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de classe se conectam a relações não-econômi- de um esquema de posições, de classe que cap
cas. O conceito de classe social permitiria, por tasse as principais divisões produzidas pelo fun
tanto, captar a imbricação empírica entre classe cionamento do mercado e sistema produtivo,
e status:' de forma a investigar o impacto dessas divisões
A essa vertente de intenção sintética, po sobre padrões de mobilidade social e progresso
demos contrapor outra que sublinhou as di educacional. Por isso, esse esquema não tem
mensões instrumental e coercitiva da vida social uma forma hierárquica claramente definida,
com base na obra weberiana. Destaco a obra de diferentemente das escalas de prestígio ou de
Frank Parkin (1975). Nela, a estrutura social status socioeconô tn ico (Goldthorpe, Llewellyn
das sociedades modernas é conformada por e Payne, 1987; Erikson e Goldthorpe, 1992),
duas estratégias antagônicas. Uma delas é a es Em uni de seiis primeiros estudos, Gold
tratégia de m onopolização, em que os indiví thorpe, Llewellyn e Payne (1987) construíram
duos e grupos em posições sociais privilegiadas um esquema de posições de classe pela agrega
mobilizam mecanismos de fechamento social ção de 36 categorias ocupacionais em termos
para restringir o acesso a essas posições e aos de situações de mercado e de trabalho (Lock
recursos e recompensas associadas a elas, Por wood, [1958] 1989).
outro lado, os indivíduos e grupos excluídos Esse esquema foi parcialmente alterado em
de posições sociais privilegiadas buscariam am estudos posteriores. Neles, as posições de classe
pliar o acesso a recursos socialmente valoriza dos empregados são diferenciadas em termos de
dos, através de estratégias de usurpação. relações de emprego. Estas tomam a forma de
Os estudos sobre estratificação social ba contratos empregatícios, que são utilizados pe
seados em Nuffield foram conformados pelas los empregadores para lidar com dois tipos prin
distintas formas de apropriação da obra webe cipais de problema que emergem nas relações
riana na Sociologia britânica. Enfatizou-se a com os empregados: o monitoramento do tra
distinção entre as formas de distribuição de balho e o grau de especificidade do capital
poder e o componente do conflito entre os ato humano. Duas formas típicas de contrato em-
res sociais por recursos e posições sociais valori pregatício são diferenciadas com base nisso. De
zadas.4 Igualmente importante, nota-se, em tais um lado, os contratos de trabalho, que servem
estudos, uma oscilação entre as duas formas para estabelecer relações de emprego em que o
principais de apropriação da teoria weberiana, monitoramento do trabalho se dá, em geral,
aquela mais sintética e a outra que enfatiza as por supervisão direta e em que o capital hu
dimensões instrumentais e coercitivas da vida mano não é escasso - esses são contratos típicos
social. Ao longo do tempo, as preocupações de trabalhadores manuais. Em consequência
sintéticas deram lugar a uma teorização unidi disso, estabelece-se uma relação de troca sim
mensional, baseada na teoria da ação racional. ples, relativamente de curta duração, entre es
John Goldthorpe e. seus colaboradores têm forço e pagamento. De outro lado, os contratos
produzido os principais estudos de classe den de serviços, que regulam as relações de emprego
tro daquilo que foi denominado de Programa em que o capital humano é bastante específico,
de Nuffield (Goldthorpe e Marshall, [1992] dificultando o monitoramento do trabalho: Tais
1997). Com exceção dos estudos sobre os tra contratos estabelecem relações de emprego de
balhadores afluentes (que enfocaram as teses longo prazo com maiores benefícios (como
sobre a diluição da fronteira entre trabalho escalas salariais, planos de pensão, estabilidade
manual e não-manual —Lockwood et a í, 1969), na posição) e maior autonomia no trabalho,
seus estudos de classe enfocaram a construção de forma a criar e sustentar um alinhamento de.
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interesses entre o empregador e o empregado. de classe são diferenciadas (Erikson e Goldthor-
Formâs modificadas ou mistas de contrato são pe, 1992; Goldthorpe, 2007a; Goldthorpe e
reconhecidas e, comó resultado, doze posições McKnight, 2006) (ver Quadro 1).
Quadro 1
Esquema de Posições de Classe de Erikson e Goldthorpe
Os estudos de mobilidade social são cen Goldthorpe, Llewellyn e Payne, 1987; Erik
trais nessa perspectiva analítica. Quando me son e Goldthorpe, 1992, 2002).
didas em termos absolutos (fluxos empirica Talvez os resultados empíricos mais im
mente observáveis de entrada e de saída das portantes produzidos por essa perspectiva ana
posições de classe), as taxas de mobilidade social lítica se refiram às evidências de regularidades
permitem revelar graus, vàriâdos de associação, macrossQciàis, ou seja, a persistência de di
ao longo do tempo, entre indivíduos e famí ferenciais de progresso educacional e de chan
lias, de um lado, e posições de classe, de outro. ces de mobilidade social em termos de posições
Graus elevados de associação demográfica de classe. Em outras palavras, isso quer dizer
podem facilitar a emergência de identidades que, ao longo das décadas (na Grã-Bretanha e
culturais e políticas comuns entre os indiví em outras sociedades capitalistas avançadas), as
duos em uma mesma posição de classe e com chances de indivíduos de diferences origens
trajetórias sociais similares. Quando medidas sociais alcançarem destinos sociais relativamente
em termos relativos (que controlam os efeitos privilegiados e percorrerem as trajetórias edu
das variações no tamanho das categorias de ori cacionais que levam a qualificações educa
gem e destino), as taxas de mobilidade social cionais valorizadas permaneceram extremamen
permitem calcular as chances de indivíduos de te desiguais (Erikson e Goldthorpe, 1992). Por
diferentes origens de classe alcançarem certo:s isso, nos últimos anos, a produção teórica nessa
destinos sociais. Nesse sentido, servem como perspectiva tem-se voltado para a construção
um indicador do grau de abertura ou flui de um modelo teórico que permita explicar tais
dez de uma sociedade (Kurz e Muller. 1987; regularidades macrossociais. Para esses autores,
o objeto da teoria sociológica deve ser não a confronta o ator externamente (os recursos po
mudança social, mas sim a explicação da esta tencialmente disponíveis, a probabilidade de
bilidade de classe, ou melhor, da poderosa re sucesso ou fracasso em um dado curso de ação,
sistência a mudanças demonstrada pelas rela os custos e benefícios prováveis etc.) Uma vez
ções de classe e chances de vida associadas a elas conhecidos os contornos principais desse am
(Goldthorpe e Marshall, [1992] 1997;Breen biente e dado o pressuposto de que a ação orien
e Rottman, 1995; Goldthorpe, 2007a). Ar ta-se pela norma da eficiência econômica, os
gumenta-se, com base no individualism o me fins da ação podem, então, ser vistos como for
todológico, que a explicação das regularidades mas de adaptação eficiente às pressões condicio
macrosso ciais deve ser buscada na dimensão nais. Nesse sentido, as escolhas dós indivíduos
mícrossocial, isto é, aquelas devem set vistas podem ser entendidas como estratégias adap-
como o resultado de ações individuais. tativas diante da estrutura de oportunidades
Uma versão da teoria da ação racioilal é que determina os custos e benefícios relativos
formulada para dar conta dos processos de de de diferentes cursos de ação (Goldthorpe,
cisão que ocorrem no nível microssoeíal e que 1996a, 2007a).
sustentam as regularidades observadas no ní Assim, por exemplo, no caso dos filhos da
vel macrossoeial. A versão proposta por Gol classe trabalhadora, deixara escola após o pe
dthorpe assume uma racionalidade de força ríodo de estudos obrigatórios e optar por um
interm ediária, quer dizer, postula uma racio- curso profissionalizante que leve a um ofício
nalidadedo tipo subjetiva esituadonal. Os fms manual seriam escolhas racionais (senão as mais
da ação não são incorporados na teoria (por racionais e eficientes) diante da estrutura de
tanto, são exógenos) e concebe-se que os indi oportunidades que se impõe sobre essa posição
víduos agem com base em crenças derivadas de de classe: recursos escassos relativamente aos
informações disponíveis nos contextos de ação custos prováveis de períodos mais longos de
(que.são “incompletas'’), abandonando-se a estudo, rendimentos de trabalho decrescentes
proposição do conhecimento perfeito. Além ao longo do tempo no seio familiar, especial
disso, assume-se que as situações de ação são mente no período em que os cüstos da educa
tão complexas que a maximização de interesses ção dos filhos se rornam potencialmente maio
não é possível. Por isso, considera-se que os in res (associados à entrada no ensino superior),
divíduos agem racionalmente quando satis riscos relativamente maiores associados ao pos
fazem o critério de eficiência à luz das crenças sível fracasso do filho em trajetórias educacio
construídas com base nas informações dis nais mais ambiciosas, pois isso impediria o in
poníveis em contextos de ação diversos. As prin gresso em posições de classe superiores e tornaria
cipais proposições desse modelo teórico afir menos provável a obtenção posterior de traba
mam que os indivíduos têm objetivos, meios lho manual. Diferentemente, no caso daqueles
alternativos para persegui-los e, ao escolhe com origens sociais em posições de classe mais
rem entre cursos de ação, tendem a avaliar seus elevadas (como a classe de serviços), a escolha
custos e benefícios relativos (Goldthorpe, por Trajetórias mais ambiciosas e prolongadas,
1996a, 2007a). redundando em qualificações educacionais valo
A análise de classe oferece para esse mo- rizadas, seria a escolha mais racional: a proba
deio teórico os elementos para á construção dó bilidade de desemprego de longa duração é
ambiente condicional em que o ator racional menor, os rendimentos do trabalho sãó progres
age, ambiente esse conformado pela estrutura sivos ao longo do tempo (portanto, os custos
de oportunidades e constrangimentos que adicionais produzidos pelo “prolongamento dos
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estudos” impactariam relativamente menos), os orientação essencialmente conservadora do
riscos de fracasso educacional podem ser com ponto de vista político, porque se orientariam
pensados mais facilmente com a mobilização para a manutenção de suas posições sociais pri
de outros tipos de recursos (redes sociais, capi vilegiadas (Goldthorpe, 1995). De outro lado,
tal económico), evitando, com isso, o risco de aiguns autores sustentam uma perspectiva ana
mobilidade descendente. lítica que diferencia frações profissionais, ge
O Programa de Nuffield tem influencia renciais e empresariais em termos do controle
do um conjunto de pesquisas sobre estratifica de ativos produtivos. O ponto chave do argu
ção social e também tem sido alvo de diversas mento é que, das diferentes propriedades rela
criticas. Enquanto alguns autores argumentam cionais desses ativos (em termos da capacidade
que o esquema de ciasses de Goldthorpe capta de acumulação, grau de convertibilidade e
adequadamente as divisões sociais resultantes mobilidade espacial etc.) emergiriam diferen
das relações de emprego nas sociedades capita tes padrões de mobilidade social e geográfica,
listas avançadas —tomando este esquema como orientações políticas, estilos de vida, entre ou
o mais adequado para apreender os “efeitos de tros (Savage, 1988; Savage eta l., 1992; Butler
classe” sobre um conjunto de fenômenos so e Savage, 1995).
ciais (Marshall etal., 1989; Evans, 1992; Breen Note-se, enfim, que a incorporação da aná-
e Rottman, 1995) - , outros afirmam que este Lise de classe dentro do modelo teórico da teoria
não é o caso. Scott (1996, 2000, 2002), Scott da ação racional teve consequências paradoxais.
e Morris (1996) e Edgell (1993) criticam o Por um lado, tendo como função especificar
esquema e, de forma mais geral, a perspectiva componentes do referido modelo teórico, a
de análise de classe vista até aqui por não incor análise de classe ganhou um fundamento mais
porar adequadamente as relações de proprie sólido no campo neoweberiano (aquele consti
dade e o processo de formação da “classe supe tuído pelo Programa de Nuffield) se compara
rior” (formada por grandes proprietários do com outro baseado puramente na capaci
capitalistas e renristas). A literatura feminista, dade de produção empírica da análise de classe
por sua vez, considera inadequada a estratégia - correlações significativas entre posições de
metodológica de considerar a família como classe e um conjunto de outros fenômenos so
unidade de análise e derivar a posição dela da ciais (Goldthorpe e Marshall, [1992] 1997).
quela do chefe de família, além de enfocar as Por outro lado, dados os pressupostos especifi
trajetórias de homens adultos nos; estudos so cados pelo modelo teórico da ação racional, o
bre mobilidade social. Esse tipo de visão impe escopo da análise de classes é reduzido à re
de que se capte como. a segmentação do merca construção do am biente condicional que estru
do de trabalho em termos de gênero conforma tura a ação e à investigação de regularidades
a estrutura de-cíasses e os padrões de mobilida macrossociais. Enquanto os estudos iniciais ten
de social (Witz, 1995; Crompton, 19 9 5 - taram construir uma perspectiva analítica sin
1996, 2003).5 tética, centrada na investigação dos processos
Igualmente relevante tem sido o enorme de formação de coletividades de classe (Lock-
debate em to rno da natureza e orientações po wood et a i , 1969; Goldthorpe, Llewellyn e
líticas da classe de serviços. De um lado, Gold- Payne, 1987), a teorização recente no Progra
thorpe utiliza este conceito para abarcar em uma ma de Nuffield tornou-se essencialmente uni
mesma posição de classe ocupações gerenciais e dimensional, enfatizando,:ào modo dos estu
profissionais, com base no argumento de que dos de Frank Parkin, a instrum entalidade da
Os indivíduos nessas ocupações teriam uma ação social e a natureza coercitiva da ordem
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social. Embora Goldthorpe sublinhe que a proletariado e, mais do que isso, formas de ação
teoria da ação racional incorpora sistemati coletiva que não pareciam expressar o conflito
camente a capacidade de escolha dos atores so entre capital e trabalho (Offe, 1985).
ciais, o que se sobressai no modelo explicativo Os teóricos marxistas tentaram lidar com
exposto anteriormente são atores sociais adap- essas questões de maneiras diversas (Poulant-
tando-seaa ambiente externo. De fato. vemos zas, 1979; Carchedi, 1977; CrompioneGub-
atores sociais fazendo “escolhas” entre cursos de bai, 1977), A estratégia de Erik Olin Wright
ação que já estão predeterm inadas de antemão: tenta superar o argumento da polarização estru
as mais eficientes diante da estrutura de opor tural e política. A escolha por analisar mais deti
tunidades que se impõe a partir de fora. Mais damente os estudos de Wright baseia-se no fato
do que adaptação, a capacidade de agência tem de que este autor vem conduzindo o empreen
a ver com os esforços dos atores sociais por dimento, teórico e empírico de maior fôlego no
moldarem o ambiente externo de modo a mate campo neomarxista da análise de classe.6
rializarem, parcialmente, estruturas internali A atual perspectiva analítica do autor foi
zadas (padrões normativos).. Goldthorpe mar construída com base na substituição do enfo
ginaliza esses elementos em sua análise e que de seus estudos anteriores sobre relações de
pressupõe que a ação é essencialmente racional dominação (Wright, [1976] 1996) por outro
e orienta-se para um ambiente externo que a em que o conceito de exploração - que é, para
estrutura através de um sistema de recompen ele, a característica distintiva de uma teoria
sas e punições, assim a voluntariedade da ação marxista de classe (idem ) —tem lugar central.
desaparece. A ação corna-se mecânica, quer di Tal perspectiva foi primeiramente apresentada
zer, movida por farores puramente externos aos em Classes (1985) e seus fundamentos têm
atores sociais. como base o esquema teórico de John Roemer
(1982), um autor marxista que centou dar con
Os estudos de classe no campo ta das relações de exploração utilizando uma
neomarxista versão da ceoria dos jogos. Seguindo as linhas
Dois desafios importantes atingiram o cam gerais dos argumentos de Roemer, Wright afir
po teórico marxista nas últimas décadas do sé ma que as relações de exploração em qualquer
culo passado. Um deles decorreu da crescente sociedade têm como base as relações de proprie
complexidade da estrutura social nas socieda dade de ativos produtivos. As relações de explo
des capitalistas avançadas devido à constitui ração são definidas com base no critério da opres
ção e ampliação de uma camada gerencial e são econôm ica, segundo o qual o bem-estar
profissional. Na tradição marxista, argumen material da classe exploradora depende causal-
tou-se que o processo de reprodução capitalista mente da privação da classe explorada do con
tenderia a polarizar a estrutura social em torno trole de ativos produtivos, e com base no crité
das posições de capitalistas e trabalhadores. Essa rio da apropriação, segundo o qual o bem-estar
divisão estrutural tenderia a se materializar em material da classe exploradora depende causal -
uma polarização política (e boa parte dos es mente do esforço da classe explorada (Wright,
forços de teóricos marxistas voltou-se para a 1985, 1997).
explicação dos processos que medeiam essa pas As localizações de classes são “posições
sagem), que resultaria na superação revolucio dentro das relações sociais de produção:...”
nária do. capitalismo (Marx e Engels, 1998). (Wright, 1989, p. 13). Um modo de produção
Ourro desafio dizia respeito à emergência de é definido com base nas relações de proprieda
novos atores coletivos que não tinham base no de do ativo produtivo socialmente relevante,
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Em dada formação social, no entantp., há mais tem a apropriação de uma parte do excedente
de um ativo que está desigualmente distribuí socialmente produzido (com base na explora
do, definindo eixos diversos de exploração. Em ção dos que estão privados dos ativos de orga
outros termos, em uma formação social articu- nização e qualificação). De outro, estão sujeitos
lam-sé diferentes modos de produção e meca ao mecanismo de exploração tipicamente capi
nismos de exploração. Essa distinção entre talista, pois têm parte do produto de seu traba
modo de produção e formação social (Poulant- lho apropriado pelos proprietários dos meios
zas, 1979) permitiria dar conta da complexi de produção. Em consequência disso, tais lo
dade estrutural das sociedades capitalistas, Em calizações geram orientações políticas ambiva
formações desse tipo, embora o mecanismo de lentes, devido aos interesses objetivos potencial
exploração capitalista seja dominante e defina mente contraditórios com respeito às formas
a principal relação de classe, há dois outros de luta de classe em tais sociedades (Wright,
mecanismos de exploração operando: um deles 1989, pp. 25-7). Pelo fato de estarem na inter
se baseia no controle de ativos de organização e seção de diferentes mecanismos de exploração,
o outro no controle de ativos de qualificação os membros das localizações contraditórias po
(Wright, 1989, pp. 17-23). dem defender os interesses da classe capitalista,
As relações de propriedade desses ativos aqueles da classe trabalhadora ou ainda os inte
produzem um conjunto de localizações contra resses específicos que derivam da posição que
ditórias na estrutura de classes das sociedades ocupam dentro das relações sociais de produção.
capitalistas —as “novas” classes médiás —distin O esquema resultante possui doze locali
tas das duas classes polarizadas com respeito às zações de classe em sua versão mais desagrega
relações dè propriedade propriamente capita da. Os proprietários (controladores de ativos
listas (propriedade e controle sobre os meios de de capital) são diferenciados segundo a quanti
produção). Tais localizações são contraditórias dade de empregados; os não-propríetários, em
com respeito às relações de exploração. De um termos das relações de propriedade dos ativos
lado, seus membros detêm ativos que permi de qualificação e organização (ver Quadro 2).8
Quadro 2
Esquema de Posições de Classes de Wright
Proprietários Empregados
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As “novas” classes médias ganharam uma Em última análise, a perspectiva analítica de
posição estrutural peculiar nos trabalhos de Wright não se diferencia muito da perspectiva
Wright, sendo definidas em função de relações neoweberiana que enfoca os mecanismos de
de propriedadede ativos produtivos. Essacon- fechamento social (Parkin, 1995; Murphy,
ceituação teve implicações para o papel políti 19SS).9
co das classes sociais. O proletariado não aparece Creio, no entanto, que o principal proble
mais como o único ator coletivo revolucionário ma da perspectiva de Wright refere-se à cone
das sociedades capitalistas e nem mesmo como xão entre classe e ação coletiva,, pela. centralida-
o ator coletivo central e, além disso, o socialis de dessa questão para a teoria marxista. Wright
mo não é concebido como o futuro provável tènta conectar esses elementos construindo um
do capitalismo. Tendo como pressuposto de modelo teórico complexo que distingue um
que os atores sociais se orientam para a amplia nível micro —apreendido pelos conceitos de
ção dos retornos de seus ativos produtivos, localização de classe, consciência de classe e prá
Wright argumenta que os membros das locali ticas de classes —e. um nível macro, confor
zações contraditórias teriam interesse na supres mado pela estrutura de localizações de classe
são das relações de exploração a que estão sujei (Wright, 1997, pp. 185-215). O problema é
tos em sociedades capitalistas, tornando-se a que esse modelo especifica um pressuposto
classe dominante em outro tipo de formação marxista tradicional de que os interesses que
social (Wright, 1989, pp. 23-31). orientam a ação são estmmrados essencialmen
Precisamente pelo fôlego empírico e teóri te pelo ambiente material conformado pelas
co dos trabalhos de Wright, críticas foram dire relações de produção. Por isso, ele não vai mui
cionadas a diversas dimensões de sua obra. Tal to além da velha estratégia marxista de ligar
vez a crítica mais frequente questione a conexão classe e ação coletiva pelo elo mediador da cons
entre relações de propriedade de ativos produ ciência de classe (Lockwood, [1981] 1988).
tivos e relações de exploração (Burris, 1989; Como nos ensina Lockwood (1992), a imagem
Savage, Warde e Devine. 2005) •Embora tais marxista de uma sociedade dividida em duas
relações de propriedade possam gerar capaci classes antagônicas —e da formação de uma
dades diferenciais de apropriação do exceden- classe como um sujeito histórico —implica a
re social, não fica claro se há, de fato, relações de existência de fortes elos de solidariedade moral
exploração, especialmente quando considera unindo seus membros; porém, a teoria mar
mos o controle de ativos de qualificação e de xista em geral não consegue dar conta da for
ativos organizacionais. As relações de explora mação desses elos, porque não incorpora siste
ção implicam, como vimos, que os que contro maticamente os componentes normativos da
lam ativos produtivos não apenas mobilizam vida social.
estratégias de fechamento social que buscam
reproduzir a escassez relativa de seus ativos, mas /4s classes como coletividades sociais
também se apropriam do trabalho daqueles As perspectivas analíticas vistas anterior
excluídos do controle desses ativos. Aqueles que mente convergem em alguns aspectos impor
controlam ativos de qualificação e organizacio tantes (Edgeil, 1993; Crompton, 2003). De-
nais exploram, de fato, os que estão privados fmem-se critérios semelhantes para captar as
do controle desses ativos ou simplesmente es principais divisões sociais geradas no âmbito
tão em melhores condições de resistir à explora do mercado e da produção. Como a estrutura
ção de seu trabalho ?A meu ver, Wright não con ocupacional é usada como proxy, as posições de
segue esclarecer essa questão satisfatoriamente. classe se assemelham a agregados, ocupacionais
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que não têm uma forma hierárquica claramen ciais.10 Para captá-los, o autor propõe investi
te definida. Mais importante, em ambas as pers gar a gênese do princípio gerador e unificador
pectivas, a análise de classe é utilizada para cap^ das práticas sociais (o habitus) como produto
tara estrutura de oportunidades que se impõe da incorporação de uma condição de classe e
diferencialmente sobre os atores sociais, em de seus condicionamentos sociais. Classe
consequência estruturando de forma diferente consiste em um
suas chances de vida e estratégias de ação.
Diversamente, a perspectiva de classe que [...] conjunto de agentes que estão situa
veremos a seguir enfoca o processo de formação dos em condições de existência homogê
de coletividades sociais e os modos como elas neas Impondd condicionamentos homo
balizam a sociabilidade cotidiana. Há uma in gêneos e produzindo sistemas homogêneos
tenção fundamentalmente sintética que se ex de disposições capazes de gerar práticas si
pressa na tentativa de incorporar os compo milares e que possuem um conjunto dé
nentes objetivos que conformam a estratificação propriedades comuns, propriedades obje
social e as. práticas de classificação dos atores tivadas, por vezes.legalmente garantidas,
sóciais. (como posse de bens e poder) ou proprie
A principal referência aqui é Pierre Bour dades incorporadas como habitas de dasse
dieu. Teoricámênte, este autor busca construir (e, particularmente, sistemas de esquemas
uma perspectiva que supere as antinomias clás classificatórlos)" (Bourdieu, 2002, p. 101;
sicas da sociologia: estrutura e ação, material e tradução própria).
simbólico, objetivo e subjetivo, estratégico e
interpretativo (Bourdieu, 2005a). Tal inten Nesse sentido, a perspectiva de classe de
ção sintética é explicitada na ruptura com três Bourdieu distingue três dimensões analíticas
postulados da tradição marxista: que se interconectam empiricamente: a dimen
são do espaço social, a do habitus e a do espaço
[...] ruptura com a tendência para privile simbólico.
giar as substâncias em detrimento das O espaço social é construído segundo duas
relações [...] ruptura com o economicismo dimensões principais: volume e composição do
que leva a reduzir o campo social, espaço capital (distinguido especialmente em termos
multidimensional, ao campo econômico, de capital econômico e capital cultural), apre
às relações de produção econômica cons endidas sincronicae diacronicamerrte. O con
tituídas assim em coordenadas do espaço ceito de capital refere-se a recursos ou poderes
social; ruprura, por fim. com o objeti- “que definem as probabilidades de ganho em
vismo... que leva á ignorar as lutas sim um campo determinado” (Bourdieu, 2005b,
bólicas desenvolvidas nos diferentes p. 134). O capital econômico pode sérapreèn-
campos e nas quais está em jogo a.própria dido em termos de nível de renda, relação com
representação do mundo social (Bourdieu, os meios de produção e posses materiais. O ca
2005b, p. 133). pital cultural existe sob três formas distintas,
mas inrer-relacionadas. Sob a forma incorpora
Em seu principal trabalho sobre classes da, o capital cultural refere-se ao conjunto de
sociais, Bourdieu (2002) investiga os deter disposições necessárias para apropriação dos
minantes sociais do gosto e, mais especifi objetos da “cultura legítima”, adquiridas atra
camente, conecta a capacidade de julgamento vés da socialização no seio familiar e da educa
estético a posições no espaço das classes so ção formal. Como tais disposições são recursos
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importantes em carreiras educacionais bem-su- mentos sociais de diversos tipos (condição de
cedidas, elas geralmente adquirem uma forma classe), sendo o principal deles a distância rela
institucionalizada (credenciais educacionais). tiva à necessidade material. A socialização em
Além disso, essas disposições são objetivadas uma dada região do espaço social significa que
através de bens e prádcas consumidas em cam- a condição de classe que a diferencia relativa
pós sociais diversos. mente de outras regiões é incorporada pelos
A dimensão diacrônica do espaço soeial é agentes, conformando os habitus de classe, que
conformada pelas Traj etórias modais, que são as são sistemas de disposições duráveis e transpo-
trajetórias percorridas com mais frequência pe níveis que orientam as percepções, ações e clas
los agentes ligando origens e destinos particu sificações dos agentes nos diversos campos so
lares e que representam os modos típicos de ciais. Como um sistema de disposições, habitus
apropriação do capitai (Bourdieu, 2002, pp. não pode ser confundido com hábito, qué im
346-51). plica uma mera repetição ou rotinização de
São essas dimensões (volume e composi ações. Embora o habitus carregue as marcas das
ção do capital, e trajetórias modais), segundo estruturas ejítemas, ele delimita, ao mesmo tem
Bourdieu, que diferenciam mais fortemente po, um espaço para a improvisação e a criativi
posições relativas no espaço social por confor dade dô.s agentes. As práticas sociais são resul
marem as principais linhas de divisão e conflito tado da interação dessa estrutura internalizada
em sociedades capitalistas avançadas.11 Em Dis- com as estruturas externas, quer dizer, das dis
tinction, vemos que o espaço social (que é, na posições dos agentes com as lógicas operantes e
verdade, um mapa “sociológico” da sociedade relações de poder nos diversos campos sociais.
francesa dos anos de 1970) é esrrururado por Portanto, o habitus é, ao mesmo tempo, uma
dois eixQsfprmando quatro quadrantes. O eixo e&ttutms, estm turada, por ser produto da in
vertical corresponde ao volume de capital total corporação das propriedades relacionais do es
e o eixo horizontal a duas espécies de capital: à paço social, e uma estrutura estruturdnte, por
esquerda, o capital cultural, e. à direita, o capi operar como princípios pré-reflexivos que orien
tal econômico. Bourdieu distingue três gran tam as percepções e classificações dos agentes e
des classes ao longo do primeiro eixo: classe fixam probabilidades de ação.1’
burguesa (região superior), pequena burguesia Pela mediação do habitus e de sua capaci
(região intermediária) e ciasse trabalhadora (re dade de “gerar” práticas classificáveis e classifi
gião inferior). Ao longo do outro eixo, são dife cadoras, o espaço social rransmuta-se em espa
renciadas frações de classe segundo a composi ço simbólico e as práticas dos agentes se tomam
ção do capital. De um lado (à direita), vemos as signos de distinção. O espaço simbólico é o
frações cujo volume de capita! é determinado espaço dos estilos de vida, definidos como con
especialmente pela posse de capital econômi juntos sistemáticos de preferências distintivas
co. Do outro lado, estão as frações distinguidas que expressam, na lógica específica a cada um
em termos da posse de capital cultura). Por sua dos campos (alimentação, vestuário, arte, lin
vez, o eixo diacrônico diferencia regiões do es guagem), uma mesma intenção expressiva
paço social em termos das trajetórias coletivas (Bourdieu, 2002, p. 173). Essas retraduções
das frações de classe (de decadência ou ascen expressivas, que dão certa homogeneidade às
são) e de seus padrões típicos de recrutamento práticas dos agentes de uma mesma classe in
e composição. dependentemente de qualquer intencionalida
As posições no espaço social diferenciam- de, decorrem de uma propriedade particular
-se relacionalmente em termos de condiciona do habitus, qual seja, a transponibilidade. O
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habitus produz continuamente transposições ração dessas propriedades através do habitus é,
sistemáticas requeridas pelas condições parti ao mesmo tempo, .uma incorporação das clas
culares das práticas dos agentes. Essa unidade sificações dominantes e, consequentemente,
expressiva se mostra através do gosto de classe, a uma “naturalização” do mundo. Precisamente
“fórmula geradora do estilo de vida”, pois cons porque os agentes mobilizam os capitais acu
titui “a propensão e a capacidade para se apro mulados nessas disputas simbólicas, as frações
priar (material e simbolicamente) de um dado dominantes tendem a levar ampla vantagem
conjunto de objetos e práticas classificáveis e sobre as demais frações de ciasse, tendo maior
classificadoras” (idem, pp. 173-5; tradução pró probabilidade de impor seus padrões de jul
pria). Nesse sentido, o habitus tende a produ gamento e classificação nos diversos campos
zir uma homologia entre o espaço simbólico e o sociais. Embora ocupando lugar central nas teo
espaço social, de forma que a hierarquia de esti rias marxistas como sujeito histórico de supera
los de vida se manifesta como uma retradução ção do capitalismo, as frações trabalhadoras se
expressiva (embora não-reconhecida) das dife encontram, na teoria de Bourdieu, em situação
renças objetivas do espaço social. extremamente desfavorável nas disputas em
As propriedades dos estilqs de vida são torno dos sistemas cíassificatórios que susten
constituídas relacionalm ente, no interior das tam as relações de dominação de classe.
disputas em tprno da apropriação de práticas e Embora não sem p ro b lem a s,o modelo
objetos disponíveis na sociedade. Tais disputas teórico de Bourdieu permite construir uma
são, ao mesmo tempo, instrumentais e expres perspectiva de análise de classe que avança em
sivas, pois os agentes se orientam para os obje relação às demais em termos de sua capacidade
tos e práticas de um campo social em termos de de sintetizar dimensões da vida social. São dis
estratégias de “maximização” do capital simbó tinguidos um espaço de posições sociais e um
lico conformadas no interior das expectativas espaço de estilos de vida, cujas correspondên
estruturadas pelo habitus. A “cristalização” do cias são mediadas pelo espaço das disposições.
estado dessas lutas simbólicas em distintos esti Nessa perspectiva,.que enfoca os processos de
los de vida tende a demarcar fronteiras simbó formação de coletividades sociais, as atividades
licas e sociais. Como salienta Bourdieu, o gosto simbólicas são vistas como retraduções expres
é o “operador prático da transmutação das coi sivas de condições dé classe, ou seja, as diferen
sas em signos distintos e distintivos, de distri ças de statiis expressam diferenças de classe
buições contínuas em oposições descontínuas" (Weimnger, 2004; Sallum Jr., 2005).
{idem , pp. 174-5; traduçãq própria). A apropriação da perspectiva analítica de
Como podemos ver, as disputas simbóli Bourdieu se deu em duas linhas opostas. Nas
cas constituem a dimensão chave da “luta de Ciências Sociais norte-americanas, a teoria de
classes” para Bourdieu. Estas são disputas es classes de Bourdieu foi apropriada sob o foco
sencialmente dassificatórias e envolvem a defi da relação entre capital cultural e reprodução
nição do conteúdo (objetos e práticas) da cul social. Seguindo um dos argumentos centrais
tura legítima, os modos legítimos de dele se de D istinction, buscou-se examinar em que
apropriar e a hierarquização dos diferentes esti medida, na sociedade norte-americana, as prá
los de vida. Embora as disputas simbólicas se ticas culturais têm efeitos cíassificatórios que
jam parcialmente condicionadas pelas proprie demarcam fronteiras simbólicas e sociais (La-
dades objetivas do espaço social, elas também mont e Molnár, 2002). Aos moldes de Bour
impactam sobre ele, delimitando fronteiras so dieu, concebe-se o capital cultural como dis
ciais (Wacquant, 1991). Por isso, a incorpo posições (estética kantiana) para apreciar e
36
consumir alta cultura (as formas culturais abs gias que buscam minimizar os riscos de mobili
tratas), definida segundo variáveis similares dade descendente (Goldthorpe, 2007a),
àquelas utilizadas por Bourdieu em sua pesquisa Ainda nesta linha de apropriação da teoria
sobre a sociedade francesa (arte, literatura, ópera, de Bourdieu como teórico da reprodução social,
música clássica, teatro etc.). Em geral, as pes destacam-se também os trabalhos que criticam
quisas norte-americanas não encontraram evi o retrato que o autor constrói das frações da
dências de padrões distintos e distindvos de clas classe trabalhadora francesa. Por estarem sub
se quanto ao consumo de alta cultura. Com metidos mais fortemente do que qualquer ou
base nesses resultados, Halle (1991)..argumen- tra classe às pressões da necessidade material,
ta que a alta cultura (no caso, o consumo da Bourdieu insiste que os trabalhadores manuais
arte) não seria uma marca de classe importante são apenas referenciais negativos nas disputas
na sociedade norte-americana. Lamont (1992), simbólicas. Para alguns, esse retrato subestima
por sua vez, salienta que as fronteiras culturais a capacidade das frações populares de se orga
não seriam tão relevantes quanto as fronteiras nizarem de forma relativamente autônoma em
morais ou econômicas na formação de divisões relação aos centros de poder simbólico, desen
sociais nessa sociedade.14 volvendo padrões próprios de gosto e julga
Entre os teóricos associados ap Programa mento (Alexander, 1995; Rupp, 1997; Devi-
de Nuffield, os trabalhos de Bourdieu foram ne e Savage, 2005; Vester, 2005).
igualmente apropriados em torno da relação Embora a reprodução social tenha um lu
entre cultura (educação) e reprodução social. gar central na teoria de classes de Bourdieu, ela
Embora Goldthorpe e outros autores também também foi apropriada para dar conta de pro
sublinhem a persistência de diferenciais de pro cessos de mudança social, especialmente da re
gresso educacional em termos de posições de lação cambiante entre classee consumo no.con-
classe (Goldthorpe, 1996a; Breen e Goldthor texto da emergência da sociedade de consumo
pe, 1997, 1999, 2001; Goldthorpe, 2007a, e da expansão das formas culturais “pós-mo-
2007b), eles argumentam que as teorias culru- dernas” (Lash, 1990; Featherstone, 1995;
ralistas (entre ás quais se insere a teoria de Bour Warde, Martens e Olsen, 1999; Savage, 2000).
dieu) são inadequadas para apreender esse fenô Voltarei a este ponto adiante,15
meno. Se, de acordo com essas teorias, o progresso
educacional depende de capital cultural incor A Análise de Classe ainda é
porado, que envolve longos investimentos ge Relevante para as Ciências Sociais?
ralmente iniciados no círculo familiar, então
como poderíamos explicar a enorme expansão Nós últimos anos, o debate em torno da
educacional das últimas décadas (do século XX) relevância da análise de classes centrou-se sobre
em sociedades capitalistas avançadas cujos prin as mudanças associadas a emergência de novas
cipais beneficiários foram os indivíduos de ori formas de organização das relações sociais.
gem social relativamente menos privilegiada? Em uma vertente desse debate, argumen
Com base em um modelo explicativo derivado ta-se que, no contexto da transição para a socie
da teoria da ação racional, argumenta-se que os dade pós-industrial, novas clivagens sociais (em
diferenciais de classe quanto ao progresso edu torno de padrões de consumo, etnia, gênero
cacional seriam produtos de estratégias adapta- etc.) tenderiam a emergir e a conformar mais
tivas, racionalmente formuladas, diante de es fortemente a formação de identidades coleti
truturas de oportunidades que constrangem vas e preferências políticas. Nesse contexto, as
diferencialmente as posições de classe, estraté divisõesde classe se tomariam menos relevantes.,
37
havendo, com isso, um “descolamento” entre encontrado evidências consistentes de atenua
classe evoco (Butler e Stokes, 1974; Crewe, ção do. impacto da classe sobre o voto (Heath,
Sarlvik e Alt, 1977; Clark, Lipset e Rempel, Joweli e Curtice, 1985; Hout, Brooks e Man-
1993; Pakulski e Waters, 1996; Clark e Lipset, za, 1993; Heath e 'Weakliem, 1999; Gold
2001; Pakulski, 2001, 2004). thorpe, 1999).1
Contrariamente, alguns estudos tentam Em. outra vertente desse debate, argumen
mostrar que as evidências empíricas que apoiam ta-se que as mudanças associadas à transição
esse tipo dé argumento são produzidas por pers para a alta modernidade ou modernidade tardia
pectivas teóricas e estratégias metodológicas (Beck, 1992; Lash e Urry, 1994; Giddens,
inadequadas. Em primeiro lugar, argumenta- 20 0 2 ) ou p ós-m od ern id ad e (Baudrillard,
-se que os defensores da tese do “descolamento” [1970] 1975; Jameson, 1994) teriam cindido
entre classe e voto tomam como interlocutor a relação entre classe e consumo e, mais
uma perspectiva marxista de análise de classe,16 profundamente, atenuado (ou destruído) a
cujas proposições mais ortodoxas foram aban determinação das claSses. sobre os processos
donadas mesmo dentro do campo neomarxis- sociais.
ta fWright, [1976] 1996) eque, ademais, não A transição para a alta modernidade envol
constitui a única opção dentro desse campo veria mudanças profundas nas relações entre
teórico (Goldthorpe, 1996b). estrutura e agência. A libertação dos indivíduos
Em segundo lugar, a opção metodológica de contextos tradicionais de ação (entre elas, as
escolhida não permitiria captar adequadamen classes sociais) seria acompanhada pela emer
te a relação classe-voto. Em geral, utiliza-se o gência de um novo regime de construção do
índice de-Alford, cujo valor é dado pelapor- eu: aquele baseado na reflexividade. Em um
centagem de trabalhadores manuais que vo contexto de forte ampliação das oportunida
tam em partidos de esquerda menos a por des de escolha (e dos riscos associados a elas),
centagem de trabalhadores não-manuals que produzida pela emergência de uma ordem so
votam nesses mesmos partidos. O problema é cial pós-tradicional, os atores sociais seriam cres
que esse índice baseia-s.e em esquemas dico centemente responsáveis pela construção de
tômicos de classe e partido, manual versus não- trajetórias de vida em termos de uma biografia
manuai, esquerda versus direita. Entre outras do eu. Segundo Giddens (2002, p. 79),
coisas, isso impede que se diferencie processos
de desalinhamento, de um lido, de processos [...] nas condições da alta modernidade,,
de realinhamento entre classe e voto, de outro. não só seguimos estilos de vida, mas num
Estes últimos podem resultar, por exemplo, do importante sentido somos obrigados a fazê-
impacto de mudanças nas situações de traba -lo —não temos escolha senão esçolher.
lho e emprego sobte as preferências políticas de Um estilo de vida pode ser definido como
indivíduos em certas posições de classe ou de um conjunto mais ou menos integrado.de
mudanças nas estratégias dos partidos políticos práticas que um indivíduo abraça [...] por
(Goldthorpe, 1996b, 1999; Heath e Weak- que dão forma material a uma narrativa
liem, 1999; Weakliem, 2001). De fato, es particular da auto identidade.
tudos comparativos internacionais que em
pregam uma opção metodológica distinta, A reflexividade na alta modernidade esta
operaeionalizando: a relação classe-voto com ria relacionada, portanto, com a ampliação do
base em esquemas de classe não-dicotômicos e leque de escolhas em torno dos estilos de vida e
modelos estatísticos Idg-lineares, não têm do planejamento da vida.
38
Entre os teóricos da pós-modemidade, afir- pedagogia e orientação em relação à vida, que
ma-se que a inflação e circulação rápida de bens valorizam a estetização da vida, a exploração
e signos (e a separação destes em relação aos emocional e a mistura de estilos e códigos
referentes), no contexto da emergência de um (Featherstone, 1995; Lash, 1990). Nesse sen
regime de significação baseado na figuração tido, as imagens de desordem cultural (e seus
(Lash, 1990), podem colocax em risco a legi slogans, como ‘"nada de regras, apenas escolhas”),
bilidade dos bens e práticas usados como mar associadas às versões mais radicais do argumen
cadores sociais. Nas condições da pós-moder- to pós-modernista, não implicariam exatamen
nidade, os indivíduos seriam livres pára te a ausência total de controles ou determina-
manipular os signos da cultura de consumo ções. Ao invés, tratar-se-ia dé utii descóntrole
por livre associação, o que permitiria um posi controlado, em que hedonismo e cálculo instru
cionamento social apenas precário e instável dos mental se interpenetrariam:
indivíduos em termos de suas escolhas de con
sumo. A estabilização do sentido dos objetos ;...] assim, é possível falar no hedonismo
culturais e a estruturação deles em formas hie calculista, no cálculo do efeito estilístico e
rárquicas relativamente estáveis, correlaciona numa economia das emoções, por um lado,
das a divisões sociais em termos de classe ou e nuiiia estetização da dimensão racional
outra categoria qualquer, se tornariam proble instrumental ou funcional, mediante a pro
máticas. Isso implicaria uma implosão do espa moção de um distanciamento estetizante,
ço social e dalógica da distinção, um desapare Dor outro (Featherstone, 1995, p. 123).
cimento das velhas coordenadas do espaço
social.16 Nesse sentido, a expansão de formas cul
Diferentemente, as formas culturais pós- turais “pós-modernas” (marcadas pela mistura
modernas podem ser vistas como movimentos de códigos e estilos, pelo pasttche, pela subver-
“novos” dentro do espaço social, associados à são de fronteiras simbólicas tradicionais etc.)
emergência de uma “nova” fração de classe (a estaria associada a estratégias de reposiciona
dos intermediários ou especialistas culturais). mento social e à emergência de novos marcado
Nesse sentido, a produção e expansão dessas res sociais com base em estilos de vida marca
formas culturais seriam o resultado de proces dos pela estetização da vida cotidiana, não
sos de longa duração que elevaram o número implicando, necessariamente a implosão do es
de especialistas culturais (especializados na pro paço social e da conexão entre classe e consu
dução de bens simbólicos) nas sociedades capi mo. De forma similar, a ênfase sobre a reflexivi
talistas avançadas. Sendo marcada por um ha- dade na teorização sobre a modernidade tardia
bitus que valoriza uma atitude de aprendizagem ou alta modernidade poderia expressar as orien
perante a vida. de estetização da vida cotidiana tações de grupos sociais específicos (daqueles
e de relaxamento dos padrões formais de com que, de fato, possuem as disposições e os recur
portamento, essa fiação de classe buscaria legi sos para fazer das “trajetórias de vida” a materia
timar novos gostos e estilos de vida nas dispu lização de projetos do eu reflexivamente cons
tas simbólicas com outras frações de classe. No truídos), e não uma condição geral de um
contexto dessas disputas, os especialistas cul “novo” período histórico.19 Em suma, talvez
turais atuariam como intermediários entre o nem todos possam se tornai'
campo, cultural e o campo das classes sociais,
ampliando o leque de bens culturais disponí [...] os novos heróis da cultura de consu
veis ao consumo e estimulando uma nova mo [que] transformam o estilo num projeto
39
de vida e manifestam sua individualidade Grusky e Sorensen (1998), Sorensen (2000),
e senso de estilo na especificidade do con Eder (2002) e Grusky e Galescu (2005), en
junto de bens, roupas, práticas, experiên tre outros. Não há espaço para tratá-las em de
cias, aparências e disposições corporais des talhes aqui. Note-se, simplesmente, que foram
tinadas a compor um estilo de vida ' feitas importantes tentativas de sintetizar pers
(Featherstone, 1995, p. 123). pectivas teóricas (Scott, 1996; Sallum Jr.,
2005). Nessa busca de síntese, a noção de cole
Pesquisas recentes têm chegado a conclu tividade social tem ganhado cada vez mais rele
sões opostas quanto à conexão entre classe e vância. Creio que há duas formas principais
consumo. De um lado. um dos principais ex sob as quais essa noção aparece nos estudos de
poentes do Programa de N uffield, John Gold classe.
thorpe, produziu recentemente um conjunto Em uma delas, ela é usada para dar conta
de artigos, comTag Wing Chan. sublinhado a dos padrões regulares de ação que emergem
importância da distinção postulada por Weber das orientações racionais de indivíduos que
entre classe estatus (Goldthorpe e Chan. 2005, controlam tipos e quantidades similares de re
2006, 2007a, 2007b). Contrariamente a Bour- cursos e enfrentam pressões condicionais simi
dieu, os autores argumentam que status e classe lares. Esse tipo de coletividade é formado me
estruturam aspectos diferentes dá ordem de canicam ente (Breen e Rottman, 1995).
estratificação social e impactam sobre as chan Dutra forma de conceber a formação de
ces de vida individuais através de mecanismos coletividades de classe busca incorporar os
distintos. Enquanto a classé constituiria ó prin modos como os indivíduos se interpenetram
cipal fator a conformar as chances de vida no em termos da internalização de estruturas. Isso
mercado (Goldthorpe eMcKníght, 2006), sta- pode ser observado em alguns esrudos de classe
íiíí se correlacionaria mais fortemente com pa no campo neoweberiano. Neles, sublinha-se
drões de consumo cultural e diferenças no esti que os indivíduos que ocupam uma posição
lo de vida (Goldthorpe e Chan, 2007b). De de classe podem vir a compartilhar valores,
outro lado, alguns autores argumentam, aos orientações normativas ou imagens de mundo
moldes de Bourdieu, que a classe é um fator no contexto de processos de formação demo
importante na estruturação das práticas de con gráfica e sociopolítica, dando origem a classes
sumo e gostos culturais. Segundo eles, a relação sociais constituídas como coletividades (Lock-
entre classe e consumo deve ser investigada em wood, [1960] 1996, [1966] 1996; Gold
termos de possíveis homologias entre o espaço thorpe e Lockwood, [1963] 1996; Gold
social e o espaço simbólico. O uso dessas no thorpe, Llewellyn e Payne, 1987; Scott, 1996).
ções permitiria apreender o processo pelo qual No caso da perspectiva de Bourdieu, vimos
as práticas de cõnsumó demarcam fronteiras como os atores que ocupam uma mesma região
mutáveis nas relações sociais, possivelmente re do espaço social, do ponto de vista sincrônico e
ordenando as relações de classe e os modos como diacrônico, têm alta probabilidade de com
essas se expressam no plano simbólico ao longo partilhar esquemas de ação e classificação de
do tempo (Hoit, 1998; Savage et. aí., 2005; vido à internalização das propriedades rela
Savage et a i, 2007). cionais do espaço social. A meu ver, é esta última
A relevância da análise de classes tem sido perspectiva teórica que tem influenciado as
sublinhada, nos últimos anos, por inúmeras tentativas mais instigantes de investigar o pro
tentativas de reformulá-la ou reconstruí-la, cesso de formação de coletividades de classe
como em McNall, Levine e Fantasia (1991), atualmente.10
40
Notas
3 Nesse sentido, Giddens (1975) cunhou o conceito de estruturação para dar conta dos proces
sos pelos quais relações tipicamente econômicas se transformam em sistemas estruturados
de relações sociais baseados em classe. D e forma semelhante, Lockwood ([1958] 1989) bus
cou captar os componentes materiais e simbólicos que estruturam a estratificação social ao
propor um esquema analítico diferenciando classes em termos de três dimensões: econômica,
relacional e normativa.
6 Sua obra tem influenciado um conjunto de estudos comparativos internacionais nas últimas
décadas. No Brasil, o trabalho de Wright foi incorporado em um estudo de Santos (2002).
7 Nesse sentido, diferem da “velha classe média”, cujos membros nào sào nem empregados
nemempregadores.
9 Uma crítica semelhante poderia ser feita em relação aos trabalhos de Aage Sorensen (2000), em
que exploração é.definida como aapropriação de uma faria do excedente social m aior ào que os
custos associados à produção e reprodução dos ativos produtivos. Essa sobrevalorização ocorre
com base em estratégias de fechamento social que restringem o acesso a esses ativos produtivos.
Para uma critica aos argumentos de Sorénsen, ver Goldthorpe, 200Ó.
10 Para uma análise da apropriação da tradição sociológica clássica por Bourdieu, ver Brubaker
(1985).
1 1 Bourdieu utiliza ocupações como indicadores das posições relativas no espaço social, pois elas
frequentemente indicam - especialmente nas sociedades capitalistas —a participação: relativa
dos agentes na apropriação de capital cultural e econômico.
4L
1 2 A noção de disposições enfatiza o caráter pré-reflexivo do princípio orientador das práticas
sociais. Essa noção de prática segue uma tradição formada por filósofos como Heidegger,
iMerleau-Ponty e ’Wittgenstein, que situaram o ator em suas práticas, em contraposição a òutra
que o via fundamentalmente como um sujeito de representações (Taylor, 1993).
13 Não há espaço aqui para discutir em detalhes as principais críticas à teoria de Bourdieu. Por isso,
réméto o leitor aos seguintes textos, que abordam questões centrais dessa teoria. Emjenkms
(1992) e Alexander (1995), argumenta-se que a teoria de Bourdieu falha em construir uma
teoria sintética que supera as clássicas antinomias sociológicas. Sallum Jr. (2005) questiona a
estreita conexão entre posição social e habitus, Bennett (2007) questiona a propriedade da
transponibilidade do habitus.
1 5 De uma pérspéctiva distinta daquela de Bourdieu, Savàge etal. (1992) constitui outra tenta
tiva de conectar classe e práricas de consumo. Por sua vez, Thompson ([1968] 2004) faz um
estudo que enfoca o processo de formação de classes do ponto de vista marxista.
17 Para uma visão gerai desses debates, ver o conjunto de estudos em Evans (1999) e Clark e
Lipset (2001).
18 Para diferentes versões desse argumento, ver Baudrillard ([1970] 1975) e Pakulski e Waters
(1996).
20 Entre outros, ver Savage et. aí. (2005); Savage et al. (2007) e Bennett et a i , 2 0 0 9 .0 gasto
federal em saneamento inclui o gasto direto da União e suas transferências aos estados, muni
cípios e distrito federal, além do FGTS. Informações sobre o FGTS em 2006 náo estão
disponíveis nesta fonce. Para maiores Informações sobre a metodologia de cálculo, ver a ficha de
qualificação e o anexo IV referente ao capítulo denominado '“recursos” do ID B Brasil 2007,
disponível em: <http//www.dátasus.gov.br>.
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sity Press.
Resum o
O presenre artigo investiga as principais perspectivas de análise de classe que têm influenciado a pesquisa
sociológica contemporânea. Após o exame dos mais importantes estudos produzidos nos últim os anos,
busca avançar na análise que enfatize a concepção de classe como coletividades sociais,
Palavras-chave: Classe social: Coletividade social; Estilo de vida; Cultura; Economia; Práticas classificatórias;
Ação coletiva.
A bstract
The present article investigates the main perspectives of class analyses that have influenced the contem
porary sociological research. After exam ining the most relevant studies produced in the past years, we
aim at advancing in the analysis that emphasizes the conception of class as social collectivities.
Keywords: Social class; Social collectivity; Lifestyle; Culture; Economy; Classificatory practices; Col
lective action.
Resum é
Le. présent article consiste en une recherche des principales perspectives d ’analyse de classe qui ont
influencé la recherche sociologique contemporaine. Après un examen des études les plus importantes
produites au cours des dernières années, nous avançons sur l’anaivse qui met l’accent sur la conception de
classe en tant que collectivités sociales.
Mots-clés: Classe sociale; Collectivité sociale; Style de vie; Culture; Economie; Pratiques classificatoires;
Action collective.