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A Escravidão

entre dois Liberalismos


Alfredo Bosi

"It was freedom to destroy freedom"


W.E.B. Du Bois

"Senhores, se isso fosse crime, seria um crime geral no Brasil; mas eu sustento que, quando
em uma nação todos os partidos políticos ocupam o poder, quando todos os seus homens
políticos têm sido chamados a exercê-lo, e todos eles são concordes em uma conduta, é
preciso que essa conduta seja apoiada em razões muito fones; impossível que ela seja um
crime, e haveria temeridade em chamá-la um erro!"
Eusébio de Queirós - Fala à Câmara em 1852.

Uma das conquistas teóricas do do movimento que a propaganda


marxismo foi ter descoberto que é nas abolicionista pretende imprimir à
práticas sociais e culturais, emancipação da escravatura no Brasil.
fundamente enraizadas no tempo e no Trata-se da conservação das forças
espaço, que se formam as ideologias e vivas que existem no país e
as expressões simbólicas em geral. constituem exclusivamente a sua
O núcleo temático de A Ideologia . riqueza. É questão de damno
Alemã, que Marx e Engels escreveram vitando"1.
em 1846, expõe a relação íntima que Para entender a articulação de
as representações de uma sociedade ideologia liberal com prática
mantêm com a sua realidade efetiva. escravista é preciso refletir sobre os
As práticas, tomando-se a palavra no modos de pensar dominantes da classe
seu sentido mais lato, são o fermento política brasileira que se impôs nos
das idéias na medida em que estas anos da Independência e trabalhou
visam a racionalizar aspirações pela consolidação do novo Império
difusas nos seus produtores e entre 1831 e 1860 aproximadamente.
veiculadores. A ideologia compõe
retoricamente (isto é, em registros de O que atuou eficazmente em todo esse
persuasão) certas motivações período de construção do Brasil como
particulares e as dá como Estado autônomo foi um ideário de
necessidades gerais. Nos seus fundo conservador; no caso, um
discursos, o interesse e a vontade complexo de normas jurídico-políticas
exprimem-se, ou traem-se, sob a capazes de garantir a propriedade
forma de algum princípio abstrato ou fundiária e escrava até o seu limite
alguma razão de força maior. possível.
A crítica histórica do século XX Não é finalidade destas linhas
herdou esse olhar de suspeita. retomar o quadro histórico do sistema
agroexportador que caracterizou a
Dizia Andrade Figueira, deputado sociedade brasileira do século XIX.
escravista, ao combater na Câmara a Obras notáveis já o fizeram com
proposta da Lei do Ventre Livre: riqueza de dados e abonações
"Serei hoje a voz dos interesses textuais. Supõe-se aqui a sua leitura,
gerais, agrícolas e comerciais, diante não importando, antes servindo de

l
FIGUEIRA, A. Anais do Parlamento. Rio, Tip. Villeneuve, 1871. Apêndice, p. 26.
estímulo, a diversidade das posições paradoxo verbal. O seu consórcio só
teóricas que as enformam. Casa se poria como contradição real se se
Grande & Senzala e Sobrados e atribuísse ao segundo termo,
Mucambos, de Gilberto Freyre; liberalismo, um conteúdo pleno e
Formação do Brasil Contemporâneo, concreto, equivalente à ideologia
de Caio Prado Jr.; História do Café burguesa do trabalho livre que se
no Brasil, de Affonso de Taunay; afirmou ao longo da revolução
Capitalismo e Escravidão, de Eric industrial européia.
Williams; Formação Econômica do
Brasil, de Celso Furtado; Grandeza e Ora, esse liberalismo ativo e
Decadência do Café no Vale do desenvolto simplesmente não existiu,
Paraíba, de Stanley Stein; enquanto ideologia dominante, no
Capitalismo e Escravidão no Brasil período que se segue à Independência
Meridional, de Fernando Henrique e vai até os anos centrais do Segundo
Cardoso; As Metamorfoses do Reinado.
Escravo, de Octavio Ianni; Da
Senzala à Colonia, de Emília Viotti A antinomia tantas vezes acusada, e o
da Costa; Homens Livres na Ordem travo de nonsense que dela poderia
Escravocrata, de Maria Sylvia nascer (mas como é possível um
Carvalho Franco; A Formação do liberalismo escravocrata?), merecem
Povo no Complexo Cafeeiro, de Paula um tratamento rigoroso que os
Beiguelman; Os Últimos Anos da desfaça.
Escravatura no Brasil, de Robert
Conrad; e O Escravismo Colonial, de Para entender o caráter próprio da
Jacob Gorender — nos dão a análise do ideologia vitoriosa nos centros de
processo pelo qual os senhores de decisão do Brasil pós-colonial,
engenho e os fazendeiros de café convém examinar a sua evolução
regularam a vida econômica da nova interna que acompanha o ascenso dos
nação e compuseram, desde a ruptura grupos escravistas. Formado ao longo
com o pacto colonial, a sua das crises da Regência, o núcleo
hegemonia em estreita conexão com o conservador definiu-se, pela voz dos
comércio internacional e o tráfico seus líderes, Bernardo Pereira de
negreiro. Vasconcelos, Araújo Lima e Honorio
Hermeto, como o "Partido da
Quanto à obra política dessa classe, Ordem", no ano crítico de 1837 e
encontrou intérpretes de pulso em logo após a renúncia de Feijó. A sua
Tavares Bastos (A Província, Cartas história é a de uma aliança estratégica,
do Solitário), Joaquim Nabuco (Um flexível mas tenaz, entre as
Estadista do Império), José Maria dos oligarquias mais antigas do açúcar
Santos (A Política Geral do Brasil), nordestino e as mais novas do café no
Victor Nunes Leal (Coronelismo, Vale do Paraíba, as firmas
Enxada e Voto), Raymundo Faoro (Os exportadoras, os traficantes negreiros,
Donos do Poder), José Honório os parlamentares que lhes davam
Rodrigues (Conciliação e Reforma no cobertura, e o braço militar chamado
Brasil) e Sérgio Buarque de Holanda sucessivas vezes, nos anos de 1830 e
(Do Império à República). 40, para debelar surtos de facções que
O objetivo deste ensaio é desenhar o espocavam nas províncias. Ao
perfil ideológico que correspondeu, radicalismo impotente desses grupos
efetivamente, ao regime de cativeiro a locais opôs-se, desde o começo, o
partir do momento em que o Brasil chamado liberalismo moderado, que
passou a integrar o mercado livre. exerceu, de fato, o poder tanto na fase
regencial quanto nos anos iniciais do
Segundo Império. As divisões internas
Um Falso Impasse: ou escravismo não tocaram sua unidade profunda na
ou liberalismo hora da ação.
O par, formalmente dissonante, O tráfico, mais ativo do que nunca,
escravismo-liberalismo, foi, no caso trouxe aos engenhos e às fazendas
brasileiro pelo menos, apenas um cerca de 700 mil africanos entre 1830
e 1850. As autoridades, apesar de melhor testemunho é o de Gladstone,
eventuais declarações em contrário, primeiro-ministro, que, falando à
faziam vista grossa à pirataria que Câmara dos Comuns em 1850,
facultava o transporte de carne desabafava: "Temos um tratado com o
humana, formalmente ilegal desde o Brasil, tratado que esse país dia a dia
acordo com a Inglaterra em 1826 e a quebra, há vinte anos. Forcejamos por
lei regencial de 7 de novembro de assegurar a liberdade dos africanos
1831. A última qualificava como livres; trabalhamos até conseguir que
livres os africanos aqui aportados os brasileiros declarassem criminosa a
dessa data em diante ... Lembro a importação de escravos. Esse acordo é
"Fala do Negreiro", personagem da incessantemente transgredido"4.
comédia de Martins Pena, Os Dous ou
o Inglês Maquinista: O tratado anglo-brasileiro de 1826 já
arrancara, de resto, protestos
— Há por aí além uma costa tão larga nacionalistas desde a sessão da
e algumas autoridades tão Câmara de 1827, em que se propôs
condescendentes!... nada menos que a sua impugnação. O
Estávamos em 1842. representante de Goiás, brigadeiro
A observação do comediógrafo rima Cunha Matos, aplaudido por vários
perfeitamente com os dados colegas, deplorou que os brasileiros
levantados por Robert Conrad para tivessem sido "forçados, obrigados,
aqueles mesmos anos: submetidos e compelidos pelo
governo britânico a assinar uma
"Os juízes dos distritos em que os convenção onerosa e degradante sobre
escravos eram desembarcados assuntos internos, domésticos e
passavam a receber comissões puramente nacionais, da competência
regulares, referidas como sendo exclusiva do livre e soberano
fixadas em 10,8% do valor de cada legislativo e do augusto chefe da
africano desembarcado. Os escravos nação brasileira"5. Clemente Pereira,
eram trocados diretamente por sacas cujas antigas bandeiras maçônicas e
de café nas praias, reduzindo assim a ilustradas eram notórias, e que fora
fórmula econômica — 'o café é o um dos pilares da Independência,
negro' — a uma realidade"2. também se pronunciou contra a
Conrad ilustra com numerosos fatos a ingerência britânica no controle dos
conivência dos governos regencial e navios negreiros; medida que
imperial a partir de 1837: "No regime verberou como "o ataque mais direto
de Vasconcelos o tráfico escravista se que se poderia fazer à Constituição, à O objetivo deste ensaio
desenvolve com uma nova vitalidade dignidade nacional, à honra e aos é desenhar o perfil
que prosseguiu por aproximadamente direitos individuais dos cidadãos ideológico que
14 anos, sob regimes conservadores e brasileiros"6 . Para toda a retórica correspondeu,
liberais, apoiado e sustentado pelas desse período vale a frase de José de efetivamente, ao
próprias autoridades cuja tarefa era Alencar: "ser liberal significava ser regime de cativeiro a
partir do momento em
fazer cessar o tráfico". brasileiro" (Cartas a Erasmo, VI). que o Brasil passou a
Para conhecer o ponto de vista do A argumentação conseguiu, de fato, integrar o mercado
outro lado (o governo inglês), o ser nacionalista e bravamente fiel aos livre.

2
CONRAD, R. Os Tumbeiros. São Paulo, Brasiliense, 1985. p. 103-4.
3
Ibid., p.118. Veja-se também a análise de Stanley Stein: "O aumento das importações
de escravos na década de 1840 beneficiou tanto os fazendeiros como os cofres
públicos; em 1848 perto de 60% das contribuições do município de Vassouras,
Província do Rio de Janeiro, procediam de impostos sobre a venda de escravos"
(Grandeza e Decadência do Café no Vale do Paraíba. São Paulo, Brasiliense, 1961.
p. 161).
4
DUQUE-ESTRADA, O. A Abolição (esboço histórico). Rio, Leite Ribeiro & Maurílio,
1918. p. 28.
5
BETHELL, L. A abolição do tráfico escravo no Brasil São Paulo, EDUSP, 1976.
p. 73-4.
6
Ibid., p. 74.
princípios do livre-comércio. Em Comércio livre, primeira e principal
1835, Bernardo Pereira de bandeira dos colonos patriotas, não
Vasconcelos, ainda moderado, significava, necessariamente, e não
proporia emenda revogando a lei foi, efetivamente, sinônimo de
antiescravista de 1831: a sua atitude trabalho livre. O liberalismo
recebeu apoio maciço dos deputados à econômico não produz sponte sua, a
Assembléia Provincial de Minas liberdade social e política.
Gerais.
O comércio franqueado às nações
A defesa patriótica do tráfico não era, amigas, que o término do exclusivo
aliás, apanágio de parlamentares acarretou, não surtiu mudanças na
mineiros. Na Câmara de Paris, onde é composição da força de trabalho: esta
razoável supor que o liberalismo continuava escrava (não por inércia,
estivesse em casa sob a batuta de Luís mas pela dinâmica mesma da
Filipe, a maioria dos deputados vetou economia agroexportadora), ao passo
o acordo que Guizot fizera, em 1841, que a nova prática mercantil
com a Inglaterra permitindo que pós-colonial se honrava com o nome
fiscais da Marinha britânica de liberal. Daí resulta a conjunção
peculiar ao sistema
suspeitos de carregar negros7. econômico-político brasileiro, e não
Énrichessez-vous! Entre os hesitantes, só brasileiro, durante a primeira
ainda àquela altura, estava Alexis de metade do século XIX: liberalismo
Tocqueville. A defesa da integridade mais escravismo. A boa consciência
nacional se sobrepunha aos dos promotores do nosso laissez-faire
escrúpulos então ditos filantrópicos e, se bastava com as franquezas do
afinal, resguardava os tumbeiros. mercado.
O discurso dominante de 1836 a 1850 Nesse bloco histórico não é de
foi, entre nós, uma variante estranhar absolutamente que a
pragmática de certas posições já supressão do tráfico demorasse, como
assumidas pelos chamados patriotas demorou, 25 anos para efetuar-se ao
ou liberais históricos, que herdaram arrepio de tratados que expressamente
os frutos do Sete de Setembro. E por o proibiam. Quanto à abolição total,
que históricos? Porque foram, sem só viria a ser decretada em 1888, isto
dúvida, as lutas da burguesia é, só quando a imigração do
agroexportadora que tinham cortado trabalhador europeu já se fizera um
os privilégios da Metrópole graças à processo vigoroso em São Paulo e nas
abertura dos portos em 1808; esses províncias do Sul.
mesmos patriotas tinham garantido,
para si e para a sua classe, as Volto à compreensão contextual,
liberdades de produzir, mercar e não-abstrata, do termo liberalismo.
representar-se na cena política. Daí, o Enquanto opção cultural, de corte
caráter funcional e tópico do seu europeu, afim à luta burguesa na
liberalismo. Quanto aos Inglaterra e na França, o liberalismo
conservadores, assim autobatizados político se abriria, lentamente aliás,
de 1836 em diante, apenas para um projeto de cidadania
secundaram os moderados, a cujo ampliada. Essa, porém, não era a
grêmio até então pertenciam, situação brasileira onde a
sucedendo-os nas práticas do poder e Independência não chegou a ser um
baixando o tom da sua retórica. conflito interno de classes. O
Mantendo sob controle terras, café e confronto aqui se deu,
escravos, bastava-lhes o registro seco, fundamentalmente, entre os interesses
prosaico, às vezes duro, da linguagem dos colonos e os projetos
administrativa. É o estilo da recolonizadores de Portugal, na
eficiência: o estilo "saquarema" de verdade já reduzido à
Eusébio, Itaboraí, Uruguai, Paraná. quase-impotência depois da abertura

7
COHEN, W. Français et Africains. Les Noirs dans le regard des Blancs (1530-1880).
Paris, Gallimard, 1981. p. 42-9, 271-78.
dos portos em 1808. Os nossos 4) Liberal pôde, enfim, significar
patriotas ilustrados cumpriram a capaz de adquirir novas terras em
missão de cortar o fio umbilical regime de livre concorrência,
também na esfera jurídico-política. alterando assim o estatuto
Sob a hegemonia dos moderados e, fundiário da Colônia no espírito
depois, dos regressistas, o liberalismo capitalista da Lei de Terras de
pós-colonial deitou raízes nas práticas 1850.
reprodutoras e autodefensivas
daqueles mesmos colonos, enfim A classe fundadora do Império do
emancipados. O seu movimento Brasil consolidava, portanto, as suas
conservou as franquias obtidas na fase prerrogativas econômicas e políticas.
inicial, antilusitana, do processo, mas Econômicas: comércio, produção
jamais pretendeu estendê-las ou escravista, compra de terras. Políticas:
reparti-las generosamente com os eleições indiretas e censitárias. Umas
grupos subalternos. O nosso e outras davam um conteúdo concreto
liberalismo esteve assim apenas à ao seu liberalismo. Que se tornou, por
altura do nosso contexto. extensão e diferenciação grupai, o
"Liberalismo"—diz Raymundo Faoro fundo mesmo do ideário corrente nos
— "não significava democracia, termos anos 40 e 50.
que depois se iriam dissociar, em A historiografia da Regência já
linhas claras e, em certas correntes, contou, por miúdo, a passagem do
hostis"8. partido moderado, no qual se
A pergunta de fundo é então: o que encontravam todos, Evaristo e Feijó,
pôde, estruturalmente, denotar o nome Vasconcelos e Honorio Hermeto, para
liberal, quando usado pela classe o Regresso (tenho adotado a partir de
proprietária no período de formação 1836), quando os últimos alijaram e
do novo Estado? substituíram os primeiros, a pretexto
Uma análise semântico-histórica de impor a ordem interna ameaçada
aponta para quatro significados do pelas rebeliões provinciais. É o
termo, os quais vêm isolados ou significado pontual da arquicitada
variamente combinados: profissão de fé de Vasconcelos,
mentor da reação que vai marcar o
1) Liberal, para a nossa classe início do Segundo Reinado:
dominante até os meados do século
XIX, pôde significar conservador "Fui liberal, então a liberdade era
das liberdades, conquistadas em nova no país, estava nas aspirações de
1808, de produzir, vender e todos, mas não nas leis, nas idéias
comprar. práticas; o poder era tudo; fui liberal.
Hoje, porém, é diverso o aspecto da
2) Liberal pôde, então, significar sociedade: os princípios democráticos
conservador da liberdade, tudo ganharam e muito
alcançada em 1822, de comprometeram; a sociedade, que
representar-se politicamente; ou, então corria o risco pelo poder, corre
em outros termos, ter o direito de agora o risco pela desorganização e
eleger e de ser eleito na categoria pela anarquia. Como então quis, quero
de cidadão qualificado. hoje servi-la, quero salvá-la, e por
3) Liberal pôde, então, significar isso sou regressista. Não sou
conservador da liberdade trânsfuga, não abandono a causa que
(recebida como instituto colonial e defendi no dia de seus perigos, da sua
relançada pela expansão agrícola) fraqueza, deixo-a no dia em que tão
de submeter o trabalhador escravo seguro é o seu triunfo que até o
mediante coação jurídica. excesso a compromete" .

8 FAORO, R. Existe um pensamento político brasileiro? Estudos Avançados. São Paulo,


(1): 44, out./dez. 1987.
9 Apud Joaquim Nabuco, Um Estadista do Império. 2ª ed. Rio, Ed. Nova Aguilar, 1975.
p. 69.
Em outras palavras, o discurso quer destacaram do bloco liberal-moderado
dizer: a política de centralização é o no exato momento (1835-37) em que a
antídoto necessário a uma divisão do expansão do café no Vale do Paraíba
País, que, por seu turno (e aí vem a demandava maior ingresso de
razão calada), seria fatal ao novo africanos. A propriedade escrava e, no
centro econômico valparaibano. seu bojo, o tráfico, passavam a ser,
O percurso de Vasconcelos e o êxito efetivamente, o eixo de uma economia
político do Regresso fazem pensar que que se montara na esteira da liberação
a moderação dos liberais de 1831 dos portos e das franquias comerciais.
acabaria, cedo ou tarde, assumindo a "It was freedom to destroy freedom",
sua verdadeira face, conservadora. Os na frase lapidar de Du Bois.
traficantes foram poupados; e os
projetos iluministas, raros e esparsos, Nessa altura, os cafeicultores
de abolição gradual foram reduzidos almejavam um Estado forte, uma
ao silêncio. Deu-se ao Exército o administração coesa e prestante ou,
papel de zelar pela unidade nacional nos seus repetidos termos, precisavam
contra as tendências centrífugas dos manter, a todo custo, a unidade
clãs provinciais. Vencidos os últimos nacional. Foi a bandeira do Regresso.
Farrapos, estava salva a sociedade: no O padre Feijó, renunciando ao cargo
caso, o Estado aglutinador de de Regente em meio a dificuldades
latifundiários, seus representantes, extremas, fizera perigar o
tumbeiros e burocracia. A retórica cumprimento desse desígnio, na
liberal trabalha seus discursos em medida em que supunha ser inevitável
torno de uma figura redutora por a tendência separatista de algumas
excelência, a sinédoque, pela qual o províncias mais turbulentas como
todo é nomeado em lugar da parte, Pernambuco e o Rio Grande do Sul.
implícita. Somando-se a essa atitude de
desistência de sua luta, outrora tão
Hermes Lima, no prefácio que ferrenha contra as facções locais, teria
escreveu para A Queda do Império de havido no padre paulista um maior
Rui Barbosa, entende o Regresso empenho de honrar os acordos
como um mecanismo político de antitráfico feitos com a Inglaterra e
estratégia dos grupos que se sabotados por uma legião de
coniventes. Em contrapartida, a ala pressão internacional. Uma proposta
saquarema, que toma em 1837 o lugar moderna e democrática sustentada
de Feijó, reacende manu militari o pelas oligarquias rurais é que teria
ideal de um Império unido, ao mesmo sido, nos meados do século XIX, uma
tempo que vai transigindo largamente idéia extemporânea. Mas esse projeto
com o comércio negreiro, o que não se concebeu nem aqui, nem em
insufla alento às bases do novo Cuba, nem nas Antilhas inglesas e
complexo agroexportador. francesas que viviam o mesmo regime
de plantation, nem no reino do
Tudo se apresenta imbricado: o
algodão do Velho Sul americano. Em
centralismo se diz nacional e vale-se
todas essas regiões, políticos
do Exército, que toma vulto no
defensores do liberalismo econômico
período; o tranco é utilíssimo à
expansão do café; enfim, o Partido da ortodoxo velaram pela manutenção do
trabalho escravo.
Ordem abraça todas essas bandeiras
que, plantadas no centro do poder, a Nem houve propriamente ficções
Corte fluminense, irão manter-se jurídicas, à européia, ocultando o
firmes até, pelo menos, os fins dos latifúndio, o tráfico, a escravidão.
anos 50. O Partido Liberal, em grande Houve, sim, um uso bastante eficaz
parte desertado, ora alterna com o das instituições parlamentares pelos
Conservador, ora com este se senhores de engenho e das fazendas.
combina, mas, em ambos os casos, os As Câmaras serviam de instrumento à
discursos oficiais se alinham com os classe dominante que, sem os canais
compromissos oligárquicos, sua jurídicos estabelecidos, não
moeda corrente. Joaquim Nabuco controlariam a administração de um
acertou em cheio ao historiar a tão vasto país. "Máquina admirável",
situação: a reação conservadora assim chamou o nosso regime
"pretendia representar a verdadeira parlamentar e monárquico um
tradição liberal do país"10. E Octávio paladino da reação conservadora12.
Tarqüínio de Sousa também advertiu
os liames entre os moderados e os No fim do Primeiro Império a
regressistas: oposição a D. Pedro I fora comandada
por homens fiéis ao parlamentarismo
"Bem consideradas, porém, as coisas, inglês como Bernardo Pereira de
nenhuma divergência substancial os Vasconcelos que, ao mesmo tempo
dividia: o 'regresso' de Vasconcelos (1829), escandalizava o reverendo
não contradizia a 'moderação' de Robert Walsh por sua atitude
Evaristo: era apenas uma evolução, escravista: "Entre as fraquezas de Nada haveria, a rigor,
uma transformação; o 'regresso' Vasconcelos está advogar a causa do de excêntrico,
consolidava por assim dizer a obra da tráfico de escravos; e o tratado com a deslocado ou postiço
"moderação'"11. O tom apologético Inglaterra para sua abolição total em na linguagem daqueles
não infirma a justeza da análise... breve, e a nossa disposição em fazê-lo políticos brasileiros
Nada haveria, a rigor, de excêntrico, cumprir se contam entre as suas que, usando o termo
deslocado ou postiço na linguagem reservas a nosso respeito"13. Um liberalismo em um
ressentimento amargo contra os sentido datado, pro
daqueles políticos brasileiros que, domo sua, legitimaram
usando o termo liberalismo em um ingleses fiscais do oceano, e que o cativeiro por um
sentido datado, pro domo sua, lembra a anglofobia dos confederados tempo tão longo e só o
legitimaram o cativeiro por um tempo sulinos, não era peculiar a restringiram sob
tão longo e só o restringiram sob Vasconcelos apenas. pressão internacional.

10
Id. ibid.
11
TARQÜÍNIO de SOUSA, O. Evaristo da Veiga. Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia —
EDUSP, 1988. p. 153.
12
SILVA, P. O Brasil no Reinado do Sr. D. PedroII.In:—.Escritos políticos e discursos
parlamentares. Rio, Garnier, 1862. p. 28. (Escrito na língua francesa e publicado na
Revue des deux mondes, de 15 de abril de 1858).
13
TARQÜÍNIO de SOUSA, O. Bernardo Pereira de Vasconcelos. São Paulo, Itatiaia —
EDUSP, 1988. p. 77.
Mas nada turvava a admiração pelos por um gesto autoritário de Pedro I,
discursos da Câmara dos Comuns ... satisfez à maioria dos novos pactários
Os gabinetes e os Conselhos de que detinham, de fato, o poder
Estado que congelaram, por largos decisório da recente nação. Era uma
anos, as idéias de emancipação aliança entre os direitos dos beati
(mesmo quando bafejadas pelo possidentes e os privilégios do
Imperador, como ocorreu nas Falas do monarca. O liberalismo restrito do seu
Trono de 67 e 68) reuniam homens texto não destoava das cautelas da
para os quais os chamados princípios Carta restauradora francesa que, em
liberais só adquiriam um sentido 1814, acolhera entre os seus
forte, e até concitante e polêmico, mecanismos de governo a figura do
quando aplicados ao já clássico debate Poder Moderador teorizada por
entre constitucionais e absolutistas. A Benjamin Constant. As liberdades
discussão não era acadêmica nem fruidas pelos citoyens
bizantina. A luta, que fora crucial na (cidadãos-proprietários) exorcizavam
Europa pós-napoleônica até a o fantasma de uma igualdade tida por
Revolução de 1830, encontrou aqui abstrata e anárquica, e que, se
variantes nas arremetidas dos patriotas realizada, somaria imprudentemente
contra o jugo da metrópole e, pouco possuidores e não-possuidores. E por
depois, contra os ímpetos que esse liberalismo a meias, corrente
voluntariosos de Pedro I. O na França cartista, não se ajustaria
liberalismo à inglesa se fazia como uma luva à mais que exígua
necessário para que a classe classe votante do Brasil Império? Por
economicamente dominante assumisse acaso as propostas levadas à
o seu papel de grupo dirigente. Esse o Assembléia Constituinte em 1823
alcance e limite do nosso liberalismo tinham ido além da proteção à
oligárquico. agricultura, ao livre-câmbio, ao
Analisando a conduta autodefensiva comércio franco? Deixara-se intacta a
dos liberais, comentava Saint-Hilaire instituição do trabalho forçado. A
no ano em que se fazia a Representação de José Bonifácio não
Independência: chegou a ser matéria de debate.
"Mas são estes homens que, no Promulgada a Lei Maior, logo
Brasil, foram os cabeças da engendrou-se o mito da sua
Revolução; não cuidavam senão em intocabilidade, tônica dos discursos da
diminuir o poder do Rei, aumentando oligarquia até o fim do regime. Os
o próprio. Não pensavam, de modo deputados conservadores preferiam,
14
algum, nas classes inferiores" . ainda em 1864, chamar-se, pura e
simplesmente, "constitucionais".
O arguto observador poderia ter dito, Assim fazendo, abriram uma brecha
utilizando o jargão da época: "Esses para os liberais se apoderarem de um
homens eram liberais rótulo que ficara vago e os tentava: na
constitucionais''. mesma ocasião criou-se um grupo
"liberal-conservador''...
Parlamentares ardidos em face da
Coroa, antidemocratas confessos A Carta virou um pendão sacralizado
perante a vasta população escrava ou pela aura dos tempos heróicos da
pobre. Nem rei, nem plebe: nós. Independência. Por trás do seu pesado
biombo auriverde, onde os mesmos
O contrato social fechado e fios de seda bordavam ramos de café e
excludente, propício aos homens que de fumo e o escudo dinástico dos
tinham concorrido para desfazer o Braganças, aninhavam-se o voto
pacto colonial, verteu-se em um censitário, a eleição indireta e o
documento solene. Foi a Constituição direito inviolável à propriedade
de 1824. A Carta, apesar de outorgada escravista.

14
SAINT-HILAIRE, A. Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São
Paulo. Trad. revista e prefácio de Vivaldi Moreira. São Paulo, Itatiaia — EDUSP,
1974. p. 94.
A tática centralizante da última em desuso. Em segundo lugar, temos
Regência, que a precoce maioridade uma petição ou memorial da
de Pedro II viria consumar, foi mais Assembléia Provincial da Bahia ao
uma garantia para a burguesia Senado urgindo pela revogação da lei;
fundiária; o fato de ter sido apressada não que ela os incomode muito, mas
por alguns militantes da facção liberal porque a cláusula de que 'os escravos
não impediu que seus frutos fossem importados depois de 1831 são livres'
depressa colhidos e longamente embaraça a transação da venda e torna
saboreados pelos saquaremas. A partir inconveniente possuir negros há
de 1843 a Câmara é invadida por uma pouco introduzidos no país. Eu
"cerrada falange reacionária"15. encontro outra Assembléia Provincial,
Rebatendo para as condições a de Minas Gerais, pedindo a mesma
européias: o regresso, difuso ou coisa com iguais fundamentos. Depois
instituído, foi também o protagonista de insistir nos perigos para o país da
ideológico entre o Congresso de falta de negros, o memorial
Viena e a Revolução de 48. A síntese acrescenta: — 'Acima de tudo, o pior
cortante de Eric Hobsbawm diz bem a de todos esses males é a imoralidade
situação: "O liberalismo e a que resulta de habituarem-se os
democracia pareciam mais adversários nossos cidadãos a violar as leis
que aliados; o tríplice slogan da debaixo das vistas das próprias
Revolução Francesa — liberdade, autoridades!' Eu realmente acredito
igualdade e fraternidade — expressava que a história toda da desfaçatez
melhor uma contradição do que uma humana não apresenta uma passagem
combinação"16. que possa rivalizar com essa —
nenhum outro exemplo de ousadia
Lá, uma política utilitária amarrou-se igual. Temos neste caso uma
estruturalmente à espoliação sem Legislatura Provincial, que se
nome do novo proletariado. Aqui, o apresenta por parte dos piratas e dos
nosso ideário constitucional se nutriu seus cúmplices, os agricultores, que
do suor e do sangue cativo. Cá e lá os aproveitam com a pirataria,
poderes cunharam a moeda fácil do comprando-lhes os frutos, e em nome
nome liberal. desses grandes criminosos insta pela
De qualquer modo, a especificidade revogação da lei que o povo confessa
reponta: o sistema de plantagem estar violando todos os dias, e da qual
retardou ou fez involuir ideais ou eles declaram que não hão de fazer
surtos de caráter progressista. No caso enquanto continuar sem ser
começo do Segundo Reinado, a revogada; pedindo a revogação dessa
geração constitucional, abrigada à lei com o fundamento de que,
sombra do café valparaibano, resistiu enquanto ela existir, resolvidos como
ao governo inglês em tudo o que estão a violá-la, eles se vêem na dura
dissesse respeito ao tráfico. necessidade de cometer essa
Conhece-se a posição drástica de imoralidade adicional debaixo das
Vasconcelos que não mudou até à sua vistas dos juizes que prestaram o
morte em 1850. Em 1843, o lobby dos juramento de executar as leis"17.
escravistas espalhados pelas várias O trabalho escravo era um fator
províncias brasileiras parecia a Lord estrutural da economia brasileira,
Brougham tão eficiente quanto cínico: tanto que o seu controle interno se
"Em primeiro lugar, temos a fazia cada vez mais rígido. Em 1835,
declaração expressa de um homem de ainda antes de os regressistas
bem do Senado do Brasil, de que a lei chegarem ao poder, o parlamento
que aboliu o tráfico de escravos é liberal-moderado votou uma lei que
notoriamente letra morta, tendo caído punia de morte qualquer ato de

15
NABUCO, J. Um Estadista ... op. cit., p. 77.
16
HOBSBAWM, E. A era das revoluções. Europa. 1780-1848. 5ª ed. Rio, Paz e Terra,
1986. p. 262.
17
NABUCO, J. O Abolicionismo. 4ª ed. Petrópolis, Vozes, 1977. p. 117-8.
rebeldia ou de ofensa aos senhores abusivo ou cínico, mas que serviu
praticado por escravos. cabalmente à lógica dos traficantes e
Esse, o quadro nacional. Mereceria dos senhores rurais.
um estudo comparativo a resistência à Um mercador da costa atlântica da
abolição nas colônias da Inglaterra, da África citava, em favor de seus
França e da Holanda, países onde o direitos de livre cidadão britânico
pensamento liberal burguês já tomara (free-born), a Magna Carta, a qual lhe
a dianteira internacional. O governo conferia o poder inalienável de
britânico só promoveu a alforria geral comerciar o que bem entendesse,
nos seus domínios em 1833, com dispondo com igual franquia de todas
indenização plena aos proprietários, o as suas propriedades móveis,
que implicava reconhecimento aos semoventes e imóveis19. Esse direito,
direitos destes. O parlamento alegado por um negreiro em 1772,
holandês decretou a abolição em seria ainda a base de sustentação
Suriname a partir de lº de julho de jurídica dos parlamentares que, no
1863, pagando aos fazendeiros e Brasil de 1884, obstaram aos trâmites
"ficando os libertos sob proteção da proposta do conselheiro Dantas
especial do Estado"18.Quanto aos que visava a alforriar os escravos
escravos da Guiana e das Antilhas maiores de 60 anos sem indenização
Francesas, tiveram de esperar pelo aos senhores. O ministério caiu; e o
decreto do Conselho Provisório de 27 Saraiva, que o sucedeu, teve que
de abril de 1848 para receberem a manter o princípio do pagamento
libertação coletiva que também obrigatório. Direito individual à
importou em ressarcimento aos propriedade de homens: válido em
senhores. De pouco valera o belo 1772, válido em 1884.
gesto dos Convencionais que tinham
aplaudido de pé a abolição no Celso Furtado viu com perspicácia
memorável Dezesseis do Pluvioso do que os nossos economistas liberais, a
Ano n da Revolução, 4 de fevereiro partir do visconde de Cairu, se
de 1794. Em 1802 Napoleão legaliza mostraram mais fiéis a Adam Smith do
de novo a instituição que ainda que os próprios ingleses e yankees; os
agüentaria meio século. Cá e lá... últimos souberam, sob a influência de
Hamilton, dosar livre-comércio e
"Laissez-faire" e Escravidão protecionismo industrial sempre que
Há uma dinâmica interna no velho lhes conveio. Comparando as idéias
liberalismo econômico que, levando de Alexander Hamilton com as de
às últimas conseqüências a vontade de Cairu, diz Furtado: "Ambos são
autonomia do cidadão-proprietário, se discípulos de Adam Smith, cujas
insurge contra qualquer tipo de idéias absorveram diretamente e na
restrição jurídica à sua esfera de mesma época na Inglaterra. Sem
iniciativa. embargo, enquanto Hamilton se
transforma em paladino da
A doutrina do laissez-faire data da industrialização (...) Cairu crê
Celso Furtado viu com
perspicácia que os segunda metade do século XVIII, com supersticiosamente na mão invisível e
nossos economistas o advento da hegemonia burguesa, repete: deixai fazer, deixai passar.
liberais, a partir do que assestou um golpe de morte nas deixai vender"20.
visconde de Cairu, se corporações de ofícios e nos
mostraram mais fiéis a privilégios estamentais. Mas há A observação é válida sobretudo para
Adam Smith do que os também um uso colonial-escravista o período em que a hegemonia
próprios ingleses e dos princípios ortodoxos; uso que, em regressista casou laissez-faire e
yankees... retrospectiva, nos pode parecer trabalho escravo. Vasconcelos, que já

18
MALHEIRO, P. A escravidão no Brasil 2ª ed. Petrópolis, Vozes, 1976. v. II, p. 301.
19
A Treatise upon trade from Great-Britain to Africa; humbly recommended to the
attention of Government by an African Merchant. London, printed for R. Baldwin,
n. 47, Pater-Noster Row, 1772.
20
FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. Rio, Fundo de Cultura, 1959. p. 123.
vimos defender abertamente o tráfico seus direitos? Era, precisamente, o
(a ponto de propor a suspensão dos controle do governo inglês exercido
efeitos manumissores da lei de 1831!), sobre o mercado negreiro
era acérrimo inimigo de qualquer internacional. Vasconcelos
medida oficial que amparasse a indignava-se com a pregação dos
incipiente manufatura brasileira em philanthropists, em plena atividade, e
prejuízo da importação de produtos se desabafava nestas palavras
europeus. Porta-voz da mentalidade recolhidas por Walsh: "Eles protestam
agrária, vitoriosa nas eleições de contra a injustiça desse comércio,
1836, Vasconcelos recusava a própria dando como exemplo a imoralidade de
idéia da presença estatal na economia, algumas nações que o aceitam; não
valendo-se para tanto dos argumentos ficou, porém, demonstrado que a
clássicos: escravidão chegue a desmoralizar a tal
ponto qualquer nação. Uma
"A nossa utilidade não está em
comparação entre o Brasil e os países
produzir os gêneros e mercadorias, em
que não têm escravos irá tirar
que os estrangeiros se nos avantajam;
qualquer dúvida a esse respeito".
pelo contrário devemos aplicar-nos às
produções em que eles nos são Acrescenta o reverendo, chocado:
inferiores. Nem é preciso que a lei "Em seguida sugeriu que o governo
indique a produção mais lucrativa: brasileiro deveria entrar em acordo
nada de direção do governo. O com a Inglaterra sobre a prorrogação
22
interesse particular é muito ativo e da lei" . O argumento de
inteligente; ele dirige os capitais para Vasconcelos escorava-se no confronto
os empregos mais lucrativos: a entre as condições de trabalho no
suposição contrária assenta numa falsa Brasil e na Europa, e voltaria com
opinião, de que só o governo entende insistência nos discursos
bem o que é útil ao cidadão e ao liberal-regressistas, sendo retomado
Estado. O governo é sempre mais por José de Alencar nas tumultuosas
ignorante que a massa geral da nação, sessões que precederam à votação da
e nunca se ingeriu na direção da Lei do Ventre Livre.
indústria que não a aniquilasse, ou Esboça-se aqui a síndrome do
pelo menos a acabrunhasse. (...) Favor liberalismo oligárquico brasileiro (e,
e opressão significam o mesmo em no limite, neocolonial): entrosamento
matéria de indústria, o que é do País em uma rígida divisão
indispensável é guardar-se o mais internacional de produção; defesa da
religioso respeito à propriedade e monocultura; recusa de toda
liberdade do cidadão brasileiro. As interferência estatal que não se ache
artes, o comércio e a agricultura não voltada para assegurar os lucros da
pedem ao governo se não o que classe exportadora. É claro que a
Diógenes pediu a Alexandre - proibição do comércio negreiro por
retira-te do meu sol—eles dizem em parte do Estado (no caso, premido
voz alta—não temos necessidade de pela Inglaterra) restringiria a livre
favor: o de que precisamos é liberdade iniciativa do vendedor e do comprador
e segurança"21. Adam Smith e Say da força de trabalho. O mesmo
não teriam sido mais enfáticos. pensamento fez escola entre os
Mutatis mutandis (ma non troppo), escravistas do Old South dos quais
foi a linguagem da UDN e é a saiu uma plêiade de economistas
linguagem da UPR. ortodoxos:
Mas qual era, a partir do tratado de Thomas Cooper, autor de um manual
1826, o principal óbice à prática desse smithiano bastante divulgado até os
liberalismo ortodoxo tão cioso dos meados do século XIX (Lectures on

21
Citado, elogiosamente, por Sílvio Romero, na História da Literatura Brasileira. 5ª ed.
Rio, J. Olympio, 1953. v. V, p. 1727-29. A referência ao pedido que Diógenes fez a
Alexandre ("Retira-te do meu sol!") já estava nos escritos de Bentham contra o
protecionismo à indústria nacional...
22
WALSH, R. Notícias do Brasil. São Paulo, Itatiaia - EDUSP, 1985. p. 109.
the Elements of Political Economy, tráfico. Na convenção do Montgomery
1826); George Tucker, primeiro titular de 1858 desencadeou-se um debate
de Economia da Universidade de furioso sobre o problema. William L.
Virgínia; e, sobretudo, Jacob Newton Yancey, o comedor-de-fogo de
Cardozo, um dos redatores influentes Alabama, argumentava, com certa
da Southern Review, todos lógica, que "se é um direito comprar
contestavam a idéia de que o braço escravos na Virgínia e levá-los a
cativo fosse unprofitable. Para os Nova Orleans, por que não é direito
sulistas, aqueles que teimavam em comprá-los em Cuba, no Brasil, ou na
julgar a escravidão pouco rentável de África, e levá-los para lá?". Nova
certo atinham-se a uma concepção Orleans era, em 1858, o grande
unilateral e abstrata da nova ciência, a mercado negreiro americano.
qual crescia tão lentamente porque Continua Franklin: "No ano seguinte,
"os economistas europeus, ao em Vicksburg, a convenção votou
tentarem construir sistemas de favoravelmente uma resolução
aplicação geral para todos os países, recomendando que "todas as leis,
continuam, no fundo, a supor que as estaduais ou federais, que proíbem o
suas circunstâncias são naturais e comércio africano de escravos,
universais. Nós sabemos que as deveriam ser revogadas'. Só os
riquezas das nações crescem a partir estados do Sul superior ("upper
de fontes largamente diferentes. Por South"), que desfrutavam dos lucros
exemplo, a experiência revela que a obtidos pelo tráfico doméstico de
escravidão no Sul tem produzido não escravos, se opuseram à reabertura do
só um alto grau de riqueza, como tráfico africano"24. O desrespeito à
também uma partilha maior de lei antitráfico foi, nos Estados Unidos
felicidade para o escravo do que dos anos 50, tão frontal quanto o do
ocorre em muitos lugares onde a Brasil nos anos 40. Cá e lá, a
relação entre o empregador e o liberdade, sem mediações, do Capital
empregado é baseada em salários" . exigia a total sujeição do trabalho.
A mensagem política que aflora no
texto é simples: deixai as coisas como It was freedom to destroy freedom:
estão, deixai-nos plantar nosso dialética do liberalismo no seu
algodão, alargar nossas fronteiras, momento de expansão a qualquer
comprar escravos do Norte, ganhar custo.
dinheiro com o tráfico etc. Um erudito historiador baiano
Se o nosso regime escravocrata devia escreveu, em 1844, um libelo contra a
enfrentar a Inglaterra, o laissez-faire "deslealdade" da Inglaterra que,
algodoeiro do Sul desafiava a União, afetando ser amiga da nova nação
de onde partiam as leis restritivas: brasileira, agia em nosso desfavor
"Por volta de 1854", diz John Hope impedindo que a lavoura recebesse a
O desrespeito à lei Franklin no seu admirável From preciosa mão-de-obra africana.
antitráfico foi, nos Slavery to Freedom, "os que se Trata-se do dr. A.J. Mello Moraes e
Estados Unidos dos
anos 50, tão frontal tinham engajado no comércio africano do seu opúsculo: A Inglaterra e seos
quanto o do Brasil nos de escravos tornaram-se tão isolentes tractados. Memória, na qual
anos 40. Cá e lá, a que advogavam abertamente a previamente se demonstra que a
liberdade, sem reabertura oficial de sua atividade". Inglaterra não tem sido leal até o
mediações, do Capital Entre 1854 e 1860 hão houve presente no cumprimento dos seus
exigia a total sujeição convenção comercial sulista que não tractados. Aos srs. deputados geraes
do trabalho. considerasse a proposta de reabrir o da futura sessão legislativa de 1845.

23
DORFMAN, J. The economic mind in american civilization. New York, Augustes M.
Kelley Publishers, 1966. Ver especialmente o capítulo "The Southern Tradition of
laissez-faire". A involução do liberalismo do Sul para uma ideologia escravista total
chamou a atenção de um ensaísta contemporâneo, lido por Marx e Engels, John
Cairnes, que escreveu The Slave Power, em 1863.
24
FRANKLIN, J.H. From slavery to freedom. 5ª ed. New York, Alfredo Knopf, 1980.
p. 81.
Volta aí a indefectível comparação: controle da sua nação por um Estado
"Um inglês trata cem vezes pior um estrangeiro.
criado branco e seu igual do que nós a Mas como o denominador ideológico
um dos nossos escravos"25. A comum era o liberalismo econômico,
proposta de Mello Moraes é simples e que conhece na época a sua fase
drástica: o gabinete inglês "ou há de áurea, só restava à retórica escravista
abandonar as suas colônias, por não uma saída para o impasse: mostrar que
haver gêneros coloniais para as idéias mestras da doutrina clássica,
consumo, ou, se as quiser possuir, há porque justas, deveriam aplicar-se
de admitir a escravidão"26. Postulada com justeza às circunstâncias, às
a íntima relação entre produtos peculiaridades nacionais.
coloniais e cativeiro, nexo
historicamente instituído e A atenção e o respeito ostensivo ao
consolidado por três séculos, o bravo particular, tão insistentes nos escritos
defensor da nossa lavoura exorta os conservadores de Burke, permeiam a
deputados gerais, em campanha ideologia romântico-nacional que vai
eleitoral, a cortar as amarras que de Varnhagen a Alencar, de
ligavam o governo imperial ao Vasconcelos a Olinda, de Paraná a
britânico: "O Brasil para ser feliz não Itaboraí. Será o topos maior da
tem necessidade de tratados com argumentação de cunho protelatório:
nação alguma, pois basta somente dar tempo ao tempo, já que o Brasil
proteger a agricultura, animar a não é a Europa, e é preciso respeitar
indústria manufatureira, libertar o as diferenças.
comércio, e franquear seus portos ao Filtragem ideológica e
mundo inteiro. O Brasil não precisa contemporização, estas seriam as
dos favores da Inglaterra"27. Poucas estratégias do nosso liberalismo
linhas atrás, Mello Moraes via com intra-oligárquico em todo o período
esperança o aumento das nossas em que se construía o Estado
exportações de café para os Estados nacional.
Unidos. O espírito de 1808, que
rompera com o monopólio português, Para racionalizar os seus mecanismos
demandava agora seu pleno de defesa, a ideologia do café
desdobramento. Nada de entraves. valparaibano e a do algodão sulista,
sua contemporânea, jamais puseram
Na esteira do processo de integração em dúvida o fundamento comum, que
pós-colonial dos países era o direito absoluto à propriedade e
latino-americanos, o Brasil deveria ao livre-comércio internacional. O
realizar o princípio mais geral do princípio universal lhes servia tanto
sistema dando o maior raio possível quanto ao liberal europeu. O que se
de ação, legal ou ilegal, a quem de acrescentava era uma nova
direito: ao senhor do café, ao senhor determinação, a do ajuste das idéias a
de engenho e aos seus agenciadores interesses específicos. O resultado
da força de trabalho, os traficantes. dessa extensão foi, e tem sido, a
Para a classe dominante o óbice maior notória guinada conservadora que as
não vinha, então, do nosso Estado burguesias agrárias operam sempre
constitucional, que representava o que alguma sombra de ameaça se
latifúndio e dele se servia; o obstáculo divisa no seu horizonte. Temos
era interposto pela nova matriz exemplos bastantes de um discurso
internacional, o novo exclusivo, a ultraliberal de direita para não
Inglaterra. Entende-se a reivindicação estranharmos essa química. Ainda
do mais desbridado laissez-faire; neste 1988, um líder do chamado
entende-se a hostilidade que "centrão" junto à Assembléia
despertava entre os proprietários o Nacional Constituinte jactava-se de

25
MELLO MORAES, AJ. A Inglaterra e seos tractados... (opúsculo). Bahia, Tip. do
Correio Mercantil de F. Vianna e Comp., 1844. p. 26.
26
Ibid., p. 33.
27
Id: ibid., p. 41.
ser reacionário em política, mas e das arremetidas do movimento
"anárquico" em economia: abaixo a abolicionista do Norte"29.
interferência do Estado, tudo para a
Uma linguagem ao mesmo tempo
iniciativa privada! liberal e escravista se tornou
No Brasil, por míngua de densidade historicamente possível; ao mesmo
cultural, a apologia do tráfico e do tempo, refluía para as sombras do
cativeiro não chegou a assumir formas esquecimento a coerência
tão elaboradas como no Velho Sul radical-ilustrada da inteligência que
americano, onde a escravidão foi amadurecera no último quartel do
chamada, um sem número de vezes, século XVIII.
"pedra angular (corner-stone) das Em Cuba, outra área típica de
liberdades civis". latifúndio exportador, a prosperidade
da economia canavieira, a partir
Sigo a leitura convincente de Gunnar
desses mesmos anos 30, resfriou os
Myrdal em An American Dilemma: ideais libertários e enrijeceu o
"Politicamente os brancos eram todos pensamento oligárquico:
iguais enquanto cidadãos livres. Livre "O corpo universal das idéias foi
competição e liberdade pessoal lhes remodelado e adaptado para descrever
estavam asseguradas. Os estadistas do ou explicar a condição doméstica
Sul e os seus escritores martelaram cubana. A elite exibiu um
nessa tese, de que a escravidão, e só a cosmopolitismo e um refinamento
escravidão, produzia a mais perfeita insólitos para o seu tempo e
igualdade e a mais substancial lugar—tanto mais surpreendente na sua
liberdade para os cidadãos livres na
situação colonial. Forçada a defender
sociedade"28. a escravidão, essa elite postulou os
A presença ubíqua dos negros direitos de propriedade e a segurança
nivelava, sob um certo aspecto, todos da civilização — eufemismos aceitos
os brancos, pois os chamava para um como argumentos raciais e
espaço comum, que os opunha, em econômicos. Os escravos africanos
bloco, à raça subordinada. O trabalho eram bens. A abolição ameaçava ser a
escravo se constituía em condição ruína e chegava-se até a arrazoar de
primeira para a existência social do um modo contorcido que o cativeiro
branco livre e proprietário. É o era um meio de civilizar os africanos.
raciocínio de um escravista muito O raciocínio e os argumentos não
Descontadas certas popular no período pré-bélico,
diferenças culturais, eram novos nem originalmente
salta à vista do Jefferson Davis. Do ponto de vista da cubanos"30.
historiador a formação lógica da dominação, um raciocínio
Descontadas certas diferenças
de uma ideologia perfeito.
culturais, salta à vista do historiador a
liberal-escravista A combinação de laissez-faire, formação de uma ideologia
comum às três áreas soberbo individualismo dos senhores, liberal-escravista comum às três áreas
em que a atividade patriarcalismo grávido de arbítrio e
agroexportadora se em que a atividade agroexportadora se
fez mais intensa a favor, antiprotecionismo no que toca à fez mais intensa a partir dos anos de
partir dos anos de indústria e elogio da vida rural foi-se 1830: o Brasil cafeeiro, o Sul
1830: o Brasil cafeeiro, construindo solidamente a partir dos algodoeiro e as Antilhas canavieiras,
o Sul algodoeiro e as anos de 1830, "sob a dupla influência especialmente Cuba. Em todas, o
Antilhas canavieiras, da crescente lucratividade da braço escravo deu suporte ao regresso
especialmente Cuba. escravidão na economia de plantation oligárquico. Essa nova decolagem da

28
MYRDAL, G. An american dilemma: the negro problem in a modern democracy.
New York, Harper & Brothers, 1944. p. 442.
29
Ibid., p. 441.
30
KNIGHT, F.W. Slavery, race and social structure in Cuba during the 19 th. Century.
In: TOPLIN, R.B., org. Slavery and race relations in Latin America. Connecticut,
Greenwood Press, 1970. p. 221. A fusão de liberalismo, nativismo antiespanhol e
defesa da escravidão em Cuba foi também observada por Eugênio D. Genovese em O
Mundo dos Senhores de Escravos. Rio, Paz e Terra, 1979. p. 75-80.
economia escravista não escapou ao colônias, a sua abordagem assume um
olho agudo de Tavares Bastos, que tom neutro e utilitário. Não se lê, aí,
tudo via e tudo criticava postado no uma crítica explícita da escravidão do
seu observatório americanófílo31. ponto de vista econômico. Há apenas
Quanto às formações sociais andinas e o registro de que "a boa
platinas, onde a presença do africano administração" (good management)
tinha sido modesta ou nenhuma, do escravo é sempre mais rendosa do
construía-se, naquela altura e com as que os maus tratos:
mesmas pedras de uma ideologia "Mas, tal como o lucro e êxito do
excludente, o que o estudioso cultivo executado pelo gado depende
guatemalteco Severo Martínez Peláez muito da boa administração desse
chamou com precisão "la patria del mesmo gado, também o lucro e êxito
criollo"32. da cultura executada pelos escravos
A leitura que Franklin Knight fez do dependerá igualmente de uma boa
liberalismo cubano vale-se de administração desses escravos; e,
conceitos como remodelagem e nesse aspecto, os plantadores
adaptação para qualificar os franceses, como penso ser do
processos mediante os quais uma consenso geral, são superiores aos
ideologia de origem européia penetrou ingleses"33. Um pouco adiante,
nas mentes e nos corações do repisa: "Esta superioridade tem-se
proprietário americano. Filtrou-se traduzido especialmente na boa
tão-somente o que convinha às administração dos seus escravos"34.
práticas da dominação local. Enfim: "Este tratamento não só torna
o escravo mais fiel como ainda o torna
Cabe uma dúvida: teria o primeiro mais inteligente e, portanto, mais
liberalismo ortodoxo brechas que útil"35. Os nossos prudentes
permitissem algum tipo de ecônomos jesuítas, Antonil e Benci,
contemplação com o trabalho escravo não tinham recomendado coisa muito
nas colônias? diferente aos senhores de engenho
Evidentemente, a resposta cabe aos nordestinos no romper dos
peritos em análise dos textos de Setecentos...
Smith, Say e Bentham. Contento-me Uma hipótese provável é que, no seu
em levantar uma ponta do véu. fazer-se, entre empírico e ideal, a
Adam Smith escreveu A Riqueza das nova ciência das riquezas ainda não
Nações nos anos 70 do século XVIII. desenvolvera uma formulação cabal
A sua luta antimercantilista é bem e unívoca que desse conta também do
conhecida. Monopólios, corporações, problema da rentabilidade do escravo
privilégios, entraves legais ou nas colônias. O valor atribuído ao
consuetudinarios: eis os seus alvos trabalho livre, cerne da Economia
maiores. Na época, o tráfico era Política, não suprimia, de todo, o veio
intenso e explorado principalmente utilitarista e a capacidade de relatar
pela marinha comercial inglesa. O idoneamente o que estava
cativeiro mantinha-se como regra nos acontecendo, de fato, nas grandes
Estados Unidos e em todas as colônias fazendas do Novo Mundo.
britânicas, holandesas, francesas,
espanholas e portuguesas. Smith Curiosa, nessa ordem de idéias, é a
pronuncia-se pela superioridade do forma pela qual o maior divulgador de
trabalho assalariado que lhe parece Adam Smith, Jean-Baptiste Say,
mais lucrativo além de ético. Este, o enfrenta a questão crucial do cotejo
princípio geral. Ao tratar, porém, das do trabalho cativo com o assalariado.

31
BASTOS, T. Cartas do Solitário. 4- ed. São Paulo, Cia. Ed.-Nacional, 1945. Carta XI.
32
MARTÍNEZ PELÁEZ, S. La patria del criollo. Costa Rica, Editorial Universitária
Centroamericana, 1973.
33
SMITH, A. A riqueza das nações. Lisboa, Calonste Gulbenkian, 1983. v. II, p. 137.
34
Ibid., p. 139.
35
Id. ibid., p. 138.
Say, cujos textos foram canônicos no ao passo que cabe ao senhor a
Brasil e nos Estados Unidos durante o administração da manutenção de seu
século XIX, acusa a degradação a que escravo; ora, visto ser impossível que
descem senhores e escravos, e advoga o senhor administre com tanta
a industrialização e o trabalho livre. economia quanto o servidor livre, o
Ao falar, porém, das colônias, serviço do escravo deverá custar-lhe
procura relativizar o seu mestre Smith mais caro.
e os predecessores Steuart e Turgot no
que toca ao custo do regime
escravista; para tanto, expõe, lado a Os que pensam que o trabalho do
escravo é menos dispendioso do que o
lado, as posições conflitantes:
do servidor livre fazem um cálculo
"Autores filantropos acreditaram que semelhante ao seguinte: a manutenção
o melhor meio de afastar os homens atual de um negro das Antilhas, nas
dessa prática odiosa estava em habitações em que são mantidos com
demonstrar que ela é contrária a seus mais humanidade, não custa mais de
próprios interesses. Steuart, Turgot e 300 francos. Acrescentamos a isso o
Smith concordam na crença de que o juro de seu preço de compra e
trabalho do escravo custa mais caro e estimemo-lo em 10%, pois se trata de
produz menos do que o do homem um juro perpétuo. O preço de um
livre. Seus argumentos se reduzem ao negro comum, sendo de 2 mil francos,
seguinte: um homem que não trabalha mais ou menos, o juro será de 200
e não consome por conta própria francos, calculados por cima. Assim,
trabalha o mínimo e consome o pode-se estimar que cada negro custa,
máximo que pode; não tem nenhum por ano, 500 francos a seu senhor.
interesse em dedicar a seus trabalhos a Ora, num mesmo país o trabalho de
inteligência e o cuidado capazes de um homem livre custa mais do que
assegurar seu sucesso; o trabalho isso. Pode cobrar por sua jornada de
excessivo com que é sobrecarregado trabalho uma base de 5, 6 ou 7
diminui sua vida, obrigando seu francos e às vezes até mais. Tomemos
senhor a onerosas substituições. Por 6 francos como média e só contemos
último, é o servidor livre que trezentos dias de trabalho por ano.
administra a sua própria manutenção, Isso dá, como soma de seus salários •
anuais, 1800 em vez de 500 o mais apropriado (o europeu aí não
francos"36. resiste, o escravo tem menos ambição
Nos parágrafos seguintes Say e menos necessidade, o sol lá é
reproduz, sem contestá-la, a ardente e o cultivo da cana, penoso), a
argumentação dos escravistas ao linha de pensamento se volta para as
lembrar a exigüidade real do teses ilustradas que, desde o último
consumo, própria do cativo ("sua quartel do século XVIII, vinham
alimentação se reduz à mandioca, à condenando os exclusivos coloniais e
qual, na casa de senhores bondosos, o tráfico negreiro como barreiras
se acrescenta de tempos em tempos erguidas contra o progresso e a
um pouco de bacalhau seco"); a civilização.
indigência de sua veste ("uma calça e "A escravidão não pode sobreviver
um colete compõem todo o muito tempo na proximidade de
guarda-roupa de um negro"); a nações negras libertas ou mesmo de
miséria de sua habitação ("seu cidadãos negros, como existem nos
alojamento é uma cabana sem nenhum Estados Unidos. Essa instituição
móvel"); enfim, a carência desoladora contrasta com todas as outras e
a que se reduz a sua vida pessoal: "a terminará por desaparecer
doce atração que une os sexos está gradualmente. Nas colônias européias,
submetida aos cálculos de um ela só pode durar com o amparo das
senhor". forças da metrópole, e essa,
A somatória desses vários fatores tornando-se esclarecida, terminará por
resultará, objetivamente, na alta retirar-lhe o apoio"38. A profecia de
rentabilidade das plantações coloniais: Say tardou a cumprir-se, não só em
relação às colônias (Cuba, Antilhas,
"Foi provavelmente por isso que os Guiana), quanto em relação aos
lucros de um engenho de açúcar eram Estados Unidos, já independentes, e
a tal ponto exagerados que se ao Brasil. E em parte nenhuma o
afirmava, em São Domingos, que uma regime de cativeiro foi extinto sem
plantação, em seis anos, devia contrastes, por obra espontânea dos
reembolsar ao proprietário o preço de senhores: as fugas e rebeliões dos
compra, e que os colonos das ilhas negros, a luta de grupos abolicionistas
inglesas, segundo o próprio Smith, e a ação final do Estado foram, em
concordavam que o rum e o melaço todos os casos, determinantes. As
bastavam para cobrir os custos do oligarquias resistiram enquanto
engenho, todo o açúcar sendo puro puderam.
lucro"37.
Chegado a este ponto, em que a tese O Traité saiu em 1803. Em 1807 a
escravista já foi apresentada como Inglaterra proíbe o tráfico. No
válida ou, ao menos, exeqüível, Say entanto, a escravidão é restabelecida
opera um corte brusco: "Seja como por Bonaparte depois da sangrenta
for, tudo mudou". A situação das revolta do Haiti. E o algodão no
Antilhas já é outra. Ele escreve em Velho Sul, o açúcar em Cuba e o café
1802, quando se dá uma queda no no Brasil fariam recrudescer a prática
comércio colonial em virtude da do trabalho escravo e estimular o
concorrência do açúcar de beterraba tráfico com uma intensidade nunca
europeu. O trabalho livre parece-lhe vista. A primeira metade do século
alcançar a merecida primazia, o que é XIX foi um período febril do
um trunfo para a nova ortodoxia escravismo; e é à luz desse contexto
burguesa. Embora o seu pragmatismo afro-americano da economia de
visceral ainda observe que, nos plantagem que se pode entender a
engenhos de Cuba e de Jamaica, o ideologia regressista dos liberais
trabalho do negro parece ser, de fato, brasileiros, e não só brasileiros.
36
SAY, Jean-Baptiste. Tratado de economia política. São Paulo, Nova Cultural, 1986.
Livro I, cap. 19.
37
Ibid.
38
Id. lac. cit.
Oligarquia e Neutralização A resposta deve buscar-se na mutante
Ideológica biografia política dos moderados de
Os interesses dos senhores rurais 31, dos regressistas de 36, dos
contavam com uma Carta que também conservadores dos anos 40, dos
servira de escudo aos moderados após conciliadores e ligueiros dos anos 50.
a Abdicação. Antigos pais da pátria,
Nabuco de Araújo foi primeiro
como Evaristo e Bernardo de conservador, depois conciliador e
Vasconcelos, acabaram encalhando no ligueiro, enfim neoliberal. Paraná,
areai de um sistema parlamentar de Torres Homem e Rio Branco foram
baixíssimo grau de representação: primeiro liberais, depois
"Nada de excessos, a linha está conservadores de centro. Zacarias,
traçada, é a da Constituição. Tornar Saraiva, Paranaguá e Sinimbu,
prática a Constituição que existe no primeiro conservadores, depois
papel deve ser o esforço dos liberais" liberais. Vasconcelos, Paulino de
— são palavras de um lutador Sousa e Rodrigues Torres, primeiro
histórico, Evaristo da Veiga, na sua moderados, depois cardeais de
Aurora Fluminense de 9 de setembro conservadorismo. Para todos, e pouco
de 182939. "Queremos a Constituição importa aqui o nome do grupo, a
— não a Revolução". O mesmo própria noção de liberdade fora uma
homem, que a historiografia da herança transmitida pela geração que
Regência costuma opor ao os precedera entre 1808 e 1831.
regressismo, traçava com meridiana Assentados nessa plataforma,
clareza a linha de separação entre o convinha-lhes a facção eleitoral que,
seu próprio liberalismo, que defendia, em cada conjuntura, melhor os
e a "democracia", que rejeitava: resguardasse. É o acerto da frase
sardônica: "Nada mais parecido com
O princípio da soberania popular era, um saquarema do que um luzia no
no seu juízo, "contrário: (lº) ao fato poder".
da desigualdade, estabelecida pela Até meados do século, o discurso, ou
natureza entre as capacidades e as o silêncio, de todos foi cúmplice do
potências individuais; (2º) ao fato da tráfico e da escravidão. O seu
desigualdade de capacidades liberalismo, parcial e seletivo, não era
provocada pela diferença de posições; incongruente: operava a filtragem dos
(3º) à experiência do mundo que viu significados compatíveis com a
sempre os tímidos seguirem aos liberdade intra-oligárquica e
bravos, os menos hábeis obedecerem descartava as conotações importunas,
aos mais hábeis, as inferioridades isto é, as exigências abstratas do
naturais reconhecerem as liberalismo europeu que não se
superioridades naturais e lhes coadunassem com as particularidades
obedecerem. O princípio da soberania da nova nação.
do povo, isto é, o direito igual dos
indivíduos à soberania, e o direito de Um testemunho abalizado do que
todos os indivíduos de concorrer à chamo de filtragem ideológica é o de
soberania é radicalmente falso porque, Eusébio de Queirós, cujo nome está
sob pretexto de manter a igualdade associado à lei que proibiu finalmente
legítima, ele introduz violentamente a o tráfico em 1850, depois de tantos
igualdade onde não existe e viola a enfrentamentos com o governo
desigualdade legítima"40. britânico. Falando do aspecto moral
Até meados do século, do comércio negreiro, Eusébio,
o discurso, ou o E qual seria o locus partidário desses ministro da Justiça e ex-chefe de
silêncio, de todos foi liberais que, exatamente como Polícia do Rio de Janeiro, procede a
cúmplice do tráfico e pensava Evaristo, tinham por legítima uma descriminalização dessa
da escravidão. a desigualdade? atividade:

39
TARQÜÍNIO de SOUSA. Evaristo da Veiga, op. cit., p. 61.
40
Em O Independente, 14 de março de 1832, apud Augustin Wernet, Sociedades
políticas (1831-32). São Paulo, Cultrix, 1978. p. 67.
"Sejamos francos: o tráfico, no Brasil, bons negros da costa da África para
prendia-se a interesses, ou para cultivar os nossos campos férteis do
melhor dizer, a presumidos interesses que todas as tetéias da rua do
dos nossos agricultores; e num país Ouvidor, do que vestidos de um conto
em que a agricultura tem tamanha e quinhentos mil réis para as nossas
força, era natural que a opinião mulheres; (...) do que, finalmente,
pública se manifestasse em favor do empresas mal avisadas muito além das
tráfico; a opinião pública que tamanha legítimas forças do país, as quais,
influência tem, não só nos governos perturbando as relações da sociedade,
representativos, como até nas próprias produzindo uma deslocação de
monarquias absolutas. O que há pois trabalho, têm promovido mais que
para admirar em que os nossos tudo a escassez e alto preço dos
homens políticos se curvassem a essa víveres"42.
lei da necessidade? O que há para
admirar em que nós todos, amigos ou José de Alencar, um dos campeões do
inimigos do tráfico, nos curvássemos status quo nos debates de 1871,
a essa necessidade? lamentaria, em estilo menos brutal, os
males da especulação financeira, do
Senhores, se isso fosse crime, seria jogo bolsista e do luxo corruptor que
crime geral no Brasil; mas eu sustento o papel-moeda fácil trazia aos
que, quando em uma nação todos os costumes da Corte. E identificaria o
partidos políticos ocupam o poder, ritmo lento e pesado da velha
quando todos os seus homens economia (leia-se: o pleno domínio do
políticos têm sido chamados a tráfico) com os seus próprios valores
exercê-lo, e todos eles são concordes de honra e austeridade. É a suma da
em uma conduta, é preciso que essa peça O Crédito, levada à cena em
conduta seja apoiada em razões muito 1857, e que pode ser interpretada
fortes; impossível que ela seja um como a metáfora do nosso capitalismo
crime e haveria temeridade em acanhado. Retomando a questão em
chamá-la um erro" 41 . uma das suas Canas a Erasmo,
O tráfico fora suspenso, mas a sua dirigida ao mentor financeiro do
apologia ainda se fazia presente na Império, o visconde de Itaboraí,
boca daqueles mesmos que tinham Alencar ressaltaria a conveniência de
sido obrigados a proibi-lo de vez. aplicar-se o novo crédito bancário à
produção agrícola, ou seja, a
Uma posição mais crua se dá ao olhar necessidade de se estreitarem os
do historiador quando este se volta do vínculos entre o poder monetário do
discurso oficial para um depoimento Estado e a economia do latifúndio. O
sem rebuços, feito pelo dono de uma escritor alegava, em favor do seu
velha casa comercial do Rio, projeto, a razão de ser o Brasil "um
amargamente ressentido com as país novo, onde se pode dizer que a
emissões bancárias que jorraram grande propriedade ainda está em
depois da extinção do tráfico (estaria gestação"... A inflação, que, para a
ele envolvido no mercado negreiro?): ortodoxia de Itaboraí, era um mal,
"Antes bons negros da costa da subiria ao nível de mal necessário
África para felicidade sua e nossa, a desde que beneficiasse o senhor de
despeito de toda a mórbida filantropia terras. Reprodução e autodefesa com
britânica, que esquecida da sua o suporte dos cofres públicos: limites
própria casa deixa morrer de fome o do que se poderia chamar a ideologia
pobre irmão branco, escravo sem dominante pós-colonial. Nessa
senhor que dele se compadeça, e concepção, o pecado da livre-emissão
hipócrita ou estólida chora, exposta ao só era julgado mortal quando
ridículo da verdadeira filantropia, o cometido fora do legítimo consórcio
fardo do nosso escravo feliz. Antes com o interesse da "grande

41
Apud NABUCO, J. O Abolicionismo, op. cit.
42
Apud NABUCO, J. Um Estadista ... op. cit., p. 217-18.
propriedade". Alencar, nas mesmas O marquês do Paraná, chefe do
Canas, ainda verbera os impostos e a gabinete conciliador a que Nabuco
"empregocracia", e condena, nos servia, pensava da mesma maneira
mesmos termos deCairue quando reconhecia no "estado em que
Vasconcelos, a proteção a "fábricas e se achava a sociedade" o móvel da
manufaturas não existentes nem fusão dos antigos liberais com os
sonhadas no país". Um liberalismo conservadores de sempre.
pré-industrial coerente ajustava-se às É também verdade que esse
nossas rotinas oligárquicas. liberalismo corporativo assumia às
Liberalismo ou conservadorismo? A vezes um tom exaltado quando alguma
neutralização é vivida e formulada ao conjuntura o encostasse à margem do
longo dos anos 50. Já não há lugar poder. Aparecia então a retórica
para profissões de fé democrática feita de puro
ideológico-partidárias, tal é a unidade ressentimento pessoal ou grupal, que
de valores subjacente aos interesses engana, mas por breve tempo. Um
de facção. O senador Nabuco de exemplo forte se tem no Libelo do
Araújo, em pleno trânsito da Povo, de Timandro, pseudônimo de
Conciliação para a Liga, busca Sales Torres Homem, diatribe contra o
entender as causas desse poder pessoal do Imperador. O
indiferentismo doutrinário pelo qual o panfleto foi considerado, em 1849,
nome "liberal" traduzia um conteúdo radical, mas o seu alvo não era a
conformista; e as identifica naquilo efetiva opressão política do regime:
que lhe parece ser a homogeneidade investia apenas contra a Casa de
do corpo social brasileiro: Bragança, descompunha a família
reinante e, por tabela, a tirania
"Eu concedo que em uma sociedade,
portuguesa. O autor passou-se mais
onde há classes privilegiadas, onde
tarde para as fileiras palacianas e foi
existem interesses distintos e
agraciado com o título de visconde de
heterogêneos, onde ainda domina o
Inhomirim. Desses liberais dirá um
princípio do feudalismo, aí haja, como
na Inglaterra, partidos que sobrevivem filho de mulher africana nas Trovas
aos séculos; mas onde os elementos Burlescas:
são homogêneos, como em nossa "Se ardente campeão da liberdade
sociedade, na qual não há privilégios, Apregoa dos povos a igualdade,
na qual os partidos representam Libelos escrevendo formidáveis,
somente princípios de atualidade que Com frase de peçonha impenetráveis:
todos os dias variam e se modificam, Já do céu perscrutando alta eminência.
aí os partidos são precários"43.
O discurso, proferido em 13 de junho Abandona os troféus da inteligência,
de 1857, deixa de nos parecer Ao som d'argém (argent?) se curva,
escandaloso, se entendermos pela qual vilão,
expressão nossa sociedade, não o O nome vende, a glória, a posição:
povo brasileiro em geral, mas apenas É que o sábio, no Brasil, só quer
aquele círculo de homens elegíveis lambança
economicamente qualificados e, Que possa empantufar a larga
portanto, aptos para a ação política pança!"44.
nos termos da Carta de 1824. Dentro Na Província, truncado a ferro e fogo
desse espaço fechado era, de fato, o ciclo das revoltas, o quadro
pertinente indagar: para que partidos partidário também estagnou em um
ideológicos conflitantes, se tudo se adesismo larvar, sintoma da sua
reduzia a um loteamento de cargos, dependência para com os ditames da
influências e honrarias? Corte. Assim ironiza as facções de sua

43
NABUCO, J. Um Estadista ... op. cit., p. 319.
44
GAMA, L. (Getulino). Primeiras trovas burlescas. 3- ed. São Paulo, Tip. Bentley
Júnior & Comp, 1904.
terra maranhense um jornalista de como fato consumado, uma vez que
pulso, João Francisco Lisboa: nos garanta o gozo de todas as
"Em geral... têm sido favoráveis ao regalias dos cidadãos. Estamos até
governo central, e só lhe declaram dispostos a prestar-lhe a mais franca e
guerra, quando de todo perderam a leal cooperação" (Jornal de Timon:
esperança de obter o seu apoio contra "Partidos e Eleições no Maranhão").
os partidos adversos que mais hábeis O teor informativo do texto nos dá a
ou mais felizes souberam acareá-lo imagem nítida da situação no interior
para si. Quando o Exmo. Sr. Bernardo sob o domínio do interesse
Bonifácio, importunado das recíprocas oligárquico que vários clãs
recriminações e dos indefectíveis partilhavam. Mas a perspectiva já é
protestos de adesão e apoio destes crítica e, no seu movimento, dialética,
ilustres chefes, os interrogava ou pois aponta para um liberalismo
sondava apenas, respondiam eles, superior que, naquela altura, mal se
cada um por seu turno:—A divisa dos vislumbrava, mas que pulsava e, cedo
Cangambás é Imperador, Constituição ou tarde, irromperia.
e Ordem. Os Mossorocas só querem a
Constituição com o Imperador, únicas
garantias que temos de paz e A Formação do Novo Liberalismo
estabilidade. Os Jaburus são "O lavrador brasileiro deve
conhecidos pela sua longa e reconhecer que chegou já, por
inabalável fidelidade aos princípios de imposição do destino, ao regime do
ordem e monarquia; o Brasil não pode trabalho assalariado."
medrar senão à sombra protetora do Quintino Bocayuva, A Crise da Lavoura, 1868.
Trono. Vêm os Bacuraus por "As instituições existem, mas por e
derradeiro e dizem: Nós professamos para 30% dos cidadãos. Proponho
em teoria os princípios populares; mas uma reforma no estilo político. Não se
somos assaz ilustrados para deve dizer: 'consultar a nação,
conhecermos que o estado do Brasil representantes da nação, os poderes
não comporta ainda o ensaio de certas da nação'; mas 'consultar os 30%,
instituições. Aceitamos pois sem representantes dos 30%, poderes dos
escrúpulos a atual ordem de cousas, 30%'. A opinião pública é uma
metáfora sem base; há só a opinião o seu efeito foi o de um catalisador de
dos 30%." de forças dispersas. E são as
Machado de Assis, História de Quinze Dias, ressonâncias do ato que compõem a
crônica, 15 de agosto de 1876. nova situação e valem como aquela
"Ou o campo ou as cidades; ou a ponta do iceberg. A reação dos
escravidão ou a civilização; ou os políticos, da imprensa, dos
intelectuais, dos centros acadêmicos
Clubes da Lavoura ou a imprensa, os
centros intelectuais, a mentalidade e a em todo o País, aparece como uma
a moralidade esclarecida do país." cadeia de elos significativos e remete
Joaquim Nabuco, "O terreno da luta", Jornal do
pergunta pelos valores em causa. Que
Comércio, 19 de julho de 1884.
liberalismo é esse que sai a campo em
busca de um programa de reformas
Se o caráter principal do amplas, e já não se sente um mero
acontecimento é poder situar-se com ventríloquo das dissidências
precisão nas coordenadas do espaço e oligárquicas?
do tempo, o mesmo não se dá com o A crise de 68 é o momento agudo de
processo ideológico. Este não surge um processo que, de 65 a 71, levou à
de improviso ou por acaso, de um dia Lei do Ventre Livre. Analisada por
para o outro. Sua matéria-prima são esse ângulo, é uma crise de passagem
idéias afetadas de valores, e idéias e do Regresso agromercantil, emperrado
valores se formam lentamente, com e escravista, para um reformismo
idas e vindas, no curso da história, na arejado e confiante no valor do
cabeça e no coração dos homens. No trabalho livre. Essa leitura dos fatos
entanto, como a ponta do iceberg é tem a sua verdade, mas é preciso que
claro indício da existência de massas se distinga com clareza a vertente
submersas cuja profundidade não se liberal-radical (expressão que
pode calcular a olho nu, também aparece, pela primeira vez, em 1866,
certas situações, rigorosamente na folha A Opinião Liberal), do
datadas, ao se armarem, servem de conjunto bastante híbrido que foi o
pista ao leitor de ideologias para Partido Liberal até a abolição
detectar correntes que vêm de longe. completa em 1888.
A data exerce, então, o papel de signo Nos últimos decênios do Império as
ostensivo de uma viragem. tendências progressistas circulam pelo
A historiografia é unânime em Partido Liberal e pelo Republicano,
assinalar o ano de 1868 como o mas não coincidem perfeitamente nem
grande divisor de águas entre a fase com um nem com o outro. E haverá
mais estável do Segundo Império e a resistências conservadoras, e até
sua longa crise que culminaria, 20 escravistas, em ambos os grêmios45.
anos mais tarde, com a Abolição e a A história do novo liberalismo, para
República. continuar usando a expressão de
A data de 1868 aqui importa porque Joaquim Nabuco, pode ser apreendida
nela se ouve um toque de reunião (o tanto no ritmo da longa duração
estilo hugoano do tempo inspiraria quanto no das conjunturas.
imagens de "clarinada" e "clangor de Pelo primeiro, que contempla o nível
trompas") dos liberais, então dos sistemas, a relação se faz entre a
revoltados com o gesto abrupto de nova corrente ideológica, visível
Pedro II que acabara de demitir o desde os anos 60, e o dinamismo
gabinete de Zacarias de Góis, econômico e social que a extinção do
majoritário no Parlamento. tráfico instaurou no País já a partir de
A decisão, embora traumática, não 1850. Os capitais, que montavam em
feria a lei maior, figurando entre as cerca de 16 mil contos, liberados para
atribuições do Poder Moderador. Mas afluir ao comércio, à manufatura, à

45
SANTOS, J.M. A política geral do Brasil. São Paulo, J. Magalhães, 1930. p. 133-54.
(esp. cap. VIII, "A Abolição").
rede de transportes ou ao puro jogo da necessidade e a superioridade do
Bolsa, na verdade aceleraram o trabalho livre.
processo de urbanização e o emprego Um pensamento liberal moderno, em
do trabalho assalariado. A situação foi tudo oposto ao pesado escravismo dos
alimentada, estruturalmente, pela anos 40, pôde formular-se tanto entre
contínua expansão agroexportadora políticos e intelectuais das cidades
que a demanda internacional sustentou mais importantes, quanto junto a
até o fim do século: a existência de bacharéis egressos das famílias
um mercado interno e de um pólo nordestinas que pouco ou nada
urbano em desenvolvimento na região podiam esperar do cativeiro em
Sudeste foi a condição necessária para declínio.
a emergência de valores liberais mais
amplos do que os professados pelo O novo liberalismo será urbano, em
discurso intra-oligárquico. "Ou o geral; e será nordestino, em particula
campo ou as cidades; ou a escravidão
ou a civilização"46. Quanto às tendências ideológicas dos
Ainda em termos de infra-estrutura: na fazendeiros de café tidos por mais
região nordestina, esvaziada modernos (principalmente os do Novo
rapidamente pelo tráfico interno, que Oeste paulista), seriam, na verdade,
vendia o braço negro aos fazendeiros muito peculiares. Neles, o que parece,
do Sul, o trabalho sob contrato já se à primeira vista, antiescravismo, é, a
tornara fato consumado entre os anos rigor, imigrantismo. O fato de terem
60 e 70. Notava, então, o primeiro subido ao poder com a proclamação
ideólogo de nossa modernização da República deu-lhes uma posição
capitalista, Tavares Bastos: hegemônica que lhes permitiria
resolver a questão do trabalho rural
em termos próprios, estreitos e
"Apontarei o fato de já estarem em pragmáticos. Os seus planos
Pernambuco, no Rio Grande do Norte
tangenciaram, mas não se
e na Paraíba, os homens livres,
confundiram com as idéias reformistas
admitidos por salário ao trabalho dos
que vão de Tavares Bastos a
próprios engenhos e plantações de
Rebouças, de Quintino Bocayuva a
açúcar. Digo o mesmo do Ceará Joaquim Nabuco.
quanto à nascente lavoura de café.
Não obstante a cólera e a exportação Distinguir entre correntes de opinião
de escravos para o Sul, a produção e grupos partidários se faz uma
daquelas províncias não tem necessidade aguda quando se passa de
diminuído; a do Ceará tem aumentado uma perspectiva de longa duração — a
muito. A sua agricultura vai-se que corre entre os anos 60 e o fim do
melhorando, introduzindo o arado e Império—para a análise miúda das Quanto às tendências
aplicando os motores a vapor. O ações e reações gremiais. Nos vaivéns ideológicas dos
senhor de engenho, nalgumas da petite histoire, que o leitor dos fazendeiros de café
localidades, quase que se vai tornando Anais do Parlamento poderá tidos por mais
mero fabricante de açúcar, sendo acompanhar, não é raro ver membros modernos
plantada por vizinhos, ou lavradores do Partido Conservador, aliciados (principalmente os do
agregados, grande parte da cana pela Coroa, defender a libertação dos Novo Oeste paulista),
moída no engenho, o que é uma nascituros de mulher escrava (como o seriam, na verdade,
divisão econômica do trabalho"47. propuseram os gabinetes do marquês muito peculiares.
de São Vicente e do visconde de Rio Neles, o que parece, à
Uma das tônicas das Cartas do primeira vista,
Solitário, escritas a partir de 1861 Branco), ou surpreender atitudes antiescravismo, é, a
para o Correio Mercantil, era a retrógradas entre os filiados ao rigor, imigrantismo.

46 NABUCO, J. O terreno da luta. Jornal do Comércio, 19 jul., 1884.


47 BASTOS, T. Cartas do Solitário, op. cit., p. 268.
48 "Na região nordestina de Pernambuco, por exemplo, onde o trabalho escravo
predominara nas fazendas na época da Independência, já na década de 1870 o trabalho
livre tornara-se mais importante" (EISENBERG, Peter L., A abolição da escravatura:
o processo nas fazendas de açúcar em Pernambuco, in Estudos Econômicos, São Paulo,
2(6): 181, dez. 1972.)
Partido Liberal, como as do mineiro sociais do pai, o Senador: "Eu
Martinho Campos, que mais de uma traduzia documentos do Anti-Slavery
vez se declarou "escravocrata da Reporter para meu pai que, de 1868 a
gema". 1871, foi quem mais influiu para fazer
Assim se deu também na questão da amadurecer a idéia da
eleição direta, reforma grata aos emancipação"50.
radicais de 60: as opiniões se foram A clivagem é fundamental, e assim se
repartindo conforme os interesses mantém até a hora em que a campanha
regionais e clânicos e sem levar em se faria irreversível e o abolicionismo
conta a cor partidária. Os velhos tomaria o vulto de um verdadeiro
liberais moderados, que afinal a partido dentro dos demais:
empreenderam, como Sinimbu e "Em 1884 deu-se a conversão do
Saraiva, apoucaram-na a tal ponto partido liberal e em 1888 a do partido
que, mantido o censo pecuniário e conservador"51.
literário, reduziam o eleitorado a 1/20
da população; o que provocou reações Joaquim Nabuco tem plena
indignadas em Silveira Martins, consciência do contraste do novo
Saldanha Marinho e José Bonifácio, o pensamento com o velho discurso
moço, este último mestre de dois regressista ou conciliador. São dois
estreantes no Parlamento, Rui Barbosa blocos históricos que incluem toda a
e Joaquim Nabuco. A intervenção do sociedade civil e se manifestam sob a
Andrada na sessão de 28 de abril de forma difusa da opinião pública.
1879 virou matéria de antologia "A opinião, em 1845, julgava legítima
democrática: e honesta a compra de africanos
"Neste país, a pirâmide do poder transportados traiçoeiramente da
assenta sobre o vértice em vez de África, e introduzidos por
assentar sobre a base". contrabando no Brasil"52.
Ou então, fazendo sátira à cláusula No artigo "A reorganização do
oficial que proibia o voto ao Partido Liberal", volta a ser incisivo
analfabeto: ao expor a dialética do liberalismo em
face da escravidão:
"Esta soberania de gramáticos é um
erro de sintaxe política (apoiados e
risos). Quem é o sujeito da oração? "Aí está uma profunda divergência
entre o novo liberalismo e o antigo, o
(Hilaridade prolongada). Não é o
qual ainda existe, em toda a sua força,
povo? Quem é o paciente? Ah!
mas felizmente tendo atingido ao seu
descobriram uma nova regra: é não
limite de crescimento, e devendo
empregar o sujeito (hilaridade)49.
portanto declinar e não mais
Mas qual o corte que separou, no expandir-se. A primeira grande
fundo, os dois liberalismos? Se o tema divergência foi essa do abolicionismo,
da eleição direta foi o mais vistoso, o que opôs ao antigo espírito político do
modo de tratar a questão servil terá partido o espírito verdadeiramente
cavado um divisor de águas mais popular, e substituiu a luta das teses
largo: este é o olhar retrospectivo de constitucionais sem alcance e sem
Joaquim Nabuco, que teoriza a horizonte pela luta contra os
história do Império à luz da sua poderosos privilégios de classe,
prática abolicionista. A memória do contrários ao desenvolvimento da
lutador traz ao primeiro plano da crise nação. Pela primeira vez então o
institucional de 1868 as inquietudes Partido Liberal saiu do terreno das

49
Apud HOLANDA, S.B. Do Império à República. 4ª ed. São Paulo, Difel, 1985.
p. 204.
50
NABUCO, J. Minha formação. Rio, José Olympic, 1957. p. 34.
51
Ibid., p. 201.
52
Id. ibid., p. 59.
discussões escolásticas, que só esta aparece como item de um
interessavam à classe governante, para programa no qual a ênfase é dada à
entrar no terreno das reformas sociais, reforma eleitoral. O novo liberalismo,
que afetam as massas inconscientes do de extração urbana, quer dar voz e
povo"53. voto aos seus virtuais eleitores:
"Atualmente a aspiração mais ardente
Não se tratava, pois, de um simples
"renascimento liberal", mas de uma de todos os brasileiros esclarecidos,
ideologia de oposição que metia a sua como tem sido de todos os partidos de
cunha dentro do próprio partido. Uma oposição, é liberdade ampla de
forma conscientemente moderna de eleição; pronunciamento franco da
pensar os problemas do trabalho e da opinião do país nos comícios
cidadania. Se ao observador da eleitorais" — diz em carta pública José
Antônio Saraiva ao conselheiro
História Ocidental essa apologia do
assalariado poderá parecer um tanto Nabuco de Araújo que lhe pedira sua
retardatária, é porque o nosso "opinião acerca das reformas que
devem figurar no programa liberal"56.
capitalismo também era, na palavra de
um seu intérprete feliz, um A conjuntura excitava o debate
"capitalismo tardio"54. O autor da preferencial sobre o tema da
expressão, o economista João Manuel representação. A derrubada do
Cardoso de Melo, estudando os ministério Zacarias e a nomeação de
limites internos à expansão do antigo um gabinete confiado ao ultra
regime, concluiu que "os últimos anos visconde de Itaboraí tinham posto a
da década de Sessenta marcam a crise nu a força real do Poder Moderador e
da economia mercantil-escravista a impotência dos deputados; em suma,
cafeeira. E, como veremos, o a precariedade de todo o sistema
momento decisivo da crise da partidário.
economia colonial"55. "Que o Sr. D. Pedro II tem de fato um
poder igual ao de Napoleão III, é
A resposta à crise veio tanto dos outra verdade de que eu estou
movimentos abolicionistas urbanos (e profundamente convencido. A
nordestinos) quanto, logo depois, da constituição francesa, porém, é a base
política imigrantista dos fazendeiros do poder daquele monarca, ao passo
de São Paulo: as motivações sociais e que o falseamento do voto é a origem
morais eram diferentes entre si, mas, do excessivo poder do Imperador do
por sendas opostas, concorreram para Brasil", acusava Saraiva.
o fim do cativeiro.
Mas convém atentar para um sintoma
De qualquer modo, a ruptura do de nova mentalidade. O protesto dos
equilíbrio político em 1868 não liberais não se esgotou no clamor por
poderia ter levado a medidas radicais eleições diretas e livres de tropelias
pelo simples fato de o projeto provocadas pelos coronéis. Nas ondas
imigrantista não estar, àquela altura, dessa "maré democrática" também se
amadurecido, mas apenas idealizado impõe e se move a idéia do trabalho
por alguns homens públicos mais assalariado como projeto a médio
sensíveis à escassez, real ou potencial, prazo. Não é ainda a reivindicação
da mão-de-obra. As medidas práticas primeira. Falta-lhe concreção
viriam 2 ou 3 lustros mais tarde. temática; falta a resposta à grande
pergunta: como substituir, aqui e
Os textos polêmicos que exprimem o agora, o braço negro, sustento
inconformismo liberal de 1868-69 exclusivo do café? A liberdade dos
ainda não trazem como punctum nascituros mediante indenização é
dolens único a questão do trabalho; ainda a proposta-limite. Mas, de

53
Em O País, 9 de dezembro de 1886; transcrito por Paula Beiguelman, Joaquim
Nabuco. Política. São Paulo, Ática, p. 136-7.
54
CARDOSO de MELO, J.M. O Capitalismo tardio. São Paulo, Brasiliense, 1982.
55
Ibid., p. 72.
56
O Centro Liberal. Ed, Senado Federal, Brasília, 1979. p. 44.
qualquer modo, o princípio do exclusivismo e oligarquia de um só
contrato livre reponta e será partido.
incontornável em mais de um Não há que hesitar na escolha:
contexto.
A reforma!
Na carta de Saraiva: "Do falseamento
das eleições derivam todas as nossas E o País será salvo".
dificuldades, bem como do trabalho Assinavam: José Thomaz Nabuco de
escravo todos os nossos atrasos Araújo, Bernardo de Souza Franco,
industriais. São estes, pois, em meu Zacarias de Góis e Vasconcellos,
humilde conceito, os dois pontos Antônio Pinto Chichorro da Gama,
cardeais para que devem convergir Francisco José Furtado, José Pedro
completamente a atenção e o esforço Dias de Carvalho, João Lustosa da
do Partido Liberal. Cunha Paranaguá, Teófilo Benedicto
Com a eleição livre, com a Benedicto Ottoni e Francisco
desaparição do elemento servil, e com Octaviano de Almeida Rosa57.
a liberdade de imprensa que já Qual o conteúdo dessa reforma
possuímos, o Brasil caminhará seguro salvadora? O programa se formulou
para seus grandes e gloriosos em outro texto, subscrito pelos
destinos, e em um futuro não muito mesmos nomes e publicado
remoto colocar-se-á entre as nações inicialmente pelo Diário da Bahia em
mais adiantadas. 16 de maio de 1869. Compõe-se de
Com a escravidão, porém, do homem cinco pontos, dos quais o último é,
e do voto, não obstante a liberdade de literalmente,
nossa imprensa, continuaremos a ser, Emancipação dos escravos,
como somos hoje, menosprezados seguido por este comentário restritivo:
pelo mundo civilizado, que não pode "consistindo na liberdade de todos os
compreender se progrida tão pouco filhos de escravos que nascerem desde
com uma natureza tão rica". a data da lei, e na alforria gradual dos
A polaridade semântica é esta: nossos escravos existentes, pelo modo que
atrasos vs. nações mais adiantadas. será oportunamente declarado".
A consciência aguda do atraso se
Pode-se dizer que até a deflagração da
forma de Tavares Bastos a Nabuco, de
campanha abolicionista na Câmara e
Rebouças a Rui Barbosa, em função
na imprensa, entre 1879 e 1880, as
do contraste entre cativeiro e trabalho
bandeiras liberais serão precisamente
livre. Com os olhos postos na
estas: a liberdade dos nascituros
Inglaterra e nos Estados Unidos os
nossos políticos progressistas mediante ressarcimento e emancipação
exercerão uma crítica cerrada ao gradual dos escravos restantes.
regime.
Mais adiante, o Manifesto lança um
No Manifesto do Centro Liberal, parágrafo tático que denuncia o receio
lançado em março de 1869, além da de dividir o novo partido em alas
radiografia dos abusos que se divergentes, o que tornaria difícil a
seguiram à subida dos conservadores, ação do Centro Liberal em uma hora
A polaridade avulta a exigência de reformas já
semântica é esta: em que a unidade anticonservadora se
nossos atrasos vs. então vistas como o necessário meio impunha:
nações mais adiantadas. termo entre o regresso e a revolução:
"A emancipação dos escravos não tem
A consciência aguda "Ou a reforma. íntima relação com o objeto principal
do atraso se forma de do programa, limitado a uma certa
Tavares Bastos a Ou a revolução.
Nabuco, de Rebouças a ordem de abusos; é porém uma grande
A reforma para conjurar a revolução. questão da atualidade, uma exigência
Rui Barbosa, em
função do contraste A revolução, como conseqüência imperiosa e urgente da civilização
entre cativeiro e necessária da natureza das coisas, da desde que todos os Estados aboliram a
trabalho livre. ausência do sistema representativo, do escravidão, e o Brasil é o único país

57
Ibid., p. 1000.
cristão que a mantém, sendo que na fato legal, mas ninguém dirá que é um
Espanha esta questão é uma questão fato legítimo, porque é um fato
de dias. condenado pela lei divina, é um fato
Certo, é um dever inerente à missão condenado pela civilização, é um fato
do Partido Liberal, e uma grande condenado pelo mundo inteiro"60.
glória para ele a reivindicação da O que mudara, substancialmente?
liberdade de tantos milhares de
homens que vivem na opressão e na O novo liberalismo já tem plenas
humilhação"58. condições mentais para dizer que a
escravidão, ainda que formalmente
As tintas renovadoras do programa legal, é ilegítima. O mesmo Nabuco,
terão sido obra da ala móvel do quatorze anos antes desse discurso,
partido. Refletem o pensamento de pensara e agira diversamente. Em
Teófilo Ottoni, que dirigira uma 1854, quando ministro da Justiça do
experiência de migração alemã no gabinete conciliador de Paraná, ele
Vale do Mucuri, de Francisco tinha pactuado com uma infame
Octaviano, de Tavares Bastos, de decisão oficial que prescrevera, isto
Nabuco de Araújo. A evolução é, cancelara os efeitos da lei de 7 de
ideológica do último, que o filho novembro de 1831, pela qual a
acompanhou passo a passo em Um Regência conviera em declarar livres
Estadista do Império, faz supor que os africanos aqui desembarcados
alguma coisa de mais profundo depois dessa data. O ministro Nabuco
acontecera desde o seu cauto não só aceitara aquela aberta violação
compromisso com a política senhorial da lei de 1831 como a defendera em
até a busca de uma alternativa termos de razão de Estado,
moderna. A nova posição, de que foi aconselhando o presidente da
paradigma o "discurso de sorites" província de São Paulo a lançar mão
proferido em 17 de julho de 1868, dela no caso particular de um
abriu, conforme o juízo enaltecedor de africano, de nome Bento, trazido
Joaquim Nabuco, "a fase final do clandestinamente ao Brasil após a
Império"59. cessação legal do tráfico. O escravo
A oração assesta um golpe de mestre tinha fugido e, ao ser apreendido pela
no estreito formalismo jurídico do polícia, foi liberado pelo juiz de
sistema, precisamente no trecho em direito que conseguira apurar a data
que distingue entre legalidade e da sua entrada. Nabuco de Araújo,
legitimidade das instituições. O porém, justifica os "direitos do
assunto da polêmica era, como se senhor" que o reclamava, alegando "o
sabe, a recente nomeação por Pedro II bem dos interesses coletivos da
de um gabinete conservador sem sociedade, cuja defesa incumbe ao
respaldo na Câmara: ato legal, pois governo", e remata: "Não convém
cabia à Coroa escolher e demitir que se profira um julgamento contra a
ministérios; mas ato ilegítimo, porque lei, mas convém evitar um julgamento
â maioria absoluta do Parlamento era em prejuízo desses interesses, um
liberal. julgamento que causaria alarma e
Feita com clareza a distinção, em exasperação aos proprietários"61.
nome da consciência e da justiça, Em 1854, legítimo era, para o ministro
Nabuco de Araújo também a aplica à Nabuco, o interesse dos fazendeiros; e
instituição do cativeiro: legal, mas infringível, a lei que
"A escravidão, verbi gratia, entre nós protegia a liberdade do africano. Em
é um fato autorizado pela lei, é um 1868, ao contrário, legítima passa a

58
Id. ibid., p. 102.
59
Um Estadista... op. cit., p. 662.
60
Id. ibid.
61
Trata-se de uma carta confidencial do ministro Nabuco a Saraiva quando este presidia
à província de São Paulo. A data é 22 de setembro de 1854 (Um Estadista ... op. cit.,
p. 207).
ser, no seu discurso, a liberdade dos 1) os abolicionistas que fizeram a
filhos de mulher escrava, e apenas campanha no Parlamento, na
legal, logo passível de reforma, o imprensa e nos meios acadêmicos;
direito do senhor à propriedade do 2) os militantes da causa,
nascituro. abertamente empenhados em
ajudar as fugas em massa e instruir
A inversão do critério tem um sentido os processos de alforria;
forte: o liberalismo de 68 já não é o
liberalismo de 54. O conteúdo 3) os proprietários de escravos,
concreto da legitimidade, que é o sobretudo nordestinos e gaúchos,
coração dos valores de uma ideologia que se puseram a libertá-los em
política, tinha mudado. E o motor grande número nos últimos anos
dessa transformação fora o ideal do movimento;
civilizado do trabalho livre; não ainda 4) os homens públicos (Nabuco os
a sua necessidade absoluta e imediata, chama generosamente
mas o seu valor. Nesse mesmo "estadistas") mais ligados ao
ano-chave de 1868 publicava governo, que, a partir da Fala do
Quintino Bocayuva (liberal Trono de 1867, mostrou sua
pró-republicano) um folheto sobre a intenção de resolver gradualmente
crise da lavoura, em que advogava a "questão servil";
uma política de emigração chinesa a 5) a ação pessoal do Imperador e da
curto prazo, subsidiada pelo Estado62. Princesa Regente.
Daí à batalha parlamentar de 1871 foi Quanto às duas primeiras categorias,
um passo que os novos liberais deram "formavam círculos concêntricos,
com êxito e sem vínculo obrigado com compostos como eram em grande
a sua cor partidária. Entre os 61 parte dos mesmos elementos. É a elas
votantes a favor da Lei do Ventre que pertence o grosso do partido
Livre, bem como entre os 35 que lhe abolicionista, os líderes do
foram contrários, figuravam membros movimento"63.
de ambos os partidos políticos do O depoimento é o que se pode
Império. O café paulista votou contra. considerar de idôneo em matéria de
A mentalidade empresarial dos campanha abolicionista. Nabuco se
fazendeiros do Oeste, já em plena inclui no primeiro grupo, enquanto
expansão, não era, porém, tão deputado do Partido Liberal, defensor
moderna, lúcida e progressista como a de medidas jurídicas, fundador do
supôs a historiografia paulista do jornal O Abolicionista (1881) e autor
século XX. Era ainda escravista. de uma obra de combate densa e bela,
O Abolicionismo (1883). O seu
testemunho merece algumas reflexões
Reforma e Abolição que incidam na caracterização
No contexto maior do novo ideológica dos abolicionismos.
liberalismo, que dará o tom ideológico Pode-se começar pela sugestão de
ao fim do Império, não é exato falar Nabuco formando uma categoria
apenas de um abolicionismo. O plural ampla que abrace os grupos
é mais consentâneo com a variedade concêntricos dos reformistas e dos
de pontos de vista e de interesses militantes. E fazer outro tanto com os
específicos que, afinal, concorreram demais. Deixando para o lugar
para a Lei Áurea na forma pela qual oportuno o destaque das diferenças
se promulgou, e sem a indenização tão internas, teríamos dois perfis de
reclamada ainda nos anos 80. antiescravistas:
Joaquim Nabuco distinguiu, em
Minha Formação, cinco forças entre Para os primeiros, o desafio social e
os agentes daquele desfecho: ético que a sociedade brasileira teria
62
BOCAYUVA, Q. A crise da lavoura. Rio, Tip. Perseverança, 1868.
63
NABUCO, J. Minha formação, op. cit., p. 196.
de enfrentar era o de redimir um Tavares Bastos e Perdigão Malheiro,
passado de abjeção, fazer justiça aos membros ativos do Instituto dos
negros,dar-lhes liberdade a curto Advogados, forjaram as razões
prazo e integrá-los em uma jurídicas de um discurso que rompia
democracia moderna. os laços com o conformismo
No horizonte, viam um regime agroescravista. Os seus argumentos
escorado na indústria, no trabalho contra o latifúndio e em prol do
assalariado, na pequena e média trabalho livre irão colorir-se de
propriedade, no ensino primário matizes radicais e humanitários na
gratuito, no sufrágio universal. campanha abolicionista dos anos 80,
Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, José mas a antinomia fundamental já fora
do Patrocínio, André Rebouças, Luís exposta em seus ensaios: ou
Gama, Antônio Bento e seus progresso, ou escravidão.
seguidores concebiam a abolição É compreensível que haja atuado uma
como a medida mais urgente de um diferença de ritmo social entre as duas
programa que se cumpriria com a gerações. Quando Rebouças, Nabuco
reforma agrária, a democracia rural (a e Patrocínio desfecharam a campanha
expressão é de Rebouças) e a entrada pela abolição incondicional, o
dos trabalhadores em um sistema de cativeiro se achava com os dias
concorrência e oportunidade. contados, e alguns políticos mais
As raízes culturais dessa perspectiva solertes do Oeste paulista já tinham
mergulham fundo no discurso dos desencadeado o processo da imigração
filantropos europeus da primeira européia. Mas o contexto em que se
metade do século XIX, lidos e citados inseriam Tavares e Perdigão ainda
entre nós desde os anos 50, e, mais dependia quase inteiramente do braço
diretamente, nos modelos econômicos negro. Comparem-se as estimativas:
ingleses e norte-americanos que 1.715 mil escravos em 1864 contra
constituíam o ideal do novo apenas 723.419 em 1887.
liberalismo64. Em 1864, o liberalismo moderno,
As razões de teor progressista já se reformista, era um valor ideológico
vinham articulando com nitidez no em busca de uma armadura lógica,
discurso que se formou depois da mas não ainda um grito de alarme por
supressão do tráfico. Os marcos mais um problema que exigisse solução
ostensivos são as obras de dois imediata; explica-se o gradualismo de
pontas-de-lança de nossa crítica social algumas propostas daqueles dois
em um sentido já francamente pioneiros. A partir de 1880, a
liberal-capitalista: Tavares Bastos e urgência saltava aos olhos da maioria:
Perdigão Malheiro. a campanha queria construir o dia de
amanhã.
Ambos começam a escrever na década É importante ressaltar que não só de
de 60. As Cartas do Solitário saem em homens políticos se fez a militância.
1863. A primeira parte de A Um movimento intelectual forte, que
Escravidão no Brasil, em 1866. E se retoma cientificamente os ideais das
quiséssemos remontar um pouco mais, Luzes, estava em curso ao longo
até os anos 50, o nome expressivo desses anos. Sílvio Romero resumiu-o
seria o do pioneiro dos nossos com a expressão "um bando de idéias
empresários anglofilos, Irineu novas", fixando também em 1868 o
Evangelista de Sousa. seu ponto de partida65. Positivismo e
64
GRAHAM, Richard. A Grã-Bretanha e o início da Modernização no Brasil. São
Paulo, Brasiliense, 1973. Para os detalhes dos projetos de reforma agrária, a leitura
mais enriquecedora é a dos artigos de André Rebouças, escritos a partir de 1874 para
o Jornal do Comércio, e depois reunidos nesta obra capital do novo liberalismo, A
Agricultura Nacional Estudos econômicos. Propaganda abolicionista e democrática,
Rio, Lamoureux, 1883.
65
ROMERO, Sílvio. "Explicações indispensáveis. (Prefácio) In: BARRETO, T. Várias
escritos. Ed. do Estado de Sergipe, 1926. p. XXIII-XXIV. Euclides da Cunha fala em
Era Nova para caracterizar o período pós-68 (À Margem da História).
evolucionismo, Comte e Spencer, manobrado por fazendeiros ainda
formam o eixo principal de referência. bastante conservadores na década de
O trabalho livre e um regime político 70 e princípios da seguinte. "Os
mais representativo eram as metas a vossos barretes frígios são coadores
ser atingidas. de café" — frase de Pompéia lançada
Os positivistas religiosos abraçaram em rosto aos membros do Clube da
logo as propostas mais radicais. Em Lavoura de Campinas — diz bem de
1884, Miguel Lemos abre o livro O um dissídio que se transformara em
Positivismo e a Escravidão Moderna aberta oposição.
com uma dedicatória ao herói negro Ainda não foi explorado em toda a
da rebelião de São Domingos: sua potencialidade o veio reformista
"À Santa Memória/ do/ Primeiro dos social do positivismo entre nós. Ele
Pretos/ Toussaint Louverture/ fluirá, entre os oficiais jovens do
(1746-1803),/ Ditador do Haiti. Exército, dos jacobinos aos tenentes,
Promotor e Mártir/ da liberdade/ de em sua áspera luta antioligárquica de
sua raça". que a Coluna Prestes e a Revolução
de 30 serão os momentos mais
A obra é uma coleção de textos complexos. Em outra vertente, os
antiescravistas de Augusto Comte. esquemas políticos comteanos
Traz em apêndice os "Apontamentos emprestariam moldes organizatórios a
para a solução do problema servil no inquietudes sociais modernas que
Brasil", escrito datado de 22 de viriam a codificar-se no trabalhismo
Shakespeare de 92 (30 de setembro de gaúcho de um Lindolfo Collor, a
1880) e assinado por Teixeira Mendes quem o positivista Getúlio Vargas
e outros ortodoxos. Nele já se repudia nomeou primeiro Ministro do
a imoralidade da criminosa herança Trabalho em 1931, e de quem recebeu
colonial, acusa-se o delito nacional quase toda a nova legislação social.
que foi a Guerra do Paraguai, argúi-se Legislação que, descontados os
de ilegítimo o instituto da propriedade incisos corporativos, em boa hora
escrava; enfim, propõe-se que, cancelados pela última Constituinte,
libertado, o escravo se transforme em vem resistindo há rnais de meio século
operário com número de horas e ainda hoje serve de espinha dorsal
previsto em lei, folga semanal e aos direitos trabalhistas brasileiros.
salário razoável. Teríamos aqui, em
embrião, as medidas sociais Cabe registrar uma diferença de
preconizadas pelos jacobinos e, mais modos de pensar a relação entre
tarde, pelos tenentes discípulos do sociedade civil e Estado. O
comteano Benjamin Constant? positivismo ortodoxo (Miguel Lemos,
Em manifesto de 21 de Dante de 95 (5 Teixeira Mendes e, menos
de agosto de 83), Miguel Lemos prega enfaticamente, Benjamin Constant)
a abolição imediata, sem indenização sustentava o projeto de um Estado
aos senhores, e o aproveitamento dos centralizante, racionalizador e, no
libertos como assalariados. Bom limite, tutelar. O evolucionismo de
ortodoxo, pede ao Imperador que aja tipo spenceriano (de um Sílvio
como ditador, sem consultar o Romero, por exemplo) pendia para o
Parlamento, "que só serve para liberalismo clássico e acreditava na
garantir a liberdade das mediocridades sabedoria da seleção natural que,
intrigantes", conforme já advertira o mediante processos de concorrência,
augusto mestre. premiaria os mais capazes.
Coerentemente: os positivistas
Há uma estreita faixa de intersecção ortodoxos queriam um presidente
ideológica que aproxima os novos forte, um cérebro ativo na chefia do
Ainda não foi liberais e alguns líderes repúblicos Estado; os evolucionistas, ao
explorado em toda a radicais como Silva Jardim, Luís contrário, farão o elogio do
sua potencialidade o Gama e Raul Pompéia. Para todos o parlamentarismo burguês com suas
veio reformista social divórcio das águas era a questão do reformas espontâneas, lentas e
do positivismo entre trabalho livre. Guardavam, por isso, graduais. Uns e outros, porém (e este
nós. distância do núcleo paulista é um signo da sua modernidade),
propunham um modelo político que Este nacional, assim posto em
substituísse o do velho Império evidência, pode ser abstraído — e
oligárquico e escravista. potenciado — tanto pelos
Assim, voltando o nosso olhar para os conservadores, que o adotam como
bandeira tradicionalista (a patria del
anos cruciais de 1860-70,
criollo), quanto, em registro oposto,
surpreenderemos um tom geral de
pelos reformistas, que nele advertem
inconformismo, uma ânsia de
renovação, cujo alvo era desemperrar um pólo catalisador dos grupos
o regime monárquico: foi nesse clima descontentes: foi o nacionalismo
que o novo liberalismo se gestou; e radical dos jacobinos do fim do
foi esse descontentamento que século; foi o nacionalismo crítico dos
permitiu a filtragem ideológica tenentes de 1922-30.
diversificada das doutrinas européias.
A Guerra da Secessão americana O nacionalismo conservador
dividiu, também entre nós, os dois exprimiu-se de modo orgânico nos
campos: ao passo que um Varnhagen, anos de apogeu do Império escravista:
padroeiro da historiografia tradicional, está nas páginas eruditas da Revista
mostrava simpatia pelos fazendeiros do Instituto Histórico e Geográfico;
do Sul, Tavares Bastos e Perdigão permeia a rica messe documental da
Malheiro viam a luta do Norte e na História Geral do Brasil do visconde
figura de Lincoln exemplos de uma de Porto Seguro; e é o cimento mítico
nova mentalidade que devia ser do romance indianista e colonial de
imitada. Neste, como em outros José de Alencar.
momentos de nossa história de idéias,
as relações entre os centros de poder e No outro extremo, o nacionalismo
as suas periferias merecem receber um reformista ou radical quer o progresso
tratamento que não as reduza às em termos de elevação do Brasil ao
afirmações de tudo ou nada. Glosando plano da civilização ocidental.
uma hipótese de John Dewey sobre a Tavares Bastos prega uma política
formação da consciência pessoal, é racional de migração, defende a
possível dizer que os grupos culturais abertura do Amazonas à cabotagem
e políticos das nações dependentes internacional, o que de fato ocorre em
não apenas "sofrem" como também 1866, ano em que também se instala o
"escolhem" e trabalham as influências primeiro cabo transatlântico entre a
dos pólos dominantes do sistema. Europa e o Brasil. Perdigão Malheiro,
que milita com Tavares Bastos no
O reformismo liberal, que vai em Instituto dos Advogados, faz
crescendo de 1868 em diante, resulta minucioso levantamento das leis
de um embate interno cujas variáveis antiescravistas decretadas nos Estados
econômicas e sociais já foram Unidos, na Europa e nas colônias
inventariadas (extinção do tráfico, inglesas, francesas e holandesas das
problemas de escassez da força de índias ocidentais. O Brasil se tornaria
trabalho, aumento do mercado, uma grande nação quando se erguesse
urbanização, migração...). Ao mesmo ao nível dos padrões internacionais. A
tempo, cada um desses aspectos do retórica de José Bonifácio, o moço, e
sistema traz em si uma face de Castro Alves e Rui Barbosa, seus
internacional. discípulos, irá na mesma direção, que
O confronto de nossas já inclui lamentos e protestos contra a
particularidades com o movimento da cumplicidade dos brasileiros no
História mundial, nessa fase de massacre dos negros. É o espírito de
ascenso do imperialismo, ora aponta Vozes d'África e de O Navio
para variantes de um grande esquema Negreiro. Algumas atitudes políticas
de integração pós-colonial (a que de D. Pedro II parecem indicar que,
esteve sujeita a América Latina embora hesitantemente, ele passou do
inteira); ora dá relevo a certos pólo nacional-conservador para o pólo
aspectos diferenciados, raciais e nacional-reformista, guiado pelo
culturais, que são tomados como religioso respeito que lhe inspiravam
próprios da nova formação nacional. as culturas inglesa e francesa.
De resto, há coincidências expressivas "Messieurs les Députés,
que, muito provavelmente, são mais
Les soussignés ouvriers de la capitale
do que... meras coincidências. Um dos
ont l'honneur, en vertu de l'article 45
argumentos dos escravistas brasileiros
de la Charte Constitutionnelle, de
era a comparação que faziam entre a
venir vous demander de bien vouloir
vida do nosso cativo e as agruras que
abolir, dans cette session, l'esclavage.
então sofriam os proletários europeus
Cette lèpre, qui n'est plus de notre
acorrentados a uma jornada de
époque, existe encore dans quelques
trabalho que ia de dezesseis até
possessions françaises. C'est pour
dezoito horas diárias. Assim pensava
obéir au grand principe de la fraternité
Alencar. Viu-se, páginas atrás, como
humaine, que nous venons vous faire
um negociante do Rio de Janeiro se
entendre notre voix en faveur de nos
referia aos "escravos" das fábricas
malheureux frères, les esclaves. Nous
inglesas para melhor escarmentar os
éprouvons aussi le besoin de protester
philanthropists que combatiam a
hautement, au nom de la classe
instituição. É instrutivo seguir o
ouvrière, contre les souteneurs de
discurso paralelo nos debates que se
l'esclavage, qui osent prétendre, eux
travaram na França de Luís Filipe qui agissent en connaissance de cause,
entre os adversários e os que le sort des ouvriers français est
propugnadores da escravidão colonial plus deplorable que celui des
nas Antilhas. Os deputados da esclaves. Aux termes du Code Noir.
Martinica e de Guadelupe encareciam édition de 1685, articles 22 et 25, les
o bom trato dado aos negros nas suas
possesseurs doivent nourrir et habiller
ilhas e deploravam a má sorte dos leur bétail humain; il résulte des
operários dos subúrbios parisienses. publications officielles faites par le
Estes, porém, cerraram fileiras e ministère de la Marine et des
enviaram um abaixo-assinado à Colonies, qu'ils se déchargent de ce
Assembléia desmascarando as razões soin, en concédant le samedi de
dos representantes coloniais. O chaqué semaine aux esclaves. Ceux de
documento vem citado no belo la Guyane française n'ont même qu'un
prefácio que Aimé Césaire fez à samedi nègre par quinzaine,
reedição dos textos do abolicionista contrairement aux défenses de l'article
Victor Schoelcher. Vale a pena 24 du Code Noir et aux pénalités de
transcrevê-lo na íntegra: l'article 26.
Quels que soient les vices de oficiais editados pelas comissões
l'organisation actuelle du travail en parlamentares nos anos que
France, l'ouvrier est libre, sous un precederam a abolição total nas
certain pount de vue, plus libre que colônias. A obra de Perdigão será, por
les salariés défenseurs de la propriété seu turno, referência obrigatória para
pensante. os argumentos abolicionistas de
Joaquim Nabuco entre 70 e 80. Há,
L'ouvrier s'appartient; nul n'a le droit portanto, uma coerência interna no
de le fouetter, de le vendré, de le projeto reformista brasileiro, que
séparer violemment de sa femme, de soube incorporar, na sua justa medida,
ses enfants, de ses amis. Quand bien informações vindas de movimentos
même les esclaves seraient nourris et franceses e ingleses que de pouco o
habillés leurs possesseurs, on ne precederam. Essa ligação estreita com
pourrait encore les estimer heureux, a Europa liberal não altera (antes,
car comne l'a si bien résumé M. le reforça) a solidez doutrinária da nova
due de Broglie, il faudrait autant dire ideologia que se exprime no
que la condition de la bête est Parlamento e na imprensa.
préférable à celle de l'homme, et que Do outro lado, a reação do velho
mieux vaut être une brute qu'une marquês de Olinda à questão
créature raisonnable. Fiers de la sainte formulada em abril de 67 pelo chefe
et généreuse initiative que nous de gabinete, Zacarias de Góis
prenons, nous sommes sûrs que notre ("Convém abolir diretamente a
pétition aura de l'echo dans noble escravidão?"), define o ethos
patrie, et nous avons confiance dans agromercantil que ainda não morrera.
la justice des députés de France. Respondeu Araújo Lima:
Paris, le 22 Janvier 1844. Signé: "Os publicistas e homens de Estado
Julien GALLÉ et 1505 signatures"66. da Europa não concebem a situação
Comenta Aimé Césaire: "Nesse dia de dos países que têm escravidão. Para
22 de janeiro de 1844 é selada a cá não servem suas idéias"67.
aliança de dois proletariados: o
Para o ultraconservador Marquês a
proletariado operário da Europa, o
idéia da abolição gradual ainda soava,
proletariado servil das colônias".
em 1867 (e apesar do apoio que lhe
Perdigão Malheiro, em A Escravidão davam Pedro n e o presidente do
no Brasil, revela-se altamente Conselho), um eco de ideologias
informado dessa recente campanha exóticas. No entanto, o processo já se
abolicionista francesa, mencionando fazia irreversível, "uma questão de
numerosas vezes os trabalhos de oportunidade e de forma", como o
Victor Schoelcher (em especial a governo respondera à comissão de
Histoire de l'esclavage pendant les intelectuais franceses que lhe pedira a
deux dernières années, 1847), de A. extinção do trabalho servil. Os
Cochin (De l'abolition de l'esclavage, debates parlamentares em 1871
1861), de Wallon (Histoire de revelariam que o novo liberalismo não
l'esclavage dans l'antiquité et dans avançaria sem dobrar tenazes
les colonies, 1847), além de relatórios resistências.68

66
SCHOELCHER, V. Esclavage et colonisation. Prefácio de Aimé Césaire. Paris,
Presses Universitaires de France, 1948. p. 11.
67
NABUCO, J. Um Estadista ... op. cit.t p. 613.
68
O tipo de mentalidade que Machado de Assis ironiza—e auto-ironiza enquanto
narrador—é o de parte da classe dominante que, ainda nos últimos anos do regime
imperial, sustentou in abstracto a norma liberal moderna, ao mesmo tempo que
racionaliza o uso do trabalho escravo, seu maior suporte econômico e político. Nesse
contexto, o liberalismo clássico alardeado é, visto de fora, um despropósito, mas nem
por isso deixa de ter conseqüências para o cotidiano da burguesia nacional. Esta é, em
síntese; a hipótese que Roberto Schwarz propôs e testou com felicidade em seu estado
sobre Machado de Assis, Ao vencedor as batatas (S. Paulo, Duas Cidades, 1977).
em 1887; então, o problema da força
Convém agora voltar os olhos para a de trabalho já fora equacionado em
participação tardia, mas eficaz, dos termos de imigração européia maciça
que detinham os cordéis mais fortes subvencionada pelos governos
da economia nacional: os fazendeiros imperial e provincial.
do Centro-Sul. Os estudos de Conrad e Gorender,
À diferença das posições de Tavares que ratificam, por sua vez, pontos de
Bastos, Nabuco, Rebouças, Rui vista de Joaquim Nabuco e José Maria
Barbosa, Luís Gama, Patrocínio e dos Santos, põem a nu a relutância
Antônio Bento, a consciência social dos republicanos paulistas, muito
dos cafeicultores e de seus sensível nos anos 70, no que tocasse a
porta-vozes no Parlamento se medidas drásticas.
constituiu lentamente e sempre colada Em oposição aos liberais pós-68,
a seus planos econômicos de curto ou como André Rebouças, que
médio prazo. Se o objetivo dos propunham o regime da pequena
primeiros era emancipar o escravo o propriedade, a extinção imediata do
quanto antes, a meta dos últimos era, trabalho compulsório e a
e foi coerentemente, passar do modernização via indústria, os
trabalho escravo para o livre em republicanos da grande lavoura
tempo hábil e sem maiores prejuízos. centraram baterias no seu projeto de
Se, a uma certa altura (1886-88), os descentralização oligárquica. Cada
esforços de todos se cruzaram, província, de acordo com o espírito do
provocando a Lei Áurea, o sentido Manifesto de 1873, deveria resolver, a
imanente das ações dos primeiros seu modo e no tempo favorável, o
nunca se identificou com o das ações problema da substituição do braço
dos segundos. escravo. Nessa altura, o tráfico
Os abolicionistas queriam libertar o interprovincial ainda trazia levas
negro; os cafeicultores precisavam consideráveis de negros do Nordeste
substituir o negro. Daí, a diferença de para São Paulo, Rio e Minas Gerais.
ritmo e de acento. Os abolicionistas "Em 1870, dizia-se na Assembléia
aceleravam o processo, porque Legislativa de São Paulo, que esta era
pensavam em aliviar o sofrimento do a Província que menos deveria recear
escravo; os fazendeiros retardaram a diminuição de braços, pois aí
quanto puderam a ação do Estado, estavam se concentrando todos os
pois só cuidavam do quantum de escravos do Norte do Império. Nessa
mão-de-obra que ainda lhes seria dado ocasião, Paulo Egydio defendia a
arrancar aos derradeiros cativos antes legitimidade do comércio de escravos,
de despachá-los para o vasto mundo considerando-o 'urna indústria muito
da pura subsistência ou do lumpen. legítima e consagrada entre nós'.
As cautelas do Partido Republicano Manifestava-se contra a restrição
Paulista, que tanto indignaram Luís dessa liberdade pela sobrecarga de
Gama, e a sua adesão de última hora impostos: meia sisa, impostos
só se compreendem à luz do contexto imperiais e municipais, gravando as
pragmático de onde saíram. Hoje, vendas"69.
calados os louvores sem medida com A abolição que, para as províncias do
que se exaltou a lucidez ou o espírito Norte e Nordeste e para os
moderno dos fazendeiros do Oeste profissionais urbanos, poderia vir sem
Novo, pode-se reconstituir com maiores traumas, não interessava
isenção os passos deveras prudentes ainda aos fazendeiros de São Paulo
dados pelos homens do café, desde a que apenas esboçavam os seus
sua aberta recusa à Lei do Ventre projetos de migração. Um dado de
Livre (os votos de Rodrigo Silva e fato: até 1880 o governo provincial de
Antônio Prado em 1871), até o seu São Paulo nada gastou com a vinda de
ingresso no movimento já triunfante braços europeus. Para os bandeirantes
69
Atas da Assembléia Legislativa de São Paulo de 1870 apud COSTA, Emilia Viotti. Da
Senzala à Colônia. São Paulo, Difel, 1966. p. 132.
do café a ideologia conveniente pode ser indiferente a uma questão
parecia ainda ser a "beatitude altamente social, cuja solução afeta
physiocratica" que já irritava os todos os interesses, é mister entretanto
primeiros defensores sistemáticos da ponderar que ele não tem e nem terá a
indústria nacional. Estes, citando responsabilidade de tal solução, pois
exemplos franceses e yankees, que antes de ser governo, estará ela
lutavam por uma política protecionista definida por um dos partidos
que escorasse a nascente indústria. monárquicos"71.
Mas em vão. O café mantinha a
primazia absoluta. A Associação A partir desse momento separavam-se
Industrial clamava pela "proteção em São Paulo a propaganda
regeneradora das Leis do Estado, sem republicana e a campanha
a qual elas irremediavelmente abolicionista. No Congresso
tombarão no abismo em que já tem-se Republicano de 73 as posições se
afundado muitas das suas irmãs . aclaram e precisam:
Ao constituir-se, o Partido "Se o negócio for entregue a nossa
Republicano Paulista receava deliberação", — diz o manifesto de 18
confundir as suas águas com a maré de abril — "nós chegaremos a ele do
montante do novo liberalismo do qual, seguinte modo:
porém, recebera alguns apoios
1º) Em respeito aos princípios da
significativos, rescaldos da crise
união federativa cada província
política de 1868. Mas para pôr as
realizará a reforma de acordo
coisas no seu devido lugar, advertia a
com seus interesses
Comissão do Partido aos 18 de janeiro
particulares, mais ou menos
de 1872:
lentamente, conforme a maior
"Aproveitando-me da oportunidade, ou menor facilidade na
pedimos a vossa atenção e esforço no substituição do trabalho
intuito de neutralizar os meios com escravo pelo trabalho livre;
que insidiosamente procura o
obscurantismo, consorciado com a má 2º) Em respeito aos direitos
fé, desconceituar os sectários da adquiridos e para conciliar a
democracia, apresentando-os como propriedade de fato com o
propugnadores de doutrinas fatais princípio da liberdade, a
(sic) ao país. Entre as armas de que se reforma se fará tendo por base
têm servido há uma que, manejada a indenização ou resgate"72.
com hábil pertinácia, pode chegar a
seu alvo. Referimo-nos ao boato, Luís Gama protestou com veemência,
adrede espalhado, de que o partido mas sua voz perdeu-se abafada por um
republicano proclama e intenta pôr em silêncio constrangido. Essa seria a
prática medidas violentas para a linha de neutralidade dos republicanos
realização da sua política e para a agrários, definida principalmente por
abolição da escravidão (...) Cumpre Moraes Barros, Campos Salles,
não esquecer que, se a democracia Francisco Glycerio, João Tibiriçá e
brasileira consubstanciasse em suas Prudente de Moraes. O pragmatismo
reformas práticas semelhantes deste formulou-se de modo tático em
pensamentos, alienaria de si a maior sua intervenção parlamentar quando
parte das adesões que tem, e as se discutia o Projeto Saraiva (em maio
simpatias que espera atrair. Sendo de 85), que resultou na Lei dos
certo que o partido republicano não Sexagenários:

70
Em Biblioteca da Associação Industrial, "O Trabalho nacional e seus adversários",
Rio, 1881, p. 13, apud CARONE, Edgard. O Pensamento industrial no Brasil
(1880-1945). São Paulo, Difel, 1977. p. 151.
71
SANTOS, J.M. Os Republicanos paulistas e a abolição. São Paulo, Martins, 1942.
p. 118-19.
72
Ibid., p. 150.
"Posso dizer, e creio que não serei condicionada a um subsídio oficial
contestado pelos representantes da que fosse bastante copioso para a
minha província; na província de São obtenção dos braços livres. O subsídio
Paulo, especialmente no Oeste que é a veio em abundância: entre 87 e 88
sua parte mais rica e próspera, a chegariam aos nossos portos quase
questão principal não é a da liberdade 150 mil imigrantes. Proclamada a
do escravo. Os paulistas não fazem República, sob o domínio do café,
resistência, não fazem questão disto, põe-se em marcha a grande
do que eles fazem questão séria, e imigração.
com toda razão, é da substituição e
permanência do trabalho (apoiados de Resolvera-se o problema do trabalho
Antônio Prado, Rodrigo Silva e assalariado. Mas não a questão do
Martim Francisco), e desde que o ex-escravo, a questão do negro. Para
governo cure seriamente de empregar este, o liberalismo republicano nada
os meios que facilitem a substituição tinha a oferecer. Foi o que logo
do trabalho escravo, desde que facilite perceberam os militantes do "novo
a aquisição de braços livres que liberalismo" que ainda se mantiveram
garantam a permanência do trabalho, a fiéis à monarquia, Nabuco e
conservação e desenvolvimento da sua Rebouças, cuja correspondência traz
lavoura, os paulistas estarão contínuas acusações ao novo regime,
satisfeitos e não farão questão de abrir "plutocrático"74.
mão dos seus escravos, mesmo sem
indenização, porque para eles a Era também o pensamento de um
melhor, a verdadeira indenização está mulato humilhado e ofendido pela
na facilidade de obter trabalhadores República do Kaphet, Lima Barreto.
livres, está na substituição do Mas aqui já entramos em uma outra
trabalho"73. história: a história do negro e do
mestiço depois da abolição. Quem a
O texto, em sua pesada redundância, estudar deverá desfazer outro nó: não
fala por si. A adesão franca à o que atou liberalismo e escravidão,
campanha abolicionista da parte dos mas o que ata liberalismo e
paulistas do Oeste estava, pois, preconceito.

73
Id. ibid., p. 225.
74
Nabuco a Rebouças, que se auto-exilara para a África no dia mesmo da proclamação
da República: "Com que gente andamos metidos! Hoje estou convencido de que não
havia uma parcela de amor do escravo, de desinteresse e de abnegação em três quartas
partes dos que se diziam abolicionistas. Foi uma especulação mais! A prova é que
fizeram esta República e depois dela só advogam a causa dos bolsistas, dos ladrões da
finança, piorando infinitamente a condição dos pobres. É certo que os negros estão
morrendo e pelo alcoolismo se degradando ainda mais do que quando escravos, porque
são hoje livres, isto é, responsáveis, e antes eram puras máquinas, cuja sorte Deus tinha
posto em outras mãos (se Deus consentiu na escravidão); mas onde estariam os
propagandistas da nova cruzada? Desta vez nenhum seria sequer acreditado. (...)
Estávamos metidos com financeiros, e não com puritanos, com fâmulos de banqueiros
falidos, mercenários de agiotas etc.; tínhamos de tudo, menos sinceridade e amor pelo
oprimido. A transformação do abolicionismo em republicanismo bolsista é tão
vergonhosa pelo menos como a do escravagismo" (Carta a Rebouças, Rio, lº de
janeiro de 1893, transcrita em Joaquim Nabuco, Cartas a Amigos. São Paulo, Ipê, vol.
I, p. 219). Mas já em 1884 Nabuco percebia a oposição entre o reformismo agrário dos
novos liberais e a política do latifúndio: "Estamos no reinado do café, e é o café que
maiores embaraços levanta ao resgate dos escravos" (Jornal do Comércio, 11/9/84).

Alfredo Bosi é professor-titular de Literatura Brasileira da FFLCH/USP e membro do


Conselho Diretor do IEA.

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