, pois a experiência de um imutável, mas não ocorre nenhum comportamento
modo concreto de fabricação, uma vez generalizadas as prático em direção ao mundo dos objetos, cuja intenção
suas bases e concretizadas novamente as abstrações se limita a esta imutabilidade. A posição teleológica
assim obtidas, pode-se tornar eficaz e fecunda em provoca não só uma delimitação e uma seleção no ato de
campos absolutamente novos (é claro que em tal reproduzir a imagem, mas no seu âmbito - e além desse
passagem, os atos da consciência de que falamos antes, a âmbito - provoca também uma orientação em direção
análise e a síntese, heterogêneos em si, mas de fato àqueles momentos do existente-em-si, os quais, por seu
relacionados um com o outro, sofrem um contínuo e meio, devem e podem ser colocados na relação desejada,
constante aperfeiçoamento). Tudo tem como premissa e na conexão desejada, etc. Esta orientação, enquanto
efeito na consciência do sujeito da práxis um modo concreto de posicionar-se é diversamente
autonomizar-se da imagem da realidade. Tal autonomia organizado nas diversas posições teleológicas, e não só
não se baseia como é óbvio, sobre a autonomia do ato da por aquilo que concerne ao conhecimento intelectual, no
consciência do objeto da sua intenção, dos objetos da qual tal posição atinge o seu ápice no quadro da
natureza, das suas leis, dos tipos de procedimento consciência, mas em cada percepção, em cada
objetivamente possíveis para o sujeito na práxis. Ao observação cujos resultados são elaborados e recolhidos
contrário. De um lado, estes objetos estão diante do conjuntamente na unidade da posição pela consciência
sujeito na dura imobilidade do seu ser-em-si; de outro que pensa e que põe. No mesmo bosque, o caçador, o
lado, o sujeito da práxis deve, isto sim, submeter-se sem lenhador, o coletor de cogumelos, etc. espontaneamente
restrições a tal ser-em-si, tentando conhecê-lo em termos (mas que se tornaram conhecedores pela prática)
os mais livres possíveis de preconceitos subjetivos, de perceberão objetos qualitativamente bem diversos,
projeções da subjetividade no objeto, etc., mas apesar de que o ser-em-si do bosque não sofre nenhuma
justamente por esta via, ele descobre no objeto, até então mudança. Muda somente a ótica segundo a qual tem
desconhecido, a transformação que realiza no meio, no lugar a seleção de conteúdo e forma da reprodução da
objeto do trabalho, etc. que dá vida ao intercâmbio imagem na consciência. Mas também neste caso,
orgânico entre homem (sociedade) e natureza, não só devemos evitar o mecanismo por via mecanicista: não é
sobre o seu fundamento, mas na produção do novo em que os momentos isolados sejam destacados do
geral. Tal prioridade do ser-em-si demonstra-se complexo total; por exemplo, o bosque, sucessivamente
incontestável pelo fato de que um trabalho (práxis) bem é colocado mecanicamente, lado a lado numa série.
sucedido é possível somente quando a consciência Nesta percepção, ao invés, tem-se uma reprodução da
percebe, reproduz no pensamento, capta os objetos do imagem do bosque como totalidade complexa, aliás,
mundo externo de maneira correspondente ao ser-em-si. subespécie da posição teleológica cada vez desejada e do
A difusa resistência contra esta elementar e insuprimível comportamento por ela ditado. Não se tem, portanto
relação do homem com o mundo que o circunda, sobre uma abolição do espelhamento, mas simplesmente no
o qual ele age, tem origem afinal na interpretação seu interior verifica-se um deslocamento de ênfase
mecanicístico-gnosiológica de tal relação, onde este segundo a importância: os momentos que são
processo de reprodução bastante complexo é importantes para a posição teleológica são percebidos
transformado numa espécie de operação fotográfica com precisão, fineza, sutileza, etc. sempre crescentes,
efetuada pela consciência do objeto. A crítica juvenil ao enquanto aqueles que se encontram fora deste campo
materialismo de Feuerbach já se concentra no fato de acabam por afastar-se num vago horizonte. Não
que nele, tal relação não é concebida no sentido da obstante, tal seleção e classificação produzidas na
práxis, mas simplesmente como "intuição", não reprodução da imagem por obra do sujeito, que
subjetivamente.24 Mas o que significa subjetivamente, elaboradas de modos sempre mais sistematizados,
neste caso, o complexo processo sujeito-objeto do constituem o veículo mais importante do processo
trabalho? Certamente não é a negação desta correta inicial; cada refinamento neste sentido da imagem
reprodução da imagem em concordância com o objeto representa um passo adiante, uma aproximação maior do
de que estamos falando. A respeito de sua gênese, apenas original. A teoria dialética do espelhamento é uma ampla
acrescenta-se que ontologicamente nunca se trata de uma ontologia da gênese e ao mesmo tempo do
simples contemplação, de um acolhimento passivo do aperfeiçoamento: essa põe luz na dinâmica que opera na
objeto por parte da consciência, mas ao invés, nessa inter-relação entre sujeito e objeto da práxis, na qual vêm
de fato conhecidos e praticamente colocados em
24 MEGA, I, 5, p. 533 (trad. It., Tesi su Feuerbach, cit., p.3).
movimento aqueles momentos da infinidade extensiva e
25
intensiva, que levam à realização posições teleológicas consciência que analisa a aplicabilidade a casos
sempre mais adequadas à consciência. imediatamente diversos e cuja correção submete a
Com o que temos, resulta colocada de lado contínuas provas, à completude e à utilidade, etc. E sob a
prática e teoricamente a concepção mecanicista do base desses repetidos exames da imagem será depois
espelhamento, mas não a dependência geral materialista decidido se as posições teleológicas futuras serão simples
da posição do ser-em-si da realidade. A diferença entre repetições daquelas já efetuadas, ou baseando-se na
essas duas coisas está "só" no fato de que a teoria práxis sucessiva será uma posição teleológica mais ou
mecanicista do espelhamento pressupõe uma misteriosa menos modificada ou até totalmente reestruturada. Já
capacidade do homem de fixar de modo adequado, vimos anteriormente que a maioria tem a linguagem
fotograficamente, o seu ambiente mediante os seus como a generalização do espelhamento singular
sentidos, enquanto que a concepção dialética de Marx, espontâneo diante dos nomes, mediante a atribuição de
não é senão uma reprodução, uma conceituação do nomes a objetos e processos.
processo que sempre ocorre necessariamente no Nunca será suficientemente sublinhada a
trabalho, na sua preparação. Esta contém em si todas as importância desse fato novo, dessa mudança da estrutura
contradições que tornaram este processo determinante e da função da consciência. De fato, o comportamento
para o destino da humanização do homem. A prioridade especificamente humano em relação ao mundo exterior,
do momento material apresenta-se, como já vimos por nós assim circunscrito, onde pela primeira vez se tem
principalmente no caráter de alternativa da posição uma relação sujeito-objeto no sentido próprio, pode ser
teleológica: esta pode obter sucesso ou falhar, e o compreendido na sua peculiaridade concreta só quando
primeiro pressuposto do sucesso é que a percepção, a for clara a real estrutura e dinâmica deste duplicar-se do
observação que desta deriva, a consciência que lhe mundo dos objetos, a sua divisão em objetos reais e
ordena, enquanto ato teórico-prático tornado unitário, imagens para a consciência. De um lado, a autonomia, a
colhem efetivamente o ser-em-si do objeto. Todavia esta concretude, a legalidade, etc., dos objetos podem tornar-
estrutura, se assumida em termos gerais abstratos, não se operantes para o sujeito somente quando existir tal
nos dá a especificidade do ato de trabalho. Toda autonomia da imagem. Antes de tudo, o objeto na sua
interação entre um organismo e seu ambiente, de fato, multiformidade pode revelar ao sujeito o seu verdadeiro
pressupõe que os seus modos de reagir sejam adequados ser - de existência unitária -, somente na elaboração da
ao ser-em-si de ambos. Já vimos, porém que onde estas consciência, na concordância que esta intui entre os
reações são reguladas por uma espécie de consciência, diferentes modos de aparecer, etc., isto é, como resultado
como nos animais superiores, no processo prático não de um processo de análise e síntese realizado pelo
existe aquela autonomia da imagem do objeto existente- pensamento. Assim, o autonomizar-se da imagem é o
em-si, que já descrevemos aqui. As funções da pressuposto para que a consciência possa captar o objeto
consciência reduzem-se às reações que são suscitadas na sua diferençada identidade, existente-em-si, consigo
para uma situação concreta bem determinada. As mesmo. As reações, muitas vezes extraordinariamente
experiências com os animais em cativeiro fornecem um finais e diferenciais, dos animais em relação a um objeto
quadro exato do modo pelo qual eles reagem das do ambiente limitam-se sempre a situações concretas,
tentativas fracassadas que antes ou depois podem (não: dependentes daquela situação, daquele fenômeno com as
devem) conduzir a um comportamento correto. condições da auto-conservação daquele organismo.
Instrutivo em tais experiências é, não somente o Essas, portanto - como já vimos - não se relacionam com
processo que leva a este resultado e à sua assimilação a totalidade do objeto. Ao contrário, a autonomia da
através do exercício, mas, além disso, também o fato de imagem, aqui descrita, pretende justamente passar dos
que o devir não é mais posto pelo próprio animal: nas variados modos de apresentar-se à identidade do próprio
experiências ele é colocado pelo homem e na natureza objeto, à unidade objetiva dos seus modos de ser, das
pelas transformações do ambiente. No homem que suas propriedades. O trabalho, o seu desenvolvimento e
trabalha justamente o devir é um produto direto da aperfeiçoamento são possíveis somente porque as
consciência. posições teleológicas dispõem sempre mais de um elenco
Somente por tal via pode surgir a relação sujeito- cada vez mais amplo e seguro, mais refinado; são os
objeto na posição teleológica de que falamos antes. O conceitos a respeito das coisas e dos processos da
papel ativo desta, tal como foi descrito até agora, não realidade. De fato, somente assim a posição teleológica
esgota tudo o que há de novo aqui. O novo está, pode entender, usar e aperfeiçoar estes como meio de
sobretudo, no fato de que a imagem produzida pelo trabalho, etc. Quando dissemos conceitos, falamos ao
sujeito, cuja fidelidade é desejada, mas que não é mesmo tempo de palavras e proposições. O nascimento
"fotográfica" sob qualquer ponto de vista, adquire sua simultâneo do trabalho e da linguagem tem aqui a mesma
autonomia no processo vital desse mesmo sujeito. A base ontológico-genética. Como demonstra o discurso
imagem do objeto fixa-se no homem como objeto da feito até agora, aqui vem à luz o momento basilar do ser
consciência, que de um lado pode também ser levada em social e devemos ocupar-nos detalhadamente do seu
consideração, como freqüentemente acontece separada caráter geral: a objetivação do objeto e a alienação
do local da realidade objetiva que a suscitou; de outro (Entäusserung) do sujeito, que formam como processo
lado, está numa relação de forte autonomia com a unitário a base da práxis e da teoria humana. Este
própria consciência. Trata-se de um objeto para a complexo de problemas assume um lugar central em
26
uma parte da filosofia contemporânea, ao passo que é anulação do sujeito, mas ao contrário, o ponto de vista
considerado fundamento do estranhamento da posição na qual o homem, já objetivo, mesmo
(Entfremdung). Uma ligação e bastante íntima existe aí, enquanto mero ente natural, no trabalho progride até
indubitavelmente: o estranhamento pode originar-se objetivar esta vida genérica,28 na sua dinâmica,
somente da alienação; se a estrutura do ser não colocar consciente, na genérica inter-relação com a objetividade
esta última no centro, determinados tipos de da natureza. Com a objetivação temos a categoria
estranhamento não podem manifestar-se em caso algum. fundamental objetiva do ser social, que expressa junto à
Mas, quando se enfrenta este problema, nunca se deve identidade ontológica última de cada ser (objetividade em
esquecer que ontologicamente a origem do geral) e a não-identidade na identidade (objetivação no
estranhamento e da alienação não significa ser social versus mera objetividade no ser natural). Aquilo
absolutamente que estes dois complexos sejam unívoca e que no capítulo sobre o trabalho - quando falando de um
condicionalmente um só: é verdade que determinadas problema insolúvel, nem mesmo formulável em termos
formas de estranhamento podem nascer da alienação, adequados, naquela fase inicial - simplificamos, definindo
mas esta última pode muito bem existir e operar sem como a realização em oposição à realidade, somente
produzir estranhamentos. A identificação entre as duas neste momento recebe a sua determinação conceitual
coisas, tão difundida na filosofia moderna, deriva de precisa. Esta novidade em relação a todo ser pré-social
Hegel. Nos Manuscritos econômico-filosóficos escreve Marx vem à luz de modo mais claro naquilo que dissemos
contra a concepção hegeliana: "O que vale como a essência precedentemente a respeito da relação entre o em-si e o
posta e superada do estranhamento não é que o ente humano se para-nós. As objetividades da natureza formam enquanto
objetiva desumanamente em oposição a si mesmo, mas que este se tais, a base da troca orgânica da sociedade com esta. Em
objetiva diferentemente do pensamento abstrato e em oposição ao tal contexto, é inevitável que o seu em-si, continuamente,
pensamento abstrato".25 Por isso, é um equívoco considerar de maneira crescente, de modo sempre mais variado, seja
Marx um precursor das tendências "modernas", como transformado em um para-nós. Isto acontece no sujeito
fazem alguns existencialistas: a concepção hegeliana da do trabalho pelo seu caráter teleologicamente posto, no
alienação e do estranhamento lhes parece a filosofia do momento quanto ao objeto natural em que este sofre
jovem Marx (muitas vezes transmitida como visão uma transformação e depende das suas propriedades que
contraposta àquela do Marx posterior), e isto apesar de sobre este possa ser completado o processo em questão:
que ele mesmo tenha então criticado as conseqüências mas do ponto de vista da objetividade geral abstrata, não
do idealismo hegeliano com a mesma decisão com que as se verifica senão um mero devenir-outro, tem-se
criticará mais tarde. Para afastar o problema deste estado simplesmente uma nova forma de objetividade pensada,
de confusão e reportá-lo de volta aos seus fundamentos em relação à qual esta permanece absolutamente
corretos, achamos útil excluir por enquanto o tema do indiferente (e até o termo "indiferente" é muito
estranhamento (o próximo capitulo, em todo caso, é antropomórfico para expressar de maneira adequada o
dedicado a isto) e limitarmo-nos agora à crítica marxiana verdadeiro estado de coisas). Todo produto do trabalho,
da alienação. Neste ponto, a crítica de Marx a Hegel é ao invés, vem objetivado para poder ser usado para
radical e extremamente precisa. Ele contrapõe a certas finalidades. Na objetivação experimentada
originariedade ontológica da objetividade à concepção mediante o trabalho, este tornou-se utilizável para
hegeliana, segundo a qual a objetividade surge da determinados fins, isto é, o ser-para-nós constitui agora
alienação e o seu cumprimento verdadeiro e autêntico só um momento material da sua estrutura. Mediante a
pode ser dado pela superação de toda objetividade: "Um objetivação de um complexo objetual, o ser-para-nós
ente que não tenha um objeto fora de si não é um ente objetivo. Um fixa-se como propriedade existente do objeto objetivado;
ente que não seja ele mesmo objeto para um terceiro não tem o sujeito portanto não tem necessidade de realizar sobre
nenhum ente como seu objeto, isto é, não se comporta objetivamente, este uma análise e uma síntese criativas para colher o
o seu ser não é nada objetivo. Um ente não objetivo é um 'não- para-nós em geral. Não tem nada a ver com a nossa
ente'".26 Isto quer dizer que o processo que o idealismo questão, que na maior parte dos casos seja necessário
hegeliano concebe como gênese da objetividade (e apreendê-lo.
correspondentemente como anulação da objetividade no Outro lado ontológico tão importante desta
sujeito) desenvolve-se na realidade, e segundo Marx, em situação foi revelado, e isto é interessante, precisamente
um mundo já desde a origem objetivo, como reação de por Hegel, embora ele não soubesse como tratar tal
entes reais, ou seja, objetivos, à própria realidade argumento. Na análise das determinações reflexivas ele
primária, imprescindivelmente objetiva.27 A oposição nota que as determinações forma-conteúdo e forma-
dinâmica do ser social com a natureza, da qual este se matéria são absolutamente diferentes. Em primeiro lugar,
desenvolve exclusivamente e em interação, com a qual ele fixa a sua colocação no sistema das formas de
tem a possibilidade de existir, não assume, por isso, o objetividade: o conteúdo tem como base a relação
ponto de vista da contraposição hegeliana entre forma-matéria do objeto e somente esta relação é algo de
objetividade alienada e sua superação mediante a posto.29 Hegel pensa em discutir nesse ponto as relações

25 MEGA, I, 3, p.155 (trad. It.cit., p.359). 28 Ivi, p.89 (ivi, pp.303-304).


26 Ivi, p. 161 (ivi, p.365). 29 G. F. W. Hegel, Wissenschaft der Logik, IV, cit., pp.85-86 (trad. it. cit.,
27 Ivi, p.160 (ivi, p.364). II, p.50a).
27
meramente lógicas - está elaborando a categoria dos Dado este predomínio da objetivação como
fundamentos - mas, como freqüentemente lhe sucede, de categoria central do ser social fundado nas posições
passagem põe luz a uma importante diferença ontológica, teleológicas, aparecem refutadas todas as reviravoltas
ou seja, precisamente aquela entre ser natural e ser social, idealistas derivadas da concepção hegeliana da alienação.
quando contrapõe ao caráter posto de conteúdo o caráter Mas, precisamente quando se assume
natural da matéria e da forma, entendendo a "atividade incondicionalmente uma atitude tão radical, nós
da forma" como o próprio movimento da matéria mesma. 30 podemos e devemos nos perguntar se aquilo que Hegel
Disso segue-se que o movimento da matéria comporta o visou (e não conseguiu) apreender com a alienação, não
nascimento de sua forma, da qual o exterior devenir- seria compreendido também como um momento real do
outro é justamente o ficar-idêntico da natureza enquanto processo que, uma vez levado à luz com clareza, nos
relação forma-matéria; enquanto ao contrário, no âmbito daria um quadro da situação mais articulado do que tinha
da relação forma-conteúdo, da qual ela está como sido até então, sem, porém destruir sua unicidade, à qual
fundamento enquanto conteúdo, entendido como devemos precisamente a radical crítica marxiana nos
unidade de matéria e forma, o fato ontologicamente confrontos com Hegel. Ora, nunca se deve esquecer que
típico é precisamente o caráter posto da forma, isto é, a objetivação representa um ente realmente objetivado e
não surgido de modo espontâneo da mobilidade de conseqüências realmente objetivas para o ser social;
imediata. Hegel observa com bastante atenção as qualquer práxis social, sempre e ao mesmo tempo revela
diferenças que disso derivam; nota também que a também uma atividade de sujeitos sociais, que -
preservação da falta de forma pode ser feita somente no precisamente na sua atividade - não somente agem sobre
âmbito da relação forma-conteúdo - que cada matéria um mundo objetivo objetivando-o, mas simultaneamente
tenha uma forma é óbvio - mas já como conceito de transformam o ser mesmo de sujeitos que põem
valor; e isto põe luz ainda mais fortemente, por um lado, objetivações. Temos lembrado muitas vezes que,
ao seu caráter posto. Falta de forma significativa “não há conforme Marx, a riqueza espiritual de um indivíduo
ausência de forma em geral, mas somente que não está presente a depende da riqueza das suas relações com o mundo,
forma justa”.31 concepção que em substância coincide com a imagem
Não há dúvida de que, nesta forma, fica que Goethe maduro fazia de si mesmo. E também aqui
determinada com precisão do ponto de vista do ser, a vem à luz um aspecto de fundo, já por nós tocado, do
relação forma-conteúdo de cada produto do trabalho, de ser social. Isto é, o fato de que, por um lado, a totalidade
cada objetivação material. Não se pode esquecer porém, da sociedade no seu processo histórico de reprodução e,
que também todas as posições teleológicas de tipo ideal por outro lado, o homem envolvendo-se da mera
mostram a, mesma estrutura. Enquanto na comunicação, singularidade à individualidade, formam os dois pólos
por meio de sinais se expressa, na vida dos animais, a cuja inter-relação é a característica essencial desse
relação forma-matéria enquanto inter-relação entre complexo do ser, pelo fato de que precisamente neste
organismo e ambiente (naturalmente os sinais da torna-se visível a essência não mais muda do gênero
sociedade são também eles postos), na linguagem, o humano. Se considerarmos mais de perto as relações das
princípio dominante até nas palavras singulares é, ao quais fala Marx, aparece claro que elas não podem ser
invés, a relação posta formaconteúdo. A linguagem por entendidas como algo de "exterior" ao homem, com o
isso não é somente uma imagem ideal das objetividades, qual sua "interioridade" se encontraria numa relação de
mas simultaneamente sua objetivação na consciência. E mera contraposição, de exclusão recíproca. Do momento
isso deriva não somente do caráter espontâneo de valor em que todas as expressões do homem, começando pelas
de qualquer expressão lingüística, a qual se move sempre fundamentais como o trabalho e a linguagem, até as
dentro da alternativa entre certo ou errado, mas também objetivações de mais alto valor, são sempre
do fato de que o conteúdo (ou seja, a relação forma- necessariamente posições teleológicas, a relação sujeito-
matéria) pode elevar-se sempre mais acima das relações objeto, enquanto relação típica do homem com o
forma-matéria reais sem perder a própria unicidade mundo, é uma inter-relação na qual se tem uma ação
sintética, a possibilidade de ser a expressão correta. inovadora, transformadora, permanente do sujeito sobre
Pense-se, já na vida cotidiana, as abstrações como o o objeto e do objeto sobre o sujeito, na qual nem uma,
mobiliário, grãos, frutas, etc., cujo conteúdo conserva nem outra componente podem ser concebidas isoladas,
sempre de modo único a unidade objetiva de forma e separadas do par opositivo, isto é, como autônoma.
matéria, até o desenvolvimento, e contribui para o Porém, isso não foi levado em conta nem pelo marxismo
progresso nos homens e pelos homens do processo de vulgar, nem em geral pela filosofia burguesa. Que o
sua socialização, reproduzindo no pensamento a homem seja simplesmente visto como "produto" da sua
expansão do mundo objetivado e não mais simplesmente base social, ou que se parta, por exemplo, como
objetivo. Quanto mais alto o nível de desenvolvimento Gundolf, dos seus "atemporais" Urerlebnisse, ou como
dessas formas, momentos, modos de aparecer, etc., ideais Heidegger da sua "dejeção" no ser, é no plano
da posição teleológica, tanto mais explícito o seu caráter ontológico igualmente sem fundamento. Quando, ao
de objetivação. invés, tem-se presente a indissolubilidade ontológica -
mesmo na sua imediata heterogeneidade - destes dois
pólos sólidos do ser social, torna-se claro que cada ato de
30 Ivi, p.83 (ivi, p. 506).
31 G. F. W. Hegel, Enzyklopüdie, parágrafo 133, aggiunta.
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objetivação do objeto da práxis é ao mesmo tempo um humana. A separação entre produção, ou de forma
ato de alienação de seu sujeito. mais abrangente, entre manifestações da vida econômica,
Não é nossa tarefa descrever aqui, nem mesmo por um lado, e formas de expressão dos homens ativos
resumidamente, a relação histórica em contínua que não são imediatamente dirigidas à sua verdadeira e
mudança, também qualitativa, entre objetivação e própria reprodução material-social, por outro, não
alienação. Está certo que, no início, dominavam as provoca uma clara divisão conceitual. De fato, antes de
componentes da objetivação, embora tudo, são as ciências naturais, ainda que desenvolvidas
predominantemente o trabalho objetivado tivesse pelo intercâmbio orgânico com a natureza, que cumprem
notáveis efeitos retroativos e transformadores sobre seu a desantropomorfização de modo mais coerente; e
sujeito; e embora seja quase impossível que diferenças mesmo aqui, a função predominante da socialização
como a habilidade, a criatividade, etc., não tenham, já afirma-se com a máxima força nos confrontos da
nos estágios mais primitivos, deixado também no alienação. Por outro lado, trata-se também do fato de
produto traços materiais da subjetividade auto-alienante- que nenhuma alienação, enquanto expressão de uma
objetivante. Foi, porém necessário um longo personalidade, pode tornar-se operante, isto é, existente,
desenvolvimento, muito desigual, para que a alienação de se por algum motivo não se objetiva. Os pensamentos,
um lado se elevasse a um certo patamar de os sentimentos, etc. não alienados das pessoas são meras
autoconsciência, e de outro, tivesse garantida no possibilidades; o que eles realmente significam é
processo global uma atuação sua, que não coincidisse comprovado somente no processo do seu objetivar-se.
mais com a mera validade ou não-validade objetiva Todavia, o confronto desta identidade, enquanto
(hábil/inábil), que aparece já no estágio da simples identidade e não-identidade da objetivação e da alienação
singularidade, mas onde esta se tornava a alienação real resulta incompleto se não esclarecermos a sua relação
de uma existência humana presente (mesmo em termos com o valor. De um ponto de vista meramente
relativos no plano social) realmente. E, para ficar ontológico, esta questão é simplíssima: os valores surgem
também neste caso nos fenômenos de fundo: se somente por meio da objetivação-alienação. A mera
observarmos o trabalho material, nos simples produtos objetividade é, por princípio, indiferente ao valor. Só
laborativos, freqüentemente é possível reconhecer "a quando é posta no sistema das objetivações-alienações
mão" (a personalidade) de seu produtor e isto desde os ela pode adquirir um valor: por exemplo, quando uma
primeiros tempos até os nossos dias. Unicamente com a parte da natureza se torna passagem para os homens.
desantropomorfização do trabalho, iniciada como uma Que este ser-posto tenha a sua base material nos muitos
forma em si não ainda conseqüente, atada à divisão do momentos realmente objetivos tirados da natureza em
trabalho existente na manufatura, é que o momento da questão, não há dúvida; mas isso não muda a situação: as
alienação está aos poucos desaparecendo destas montanhas altas já existiam há muito tempo antes que
objetivações. Mas também neste caso somente um determinado desenvolvimento social as
tendencialmente, porque, embora a presença objetiva da transformasse em passagens no sentido social. Seria,
alienação em geral apareça nos últimos atos laborativos porém, completamente errado ver esses momentos da
executados pelos trabalhadores em geral a projeção geral posição como plenos de valor. Eles são simples
de um tipo de produto, o seu "estilo", pode, todavia momentos ontológicos do ser social, logo podem da
expressar a marca de uma alienação. Também na mesma forma, ter ou não ter valor; existem, isto é, por
linguagem expressa-se a desigualdade deste força de coisas ligadas a um processo consciente, cujo
desenvolvimento, mas em termos bem diversos. O êxito porém depende do seu concreto ser-propriamente-
aumento do grau de sociabilidade, a integração crescente, assim, enquanto o seu caráter de ser - no interior do ser
aqui não produz de imediato alguma uniformidade social - não é prejudicado. Pode-se dizer: unicamente
desantropomorfizante. É verdade que a maior porque cada objetivação-alienação é em-si um
socialização cria freqüentemente estereótipos componente do ser social, ela necessariamente dá lugar,
lingüísticos, etc., completamente despersonalizados, mas junto com o próprio tornar-se existente, aos valores e,
ao mesmo tempo acresce-se também o caráter de consequentemente, às avaliações.
alienação individual da linguagem. Diferentemente dos Na discussão desta questão, precisa-se, então, ao
estágios precedentes, torna-se mais fácil reconhecer as mesmo tempo, partir do fato de que objetivação e
pessoas, captar sua individualidade, a escolha das alienação, no plano ontológico, são produtos de um ato
palavras, do seu vocabulário, dos seus modos sintáticos, unitário, mas que sua necessária distinção no plano
etc. histórico-social não é simplesmente o resultado de uma
Naturalmente, não é possível marcar um limite análise do pensamento; aliás, esta é possível apenas
preciso entre esferas da vida, tendo como critério o fato porque na distinção dos dois momentos desse ato
de que, em formações que são ontologicamente unitárias, unitário vem à luz diferenças ontológicas reais.
a alienação e a objetividade exercem, uma ou a outra, o Afirmamos: a sua essência é que a relação em-si unitária
papel de momento predominante. Pois trata-se de um sujeito-objeto, que está na base de sua unidade, na
processo ontologicamente unitário, no qual se verifica objetivação atua como uma mudança do mundo dos
simultaneamente o socializar-se da sociedade, o dirigir-se objetos no sentido da sua socialização, enquanto que a
da humanidade a uma generidade real, no sentido da alienação é o veículo que promove o desenvolvimento
essência-em-si, e o desdobramento da individualidade do sujeito na mesma direção. Agora, o fazer-social do
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objeto é um processo muito mais homogêneo do que indivíduo e totalidade social, cessará de ter um caráter
aquele do sujeito. A pedra rudemente polida da pré- antagônico. Da mesma maneira que o desenvolvimento
história está certamente fora da mera objetividade da humanidade do ser-em-si do gênero para o ser-para-si
natural; tanto quanto a máquina mais complicada. Neste é um processo que se desenvolve nos homens, e em
sentido fundante-ontológico, o salto do ser natural, o última análise em cada homem singular, como separação
social, é único e definitivo. Mas não se segue disso que do homem particular sozinho naquilo em que - embora
os progressos econômicos e técnicos obtidos no curso ainda em termos primitivos e distorcidos - o ser-para-si
do desenvolvimento sejam indiferentes no plano do gênero humano luta por existir. Que o salto seja
ontológico. Ao contrário, são de grande relevância para a definitivo aparece no fato de que o homem particular
totalidade da sociedade que se desenvolve. Por isso, os também é genérico. À sua generidade, embora ainda em-
efeitos, os estágios, etc. desenvolvidos das objetivações si, expressa-se já em atos teleológicos; não é mais mera
têm um papel decisivo na transformação do ser social, aparência biológica do exemplo singular ao próprio
tanto quanto à essência, como quanto ao fenômeno. Mas gênero. Isso conduz por força das coisas aos atos de
isso não muda o dado fundamental pelo qual a objetivação; nos quais os homens coincidentemente
socialização, como ato que transforma o ser, já na sua produzem alguma coisa de social, embora sem
forma mais primordial, chega a uma constituição consciência de o fazerem, como Marx muitas vezes tem
ontológica que, limitadamente para o seu ser-em-si geral, demonstrado através da atividade social geral média, dos
apresenta-se já como definitiva. homens. Gradualmente, cada uma destas atividades
Diferentemente acontecem as coisas através da recebe uma expressão lingüística; a objetivação nela
alienação. Sua presença introduz exclusivamente o concluída começa também a apresentar-se como
problema da humanização do homem, da sua generidade alienação, o que eqüivale dizer, embora num estágio
no interior de um gênero não mais mudo. A inicial, num nível ainda baixíssimo, que adquire o caráter
possibilidade de sair do mutismo significa precisamente da auto-objetivação do sujeito. As finalidades, os
que ontologicamente, o gênero humano em-si, sentimentos, as condições, as capacidades, etc. de cada
procedendo além deste estágio, pode ser. Ao contrário: a homem tornam-se para ele mesmo objetivações avaliadas
generidade muda da natureza implica um ser-em-si no no sentido positivo ou negativo, que depois da sua
sentido mais literal do termo. Pois nos espécimes elementar socialidade, ao seu ser comum entre os
pertencentes ao mesmo gênero, mesmo quando estes homens - embora com todas as diferenças que se têm
últimos, como os animais superiores, reagem informados desde o início.-, incidem sucessivas posições teológicas
pelo mundo exterior, isto não pode nunca entrar dos sujeitos.
enquanto tal na consciência. O gênero reproduz-se nos Neste ponto, porém, temos unicamente o
exemplares singulares os quais, embora reagindo ao homem particular, que com efeito já foi separado por
próprio ambiente sempre conforme o gênero, nunca meio de um salto da generidade muda, meramente
porém têm consciência de si mesmos como pertencentes biológica, dos seres viventes da natureza. Esta nova
àquele gênero. Este gênero mudo salta com o trabalho e generidade, todavia, manifesta-se diretamente com a
a linguagem para a generidade em-si do ser social. Já a realidade somente no seu em-si. Ela contém em si a
objetivação, que substitui a mera objetividade do ser possibilidade (de novo no sentido da dynamis
natural, articula em-si o reconhecimento do seu aristotélica), uma intenção dirigida ao ser-para-si do
pertencer a um gênero. Quanto mais progride a gênero humano, mas neste caso a desigualdade do
socialização da sociedade, tanto mais ricas, multiformes, desenvolvimento resulta particularmente forte. Sabemos:
graduadas, coligadas por mediações, etc. tornam-se estas a desigualdade domina todas as séries causais que se
determinações e com mais evidência emerge, embora desenvolvem na sociedade, e por isso - em
limitadas pelas velhas contradições do desenvolvimento, correspondência à diversidade no concreto ser-
do estágio singular concreto - o caráter não mais mudo precisamente-assim - variam as formas nas quais se
da generidade. Marx, todavia, e muito razoavelmente, realizam os momentos necessários da essência. Todavia,
chama todo esse decurso simplesmente de "pré-história" não se deve esquecer de que nestas desigualdades dos
da sociedade humana, isto é, do gênero humano. Esta desenvolvimentos, falando-se em termos gerais, vem à
pré-história, a história do devenir-homem-do-homem, luz o que no processo global tem mero caráter causal e
do fazer-se expressão adequada do gênero humano por que, embora posto em movimento por posições causais,
parte da sociedade, poderá acabar somente quando os na sua totalidade não manifesta tampouco a sombra de
dois pólos do ser social, indivíduo humano e sociedade, uma teleologia. Em relação às desigualdades, enquanto
cessarem de atuar espontaneamente de modo sínteses sociais, apresentadas entre totalidades parciais e
antagonístico um sobre o outro: quando a reprodução da o influxo ontológico das posições singulares, podemos
sociedade promover o ser-homem, quando o indivíduo achar suas expressões - nos estágios tendencialmente
na sua individualidade realizar-se conscientemente como progressivos das suas inter-relações com o todo -
membro do gênero humano. Este será o segundo grande somente através do médium destas totalidades parciais. A
salto no desdobrar-se do ser social, o salto da generidade alienação porém, apesar da sua sociabilidade,
em-si para a generidade para-si, o início da verdadeira essencialmente possui os traços da singularidade, da
história da humanidade, na qual a - insuprimível - objetivação de uma posição singular, e mediada por esta
contraditoriedade interna à generidade, aquela entre objetivação retroage no desenvolvimento da
30
individualidade humana na sociedade. Esta estrutura ligação destas posições com a situação, não pode
ontológica da alienação multiplica espontaneamente todavia fixar nada além do campo da possibilidade. Este
aqueles meios através dos quais têm lugar o movimento e campo de manobra é por princípio extremamente rico
a mediação; e a partir do momento em que eles estão em dimensões. Já revelamos que o ser-em-si do gênero
relativamente certos, mas concretamente muito humano relaciona-se objetivamente a ambos os pólos do
independentes um do outro, a heterogeneidade recíproca ser social, seja a uma determinada estrutura da sociedade
que disso deriva provoca um aumento das desigualdades no seu todo, seja .simultaneamente ao conteúdo, ao tipo,
no desenvolvimento. Está claro que também neste caso etc. da superação possível para os homens singulares da
não se pode falar de tendências teleológicas evolutivas. A sua particularidade; e isto, por sua vez, pode, e na
desigualdade de fato nasce precisamente das séries realidade deve ser também ele multiforme quanto à
causais, quando estas têm uma direção tendencial direção, o nível, etc.
determinada, que se afirma espontaneamente em Apesar disso, este campo de possibilidade,
circunstâncias mais ou menos heterogêneas. A alienação embora tão amplo que, aliás, de imediato aparece
deve, sim, deixar-se fluir no desenvolvimento social infinito, na realidade não é privado de limites. Já o fato
global, todas as séries por ela postas em movimento, mas de que o homem, como vimos muitas vezes, é um ser
fica porém sempre ligada ao ato singular de porque as que responde, resulta que existem limites precisos,
produz, enquanto retroage infalivelmente sobre o autor embora neste caso esses limites apareçam mais dilatáveis,
da posição, tornando-se fator decisivo de mais elásticos que no restante da vida social. Mesmo que
desenvolvimento na sua individualidade em cada direção: no momento nos limitemos somente à transformação do
no horizonte, na poliedricidade, na profundidade, na homem particular em generidade e autêntica
qualidade, etc. Dado este ineliminável momento da sua individualidade, é claro que os obstáculos são criados
posição, na alienação, a desigualdade do pela vida social e as perspectivas por ela delineadas -
desenvolvimento acaba por manifestar-se com força eventualmente de forma negativa - para esta superação
qualitativamente maior em relação aos outros processos que já produz um concreto campo de possibilidades.
sociais. Ainda nas visões utópicas, nas práticas absolutamente
Ora, embora lembrando todos os argumentos irrealizáveis, a realização da possibilidade da alienação
que se colocam contra uma localização das alienações, realmente adequada ao homem na sua concretude não é
não tanto com relação à sociedade, quanto nas fases do certamente tão múltipla e ilimitada, como se pensada
seu desenvolvimento, não podemos, todavia, deixar de abstratamente. As forças que estabelecem esses limites
arriscar alguma observação sobre o modo pelo qual elas são, de um lado, as "perguntas" postas pelo mesmo
operam fora do processo reprodutivo material da desenvolvimento objetivo do qual as alienações
sociedade. Somente deste modo, o momento agora apresentam-se como respostas; por outro lado, e em
posto em relevo da retroação sobre a individualidade do correlação com este, o fato de que objetivação e
autor da posição ilumina-se e assume o seu lugar na alienação, em última análise, desenvolvem-se
dinâmica evolutiva do processo social. Na próxima seção conjuntamente. E este último fato, apesar da elasticidade
deste capítulo sobre a ideologia, discutiremos por dos seus efeitos, introduz neste campo de forças uma
extenso esse problema, embora até agora nós tenhamos tendência que resulta que o concretamente possível atue
muitas vezes acenado suas bases. E trata-se disso: o como princípio de seleção espontânea. No plano
desenvolvimento social produz necessariamente o em-si psicológico, e mais ainda no lógico, existem naturalmente
do gênero humano como forma real do ser social; ao outras inumeráveis possibilidades, mas para que uma
invés, o seu ser-para-si somente pode ser produzido por alienação possa de qualquer maneira operar como tal,
um processo objetivo como possibilidade, e isto, em deve se mover entre os limites agora ditos, pois de outra
todas as fases nas quais o em-si cada vez obtido torna-se forma resulta patológica, isto é, irrelevante do ponto de
(ou não se torna) um relativo para-si, como no período vista social.
da grande virada que objetivamente pode conduzir ao Levando-se em conta, nesse caso, a alienação do
reino da liberdade. Naquela seção, nos ocuparemos a sujeito humano nesta singularidade para a sociedade,
fundo das visões de Marx a propósito disto. Agora elaborada na sociedade, operante sobre a sociedade,
podemos e devemos limitar-nos a observar que este aparece-nos com clareza a sua grande importância para o
caráter da possibilidade, para Marx, implica em estar fora desenvolvimento do gênero humano, pois consideramos
da esfera na qual tem lugar a reprodução material do que o homem só pode ser socialmente ativo como
gênero humano. Esta última, enquanto "reino da indivíduo mediante as suas alienações, nas quais, no seu
necessidade", formará sempre a base do que e do como edifício e conteúdo internos, enquanto formas
destas possibilidades, pois se fosse separada destas, expressivas da sua pessoa, manifesta-se o seu verdadeiro
restariam forçosamente pensamentos e sentimentos modo de relacionar-se com a sociedade na qual vive. É
sobre o plano prático-social impotentes, ineficazes por um problema decisivo para a relação do homem com a
princípio. Este vínculo absoluto e insuprimível tem sociedade; e nesse caso, para aquele do singular com a
unicamente um caráter negativo: fica excluída a real generidade, que as atividades objetivantes de sua praxes
eficácia social das posições (alienações) que visam econômica e extra-econômica promovem, freiam, ou até
exclusiva e subjetivamente o ser-para-si, nesta impedem completamente o seu fazer-se individualidade.
possibilidade ligada à época. A determinação positiva, a No capítulo seguinte, nos ocuparemos a fundo dessa
31
questão: o problema do estranhamento, hoje largamente achava no centro da conduta do homem, mas tornou-
discutido, torna-se compreensível somente partindo se possível somente depois destas objetivações. Os
daqui. Agora devemos antecipadamente limitar-nos a pensamentos, os sentimentos, etc. que permanecem
lembrar o que já acenamos em termos extremamente subjetivos, que não são objetivados como nos
gerais, que a alienação, vale dizer, é então a forma geral organismos naturais que funcionam como uma
inevitável de cada atividade humana, e por isso consciência -, podem ter simplesmente uma continuidade
obrigatoriamente na sua base está sempre o mínimo de em-si. Somente com a alienação objetivam-se todas as
sociabilidade da pessoa que põe; e, todavia esta expressões vitais para o homem que as experimenta,
generidade seja não apenas um dos momentos dinâmicos assim como para o seu próximo. Somente através dessa
do homem que se faz homem, mas precisamente aquilo objetivação, as duas coisas adquirem uma continuidade,
em cujo meio se decide esse processo evolutivo. Todas humano-social, tanto pelo homem que as cumpre, como
as condições objetivas do "reino da liberdade", desde o para aqueles com os quais, ele entra em contato; e é
início da verdadeira história da humanidade, podem estar somente nesta continuidade que surge a personalidade
também presentes, mas permanecem meras do homem como substância portadora de tais atos, ainda
possibilidades, se os homens são, ainda incapazes de que seja para si mesmo do que para os outros. As
expressar nas suas alienações uma generidade autêntica, complexidades que se têm neste campo não podem ser
positiva, cheia de conteúdo, e não simplesmente uma descritas aqui detalhadamente; pertencem à Ética. Em
generidade-formal-particular. Desse modo, tal termos absolutamente gerais, temos de um lado, cada
desenvolvimento verifica-se nos homens singulares, mas homem singular considerando determinadas posições
o marxismo vulgar habitualmente não o considera, como reveladoras do próprio caráter e outras como
cobrindo-o de um silêncio depreciador. Marx e Engels, reações causais a circunstâncias externas, como algo não
porém, pensavam isso de outra forma. Diz Engels, desejado, ao qual foi constrangido, etc.; por outro lado,
falando da práxis social em geral: "Mas visto que as vontades as pessoas que lidam com ele selecionam de maneira
singulares cada uma das quais quer o que a fazem querer a sua análoga suas manifestações. Que ambas as seleções
constituição fisica e as circunstâncias externas, que em última tenham bases ambíguas, que cada homem possa
instância são as circunstâncias econômicas (mesmo as pessoais, ou encontrar-se em situações nas quais age de modo
gerais e sociais) - não alcançam o que querem, mas fundem-se completamente diverso daquele que supunha serem até
numa média geral, em uma resultante comum; logo, não se pode então suas idéias sobre si mesmo, que estas surpresas
concluir que elas devam ser igualadas a zero".32 Isso vale ainda sejam ainda mais freqüentes quando se trata dos outros,
mais, no caso que estamos discutindo, onde se coloca o tudo isso revela somente que a consciência dos homens,
desenvolvimento interior dos homens em direção à do próprio interior ou do exterior, permanece por força
generidade autêntica, em direção do seu ativo expressar- das circunstâncias muito mais incerta que os
se em sons. conhecimentos por eles adquiridos a respeito do material
Tentaremos agora caracterizar precisamente com o qual lidam no processo do trabalho.
aquele médium social, através do qual as mediações e as Esta incerteza de julgamento pode ser
avaliações singulares tornam-se algo socialmente compreendida de maneira adequada somente no plano
operante. Este médium, a vida cotidiana dos homens, ontológico. A continuidade da vida que se fundamenta
precisamente no seu concreto ser-mesmo-assim, é na biologia e na fisico-psicologia apóia-se numa
determinado em grande medida diretamente dos atos de continuidade natural, em-si, e portanto, na medida em
alienação dos homens que tomam parte nisso. No que resulte ontologicamente isolada, só é possível
momento de fato que estes atos objetivam a interioridade entendê-la como outro fenômeno natural
dos homens, mesmo quando esta objetivação seja (comportamento dos animais). Na vida cotidiana que
somente lingüística, tem-se tanto para quem se aliena, nasce sobre a base dos atos de alienação, ao invés, existe
quanto para o ambiente em que se dá a alienação, um uma continuidade de outro tipo, cujos atos fundantes
quadro mais ou menos claramente definido da sua têm caráter teleológico (objetivante-alienado); desta
essência pessoal que, embora movendo-se em perenes maneira, a substância que se conserva na continuidade
contradições internas, produz todavia uma certa do processo social da vida tem uma estrutura de valor.
continuidade de acordo com ele mesmo e com seu Enquanto atribuímos substância a uma pessoa - com
ambiente. Naturalmente o processo biológico da razão neste nível de generalidade, mas com fortes
reprodução do organismo cria uma continuidade possibilidades de errar nos casos singulares concretos -,
processual. Porém, é somente por meio do trâmite da podemos, quando se trata de outra pessoa, duvidar ou
objetivação que a alienação mostra em cada homem a mesmo negar a substancialidade da sua essência. Estes
tendência a coagular o em-si em um para-si, numa julgamentos - embora freqüentemente errados nos casos
continuidade controlável, criticável, relativamente concretos - são ontologicamente fundados, enquanto a
regulável, etc. da auto-realização e também do substância humana autêntica, a substância de um caráter
autoconhecimento. Este último, já na antiga Grécia, se humano, não é um dado da natureza, mas o produto do
homem mesmo, o resultado global dinâmico dos seus
atos de alienação. Embora todas as circunstâncias nas
32 K. Marx-F. Engels, Ausgewühlte Briefe, cit., p.375 (lettera de Engels a quais o homem age, às quais ele responde, não sejam
J.Bloch del 21 de settembre 1890, trad.it.in K. Marx- F. Engels, Opere
scelte, cit., pp.1243-1244).
produzidas por ele, mas pela sociedade, embora as
32
características psíquicas e físicas do homem sejam dadas exclui a outra. Porque, por um lado, no trabalho a
e não, ao invés, feitas por ele, todavia o jogo global de alienação pode também relacionar-se ao caráter global do
todos esses fatores surge para ele somente como homem, por exemplo, a tenacidade em tarefas dificeis, a
perguntas às quais ele mesmo - com decisões diligência, a coragem na caça a animais perigosos, etc.; e
alternativas, isto é, aprovando ou negando ou adaptando- por outro lado, existem só na vida cotidiana dos homens,
se, etc. - deve dar resposta. Então, a continuidade fora do trabalho mesmo, inúmeros casos nos quais a
formada pelos seus atos de alienação é, neste sentido, o alienação produz somente uma correção, digamos,
produto da sua própria atividade, das suas decisões; o técnica dos modos específicos de comportamento.
importante é que cada uma dessas decisões, uma vez Também neste caso, o limite não é individualizável de
tomada, seja traduzida na prática, tornando-se para o maneira metafisicamente precisa, embora sem dúvida o
homem que a executa um fato de sua vida tão imutável, limite exista, se olharmos a tendência de fundo dos
quanto cada outro fato de seu itinerário que é, ao invés, diversos setores da vida, onde nos atos teleológicos dos
determinado pelo exterior. Nos sucessivos atos de homens, ora é a objetivação, ora é a alienação o
alienação ele, sabendo ou não, liga-se a isto, apesar de momento tendencialmente predominante na maioria das
que novamente com decisões alternativas, isto é, ou decisões. O limite preciso, a causa principal da insolúvel
avaliando como algo que deve ter continuidade, ou pelo ligação entre esses atos, mesmo a causa da sua diferença,
contrário, procurando afastar-se, para cancelá-lo da nunca poderá existir.
continuidade da sua vida (entre estes dois pólos, As múltiplas confusões que se tem na
obviamente existem na prática inúmeros graus interpretação desse complexo problemático derivam do
intermediários). A tese geral do marxismo segundo a qual fato de que o intelecto, mesmo ao nível científico,
os homens, embora em circunstâncias não escolhidas por freqüentemente - aliás este último mais resolutamente
eles, fazem por si a própria história, vale então não que nunca -, procura chegar no fundamento da
apenas para a humanidade no seu conjunto e para os separabilidade conceitual, à separação ontológica daquilo
complexos sociais que a formam, mas também para a que é inseparável. Isso acontece nos níveis mais
vida de cada indivíduo. elementares, onde as relações verdadeiras são mais
Com isso estamos de novo no secular problema visíveis que nos setores mais desenvolvidos, mais
filosófico da liberdade. Embora neste ponto ainda não complexos, que se originam da divisão do trabalho e da
seja possível aprofundar tal problema, podemos de diferenciação social. Se no trabalho, o momento da
qualquer forma ressaltar que se pode impostá-lo em alienação é freqüentemente ignorado, com maior razão o
termos racionais somente olhando a sua gênese é aquele da objetivação nas formas de vida que não
ontológica. Vimos que os atos objetivadores do trabalho contém diretamente este intercâmbio orgânico com a
pressupõem cada vez decisões alternativas, assim como natureza: é assim falsificada a constituição desses atos
sua função ontológica. O olhar, embora rápido e que, de modo, abstrato, são vistos erroneamente como
genérico que temos dado ao modo de apresentar-se do estando por si só. Quanto mais elevado é o nível da
complexo da alienação no interior destes atos, mostra divisão social do trabalho, tanto mais evidente são as
não somente a necessidade das decisões alternativas, mas deformações que nascem quando um desses
também a sua nova função, determinante para que a indissociáveis componentes é visto como autônomo.
sociedade se torne sempre mais social: seu relacionar-se Bastará citar o dilema entre ética da intenção e ética da
através do homem que põe, do sujeito da decisão conseqüência, freqüentemente posto no centro dos
alternativa na objetivação. A este propósito podemos discursos ético-políticos na época contemporânea, por
estabelecer, neste estágio da análise, antes de tudo, que exemplo, por Max Weber. Para quem seguiu a análise
estes atos em geral ultrapassam o próprio conteúdo por nós conduzida até agora, está claro que aqui se trata
prático imediato. De fato, também nos atos do trabalho somente de uma contraposição mecânico-metafísica
em sentido estrito, aparentemente visando somente a entre alienação e objetivação em determinados atos
objetivação, aparece sempre, como é inevitável, a éticos que são vistos como reciprocamente excludentes,
alienação: controlando o próprio trabalho o trabalhador mas que, até naqueles casos extremos, nos quais o
julga também o próprio comportamento, a habilidade primeiro momento parece não existir, se tem
dos seus movimentos, etc. E avaliando, examinando, precisamente uma simples aparência. Precisamente Kant,
controlando, etc. estes últimos, ele cumpre um representante fanático da relevância exclusiva da
continuamente atos de alienação, aparentemente diversos intenção, logo que se põe a falar de fenômenos éticos,
das objetivações, mas na realidade intimamente ligados a em alguma medida concretos, é obrigado a reintroduzir
elas. A novidade do complexo problemático agora por pela porta dos fundos, na dialética ética, as
nós enunciado consiste somente no fato de que os atos conseqüências. Já Hegel, com seu espontâneo sentido da
de alienação relacionam-se ao comportamento do realidade, embora não enxergando com clareza o
homem na sua totalidade, definitivamente no seu caráter, problema na sua peculiaridade ontológica, revelou com
plasmado no seu caráter, enquanto que no trabalho ênfase a fragilidade de tal contraposição.33 Uma
mesmo o correspondente relacionar-se atrás do sujeito - contraposição que, porém, reaparece continuamente nos
na maioria dos casos - comporta somente a correção dos mais diversos discursos éticos e que é um forte obstáculo
comportamentos singulares. Com um olhar mais
aproximado, porém, percebemos que uma coisa não 33 G. F. W. Hegel, Rechtsphilosophie, parágrafo único 118 (trad. it. cit.).
33
para se entender a ética como parte orgânica do escala social quando - direta ou indiretamente, por
desenvolvimento da humanidade em direção a um necessidade econômica imediata ou como tentativa de
gênero existente-para-si, chega assim a uma visão social dar resposta política a uma fase econômica da transição
da individualidade e ao mesmo tempo, a uma visão por vários motivos não compreendidos - são chamados a
humana da sociabilidade. O sublinhar ontológico da atuar no desenvolvimento econômico. O ressurgimento
ligação entre objetivação e alienação não exclui da escravidão na idade moderna na "acumulação
naturalmente a existência entre elas de conflitos originária" é exemplo do primeiro caso, assim como o
concretos. Aliás, esses conflitos, como veremos no período hitleriano o é do segundo. Reconhecer que se
próximo capítulo e como se tornará visível na fundação trata de fenômenos sociais que pertencem ao
da Ética, podem mesmo crescer até o ponto de constituir desenvolvimento da humanidade, não quer dizer
o caráter típico de determinados períodos. Eles derivam, naturalmente que sejam menos criticáveis no plano
porém, sua profundidade e aspereza, precisamente da sócio-econômico. De fato, esses complexos
unidade ontológica de objetivação e alienação enquanto fenomênicos, que necessariamente estão na gênese do
momentos de um mesmo processo, num mesmo gênero humano em-si, ao mesmo tempo constituem
indivíduo. É precisamente freqüente no desenvolvimento obstáculos que devem ser superados no
social que sejam próprias as contradições entre motivos desenvolvimento do ser-para-si. Somente uma visão
estritamente unidos, que desencadeiam conflitos ontológica correta das verdadeiras conexões objetivas
profundos e plenos de conseqüências. revela qual é o campo real de manobra para a superação
A socialização da sociedade, o recuo da barreira social desses complexos fenomênicos: se a crueldade
natural, cumprem-se do ponto de vista material imediato, tivesse que ser atribuída à nossa origem do reino animal,
através do jogo social dos atos de objetivação. Quanto precisaríamos aceitá-la como um dado biológico, do
mais numerosos resultam os objetos e as relações que, de mesmo modo que aceitamos a necessidade do
objetos transformaram-se em objetivações e inseridas em nascimento e da morte no organismo. Enquanto é, ao
sistemas de objetivações, tanto mais o homem acha-se contrário, conseqüência de posições teleológicas, ela
longe do estado de natureza, tanto mais o seu ser é social pertence à longa série daqueles fenômenos do
e tendencialmente humano. Se a este ponto vamos desenvolvimento da humanidade, que o ser põe
ponderar a tendencialidade, não fazemos isso como socialmente - mas somente sobre a forma de
concessão àqueles pontos de vista - por nós possibilidade – as vias e os métodos para serem
considerados errados - para os quais as desigualdades de superados.
desenvolvimento e os regressos demasiadamente Para as finalidades a que nos propomos agora,
freqüentes em direção a situações que justamente são este caso vale somente como exemplo. O motivo
ditas inumanas, seriam movimentos que, embora determinante, a ligação e a contraditoriedade simultâneas
temporariamente, fazem retroceder o progresso na entre generidade em-si e generidade para-si só poderá ser
direção do nascimento do gênero humano. O fato é que exposto adequadamente na Ética. Mesmo que no
este desenvolvimento é objetivamente necessário, próximo capítulo toquemos em alguns aspectos deste
inelutável, apenas porque diz respeito ao em-si da complexo de problemas, isso não significa que ele possa
sociedade e nela do ser-homem. A linguagem cotidiana ser discutido a fundo no quadro de uma ontologia do ser
(e as concepções cotidianas do mundo que a movem) social. O que nos interessa agora é a função da
para indicar esses fenômenos usa, aparentemente com objetivação e sobretudo da alienação no complexo
legitimidade, expressões como "bestial", "inumano" etc. quadro ontológico do ser social. Por isso, devemos agora
Mas quando olhamos estes fenômenos com clareza em examiná-las como componentes de uma esfera
termos ontológicos, temos de reparar que se tratam infelizmente pouco considerada pelos marxistas: a vida
simplesmente de expressões metafóricas. Tomemos, por cotidiana do homem. Quando, como é
exemplo, a crueldade: esta é humano-social, não bestial. metodologicamente perceptível, o estudo das relações
Os animais não conhecem a crueldade. Quando o tigre, econômicas e também histórico-gerais limita-se a
por exemplo, rasga e destroça um antílope, faz isso com conexões mais gerais, mais típicas do desenvolvimento
a mesma necessidade genérico-biológica com a qual o objetivo e das reações das massas frente a estas, em
antílope, mesmo "pacificamente", "inocentemente", muitos casos - apesar das iluminantes e exauridas
pasta e então tritura plantas vivas. A crueldade e cada indicações de princípio de Marx mesmo - tem-se a
gênero de inumanidade, que estão presentes de modo aparência de uma ligação por demais retilínea e simples
socialmente objetivo ou mesmo como sentimentos entre as duas esferas; tanto o marxismo vulgar, como a
subjetivos, nascem exclusivamente da execução de atos crítica burguesa ao marxismo tiraram proveito desse
teleológicos, de alternativas condicionadas da sociedade, comportamento, cada um a seu modo. Temos várias
isto é, de objetivações e alienações do homem que age na vezes sublinhado que estes dois fatores no ser, na vida de
sociedade (o fato de que os homens julgam em si cada homem singular, acham-se num interligamento
mesmos e nos outros, como oriundos da natureza, concreto, rico de interações e de contradições. Na seção
alguns modos da objetivação e da alienação, seguinte deste capítulo, na qual trataremos do problema
particularmente persistentes, não muda as coisas quanto da ideologia, tentaremos analisar os caracteres
à situação ontológica). Estes atos, porém, somente específicos, determinados pelos eventos, econômico-
adquirem dimensões massivas e tornam-se operantes em sociais-históricos, que se realizam no ser. Ainda neste
34
ponto, num nível abaixo da possibilidade de dar um consumo "descem", isto é, sobre o modo pelo qual
tratamento concreto, mas precisamente por isso, operam do "alto" para "baixo"). Absolutamente
podemos iluminar um pouco mais claramente esta faixa inexplorado, pelo contrário, ficou o movimento oposto,
mais ampla, mais determinante, matriz-fundante, porque o aristocratismo doutoral das pessoas cultas as
precisamente a esfera da vida cotidiana dos homens, predispõem a considerar irrelevantes esses efeitos, e a
naturalmente não na sua totalidade extensiva e intensiva, considerar que tudo o que é pensado, sentido, vivido,
mas somente com referência às questões de mediação etc. em "baixo" pode ser somente um produto de
que aqui especificamente nos interessam. impulsos provenientes do "alto". Aqui não temos a
Já acenamos para o fato de que a posição possibilidade de nos aprofundarmos, por exemplo, no
teleológica retroage nas pessoas que as cumprem. Aqui, caso das artes, onde os impulsos que originalmente eram
porém, não podemos ficar no homem singular, necessidades cotidianas, muitas vezes tiveram uma
artificialmente isolado. Do ponto de vista ontológico, de função decisiva, embora apresentando-se como
fato, ele enquanto tal, enquanto "homem" da psicologia, problemas expressos de maneira primitiva, somente em
é em última análise, o produto de uma abstração. No termos de vida, como elementos e tendências primitivas;
plano ontológico concreto ao invés, o homem trabalha todavia, gostaria de lembrar em tempo que, na Estética,34
em algum lugar e seus atos laborativos pressupõem um indiquei como estas tomadas de posições prático-
coletivo e desembocam na vida desse coletivo; enquanto cotidianas na direção de questões cada vez mais atuais,
membro de uma família vive e opera nesta comunidade, decorrem continuamente de "cima" para "baixo" e de
prescindindo-se se é o educador ou o educado, etc., etc. "baixo" para "cima" e, consequentemente por isso, não
À vida real dos homens não se desenvolve somente, somente necessidades pouco expressas podem ter um
quase sempre com mediações mais ou menos amplas, na efeito promotor sobre a maior parte das objetivações da
sociedade como um todo; a sua vida imediata tem como vida social; e que podem ser muito mais relevantes do
terreno um grupo de pequenas comunidades do gênero que se julga normalmente; mas, além disso, porque a vida
acenado. Da mesma forma, certamente seríamos cotidiana média é permeada por determinadas
unilaterais e deformaríamos os fatos essenciais, se objetivações - cheias de valor ou desvalor, progressistas
isolássemos este tipo de ligação entre os homens e a vida ou reacionárias, etc. - muito mais intensamente do que se
do todo, como às vezes acontece nas pesquisas possa supor pelo conhecimento direto das "fontes". Para
sociológicas específicas. Nos estágios mais primitivos da quem possa surpreender-se com o fato de que tais
civilização, isto aconteceu naturalmente; aliás, comunicações tenham lugar também em sociedades
freqüentemente este é o estado normal de grande parte pouco desenvolvidas, a resposta é extremamente simples:
da sociedade: por exemplo, existem inúmeros vilarejos e o pensador, o político, o artista, etc., ainda que o mais
até pequenas cidades que chegaram a conhecer com significativo, vivem pessoalmente uma vida cotidiana
atraso, ou nunca conheceram os grandes eventos do seu cujos problemas, através dos fatos de cada dia, ou seja,
tempo. A socialização da sociedade não consiste, em da cozinha, do quarto das crianças, do mercado, etc.,
última instância, no fato de que a sociedade inteira venha recaem continuamente sobre si, atraem sua atenção e
permeada por um processo de ininterruptas correntes de provocam em si decisões também de natureza espiritual.
opiniões, de chegada e de partida, etc. A vida cotidiana Marx põe em relevo este aspecto lembrando
dos homens tem uma extrema importância na como, em geral, reprovam-se os economistas por não
reprodução da totalidade, mesmo porque, de um lado, verem a unidade dos momentos singulares; a propósito,
existem contínuas correntes que chegam até as periferias, afirma: "Como se esta dissociação fosse passada não da realidade
as quais os envolvem nas tentativas de resolver os aos livros, mas vice-versa, dos livros à realidade". 35 Subvalorizar-
grandes problemas da sociedade, nela suscitando reações se-ia o significado desta observação, se a
a essas tentativas; por. outro lado, estas reações não compreendêssemos como simples crítica às idéias erradas
somente refluem até o centro, até a sociedade inteira, em economia, no âmbito da ciência econômica. Nós
mas ao mesmo tempo tornam operantes, por esta via, pensamos que Marx, falando da realidade em
"em direção ao alto", aqueles problemas particulares que contraposição aos livros, referia-se aos pontos de vista
ocupam as comunidades locais menores, exigindo uma geralmente difundidos na vida cotidiana, suscitados pelo
tomada de posição nos seus confrontos. Temos evitado modo imediato, massivo, cotidiano de apresentar-se a
o mais possível usar o termo que hoje se tornou quase economia do capitalismo, e que depois, inadvertidamente
um fetiche, a "informação". A informação torna-se, de não avaliados, passam para os "livros". É este um
fato, um fator social apenas quando suscita uma tomada fenômeno muito freqüente em todas as ciências, mas é
de posição. Os fatos dos quais se é simplesmente comum relevá-los apenas em períodos históricos
informado, têm esse significado no máximo em sentido longínquos, com um ar de superioridade. Por exemplo,
potencial, como motores de eventuais tomadas de quando os gregos falavam de leis diferentes para a
posições sucessivas. realidade terrestre (sublunar) e para o mundo estrelar
Esta corrente recíproca de tomadas de posições (supralunar), assumiam como base as experiências mais
nos parece o complexo problemático mais importante da
vida cotidiana. Em torno à incidência do centro sobre as
periferias, tem-se aqui e acolá algumas pesquisas (existem 34 G. Lukács, Ästhetik I, Die Eigenart des Ästhetische, cit., pp.45, 78, ecc.
(trad.it.cit., I, pp. 14-15, 46-47, ecc.).
muitas pesquisas sobre o modo pelo qual alguns bens de 35 K. Marx, Grundrisse, cit., p.11 (trad.it.cit., I, p.13).
35
difundidas, que permeavam inteiramente a vida falamos, a sua natureza de objetivações acompanha-se
cotidiana, de um mundo aqui em baixo caótico, sempre de generalizações. E que, sejam estas sínteses que
infinitamente multiforme, submerso pelas promovam a práxis, também isto se compreende por si.
acidentalidades; e de um mundo lá em cima organizado Todavia, significaria não reconhecer o caráter
segundo uma legalidade simples, clara, ordenada. Este fundamental dessa maneira de pôr, ver nestas funções
preconceito derivado do imediatismo da vida cotidiana algo que tenha valor somente neste campo particular. Ao
era tão arraigado que, podemos dizer, funcionava como contrário, faz parte do caráter de todas essas posições,
um a-priori para todas as idéias concernentes a esses desde a linguagem, que elas operem neste sentido em
argumentos, tanto que também os intelectuais, nas suas todo lugar. Consequentemente, as objetivações e as
pesquisas cientificas, partiam desse dualismo, alienações que a elas são ligadas provocam na vida
considerando-o como um fato basilar da realidade (e não cotidiana um efeito análogo àquele que há no
como uma idéia derivada das experiências ligadas ao seu intercâmbio com a natureza, isto é, generalizam,
tempo). Assim mesmo acontece com a questão do sistematizam o ambiente que de fato resulta relevante
movimento, onde até Aristóteles não conseguiu ir além para o homem, e que por ele é vivido como tal, num
da concepção de um motor imóvel; ele lutou com este "mundo" cujas imagens ideal e sentimental adquirem na
problema, elaborou uma hipótese depois da outra, e cada consciência dos homens o caráter de uma "concepção de
uma em si contribuiu, mas nunca chegando a pôr em mundo" (colocamos entre aspas os dois termos para
dúvida a posição de fundo. Como é óbvio, estas duas ressaltar como o primeiro constituía objetivamente
idéias dependiam, em última análise, do grau de apenas uma parte mais ou menos casual dentro da
desenvolvimento das forças produtivas daquele período. autêntica totalidade do gênero humano, enquanto o
Estas determinavam um tipo a elas adequado de segundo, pelo mesmo motivo e além disso pelo
intercâmbio orgânico com a natureza, cujas experiências imediatismo da vida cotidiana, possui somente em
depois permeavam a vida cotidiana e seu mundo de germe, apenas tendencialmente, as peculiaridades de uma
idéias; como conseqüência, aquela estrutura determinada, concepção de mundo). Apesar disso, é natural que a
imediata do mundo significava para o homem a verdade imagem possua em geral um acentuado caráter cósmico,
ao seu redor. Somente uma transformação profunda do embora, obviamente conforme as épocas, as estruturas
intercâmbio orgânico com a natureza abriria o caminho de classes, etc., os "mundos" possam e devam ter
para a crítica às relações dessas visões solidamente extensões muito diferentes e as "concepções de mundo",
arraigadas durante a vida. Estas, em geral, fixam-se na capacidades muito diferentes de aproximação à realidade
consciência cotidiana dos homens (em larga medida objetiva. O "mundo" da vida cotidiana distingue-se
também na ciência) por um tempo muito longo. Pense-se daquele do trabalho antes de tudo porque nele, o aspecto
o quanto a ciência natural do Renascimento teve de lutar da alienação das posições tem um peso muito maior, no
contra as orientações aristotélicas, com que dificuldade sentido tanto extensivo, quanto intensivo. A
elas desapareceram da consciência dos homens; ainda no personalidade do homem explicita-se objetivamente
século XVIII, em vários ambientes, tinha-se a idéia de antes de tudo na práxis do trabalho, mas a essência da
que as leis que regulam o universo astronômico eram as vida humana é tal, que as tendências ao ser-para-si, o
de que deus tivesse dado corda ao "relógio-cosmo" e auto-conhecimento, via de regra exprimem-se aberta e
assim o tivesse posto em movimento, segundo leis diretamente na esfera da cotidianeidade, no âmbito da
rigorosas. atividade do homem como um todo. A isso acrescenta-se
Desenvolvimentos de tal natureza não são como que a crítica por parte dos fatos objetivos nas relações
geralmente se pensa tarefa propriamente das ciências. das posições dos homens é muito fraca, mais incerta na
Obviamente o intercâmbio orgânico entre a natureza e vida cotidiana que no trabalho; e é um fato que reforça
os conhecimentos mais relevantes que disso derivam essas tendências e introduz uma problematicidade maior
acerca dos nexos naturais obstaculiza a matéria para as nos seus efeitos. Isto liga-se à diversidade, já por nós
reviravoltas radicais neste campo, sendo motivos da conhecida desde há muito tempo, entre as posições do
conservação ou da mudança de tais opiniões. intercâmbio orgânico com a natureza e aquelas que
Consideramos, porém, que esta relação de causa e efeito visam obter mudanças na conduta dos outros homens.
não seja assim unívoca como aparece à primeira vista. Este menor controle por obra da "resistência da matéria"
Naturalmente os resultados aí obtidos operam resulta que opiniões erradas, preconceitos, falsas
forçosamente na "concepção do mundo" da vida interpretações da realidade, etc. na vida cotidiana possam
cotidiana, mas quando elas funcionam como permanecer mais que no trabalho. Nenhum instrumento,
pressupostos conceituais das objetivações do por exemplo, resistiria ao tratamento ao qual em muitas
intercâmbio orgânico com a natureza, "mundo" e famílias são submetidas mulheres e crianças, que, embora
"concepção de mundo" da vida cotidiana apresentam-se recebendo disso danos interiores, permanecem, todavia
profundamente. É verdade que no trabalho, e tanto mais de pé. É ontologicamente diverso que o objeto da
nas ciências que se desenvolvem a partir dele, as posição funcione somente como objeto ou mesmo que
objetivações singulares saem muito cedo do seu as objetivações reajam por sua vez como objetivações
isolamento de posições singulares e combinam-se em (alienações).
nexos organizados, em sistemas. Isso é possível e Esta diversidade não deve, contudo ser
necessário somente porque, como freqüentemente unilateralmente exagerada. Antes de tudo, como já
36
acenamos muitas vezes, não se deve esquecer de que a de agora em diante conhecido. Justamente diz Goethe:
reação precisa dos objetos a um tratamento certo ou “O homem deve crer com firmeza que o incompreensível seja
errado apresenta-se sempre limitada às finalidades compreensível; de outro modo não indagaria”. 36 Que o
objetivas e imediatas do trabalho. O que, além da práxis analogizar ingênuo das origens tenha elevado em geral a
do trabalho, o pensamento do trabalhador não tem um melhor conhecimento de conexões causais, que
nenhuma influência sobre ela. Por isso, as idéias mágicas, tenha provocado o enorme progresso do conhecimento
etc. que no início acompanhavam os processos humano, não elimina de qualquer forma este fato
laborativos podem conservar-se como hábito, de várias ontológico fundamental.
maneiras, por séculos. Não apenas abandona-se a esfera O instrumento intelectual decisivo desse
do trabalho em sentido material estrito, mas encontra-se processo é a desantropomorfização, ou melhor, a
uma situação que é muito parecida com a cotidianeidade tendência desantropomorfizadora do pensamento
fora do trabalho. De fato, quando os objetos de tais humano, a qual nasce do caráter objetivante do trabalho
posições não fundadas sobre a realidade são objetos (e da linguagem), do devenir-homem-do-homem através
naturais e não pessoas, como na maioria das vezes da separação do vínculo e da situação própria das reações
acontece na vida cotidiana, a "resistência" é ainda mais animais ao ambiente. Como sempre em complexos
frágil. No caso das pessoas, normalmente com a problemáticos desse tipo, costuma-se perceber e
mudança das circunstâncias têm-se reações de oposição reconhecer esta tendência somente nos estágios mais
em relação às posições tradicionais agora infundadas, desenvolvidos (matemática). Mas se nos aproximamos
enquanto que no outro caso os objetos ficam também desta questão em termos ontológico-genéticos,
obviamente neutros. Perceber estes traços comuns é temos que reconhecer que a tendência à
importante num duplo perfil. Em primeiro lugar porque, desantropomorfização já aparece no momento em que o
como já vimos várias vezes, cada práxis humana homem, nos objetos da sua práxis (das suas
desenvolve-se, sendo que o sujeito que põe é obrigado a objetivações), descobre uma independência de
tomar decisões alternativas, embora inicialmente ele não constituição, de propriedade, nexos, relações, etc. O fato
possa dominar com o olhar todo o campo das suas de que no trabalho primitivo isso aconteça sem um auto-
premissas, conseqüências, etc. E do momento em que a reconhecimento do seu fazer, não muda as coisas em si,
causa do caráter objetivação-alienação das proposições mas corrobora, ao invés, a opinião de Marx, por nós
teleológicas dos homens, as decisões concretas, não estão muitas vezes citada, segundo a qual os homens podem
ligadas à situação no sentido como acontece com as cumprir praticamente também os atos conscientizáveis
atividades dos organismos animais que funcionam como sem saber o que fazem.
uma consciência, mas ao invés, possuem intrinsecamente A desantropomorfização, como vimos,
desde o início a tendência à generalização, que de modo pressupõe a objetivação. Vale dizer que os atos
espontâneo e necessário levam a entender as ações desantropomorfizantes assumem sempre uma forma
singulares como momentos de um "mundo", a objetiva, a qual apenas torna possível sua ulterior
consciência do homem atuante, principalmente nos casos aplicação, seu ulterior desenvolvimento no pensamento.
que normalmente se repetem, não pode parar Surgem assim com a matemática, geometria, técnica
simplesmente diante da ignorância, mas tem que racional, lógica, etc. aparatos conceituais internos, por
procurar inserir a todo custo no plano ideal esta ação no cujo meio podem vir sujeitos ao conhecimento
seu "mundo"; e, como desde o início e depois por longo desantropomorfizante, campos sempre mais vastos. Seria
tempo isto se faz prioritariamente em termos "mágico- ridículo duvidar de que sob este perfil tenham sido
místicos", deste fato foram dadas interpretações obtidos enormes progressos. Mas é necessário
ontológicas de várias espécies. Não podemos parar aqui aperfeiçoar a crítica ontológica também para este estado
para analisar criticamente essas considerações, seja no de coisas. E, precisamente, é necessário criticar a ilusão
fato de que elas instituem uma contraposição mecânica de que inventar e usar de maneira tecnicamente correta
entre períodos mágicos e períodos científicos, como no os aparatos conceituais agora citados, já constitua uma
que, ao invés, idealizam e veneram aquelas tentativas garantia de que todas as posições ulteriores sejam
primordiais de dominar a realidade com a magia. Em cumpridas como desantropomorfizantes. Que estes
termos ontológicos gerais, pode-se dizer que a causa da aparatos em-si e para-si operem uma
extensiva e intensiva infinidade do mundo dos objetos, desantropomorfização dos objetos por eles espelhados,
este horizonte desconhecido que circunda cada práxis não podemos negar. Mas é preciso acrescentar que isso
também em estágios mais evoluídos, é que isto se trata refere-se somente ao lado técnico do ato, o ato enquanto
de um fenômeno universal. Por outro lado, depende tal, ao invés - apesar dessa execução técnica poder
também de cada problema com o qual a humanidade permanecer ainda antropomorfizante, ou pelo menos
venha a confrontar-se, inclusive os que no curso do poder conservar como suas componentes essenciais de
tempo recebem uma resposta aproximadamente relevo, caracteres antropomorfizantes. A história do
completa, e na origem apresentam-se sempre como pensamento humano apresenta contínuos exemplos do
desconhecidos; a primeira aproximação com eles modo pelo qual elementos desantropomorfizantes
acontece sempre como uma tentativa através de podem nascer de um complexo conceitual
analogias, tiradas do “mundo” já dominado no
pensamento e de tentativas de enquadrá-los como algo 36 J. W. Goethe, Werke, Cotta Jubiläumssausgabe, XXXIX, p.70.
37
antropomorfizante. Pense-se a prova ontológica da mesmo, e por isso o sujeito, neste processo, pode
existência de deus. Do ponto de vista da sua lógica chegar a realizarse como verdadeiro sujeito e
imanente, ela é construída corretamente. E esta correção desenvolver-se como o fator decisivo para o nascimento
não é atacada - embora disso resulte destruída a do gênero existente-para-si, não mais mudo. Do ponto
construção complexiva - pelo fato de que ao ser é de vista da questão que nos ocupa neste momento,
atribuído, de maneira ontologicamente errada porém, surge então uma complicação ulterior. De fato,
(antropomorfizando) um caráter de valor e entre a desantropomorfização do pensamento e do
correspondentemente, uma escala de valores de desenvolver-se do sujeito até uma personalidade, parece
perfeição. Ainda mais claro é o exemplo metodológico, existir - pelo menos de imediato - uma contradição. Já
já por nós citado, da astrologia. Aqui, a "técnica" inteira é Goethe nos advertiu de que nunca sabemos até que
desantropomorfizante, mesmo as observações ponto somos antropomorfizadores. É verdade que logo
astronômicas que resultam da expressão matemática que nos aproximamos um pouco mais da essência da
dessas relações. Antropomorfizante é "somente" o questão, também achamos tendências em contrário. A
argumento de fundo segundo o qual existiria uma ligação mais importante destas tendências torna-se visível,
entre o destino dos homens singulares e o respectivo quando se reflete que o par oposicional
estado do mundo estrelar. Esta "minúcia", porém é desantropomorfizante-antropomorfizante não é
suficiente para a totalidade do aparato matemático da sinônimo de objetividade-subjetividade. A
astrologia a serviço espiritual de um antropomorfismo desantropomorfização não afasta os princípios que
extremo. A simples elaboração de formas de pensamento guiam o desenvolvimento do homem que se faz homem,
desantropomorfizantes não basta, porém para nem representa um conceito oposicional em relação à
encaminhar o pensamento humano numa estrada humanidade, como freqüentemente afirmam os
realmente desantropomorfizante. Somente quando a irracionalistas; ela é, ao contrário, uma das condições e
impostação principal da sondagem a respeito de algo até um dos veículos para o humanizar-se do homem. Há
aquele momento desconhecido visa a constituição do pouco tinhamos visto como conceitos e categorias
real, do ser, do objeto, no ato global, pode realmente vir desantropomorfizantes podem ser colocados a serviço de
superada a procura antropomorfizante de analogias. Mas, uma tendência exclusivamente fundada sobre o
por isso, é inevitável uma avaliação ontológica da subjetivismo. Mas, vice-versa, também é possível que
impostação conceitual. com categorias desantropomorfizantes obtenha-se a
Trata-se, porém de um processo muito objetividade na reprodução e elaboração ideal da
complicado, do desenvolvimento desigual. Também aqui realidade. Se não fosse assim, realmente seria impossível
aparece evidente que, pela sua desigualdade, o orientar-se no ser social. De fato, centralmente existe
desenvolvimento - apesar de conter as suas nele, antes de tudo na economia, nexos cuja expressão
desigualdades, possua pelo menos como tendência uma mais adequada é a matemática; mas por um lado, ela é
determinada direção - não tenha, porém, nenhum caráter aplicável segundo o objeto entre limites mais restritos
teleológico. Isto, no que concerne à questão que agora que, por exemplo, na física; por outro lado, aqui o
teremos que discutir, tem como conseqüência, de um imperativo de uma permanente referência à qualidade, à
lado, que alguns momentos que desenvolvem uma parte particularidade histórico-social é ainda mais rigoroso do
importante no movimento que avança para frente, que nos fenômenos meramente naturais. A objetividade
podem em determinadas condições, tornar-se fatores de é mesmo uma tendência do pensamento ao em-si dos
freio; por outro lado, o desenvolvimento mesmo pode objetos e das suas conexões não falsificadas com
deixar o caminho livre para forças que complicam o acréscimos, projeções, etc. subjetivas, e aqui a qualidade
desenvolvimento retilíneo da linha de tendência, que o tem o seu lugar no mesmo momento da quantidade. A
atrapalhem ou freiem, mas que na totalidade do seu ser maneira pela qual elas se realizam depende por isso da
constituem de qualquer forma, fatores importantíssimos aptidão dos objetos dos quais é preciso colher o ser-em-
deste desenvolvimento. E com isso chegamos ao si e da adequação do tipo de posição em relação a esta
segundo ponto do nosso discurso. Até agora aptidão.
examinamos os atos de objetivação dos homens somente É evidente que os atos objetivantes resultam
nos seus efeitos objetivos; mas eles são também, como diferentes quando são dirigidos a simples objetos e não a
sabemos indissociavelmente atos de alienação, que neste objetivações. Esta diferença aumenta posteriormente na
processo de objetivação agem sobre o sujeito que põe. A vida cotidiana, onde em cada ato de objetivação o caráter
espécie humana é feita precisamente de homens de alienação adquire maior importância ontológica. De
singulares. Sua reprodução então não pode ser fato, aqui não aparece apenas o modo pelo qual ele age
simplesmente social-geral, uma reprodução das unidades sobre o mundo exterior composto por homens e
sociais por eles construídas, mas é justamente e antes de objetos, mas também se e o quanto ele reforça ou
tudo aquelas dos homens singulares. A reprodução enfraquece, promove ou freia a existência pessoal
humana do singular diferencia-se da reprodução interior e exterior daquele que põe. Temos então uma
biológica dos simples organismos, não somente porque diferença relevante, que porém não deve ser
se cumpre na base de posições teleológicas, mas também exageradamente considerada, nem uma vez, com
porque, conseqüentemente, estas posições têm uma deformações unilaterais. No momento, por um lado, o
força, que retroage sobre o desenvolvimento do sujeito que é necessário ter presente é que cada ato objetivante,
38
mesmo no trabalho, em última análise, vem posto em dogmático-acadêmico resultava cego. Lênin afirma,
movimento por necessidades, interesses, etc.; o que com razão, que o partidarismo assim expresso pode
aparece como elemento fundante do ser social, não é a alcançar um nível de objetividade mais alto que o mero
falta de um interesse, mas o fato de que este interesse - objetivismo.37
para ser satisfeito de maneira adequada - põe por outro Não é este o lugar para se discutir o lado
lado em movimento o ato laborativo, mas no curso da epistemológico desse complexo de problemas
preparação e execução deste último, deve ser suspenso. fortemente contraditório, das relações, processos, etc.
Naturalmente esta estrutura não deve se perder sociais; isso, porém, deve ficar claro para nós, pelo
completamente nos atos da.vida cotidiana, mesmo menos nos seus contornos mais gerais, se quisermos em
quando neles exista uma preponderância da alienação. certa medida compreender a situação do homem na
Cada ato de alienação visa também realizar uma cotidianeidade, o seu "mundo" e a sua "concepção de
determinada finalidade, a qual nunca pode faltar mundo". Já sabemos que estas últimas coisas, numa vida
completamente, por princípio, nem a suspensão do ordenada de objetivações, existem necessariamente como
interesse quando se prepara e ou executa-se, posto que mundo material e espiritual, que de imediato circunda a
não temos nada a ver com ações puramente patológicas. práxis. A vida cotidiana tem como especificidade, que a
Hegel costumava dizer: não é preciso ser sapateiro para relação entre a teoria (enquanto preparação, dentro da
se saber onde é que dói um sapato; isto quer dizer que, consciência, da práxis) e a práxis tem um caráter
também neste caso, a suspensão das necessidades imediato; mas, em cada caso, cada outra esfera da vida
imediatas é o fato ontologicamente decisivo para supera tal imediatismo.38 Isto está conexo de maneira
podermos mais acertadamente satisfazer pela via indireta muito estrita - no momento mais como premissa e como
de uma justa avaliação dos objetos, mesmo sem conseqüência - com o fato de que a vida cotidiana é
preparação cientifica ou especializada. Obviamente as aquele setor em que cada homem desenvolve e afirma
diferenças são importantes: mas no trabalho, a suspensão diretamente o que as suas "formas de existência"
dos interesses tem levado às ciências exatas, ao invés, por pessoais lhe permitem, onde por aspectos importantes é
exemplo, no conhecimento dos homens da vida por ele decidido o sucesso ou a falência dessa conduta de
cotidiana, a ter na melhor das possibilidades, experiências vida. Disso deriva que, em todas as objetivações, a
acumuladas, controladas ao nível pessoal; enquanto no componente da alienação assume uma importância maior
trabalho, em detrimento do sucesso da totalidade das que em outro lugar. Muitas decisões são tomadas, não
posições, esta suspensão deve ser total, na vida cotidiana, exclusivamente, não porque o homem em questão
ela é continuamente contrastada pelos afetos, que podem considere concreta e absolutamente certa a objetivação
ter a intensidade da paixão. tratada, mas se e quanto ela .vai introduzir-se
Mas também este contraste, em si justificado, organicamente naquele sistema de alienações que ele,
simplifica o estado das coisas - se o generalizamos de edificou para si mesmo. Também neste caso é preciso
maneira mecânica -, ao ponto de facilmente chegarmos a fazer-se uma dupla ponderação: por um lado, os homens
desconhecer os momentos essenciais. Referimo-nos à - na média da cotidianeidade - raramente pressionam o
clara oposição instituída entre a consciência adequada do predomínio das alienações sobre as objetividades das
objeto intencionado e os interesses, os afetos, que objetivações, até o ponto de pôr em jogo sua existência;
costumam transformar essa orientação de tal maneira, por outro lado, na maior parte dos casos em que existem
que uma coisa exclui a outra. Sob esse perfil, não se conflitos, tem-se dentro da consciência um deslize, pelo
podem considerar idênticas a atitude em relação aos qual o homem, via de regra, considera objetivamente
objetos e aquela em relação às objetivações. A suspensão existente tudo o que concorda com sua conduta de vida,
absoluta dos afetos pode ter lugar somente nos casos, em e objetivamente não-existente o que a contradiz. Não
que, para o trabalho (e para a ciência que dele se podemos nos deter agora sobre o infinito número de
desenvolve), considera-se exclusivamente o mero ser-em- variações, passagens, etc. que se verificam neste
si do objeto. Já na economia, onde vários objetos, por contexto. É preciso apenas lembrar o fato de que estas
exemplo, como possível matéria-prima de uma futura passagens cumpridas mediante atos de alienação não se
objetivação, são sujeitos a um projeto de posições, os limitam às decisões singulares, imediatamente pessoais,
interesses e também os afetos não são mais elimináveis. mas na maioria dos casos revelam uma tendência
E quanto mais sociais tornam-se estes atos, tanto menos generalizante, que pressiona a transformação também do
a suspensão da necessidade conserva o seu caráter que é meramente pessoal numa realização, pessoalmente
absoluto. Necessidades, interesses e até paixões podem cumprida, de leis, normas, tradições, etc. gerais. Nas
desenvolver um grande papel, muitas vezes até positivo. sociedades primitivas, as visões generalizantes dominam
O completo "desinteresse" do cientista, expresso assim imediatamente a conduta de todos os seus membros;
em geral, é um verdadeiro dogma das convenções somente quando o desenvolvimento crescente da divisão
catedráticas. A paixão que quer desmascarar - ou ao social do trabalho torna mais multiformes e intrincadas
invés, atuar como fator de progresso, etc. - uma
formação econômica, um sistema jurídico, uma forma 37 V. I. Lênin, Ausgewühlte Werke, XI, Moskau, 1938, p.351 (trad.it. do
estatal, e a conexa avaliação positiva ou negativa do A. Carpitella, Il contenuto economico del populismo, in V. I. Lênin, Opere
passado histórico, etc. pode também trazer à luz complete, I, Roma, Editori Riuniti, p.412).
38 G. Lukács, Ästhetik, I, Die Eigenart des Ästhetischen, cit., I, pp.44 sgg.
verdades científicas, nas relações às quais o objetivismo (trad.it.cit., I, pp.13 sgg.).
39
as relações entre os homens e destes com os processos como numa ótica científica, vem definido o puro
sociais, somente quando, conseqüentemente, o momento preconceito, as idéias falsas, etc., temos que lembrar a
individual torna-se nos homens sempre mais observação de Marx: os preconceitos tampouco
desenvolvido e, sempre mais determinante por sua passaram dos livros à realidade, mas da realidade aos
práxis, é que aparecem no ser e, de maneira cada vez livros.
mais relevante, as tomadas de decisões das quais Esta passagem é provocada por dois fatores
acabamos de falar. Nas suas contradições exprime-se o independentes entre si, mas em contínua interação na
caráter social deste desenvolvimento em direção à práxis social. O primeiro é, obviamente, o progresso das
individualidade: a individualidade pode encontrar, nas ciências, requerido pelas relações econômicas para achar
suas alienações, por si mesma e com maior razão pelo as respostas satisfatórias às suas necessidades. Todavia,
próprio ambiente, a auto-confirmação, somente quando não se deve esquecer de que este processo nunca
eleva a auto-aprovação nelas contida à representação de acontece num espaço social vazio, isto é, existem
um estrato social, de uma corrente social por ela contínuas hipóteses, com a ajuda das quais as questões
aprovada. Obviamente, não se deve tratar exigidas podem ser resolvidas praticamente, mas
obrigatoriamente de um consenso nos confrontos do acontece com freqüência que - mesmo em muitas
respectivo status quo da sociedade: os excêntricos dos questões decisivas ontologicamente concernentes ao
séculos XVIII e XIX, os individualistas existencialistas e conhecimento do mundo através de um determinado
mesmo os beatniks do século XX sempre negam o complexo fenomênico, obtém-se mais explicações
próprio presente percebam eles isso ou não -, do ponto possíveis que do mesmo modo permitem (ou quase) a
de vista social generalizante. O "mundo" e precisamente sua previsão; logo, o seu domínio prático, do ponto de
a "concepção de mundo" dos indivíduos que se alienam vista prático formal, pode ser considerado de igual valor.
desta maneira são amplamente determinados pelo Porém, diferencia-se por um duplo aspecto: de um lado,
conteúdo, pela direção destas alienações. Repetimos: não pela sua capacidade de tornar-se dominável para fins
porque eles estejam a ponto de criar um "mundo" a práticos durante um maior ou menor conjunto de
partir de si mesmos, mas porque os homens, enquanto fenômenos; de outro lado, pelo seu grau de concordância
seres que respondem, nas suas alienações tomam com aquelas idéias a respeito do ser que, por motivos
posições acerca de problemas, condicionados pela época, freqüentemente diversos do ponto de vista sócio-
pela existência na respectiva sociedade, isto é, em nome humano, sustentam ou então minam o "mundo" da vida
das necessidades da sua personalidade, decidem positiva cotidiana dos homens naquele estágio histórico. Pense-se
ou negativamente as suas alternativas. no exemplo em que a astronomia heliocêntrica aparece
No âmbito dessa interação entre homem e como teoria científica já na Antigüidade tardia. Todavia,
ambiente, verifica-se uma mescla peculiar de ser e valor. ela permanece inoperante em relação à geocêntrica, em
O caráter específico do ser do valor é uma das últimas função dessa contradição com o "mundo" da
categorias do ser social compreendida adequadamente. A cotidianeidade. Tal resistência - fundada no desejo
ciência tornada autônoma quer, sob vários aspectos, (imaginário do ponto de vista ontológico, mas
subjetivar a avaliação, tendendo a ver nesta apenas o ato extremamente importante na prática da vida cotidiana)
de por e não o objeto socialmente existente que põe em de maior segurança dos homens num cosmo cujo centro
movimento a posição. Conseqüentemente - e na filosofia fosse a nossa Terra - demonstrou-se de maneira tenaz
isso se dá com freqüência - acontece que o caráter do ser que, no momento em que as necessidades reais da práxis
do valor é assumido como algo transcendente. Ao social puseram como resolução na ordem do dia o
contrário, no imediatismo da vida cotidiana, há a sistema heliocêntrico, houve defensores perspicazes do
tendência de fundir completamente, no plano estado de coisas existente, como o cardeal Bellarmino,
ontológico, o ser (tanto na objetividade como na que sustentou a linha de uma dupla verdade: na práxis
subjetividade) e o valor; e esta intencionalidade econômica e científica se aceitaria o heliocentrismo como
espontânea geralmente encontra uma sustentação instrumento útil, mas, ao mesmo tempo, no plano
intelectual na concepção transcendente do valor levada ontológico, para o "mundo" da cotidianeidade (ao qual
adiante pelas religiões e pelas filosofias idealistas. No em substância existe também a religião) continuar-se-ia a
predomínio do imediatismo da vida cotidiana forma-se, considerar a Terra como centro do cosmo. A força desta
com esta mescla entre ser e valor, uma base de vida resistência fica bem visível se, por exemplo, pensarmos
aparentemente indestrutível, na qual os seus em Pascal, que aguçadamente iluminou as conseqüências
componentes reforçados reciprocamente são também ontológicas desta reviravolta para a cotidianeidade
sustentados pelos sentimentos, etc.. Quando a história humana; e se também considerarmos por volta do início
das ciências é considerada simplesmente através de do nosso século, como Duhem e Poincaré assumiram, o
preconceitos, superados pelo progresso da consciência, primeiro de modo claro e o segundo, de fato, a posição
as concepções do ser, como aquelas do mundo sublunar do cardeal Bellarmino.
e supralunar, têm certa justificação do ponto de vista de Isto naturalmente nada muda quanto aos
uma história científica estritamente delimitada ao seu resultados de cada ciência. Ao contrário, reflete muito
campo específico. Quando, porém, examinamos o sobre a maneira pela qual eles, com a merecida
mesmo desenvolvimento no quadro da totalidade da vida autoridade que possuem em termos meramente
dos homens que vivem em sociedade, mesmo ante ao científicos, atuam no pensamento da cotidianeidade,
40
mesmo porque obscurecem necessidades que se A união pessoal do estudioso renomado com
desenvolveram no território da vida cotidiana; porém, o banal, modernístico-neopositivístico, negador do ser-
isto é assim mesmo, devido a razões histórico-sociais. em-si, dá a estas declarações um significado social geral.
Por outro lado, estas necessidades, por sua vez, Nota-se que tanto Heisenberg não é o único estudioso
retroagem sobre a maneira pela qual os cientistas mundialmente famoso que sustenta tais visões
interpretam ontologicamente o próprio método e os ontológicas, quanto Boltzmann ou Planck, por exemplo,
resultados que disso derivam. Que se possam verificar nos ásperos contrastes com a sensatez crítica da geração
grandes diferenças e talvez fortes contraposições entre o anterior (pensemos os numerosos pronunciamentos de
trabalho científico enquanto tal e esta sua auto- Einstein). Este significado nasce do fato de que nestas
interpretação com referência ao ser, já o revelou Lênin, tomadas de posições vem à luz, sob um dúplice perfil, o
ao observar que esta discrepância existe continuamente entrelaçamento do "mundo" e da "concepção do
entre os estudiosos mais significativos das ciências mundo" da cotidianeidade com a ampliação da ciência no
naturais que, de um lado, encontram-se em relação direta plano da concepção de mundo. Por um lado, aqui os
com os objetos reais do seu estudo e, por outro lado, resultados do desenvolvimento científico não se
procuram dar uma expressão teórica geral, apresentam na sua imanente cientificidade, mas por um
definitivamente ontológica ao método e aos resultados trâmite de interpretações que no seu conteúdo -
das suas interpretações.39 As enunciações desse último generalizado em termos ontológicos - relacionam-se a
tipo poderiam ser, tranqüilamente ignoradas quando se determinadas ideologias dominantes, atribuindo a elas a
fala dos problemas singulares, já qua parecem não aparência (e a autoridade) de uma fundação científica
incomodar o curso das pesquisas científicas em si.40 Para exata. Por outro lado, estas manifestações de
nós interessa somente o lado desse complexo significativos intelectuais não devem ser entendidas
problemático, no qual vem à luz o nexo ontológico entre como meros discursos subjetivos e, menos ainda, como
o "mundo" e "concepção de mundo" da cotidianeidade simples adequações a modismos. Na realidade, também
de um lado, e a imagem do mundo expressa pelas estas concessões pessoais do mundo brotam do mesmo
ciências modernas, do outro. Ora, independentemente terreno que produz a "concepção de mundo" da
do, que estas suas enunciações tenham influído na sua cotidianeidade e que é, ao mesmo tempo, a base social da
concreta atividade prático-científica, a seguinte filosofia da moda e com ampla difusão. Também seria
declaração de Heisenberg parece-nos significativa à luz um absurdo apenas relacionar o físico Einstein com um
do nosso problema: "Quando partindo do estado de coisas que filósofo da moda do tipo Spengler, mas o que teve
se tem na ciência moderna, procura-se tatear os fundamentos hoje ressonância como "concepção de mundo" da teoria da
tornados causas, tem-se a impressão de que talvez não seja relatividade é um sintoma espiritual daquela etapa do
simplificar demais, a grosso modo, a situação que, pela primeira desenvolvimento social, tanto quanto o Declínio do
vez no curso da história, o homem encontra-se sobre a terra somente Ocidente mesmo. Referimo-nos a uma necessidade social
frente a si mesmo, ele não encontra mais outros partners ou comum, a uma espécie de mandato social, mas não
adversários... Também na ciência o objeto da pesquisa não é mais a devemos fixar este fato em uma fórmula simplista. Esta
natureza em si, mas a natureza oferecida à demanda do homem, necessidade é fortemente facetada e complexa, mesmo se
assim que o homem aqui encontre de novo consigo mesmo. 41 É sua tendência de fundo - em última análise, mas somente
evidente que estas frases nada têm a ver com a em última análise pressiona numa direção determinada.
metodologia prática dos problemas atinentes à física Esta depende da colocação do indivíduo no capitalismo
propriamente dita; seu conteúdo é uma generalização atual: a manipulação generalizada torna-o um plasmador
filosófica, cuja base real, na melhor das hipóteses, pode soberano de todas as coisas; ante a tal vontade
ser constituída por experiências interiores, subjetivas, que plasmatória não existe qualquer modo do ser que resulte
acompanham a práxis de um estudioso. De fato, a independente, mas, ao mesmo tempo cada homem
situação em que o mundo natural pesquisado tem caráter torna-se um nada impotente da manipulação. Não é este
macroscópico não incide minimamente sobre a questão o lugar para descrever as multíplices visões, em que se
do ser-em-si. Apesar de muitas novidades concretas exprime este contraditório sentimento do mundo. Para o
trazidas à ciência pela física atômica, isto em nada mudou nosso problema, o aspecto relevante é o coexistir de uma
a relação ontológica entre o sujeito humano e o ser onipotência abstrata com uma concreta impotência. E
natural objetivo. isso leva, por um lado, às várias tentativas filosóficas de
anular idealmente o ser do ser e, por outro lado, o
contato que deriva disso advém de tal "filosofia da
39 V. I. Lênin, Sümtliche Werke, XII, Wien, Berlin 1927, p.250 (trad.it. natureza" e de importantes tendências da teologia
di F. Platone, Materialismo ed empiriocritismo, in V.I. Lênin, Opere complete, moderna. O fato é que quase ninguém mais acredita na
XIV, Roma, Editori Riuniti, 1963, p.256). ontologia tradicional das religiões; e este aniquilamento
40 Somente especialistas que tenham um claro sentido do ser
teórico do ser possibilitou a formulação da necessidade
poderiam estabelecer definitivamente entre quais limites isso
acontece. É interessante, de qualquer forma, que Lênin já tenha religiosa atual em termos tais que produziram um acordo
revelado a relação na física entre a extremização do método com a ciência mais moderna acerca do não-ser do ser
matemático puro e o desaparecimento (ou pelo menos o atenuar-se) (pense-se em Teilhard de Chardin e Pascual Jordan). Esta
do ser físico. Ivi, p.311 (ivi, p.292). ligação é tão forte que mesmo o ateísmo, que hoje passa
41 W. Heisenberg, Das Naturbild der heuting Physik, Hamburg, 1955,

p.17-18.
por moderno, sente-se substantivamente chamado a
41
satisfazer uma necessidade religiosa e não a combater a importância não somente as legalidades fundamentais,
religião, como acontecia nos últimos séculos. mas também a relação instituída entre essência e
Para a pesquisa que estamos conduzindo não são fenômeno. A práxis imediata reage ao mundo
de interesse substancial os detalhes e as nuances desse fenomênico não sem razão, já que precisamente é ele que
complexo de fenômenos mas, ao invés, o fluxo que corre representa a realidade imediata. Já examinamos tais
da vida cotidiana manipulada às interpretações das divergências no interior da economia; agora nos
ciências exatas e daqui de volta à vida cotidiana, o deteremos naquelas entre economia e superestrutura. As
irresistível espelhar-se destas visões entre a elite falsas ontologias que tão freqüentemente encontramos
intelectual e a falta de uma atitude crítica nos confrontos têm aqui, por assim dizer, a sua "base de ser".
destas tendências. A coisa que mais me impressionou - e Falta à nossa época uma verdadeira crítica
vale a pena parar um momento para observá-la - é que a ontológica. Como já mostramos, Nicolai Hartmann é o
teoria do conhecimento não subleva objeções; aliás, no único que se aventurou nesta temática com competência
complexo estas tendências são muito mais apoiadas por e acuidade e, pelo menos na ontologia do ser natural,
ela quando a sua crítica não lhes obstaculiza. Isto parece também com sucesso. Todavia, em princípio, com
paradoxal somente a quem não tem examinado suas cautela e reserva de juízo, sobre as questões concretas e
funções no passado e, consequentemente, não viu que a especializadas, suas exposições mostram
gnosiologia em geral costuma canonizar acriticamente as conscientemente ou não - que a penetração da ontologia
formas metódicas: dominantes nas ciências do próprio cotidiana na ciência da natureza vai muito além do que
tempo e então imaginam-se - como fundamento da sua pensam os que julgam de todo irrelevante as
crítica do conhecimento - tipos de ser que possam dar interpretações filosóficas na questão em si, mesmo de
uma base ontológica ao modo cognitivo canonizado. quem opera nesse campo, inclusive os melhores. A partir
Basta pensar em Kant. A pergunta inicial "como são de Marx foi superado o dualismo entre filosofia e ciência,
possíveis" anuncia esta estrutura de método. Depois, se que ainda era predominante em Hegel e que não
vamos às questões essenciais, vemos que Kant, obstante algumas geniais observações críticas em torno
afrontando a "coisa em si", parte corretamente da de importantes problemas singulares, todavia conduzia
autonomia de cada conhecimento, para derivar disso, uma inaceitável arrogância da filosofia em relação à
porém a conclusão, logicamente possível mas ontológica ciência. A filosofia, porém "não deve renunciar a
e perfeitamente infundada, que ela por isto deva ser considerar criticamente os resultados da pesquisa
incognoscível. Já Hegel observou que o incognoscível científica". E o ser representa para ela o ponto de apoio
pode fundar-se somente na abstração vazia - que de Arquimedes. Não, se pode mais, então, como
prescinde de cada concretude ontológica, que se reporta freqüentemente em Hegel, por simplesmente em,
ao mero em geral -, mas logo que a coisa possua algum confronto alguma afirmação definitivamente ontológica
conteúdo do ser, por exemplo, das propriedades, esta da ciência, com as exigências conceituais da filosofia, mas
incognoscibilidade derivada da abstração acaba.42 E, por ao invés - suponhamos -, se nos movemos no campo da
outro lado; atribuir ao conhecimento do mundo física, sucede confrontar o ser físico com os enunciados
fenomênico o monopólio da produtividade da científicos da física. A filosofia pode e deve requerer
consciência, por sua vez, não significa outra coisa que apenas que cada ciência não entre em contraste com a
absolutizar abstratamente o fato de que a sua função em especificidade do ser cujas leis ela esforça-se para
relação ao ser é mais um espelho passivo ("fotográfico"); iluminar. Hartmann, como sabemos a este propósito
a delimitação ao mundo fenomênico é uma conseqüência revelou muito corretamente a importância da intentio recta,
lógica desta extremização abstrata da produtividade que da cotidianeidade através da ciência conduz à
criativa da consciência. Da combinação destas abstrações filosofia, em contraposição à intentio obliqua, da
nasce, novamente por via lógica (não ontológica), a gnosiologia e da lógica; no entanto, e já o havíamos
contraposição entre mundo existente e mundo aparente assinalado a tempo, também nesta questão ele não foi
que se excluem reciprocamente; e também aqui Hegel sempre suficientemente concreto e conseqüente como
viu a falsidade abstrativa. Então não é chegar a uma crítico. Mas, como já discutimos os princípios
sombria crítica ontológica que o domínio da gnosiologia ontológicos de Hartmann, podemos nos limitar, para
necessariamente esconde: a uma crítica ontológica de ilustrar a situação, a alguns casos particularmente
cada ciência, dos seus métodos e dos seus resultados, evidentes.
confrontando-os com o ser, ao invés de "deduzir" este Se relembrarmos o discurso de Heisenberg
último pela via abstrata das necessidades da ciência. Mas acima mencionado, podemos utilmente contrapor o
para esta finalidade devem existir na cotidianeidade sóbrio quadro ontológico que Hartmann nos oferece a
mesma tendências aptas a promoverem esta orientação. respeito da posição do pesquisador: "O investigador que
Seu nascimento e seu desenvolvimento são determinados pesquisa uma determinada lei, sabe, por antecipação, que esta, se
pela constituição econômico-social da respectiva subsiste em geral, subsiste independentemente da sua procura e do
sociedade. E por causa do entrelaçamento imediato entre seu resultado. Não lhe ocorre acreditar que o resultado surja apenas
teoria e práxis que se tem na vida cotidiana, aqui tem por este fato: ele sabe perfeitamente que existe sempre e que não
muda enquanto resultado. O investigador vê na lei um ente em
42G. F. W. Hegel, Wissenschaft der Logik, cit., IV, p.121 sgg. (trad.it., II,
pp.542 sgg.).
42
si".21 Hartmann refere-se, porém, somente aos cientistas penetrar até as suas legalidades específicas, enquanto
naturais de velho estilo, que distinguem rigorosamente o que, quando se parte do que na sua espécie já está
que era por eles pensado (seu aparato de idéias) do ser desenvolvido ou até concluído, facilmente acontece que
que aspiravam a conhecer. Assim Hartmann admite sem se pesquisem e se comparem não mais as espécies
reservas que Einstein, quando diz que a simultaneidade particulares do ser, mas ao invés, seus tipos conceituais
em determinados fenômenos físicos não é aceitável, generalizados. Desse modo, desaparecem também
baseia-se em fatos físicos reais e por nada cai vítima do aquelas motivações histórico-sociais que, num
subjetivismo. Completamente outra é a situação quando determinado período, são dominantes ou desagregam e
o problema é generalizado em termos ontológicos. A contradizem na vida espiritual um determinado modo de
simultaneidade é ontologicamente um fato insuprimível, ver, ontologicamente certo ou errado. O lado social geral
que "nada tem a ver com os limites da contabilidade”.22 A crítica deste problema será discutido a fundo na próxima seção
ontológica de Hartmann, então, não está dirigida contra do presente capítulo. Aqui interessam-nos somente as
as tentativas de medir a simultaneidade, contra os forças que determinam a "concepção de mundo" do
métodos especiais da física usados nestas mensurações, homem singular na sua vida cotidiana, onde nunca se
mas somente contra a sua generalização ontológica; e por deve esquecer de que cada corrente social é a síntese
isso o decurso objetivo e real do tempo tornar-se-ia mais (não porém a soma mecânica) de posições singulares de
rápido ou mais lento segundo as circunstâncias. Existem homens singulares. Que as forças aí operem, e como
filosofias contemporâneas que acreditam poder fazem isso, apesar de que os nexos sejam intrincados, é
apreender o curso da história com particular também um problema social geral, o qual, por motivos
"conformidade ao tempo", se estivéssemos embasados que já enumeramos adequadamente, não é
sobre tal ontologia. Assim por exemplo, Ernst Bloch, o absolutamente considerado por Hartmann. Por isso, seus
qual quer introduzir na história um tempo "riemanniano" próximos passos, por mais significativos que sejam em
(Riemann é para Einstein a grande autoridade da alguns aspectos, acabam por encalhar.
relativização ontológica do espaço), pelo qual, em Marx viu o problema com toda clareza. Escreve
explícita polêmica contra Hartmann, estabelece que, por numa ocasião a Engels acerca de Darwin: "Divirto-me com
exemplo, entre pré-história e história sucessiva, ou ainda Darwin, ao qual dei novamente uma olhada, quando diz que
mais, entre natureza e história há diferenças qualitativas aplica a 'teoria de Malthus' também às plantas e aos animais,
no decurso do tempo, que se desenvolvem com maior como se o suco do senhor Malthus não consistisse precisamente no
rapidez ou maior lentidão.23 Onde se pode constatar fato de que esta não venha aplicada às plantas e aos animais, mas
aquela ontologia da atual cotidianeidade que, usando ao invés - com geométrica progressão -, somente aos homens, em
teorias físicas, criou uma nova filosofia correspondente contraste com as plantas e os animais. E notável o fato de que, nos
às necessidades ontológicas dos intelectuais que vivem animais e nas plantas, Darwin reconhece sua sociedade inglesa, com
no capitalismo do século XX. sua divisão do trabalho, a concorrência, a abertura de novos
Apesar da importância desta questão, agora não mercados, as 'invenções' e a malthusiana „luta pela existência‟. É a
podemos entrar em maiores detalhes. Interessa-nos guerra de todos contra todos de Hobbes, e faz lembrar Hegel na
exclusivamente evidenciar as interações entre 'Fenomenologia', onde representa a sociedade burguesa como 'um
pensamento cotidiano e teorias científico-filosóficas de reino animal ideal', enquanto em Darwin, o reino animal é
uma época. A seu tempo, criticamos por extenso a configurado como a sociedade burguesa".24 Já Marx e Engels
incompletude e as contradições da doutrina estão porém muito longe de sub-avaliar; por esta relação,
hartmanniana, numa linha de princípio muito fecunda, da o significado científico, ou seja, ontológico, de Darwin.
intentio recta; nela reprovamos o não ter condicionado o Engels, de fato, depois de ter lido o livro deste, escreve a
problema – extremamente relevante precisamente do Marx: "Por um certo aspecto, a teleologia não tinha ainda sido
ponto de vista ontológico – da gênese. No contexto eliminada, e agora se tem feito isso". E, muito tempo depois,
atual, vê-se como são deletérias as conseqüências daquela Marx afirma: "Eis aqui o livro que, embora desenvolvido
atitude errada, já que somente a gênese pode iluminar as gnosiologicamente à moda inglesa, contém os fundamentos histórico-
formas, tendências do movimento, estruturas, etc. naturais do nosso modo de ver". 25 Do ponto de vista da
ontogicamente concretas de um determinado tipo de ser avaliação ontológica do nexo entre "concepção de
no seu concreto ser-próprio-assim, e, por este caminho, mundo" da cotidianeidade e teoria científica, não há
contradição entre estes dois discursos. Tanto mais que
Marx, na primeira carta, põe a questão da gênese
21 N. Hartmann, Zur Grundlegung der Ontologie, Mesenheim am Glam,
1948, p.163 (trad.it.di. F. Barone, La fondazione dell‟ontologia, Milano,
intelectual da imagem do mundo darwiniana sem uma
Fabbri, 1963, p.258) Aqui há concordância com a opinião de Lênin atitude avaliadora; simplesmente revela as. Sugestões,
por nós mencionada acima. Esta contradição, na realidade, já foi aliás, admitidas pelo próprio Darwin, provenientes de
revelada precedentemente outras vezes. E também sob a ótica da Malthus (e, sobretudo da realidade econômica do
gnosiologia: por exemplo, Rickert lamenta-se de que os cientistas
naturais não pensem “ciriticamente” (isto é, nos termos idealísticos da
gnosiologia), mas são, ao invés, “realistas ingênuos” sustentando que 24 MEGA, III, 3, pp.77-78 (lettera del 18 giugno 1862, trad.it. in K.
este comportamento, em contraste com aquele “crítico” Marx – F. Engels, Opere complete, XLI, cit. P.279).
(gnosiológico) do filósofo, é tirado da “vida”. H. Rickert, Der 25 MEGA, III, 2, p.447 (lettera dell’11 o 12 dicembre 1859, trad. It. In

Gegenstand der Erkenntnis, Tübigen, 1928, p.116. K. Marx – F. Engels, Opere complete, XL, cit., p.551) e p.533 (lettera
22 N. Hartmann, Philosophie der Natur, Berlin, 1950, pp.237-238. del 19 dicembre 1860, trad. It. In K. Marx – F. Engels, Opere complete,
23 E. Bloch, Differenzierungen im Begriff Fortschritt, Berlin, 1956, pp.32-33. XLI, cit. P.145).
43
capitalismo). Avaliação aqui não significa, naturalmente, homens pela divisão social do trabalho. Mas,
simples comparação de uma relação, como nas ciências analisando o trabalho, já vimos que não pode ser assim,
da natureza, mas sim que interações desse gênero entre ao passo que a sua crítica infalível exercida em direção às
cotidianeidade e ciência (também filosofia e arte), idéias do sujeito trabalhador possui esta infalibilidade
conforme as circunstâncias, o período, a personalidade, somente com referência à finalidade imediata do
etc. podem ter efeitos válidos e não-válidos. A sugestão trabalho. Quando há uma ampla generalização, mesmo o
por parte de Malthus tem certamente, para Darwin, no processo laborativo dá apenas respostas incertas. A
conjunto, conseqüências válidas, do momento em que a atividade conhecida, que - imposta pela dinâmica da
guerra de todos contra todos tornou mais aguda a sua visão divisão do trabalho - tornou-se autônoma, teve por sua
para determinados fenômenos naturais (não é este o vez que elaborar maneiras de operar e possibilitar o
lugar para se indagar se aqui também não há exageros, controle autônomo. Neste ponto, o problema da crítica
etc.). A propósito de um escrito de F. A. Lange, para ontológica voltou a ser central. A filosofia grega, com sua
cada caso Marx sublinhou o aspecto dessa ligação que espontaneidade veemente e fascinante, nada pode contra
não vem em proveito do caráter científico: do momento sua força; tampouco a doutrina platônica das idéias.
em que para Lange, "a história inteira pode ser resumida numa Quando lemos a crítica desta em Aristóteles já
grande lei da natureza", isto é, a lei da "luta pela existência", encontramos a pergunta inicial sobre a possibilidade de
esta última transforma-se numa frase vazia.26 Para o que a essência exista separada daquilo que é a essência e
marxismo então, é necessário entender estas inter- isso constitui a preparação ontológica da resposta: "Como
relações na sua concretude social e submetê-las à crítica as idéias poderiam ser separadas das coisas, precisamente quando
ontológica. Somente através da análise concreta da elas são a sua substâncìa?”.28 Esta não é mais uma discussão
situação concreta, como costumava falar Lênin, pode vir entre fìlosofias com argumentos tirados dos seus
à luz a verdadeira concretude e se demonstrar válido ou específicos aparatos conceituais; é, ao invés, a intentio recta
não-válido o verdadeiro conteúdo, que de imediato é na obra, a qual, partindo da vida cotidiana, pressiona em
certamente individual, já que exprime a relação de uma direção ao próprio complemento conceitual, controlado
pessoa com um complexo de problemas objetivos, pelo ser.
embora - e ao mesmo tempo - ele avance na pretensão Naturalmente aqui não é possível seguir nos
de objetividade (não fosse outra, a causa do seu caráter pormenores a história dessa maneira de comportar-se.
de alienação). Também por isto, nos clássicos do Mas, sem dúvida, é evidente que o domínio do
marxismo, contrariamente aos seus epígonos, estas cristianismo, o qual quer regular dogmaticamente a vida
conexões apareceram muito complicadas e fortemente cotidiana dos homens por meio de uma ontologia
desiguais. É característico, por exemplo, que Lênin, em transcendental que promete garantir a salvação de suas
pleno debate a respeito do empiriocriticismo, durante o almas, não criou um território favorável a uma crítica
qual ele combate com paixão o idealismo na ontológica da intentio recta da cotidianeidade. Somente
interpretação da natureza, escreva uma carta a Gorki na com o Renascimento tem-se na vida e no pensamento
qual admite que um artista possa receber impulsos um movimento libertário unilateral; e neste processo de
positivos também da filosofia idealista.27 Na relação entre emancipação rico em lutas, podemos ver que de
teoria e arte, essa desigualdade manifesta-se naturalmente Maquiavel a Hobbes existem nessa direção movimentos
nos termos mais evidentes, mas está presente em todos os mais diversos. Mas o impulso mais apaixonado e mais
os campos do pensamento e da experiência humana. penetrante - na medida em que isso era possível nas
É preciso, então, clareza crítica nas análises da condições histórico-sociais de então – nós o
intentio recta entre vida cotidiana e formas superiores de encontramos na doutrina baconiana das idola. Na história
objetivação da consciência social dos homens. A forma da filosofia Bacon aparece, sobretudo como sustentador
originária da intentia recta aparece no trabalho. No dos métodos indutivos. Na doutrina das idola, trata-se,
intercâmbio orgânico com a natureza, não apenas torna- porém, de outra coisa, de algo a mais, do oposto. Bacon
se um ente social mediante objetivações e alienações, afirma que a realidade é mais complicada, mais
como também cria um meio comum para se entender multiforme que os dados imediatos por nós obtidos, seja
com os outros, para acumular e comunicar experiência, com a nossa sensibilidade, seja com o nosso aparato de
cumprindo todas essas coisas na relação prática, coisas pensamento. Aqui ele quer referir-se àquilo que
essas nas quais o objeto da práxis exercita sucessivamente a dialética tem designado como a
ininterruptamente uma crítica prático-ontológica em infinitude extensiva e intensiva do mundo dos objetos e
direção às representações e aos conceitos que ao que ela tem reagido, afirmando o caráter por princípio
precedentemente os homens deliberaram. Ora, não nos aproximativo de cada conhecimento. É verdade que
encontraríamos diante de nenhum problema, se esta Bacon está somente nos primórdios desse processo; mas
forma da práxis não constituísse o modelo geral da sua ele já vê com grande clareza o primitivismo das
realização, mas fosse, ao invés, um modelo concreto para aproximações baseadas na sensibilidade, e ainda mais
todos os objetos cujo conhecimento é imposto aos claramente vê que os aparatos conceituais tradicionais
muito freqüentemente, mesmo porque perseguem idéias
racionais, acabam perdendo de vista este complicado ser-
26 K. Marx, Briefe na Kugelmann, Berlin, 1924, p.75 (trad. it. cit., p.146)
27 Lenin und Gorki (Documente), Berlin-Weimar, 1964, p.96 (trad.it. di
I. Ambrogio, in Gorki, Lenin, Editori Riuniti, 1975, p.87). 28 Aristoteles, Metaphysik, cit., A, 9, p.43 (trad.it.cit.,p.40).
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mesmo-assim da realidade. E, quando mais tarde, a humano".31 Também assim estão as coisas para o tema
função geral de fiscalizar criticamente o processo de que falamos, o qual, por si mesmo, não nos ofereceu
cognitivo e seus resultados vem confiada a uma uma resposta à pergunta do que seja a ideologia e como
gnosiologia baseada na análise dos métodos científicos funciona; todavia, criou-nos uma possível base social real
até aquele momento revelados eficazes (e isto, a partir de para poder fazê-lo, facilitando em muito a tarefa de
Berkeley, pode variadamente ser utilizado também para quem quiser levá-la à luz e compreendê-la no plano
defender idealmente os momentos da imagem do mundo ontológico.
religioso que eram ainda vivos e operantes), Bacon põe
em confronto a atividade científica do homem com o seu
viver e pensar na cotidianeidade. Descobre assim no
pensamento do homem cotidiano todo um sistema de
preconceitos, por ele chamados idola, que está em
condições de impedir, aliás, de anular completamente, no
processo cognitivo, a atitude do homem que se põe
frente à natureza sem obstáculos e produtivamente. A
crítica das idola serve então para eliminar estes freios
cognitivos no homem mesmo.29 Sobre tal base, Bacon
fornece uma tipologia dos idola, da sua origem e do seu
modo de operar. Agora não vale a pena analisar nos
pormenores estes momentos concretos do seu método.
Ele estava precisamente no começo deste novo
desenvolvimento e isto significa que, desde então,
mudaram radicalmente, qualitativamente, não somente
os métodos do conhecimento científico, mas, sobretudo
os caracteres essenciais da vida cotidiana. Marx indicou
com eficácia o lugar de precursor que cabe a Bacon na
sua esplêndida grandeza e no seu primitivismo: "Em
Bacon, enquanto o seu primeiro criador, o materialismo engloba em
si, de um modo ainda ingênuo, os germes de um desenvolvimento
unilateral, a matéria, no seu esplendor poeticamente sensível, sorri
ao homem inteiro”.30 Seqüencialmente alude-se às suas
contradições. Mas o esplendor da natureza em relação ao
homem todo mostra com evidência que aqui se está
falando da vida dos homens, da sua vida pessoal,
subjetiva, como se desenvolve nesse âmbito. Na
tipologia das idola vemos então que Bacon, já que
procura distinguir entre ídolas puramente pessoais,
induzidas por indagações cognitivas erradas, e ídolas
puramente sociais, ainda não está em condições de
entender o homem singular da cotidianeidade
diretamente como ente social (nem o será, séculos mais
tarde Nicolai Hartmann). Assim, a crítica ontológica da
vida cotidiana, do seu influxo sobre o conhecimento
científico e da influência que este exercita sobre ela seria
possível somente com o marxismo. E mesmo agora não
a temos; no entanto, está implicitamente contida no seu
método. Mas nos parece útil lembrar os precursores de
maior peso, se não por outra coisa, porque assim torna-
se visível que o significado do marxismo não deve ser
limitado à sua ruptura radical com determinadas
tendências metafísicas e idealísticas da filosofia burguesa,
como se proclama no pensamento de Stalin-Zdanov,
mas para usar uma expressão de Lênin, está no fato de
que ele tem "assimilado e reelaborado o que havia de mais válido
no desenvolvimento mais que bimilenar da cultura e do pensamento

29 F. Bacon, Neues Organon, Berlin, 1870, I, 38, sgg. (trad.it. di E. De


Mas, Nuovo orgono, in F. Bacone, Opere filosofiche, Bari, Laterza, 1965, I, 31V. I. Lênin, Sümtliche Werke, XXV, cit., p.510 (trad.it. di I.
pp. 264 sgg.). Ambrogio, Sulla cultura proletaria, in Lênin, Opere complete, XXXI,
30 MEGA, I, 3, p. 305 (trad.it., La sacra famiglia, cit., p.142). Roma, Editori Riuniti, 1967, p.301).

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