Você está na página 1de 135

1 Introdução

... as idéias, para mim, são como as nozes,


e até hoje não descobri melhor processo
para saber o que está dentro de umas e
de outras, - senão quebrá-las.
Machado de Assis, no conto O mundo das idéias, 1885

Desde a década de 1940, em especial com o fim da Segunda Guerra Mundial e a


redemocratização do país, registra-se uma significativa mudança em termos de análise
histórico-social, provocada – em grande medida – pelos experimentos universitários
ocorridos no eixo Rio de Janeiro – São Paulo. O reconhecimento dessa mudança explica
o interesse pela reflexão sociológica brasileira, que tem instigado muitos pesquisadores
a explorarem as intersecções entre espaço urbano, instituições universitárias e
organizações culturais, por um lado, e suas inflexões na modelagem de distintas
gerações de intelectuais, por outro.
Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu, a análise das condições em que o
trabalho intelectual é realizado apresenta “a possibilidade de uma liberdade real diante
das determinações por ela desvendadas1”. A partir dessa liberdade relativa, o sociólogo
francês considera que a história social das instituições de ensino e a história (esquecida
ou recalcada) da relação entre o intelectual com essas instituições podem oferecer
revelações sobre as estruturas objetivas e subjetivas, tais como classificações,
hierarquias, problemáticas etc., mas que a despeito da própria figura e representação do
intelectual apresentam-se configuradas como orientadoras do pensamento desse mesmo
intelectual (BOURDIEU, 2001: 19).
A presente dissertação procura, de certa forma, através de uma análise
primordialmente institucional, compreender como foram construídas as formulações a
respeito da Sociologia Industrial e do Trabalho, e como esta disciplina foi sendo
consolidada. Secundariamente, nossa proposta busca investigar parcela das produções
confeccionadas pelas instituições por nós analisadas.

1
Bourdieu, Pierre. Meditações pascalinas; tradução Sérgio Miceli. Rio de Janeiro: Bertrand,
2001, p. 148.

11
Neste sentido, nosso estudo pretende abordar parte da reflexão sociológica
brasileira da década de 1960 relacionada aos estudos sobre a crescente industrialização
pela qual a cidade de São Paulo passava, e as ferramentas utilizadas pelas Ciências
Sociais para analisar essa transformação. Para examinarmos esse processo,
selecionamos dois centros de pesquisa: o DIEESE (Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Sócio-Econômicos/1955), que busca realizar e publicar
informações para um dos “produtos” gerados pela emergente sociedade urbano-
industrial: o operário, ou melhor, o operário sindicalizado; e o CESIT (Centro de
Sociologia Industrial e do Trabalho/1962) anexo à Cadeira de Sociologia I da
Universidade de São Paulo, cuja preocupação primordial é a análise da transição de uma
sociedade “tradicional” para uma sociedade moderna, de cunho urbano-industrial.
Encontramos o fio condutor para examinar a produção das instituições
assinaladas nos apontamentos metateóricos de Florestan Fernandes e Octávio Ianni
sobre a sociologia. Para Florestan Fernandes (1976b), a ciência precisa ser
institucionalizada, de acordo com os padrões universais de desempenho, assumindo-se
como ciência aplicada, em função de um planejamento racional e transformador da
sociedade. Decorre dessa sua concepção de ciência uma preocupação com as
transformações estruturais da sociedade mediante técnicas sociais apropriadas,
objetivando a constituição de uma sociedade na qual a democracia seja um dos seus
pilares fundamentais. Incisivo quanto ao papel do cientista, Fernandes atribui a este
considerável elemento de responsabilidade na tarefa de combater o “atraso cultural” da
sociedade a qual faz parte. E, neste sentido, o cientista (intelectual) deve impor a si
mesmo uma “ética de responsabilidade científica”. Segundo essa apreensão, para
Florestan, no mundo moderno, os sociólogos deveriam unir a ciência à militância,
visando elevar o nível intelectual das grandes massas. Nessa perspectiva, deve haver
não somente uma identificação entre a verdadeira ciência e o processo de transformação
social, com vistas à construção de um projeto nacional, mas também um
comprometimento do cientista que não deve esgotar-se no plano teórico, mas voltar suas
forças eminentemente para a prática social.
Segundo Fernandes (1976b), a sociologia possui dois epifenômenos: a
sociologia geral e a sociologia aplicada. A sociologia geral teria como objetivo a análise
de questões universais e a elaboração de conceitos histórico-estruturais resultantes de
estudos teórico-dedutivos. As teorias sobre as estruturas sociais e as classes sociais
estariam, por exemplo, no âmbito de uma sociologia geral. Já a sociologia aplicada seria

12
o campo da ciência social que procuraria dar conta de questões específicas,
historicamente determinadas, tendo por objetivo básico o controle ou planejamento da
vida social (nos termos mannheimianos). O estudo dos mecanismos de mobilidade
social – princípios que orientam a possibilidade de um indivíduo modificar sua posição
social numa dada sociedade – por exemplo, estaria no campo da sociologia aplicada.
Sua preocupação seria mais histórica do que universal, seus métodos seriam mais
pragmáticos do que teóricos, seu alcance, mais particular do que objetivo.
Segundo Ianni (1975) ao analisar a produção sociológica dos anos 1945-1974, a
partir da verificação da produção de estudos científicos voltados para o entendimento da
vida social, podemos examinar duas tendências distintas que, segundo nossa percepção
estariam subordinadas à sociologia aplicada: a sociologia técnica 2 (descreveria e
interpretaria os fatos como coisas, partindo para uma análise particularmente exógena) e
a sociologia crítica (abordaria os fenômenos em termos de relações, processos,
qualidade, significações, configurações históricas, estruturas externas e internas).
Isto é, a sociologia técnica dedicar-se-ia àqueles estudos nos quais não seria
exigida do intelectual uma preocupação com o desenvolvimento de uma atitude crítica a
respeito do fenômeno estudado. Fariam parte desse universo as pesquisas orientadas
para o levantamento de dados, necessariamente próximos à ciência econômica. A
finalidade desses levantamentos sociométricos seria eminentemente pragmática, cuja
apresentação teria como base instrumentos quantitativos nos quais seriam buscados,
principalmente, a confiabilidade, a legitimidade, como questionários e formulários. A
sociologia técnica seria, então, aquele campo de pesquisa que se desenvolve a partir de
necessidades externas à própria ciência, e, teria como objetivo último a intervenção na
sociedade a partir de pesquisas de abrangência mais pontual: teria uma intenção
pragmática explícita e sua contribuição para o desenvolvimento teórico da ciência, ou
para uma maior compreensão da natureza da vida em sociedade, poderia ser
considerado como de menor alcance do que a promovida pela sociologia crítica.
A sociologia crítica, por seu lado, teria como preocupação fundamental e
objetivo de estudo o estabelecimento dos pressupostos teóricos e dos métodos de
investigação que possibilitassem o desvendamento das bases da sociedade. Estaria
preocupada não com a sociometria, mas com os processos que a desencadeiam, seus

2
No decorrer dos capítulos desta dissertação procuraremos realizar uma análise mais aprofundada
acerca da tipificação dos dois tipos de sociologia (técnica e crítica) apresentadas por Octávio Ianni em
Sociologia e sociedade no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1975, especialmente o capítulo XI,
“Sociologia: técnica e crítica”.

13
significados e suas explicações mais amplos. Esse tipo de sociologia desenvolveria
estudos propostos pelas necessidades teóricas diretamente relacionadas ao
desenvolvimento da ciência visando, principalmente, o conhecimento, a verificação de
hipóteses e o entendimento crítico da vida social. De acordo com os pressupostos da
sociologia crítica, os dados de uma pesquisa não se referem a uma situação imediata,
mas a um processo histórico mais amplo. Não buscaria somente causas ou funções de
um fenômeno, mas principalmente a dinâmica do processo, a estrutura na qual se realiza
e as contradições que revela. De maneira que, a diferença entre uma sociologia técnica e
uma sociologia crítica estaria, portanto, na amplitude da análise e até na eventual
intervenção social do pesquisador no processo estudado.
Enfim, o problema de nosso estudo apresenta-se em torno da questão da
sociologia crítica e da sociologia técnica e, segundo essa definição, da aplicabilidade do
conhecimento sociológico, ou, nos termos de Florestan Fernandes, da sociologia
aplicada. O plano de trabalho de Florestan desenvolveu-se a partir da reformulação da
expressão “só quem quer algo socialmente vê algo sociologicamente”, de Hans Freyer,
para “só quer algo socialmente quem vê algo sociologicamente” (BÔAS, 1997). A
proposta defendida3 e pretendida por Florestan Fernandes é a de que os sociólogos
participem ativamente do que ele denomina de conversão dos conhecimentos
sociológicos em forças sociais (FERNANDES, 1976b).
Assim, tendo como pano de fundo o processo de industrialização brasileiro,
nossa pesquisa pretende analisar duas formas de realização da sociologia aplicada: a
sociologia técnica e a sociologia crítica, justapostas em graus de realização
diferenciados em razão de seus propósitos. Isto é, de um lado observamos o DIEESE,
uma instituição que nasce a partir da concepção do uso do conhecimento técnico-
científico consoante às necessidades primeiras do meio sindical. Por outro lado,
verificamos a organização do CESIT, um centro construído a partir das observações
sobre a estrutura social e ocupacional da cidade de São Paulo, cuja proposição
apresentava-se inscrita na obtenção de um “diagnóstico de situação” do fenômeno da
industrialização. Ou seja, os dois organismos embora distintos no âmbito institucional
3
Florestan era partidário da idéia anunciada por Karl Mannheim de que os cientistas sociais
precisariam alargar a sua noção de teoria, no sentido de estendê-la à investigação dos processos
deliberados de intervenção na tessitura social. Essa concepção de intervenção, na qual o sociólogo tem
papel ativo, segundo seu controle, é orientada pela percepção da parcialidade e da ineficácia de políticos e
“homens de ação” na resolução dos problemas sociais. Ainda segundo o entendimento de Florestan, a
ciência deveria estar a serviço da política, posto que a intervenção racional na realidade se constitui em
um processo de natureza sócio cultural. Isto é, a busca pela sociologia como artífice do controle social ou
de “sociedade planificada” nos termos mannheimianos. (FERNANDES: 1976b, 109-110).

14
procuraram, de acordo com seus propósitos, ultrapassar o próprio leito organizacional 4 a
fim de propiciar análises singulares sobre os novos protagonistas da cidade de São
Paulo: o empresário industrial e o operário sindicalizado.
A presente dissertação compõe-se, primeiramente pelo capítulo “Na esteira do
modernismo”, onde buscamos explorar a historicidade de algumas das instituições e
grupos de intelectuais que procuraram analisar o processo de desenvolvimento
econômico, social e cultural do município de São Paulo, com foco na industrialização e
urbanização. Nosso segundo capítulo, “DIEESE – A Sociologia além dos muros
universitários” visa expor o processo de institucionalização do Departamento (ocorrido
no segundo qüinqüênio da década de 1950) e analisar parcela da publicação de dois de
seus periódicos: “Boletim do DIEESE” e “Revistas de Estudos Sócio-Econômicos”
(lançados na década seguinte). E o terceiro capítulo, intitulado “CESIT – A empresa
industrial em São Paulo” possui dois momentos definidos. Inicialmente procuramos
destacar as preocupações inscritas nas obras “A Sociologia numa Era de Revolução
Social”, de Florestan Fernandes; “Conflito Industrial e Sindicalismo no Brasil”, de
Leôncio Martins Rodrigues; e “Estrutura e Expansão na Indústria em São Paulo”, de
José Carlos Pereira. Optamos por tais estudos por acreditarmos que eles revelam – ainda
que apenas parcialmente – os novos rumos da Cadeira de Sociologia I (transição da
temática racial para as investigações do processo do desenvolvimento urbano-
industrial). No segundo momento deste capítulo, procuramos realizar um breve excurso
sobre o processo de institucionalização e profissionalização da “escola uspiana de
sociologia5”, nesse excurso, buscamos tratar de maneira mais precípua as reflexões e
4
Neste sentido é válido apontar as análises que Florestan Fernandes produziu sobre o espaço
institucional, principalmente a universidade: em “A Condição de Sociólogo” ele fala na instituição
enquanto cidadela de um inconformismo intelectual restrito e intra-muros, o que está de acordo com a
análise da estrutura espacial da USP, segundo ele “montada para facilitar o isolamento, para pulverizar o
intelectual” (1978: 143).
5
Utilizamos o termo “escola uspiana de sociologia” e não “escola paulista de sociologia” porque
compreendemos que tal concepção revela uma certa arbitrariedade e ambigüidade. Devemos essa reflexão
ao artigo “Pensamento Social da Escola Sociológica Paulista”, de Élide Rugai Bastos (2002). No texto,
Bastos afirmou que o termo, apesar de ser compreendido como referente somente às atividades
intelectuais da sociologia uspiana, abre o leque para o entendimento de toda produção da sociologia
paulista. Também Maria Arminda do Nascimento Arruda (1995) mantém as aspas e reconhece que a
denominação “escola” contém certa arbitrariedade, isto é, a “escola” ora abarcaria a maior parte da
produção uspiana, ora o grupo que Florestan Fernandes reuniu em torno da cadeira de Sociologia I, cujos
integrantes eram caracterizados pela homogeneidade de temas e métodos. No entanto, observamos uma
diversidade razoável nos trabalhos concretizados: de estudos “raciais” a sindicais, de estudos empiricistas
a análises dialéticas, de estudos localizados a interpretações históricas. Todavia, pode-se afirmar que a
cidade de São Paulo foi constituída de maneira ímpar e a Universidade de São Paulo em um projeto
alternativo de formação de elites no qual a institucionalização se deu precocemente, criando um ambiente
único, no qual pesquisa e ensino foram combinados, de maneira a engendrar formas de organização e
reprodução ainda inéditas no Brasil, aliadas a um certo fechamento da “comunidade científica”, um certo

15
orientações teórico-metodológicas do grupo da Cadeira de Sociologia I, especialmente
centrando nossa análise na figura de Florestan Fernandes. Para tanto, nos beneficiamos
da hipótese apontada por Werneck Vianna (1997) de que, na Universidade de São
Paulo, a noção de comunidade científica (Robert K. Merton) foi complementada pelo
conceito de intelligentzia (Karl Mannheim).
Segundo Vianna, a inserção da noção de comunidade científica nos cursos de
Ciências Sociais de São Paulo funcionou como recurso que garantisse autonomia frente
às elites fundadoras6. Uma das preocupações teóricas fundamentais da obra de Merton é
discutir as relações que se estabelecem entre a ciência enquanto instituição social
particular e a cultura em seu sentido mais amplo. Nessa perspectiva, ele afirma que a
interdependência entre a ciência e outras instituições e esferas culturais da sociedade é
mais forte nos momentos iniciais de institucionalização da atividade científica, quando
se dá o processo de afirmação da crença social no seu valor. O grau de autonomia tende
a crescer à medida que a ciência, reconhecida socialmente enquanto instituição dotada
de características próprias passa a ser legitimada como um fim em si mesma, tornando-
se então um subsistema da sociedade relativamente independente.
É importante salientar, contudo, que o próprio Merton chama a atenção para o
caráter problemático dessa autonomia, uma vez que, segundo ele, o processo pelo qual
os valores do ethos científico se realizam e orientam o comportamento dos cientistas é,
em grande parte, condicionado pelo contexto social mais abrangente.
Nesta acepção, a noção de comunidade científica ou de “campo científico”, nos
termos de Bourdieu, é central na compreensão e explicação do modo como se organiza
a atividade científica e são produzidos os novos conhecimentos. Merton procura

“desejo” de diferenciação em relação ao Rio de Janeiro. Para completar o cenário, ainda havia a forte
presença de Florestan Fernandes projetando uma coesão (homogeneidade circunstancial), algo muito
próximo a uma escola. Escola, “escola” ou não, o que observamos é que a sociologia paulista, no seu
período de formação criou uma abordagem própria dos problemas, na qual os critérios científicos eram
utilizados de modo a manter uma distância segura da vida política que urgia; tal ética de distanciamento
desdenhava das questões imediatas e propugnava mudanças estruturais na sociedade brasileira,
procurando uma intervenção política que se impusesse mais pela força dos argumentos e menos pela
militância nas questões sociais (ao menos em sua época inicial). De maneira que, utilizamos – no decorrer
de nosso estudo o termo “escola uspiana de sociologia” em itálico ou entre aspas, mas sempre no sentido
de identificar o grupo definido de sociólogos da USP, dirigidos pelo professor Florestan Fernandes.
6
A gênese da Universidade de São Paulo pode ser pontuada a partir da consideração de que, em
sendo pública, a sua criação e o seu controle pertenceriam ao Estado assim como a condução do processo
de formação e reprodução das futuras elites orientadoras. Entretanto, embora o projeto tenha, em sua
origem, o selo das elites locais, ele foi, posteriormente, consolidado como um espaço autônomo dos
intelectuais, na medida em que a idéia de comunidade científica mertoniana tem por elemento norteador a
autonomia diante dos valores de mercado e de outras dimensões da vida social (ARRUDA, 1982;
CARDOSO, 1982: 58; ARRUDA, 1995; VIANNA, 1997)

16
explicar e interpretar a ciência a partir do entendimento do funcionamento e da
dinâmica interna da comunidade científica, analisando, por exemplo, quais as
prioridades de pesquisa, onde são divulgados os seus resultados, como são selecionados
novos membros, como são tratadas as demandas externas, particularmente aquelas que
provêm do Estado, e assim por diante. Enfim, nessa abordagem, o entendimento desses
aspectos é fundamental para se compreender a própria ciência, em seus resultados e em
sua organização social.
A hipótese que Vianna (1997) aponta para compreender a formação e
consolidação da “escola uspiana de sociologia” pode ser colocada a partir da
consideração de que a noção de comunidade científica não satisfaz o entendimento de
umas das principais preocupações dessa escola e, principalmente de Florestan
Fernandes, a saber: o papel do intelectual na sociedade. Para Fernandes, “no caos dos
antagonismos grupais de que participa”, esta intelligentzia teria a função de buscar a
“compreensão mais completa possível da situação histórico-social e a afirmação
correspondente de interesse por ela” (FERNANDES, 1974: 269). De acordo com
Vianna, é segundo a concepção da necessidade desse diálogo do sociólogo com a
sociedade que funciona a complementaridade entre comunidade científica e a noção de
intelligentzia de Mannheim. Para compreender as formulações sobre a proposição
mannheimiana acerca da noção de intelligentzia utilizamo-nos de duas de suas obras:
“Sociologia da cultura” e “Ideologia e utopia” sobre as quais faremos breves pontuações
para expormos os motivos para que nos beneficiemos da hipótese aventada por Vianna
(1997).
Em “Sociologia da cultura” (1974), Mannheim busca traçar uma tipologia da
intelligentzia no devir histórico e para tanto situa na época moderna o salto qualitativo
da forma organizacional da intelligentzia ou de seu sentido moderno. Para o sociólogo,
a modernidade inaugura, sem precedentes, um tempo de consciência social, consciência
esta que será base do pensamento e ação coletivamente determinados e historicamente
direcionados: “Nossa época caracteriza-se não só por uma crescente autoconsciência:
vivemos um tempo de existência social conscientemente.” (MANNHEIM, 1974: 73).
A questão da modernidade é muito cara para Mannheim. Para o autor, os
intelectuais modernos, em contrapartida aos seus correspondentes eclesiásticos, não são
mais recrutados a partir de uma única classe, com interesses sociais e econômicos
definidos. Para o ele, a modernidade trouxe uma classe relativamente desligada do
processo econômico, isto é, embora ela participe do processo, sua formação não decorre

17
desse processo. Neste sentido, vale apontar a consideração de Mannheim sobre este
aspecto:

Sem dúvida, ocorre que grande parte de nossos intelectuais provém


dos estratos rentistas, cujos rendimentos derivam direta ou
indiretamente de aluguéis e juros sobre investimentos. Mas neste caso,
certos grupos de funcionários e das denominadas profissões liberais
seriam igualmente membros da intelligentzia. Entretanto, um exame
mais próximo da base social destes estratos mostrará que são menos
claramente identificados no processo econômico (MANNHEIM,
1974: 76).

Vale ressaltar que, a compreensão da “intelligentzia mannheimiana” encontra-se


na relação entre a socialização nas instituições especializadas de conhecimento e o
processo de identidade dos intelectuais na sociedade moderna, ou seja, da laicização do
saber e a emergência da coisa pública: “A evolução do saber e da educação ultrapassa
um marco de incomparável significação quando os leigos rompem e usurpam o
monopólio sacerdotal da interpretação pública” (MANNHEIM, 1974: 97). Segundo
Mannheim, o intelectual moderno que sucedeu ao escolástico “não pretende reconciliar
ou ignorar as visões na ordem de coisas ao seu redor, mas procura identificar as tensões
e participar das polaridades de sua sociedade” (MANNHEIM, 1974: 92).
Já em “Ideologia e Utopia” (1976), Mannheim procurou analisar a relação entre
conhecimento e existência. O primeiro elemento é caracterizado pelos condicionantes
sociais e históricos e, neste sentido, a análise da história das idéias não pode ser
descolada do processo social. Ou, em outras palavras, os processos sociais exercem
influência sobre o processo de produção do conhecimento. Segundo o próprio
Mannheim:

Em nossos dias, já parece estar perfeitamente claro que o antigo


método da história intelectual, orientado para a concepção a priori de
que as mudanças devessem ser entendidas ao nível das idéias (história
intelectual imanente), bloqueava o reconhecimento da penetração do
processo social na esfera intelectual. (MANNHEIM, 1976: 289).

A participação política do intelectual mannheimiano apresenta-se na capacidade


de prover meios de interpretação e explicação do mundo para o processo de mudança
social. Entretanto, para Mannheim embora os intelectuais sejam conscientes de sua
situação única e da missão nela implícita, isto é, o empenho na síntese, eles não podem
ignorar, na relação entre conhecimento e existência, sua tensão mais aguda: o intelectual

18
diante do mundo de interesses e ideologias necessariamente parciais, não se tornaria
parcial, também o lugar do intelectual? Ou, como reflete Mannheim: “como atingir e
levar a cabo decisões? Incondicionais em face de uma existência condicionada?” (1974:
70).
Em síntese, segundo as pontuações apresentadas, a comunidade científica da
“escola uspiana de sociologia” é investida no papel de uma intelligentzia cuja proposta
trata-se de uma sociologia de reforma da sociedade civil, na expectativa de que, quando
concluída a ordem especificamente burguesa, essa mesma intelligentzia pudesse se
encontrar com “os seres subalternos alinhados em suas identidades, autônomos e
conscientes dos seus direitos de cidadania” (VIANNA, 1997: 189).

2 Na esteira do modernismo

A minha pífia geração era afinal de contas


o quinto ato conclusivo de um mundo
(...) Uma geração de degeneração aristocrática,
amoral, gozada e, apesar da revolução modernista,
não muito distante das gerações de que ela era o ‘sorriso’ final.

19
Mário de Andrade, Testamento de uma Geração, 1944

“O país industrialmente mais desenvolvido mostra ao país menos


desenvolvido tão-somente a imagem do próprio futuro”, ao reflexo dessa afirmação
contida no prefácio de 1867 de O Capital (apud Faoro, 1992) de Karl Marx, nasceu
uma variada ordem de teorias sobre o desenvolvimento das nações. Thorstein
Veblen, em um ensaio de 1915 sobre o desenvolvimento econômico, social e cultural
das nações apresenta uma dessas teorias, apontando as possíveis vantagens do atraso
(the advantages of backwardness). Isto é, a percepção de que os que chegam por
último se beneficiariam de sua largada tardia porque não padeceriam dos custos das
inovações sociais passadas. No entanto, a tese de Veblen não alude ao problema de
que, embora seja possível minorar e abreviar as leis do parto, na cauda desse salto
está perfilado um “cortejo de malogros”: a modernidade compromete, em seu
processo, toda a sociedade, ampliando o raio de expansão de todas as classes,
revitalizando toda a sorte de papéis sociais. Mas a modernização, pelo seu toque
voluntário, senão voluntarista, chega à sociedade por meio de um grupo
condutor/elite que sendo privilegiado, privilegia os setores dominantes (FAORO,
1994: 97-115). Ou, na linguagem weberiana: é uma ação política e economicamente
orientada. Neste sentido, o “cortejo de malogros” administra a dilatação de um dos
produtos da modernização: a desigualdade social, econômica, política e cultural.

A perspectiva de Raymundo Faoro está assentada na idéia de que a


modernização recobre a modernidade. Segundo sua ótica, o caminho que leva à
modernidade é o mesmo no qual trafega a cidadania e, essa via, que foi percorrida
apenas por países modernos (e não modernizantes) não tem atalhos 7. Para Faoro, a
aposta na modernização importada submergiu antes mesmo de ser – de fato –
formulada:

(...) O país, eletrocutado pelo projeto modernizador, não reagiu, não o


aceitou, nem o sacudiu de suas costas, por carência de meios

7
Neste contexto, acreditamos ser possível realizar uma aproximação entre a reflexão de Faoro e a
linha de pensamento de Sérgio Buarque de Hollanda. Segundo o historiador, o processo em que o
Brasil se inscreveu – desenhado pela importação de formas organizacionais, de instituições e de visão
de mundo – fizeram do brasileiro um desterrado em sua própria terra. Para uma análise mais
abrangente ver: HOLLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 2001: 14 e segs.).

20
institucionais. Desta vez, os espectros vagam nas ruas, sem empregos,
miseráveis, depois de, perderem tudo, perderem a esperança (114).

Destarte, o processo de cientificização corroborava a tese de “demora


cultural” ou hiato (cultural lag8), que define as resistências culturais e de informação
como o principal obstáculo ao desenvolvimento. Segundo Florestan Fernandes, a
demora cultural estaria configurada nas tensões existentes entre o “atraso” e o
“moderno”; tais tensões seriam manifestadas a partir da assimilação de uma nova
ordem pelo tecido social, o que configuraria – ao menos temporariamente – uma
situação de desorganização/anomia. Contudo, as tensões tenderiam a ser solapadas,
uma vez que a esfera cultural acaba assimilando, obrigatoriamente, as inovações
operadas pelo processo de mudança social. Conforme análise de Fernandes:

[...] Aquilo que os “países adiantados” conquistaram mediante longos


e penosos processos histórico-sociais, eles pretendem alcançar através
da transplantação rápida e intensiva das técnicas modernas de
pensamento ou de ação (1963:79).

Os temas “mudança”, “transição”, “modernização” são centrais para a reflexão


sociológica desenvolvida no Brasil. Mas não se trata de pensar a mudança social num
sentido plasmado, já que no movimento da sociedade, o “tradicional” e o “moderno”
são redefinidos segundo os contornos da própria sociedade (BÔAS, 1997).

E, é a partir desse preâmbulo que resgatamos o filósofo canadense Charles


Taylor, cujo livro “A política do reconhecimento” (TAYLOR, 2000) recupera o
conceito de autenticidade no romantismo alemão, expondo a sua centralidade na
passagem de uma sociedade hierarquizada para uma sociedade igualitária e
democrática. Embora Taylor diga que em Hegel a questão do reconhecimento recebe
seu primeiro tratamento mais influente, ele sugere que Rousseau seja o pensador que
possibilita efetivamente compreender a relação intrínseca que existe entre identidade e
reconhecimento numa sociedade republicana e, neste sentido, com a cultura democrática

8
Encontramos em Fernandes (1979), a menção acerca da “demora cultural”, apresentada
originalmente por Ogburn (Ogburn, William. Social change: With respect to the culture and original
nature. New York, B. W. Huebsch, 1922). Segundo Fernandes, a demora cultural estaria configurada nas
tensões existentes entre o “atraso” e o “moderno”, tais tensões seriam manifestadas a partir da assimilação
de uma nova ordem pelo tecido social, o que configuraria – ao menos temporariamente – uma situação de
desorganização/anomia. Contudo, as tensões tendem a ser solapadas, uma vez que a esfera cultural acaba
assimilando, obrigatoriamente, as inovações operadas pelo processo de mudança social.

21
os indivíduos apresentam a tendência de exigir outra forma de reconhecimento das suas
identidades. De maneira que, Taylor aponta que não é possível entender o estreito
vínculo entre a identidade e o reconhecimento de uma forma monológica, porque a
característica crucial da vida humana é seu caráter fundamentalmente dialógico
(TAYLOR: 2000). Ou seja, a identidade não é resultado de um isolamento, mas do
intercâmbio com o outro, cuja dependência leva ao reconhecimento das condições que
possibilitam ao agente construir a sua identidade. A descoberta da própria identidade
passa pelo reconhecimento da diferença do outro no espaço dialogal da linguagem
(ARAÚJO, 2003: 223).
Segundo Taylor, o conceito de autenticidade rompe com as identidades
socialmente atribuídas e salienta as identidades geradas internamente e que nos
permitem reconhecer tanto a nós mesmos quanto aos outros. Voltamo-nos ao
pensamento de Taylor e à questão da autenticidade, porque acreditamos que esse
referencial possa ter utilidade para compreender a aguda transição em que estavam
envoltos os muitos personagens que buscaram redesenhar e, principalmente, formular
um projeto moderno de nação para o Brasil. No decorrer deste capítulo, buscaremos
apontar algumas instituições que, inseridas no contexto cultural e científico 9,
procuraram realizar o projeto de nação (LAHUERTA, 1997).

2.1 A necessidade de uma elite “orientadora”

No Brasil, o clima de agitação político-social que caracterizou as décadas de


1920 e 30 foi marcado por mobilizações sociais e uma forte efervescência intelectual.
Nesse contexto, a “questão social”, ainda que vista por vários grupos como um “caso de
polícia” (SIMÃO, 1966), representa uma preocupação relevante para diversos setores
dominantes da sociedade. Em termos econômicos, coexistem duas concepções: de um
lado, estão os grandes proprietários de terra, defensores de uma política de privilégios
para proteger a lavoura cafeeira e a exportação do café; de outro, lideranças ligadas aos
interesses da indústria, mais concentradas nas cidades e lutando por uma política que
privilegiasse as incipientes indústrias.
Em diálogo com esse cenário, vários educadores começaram a compreender que
a questão educacional não poderia continuar sendo objeto de discussões e decisões

9
Termo aqui postulado no sentido acadêmico, universitário.

22
isoladas de determinados Estados, mas devia ser encarada como um problema nacional
que afetava toda a nação. Nessa direção, os intelectuais brasileiros passaram a propor
alternativas que contribuíssem para levar a educação a ser identificada como um
problema nacional e reflexo direto de uma crise mais ampla e profunda decorrente da
distância produzida entre os ideais e os fatos republicanos. Segundo Fernando de
Azevedo, as instituições políticas precisavam desabrochar na sociedade brasileira “(...)
como um produto natural de uma estrutura social e econômica, reconstruída em bases
verdadeiramente democráticas” (1962:27).
O clima de inovação institucional da década de 1930 não encontra precedentes
na história da República. Na seqüência da criação da Escola Livre de Sociologia e
Política (1933) e da Universidade de São Paulo (1934), surgiu o Departamento de
Cultura e Recreação do Município de São Paulo (1935), mais conhecido como
Departamento de Cultura. O horizonte histórico que se abriu, após a Revolução de 1930,
impeliu os intelectuais da geração de 1920 e da década subseqüente a ambicionar não
somente cumprir os destinos impostos pelo contexto histórico, mas também a superar o
momento em que viviam com vistas à formulação de um projeto de nação.

2.2 Departamento de Cultura

O Departamento de Cultura do Município de São Paulo (1935-1938 10) representa


a principal articulação dos modernistas da Semana de 1922 para a implementação dos
projetos político-culturais visando a edificação da nacionalidade. A instituição, criada e
organizada pela intelectualidade paulistana, é a expressão do desejo da criação de uma
cultura autônoma, a fim de aproximar a população das práticas culturais brasileiras. Para
Roberto Barbato (2004), a esfera política do Departamento procurava rechaçar a
cultura-ornamental, tendo, por isso, um aspecto nacional-popular. Embora o alcance das
iniciativas do Departamento fosse restrito à cidade de São Paulo, a aspiração maior de
seus dirigentes consistia em expandir ao âmbito nacional aquilo que era visto –
simplesmente – como uma “aventura” cultural paroquial. A existência de um organismo
como o Departamento trouxe à arena nacional um novo horizonte de significados e

10
“Em 1945 tornou-se órgão vinculado à Secretaria de Cultura e Higiene; dois anos depois, passou
a constituir a Secretaria de Educação e Cultura do Município de São Pulo; e, em 1975, alçou-se à
condição de Secretaria Municipal de Cultura” (16). Para maiores informações consultar: AZEVEDO,
José Eduardo. Apresentação. In: acervo de Pesquisas Folclóricas de Mário de Andrade: 1935-1938. São
Paulo: Centro Cultural São Paulo, 2000, p. 13 e segs.

23
sentidos culturais, ocupando, dentro do rol de instituições existentes na capital paulista,
um papel singular. Podemos dispor como os principais participantes do processo de
criação do Departamento, o grupo de intelectuais formado por Mário de Andrade, Paulo
Duarte, Antonio de Alcântara Machado, Tácito de Almeida, Antônio Carlos Couto de
Barros, Henrique da Rocha Lima, Randolpho Homem de Melo, Rubens Borba de
Moraes e Nino Galo (BARBATO, 2004: 26).
A preocupação de dar um sentido utilitário à prática cultural revela o empenho
da instituição paulistana em realizar o ideário dos arautos da identidade nacional da
década de 1920. O compromisso da geração de 22 remete – segundo Mário de Andrade
– aos três pilares do modernismo: “direito permanente à pesquisa estética”, “atualização
da intelligentzia artística brasileira” e “estabilização de uma consciência criadora
nacional”. A proposta dos modernistas era unir a pesquisa de gabinete à vivência de
vanguarda metropolitana, isto é, não somente permitindo, mas sim, buscando um
enfoque dialético, onde o rústico e o arcaico seriam combinados à dinâmica do estudo
sociológico a fim de acarretar, por conseguinte, a autenticidade cultural (proposição
primeira dos modernistas de 22), em sentido semelhante a que Taylor sugeriu ao
romantismo alemão: a orientação modernista paulistana está calcada na tentativa de
definir os aspectos da nacionalidade por meio da cultura popular. Isto é, a experiência
modernista buscava registrar um movimento de “redescoberta do Brasil”, no qual se
coadunavam uma infrene busca pelo passado colonial e a superação deste, através da
rotinização da cultura, transformando-a em bem comum11.
As propostas do grupo começaram a tomar concretude a partir do encontro entre
o então prefeito do município de São Paulo, Fábio Prado, e Paulo Duarte. Do diálogo,
foi proposto não somente a consecução de um organismo de cultura 12, como também a
sugestão do nome de Mário de Andrade para a chefia do futuro Departamento e da
Divisão de Expansão Cultural13.

11
A vocação do intelectual, para os modernistas inseridos no Departamento de Cultura, é,
sobremaneira, uma tarefa pública.
12
Com o decreto do ato n. 861 foi fundado o Departamento de Cultura e Recreação de São Paulo a
30 de maio de 1935 (BARBATO: 29).
13
A estrutura do Departamento possuía cinco pastas e cada uma tinha atribuições específicas: à
Divisão de Expansão Cultural subordinavam-se as seções de Teatro e Cinemas, Rádio-Escola e a
Discoteca Municipal; a Divisão de Educação e Recreios coube a Nicanor Miranda e organizava projetos
para a construção de parques infantis, campos de atletismo, estádios e piscinas; a Divisão de Bibliotecas
ficou sob a coordenação de Rubens Borba de Moraes que tinha por tarefa a Classificação, Expediente,
Biblioteca Municipal, Biblioteca Infantil, Biblioteca Brasiliana e as Bibliotecas Circulantes; já a Divisão
de Documentação Histórica e Social de Sérgio Milliet ficou encarregada da Documentação Histórica e
Social, Revista do Arquivo Municipal, Seção Gráfica e Museu Histórico da Cidade de São Paulo.

24
Todavia, muitas das atividades do Departamento eram tratadas com escárnio por
alas oposicionistas. Segundo Paulo Duarte, os oposicionistas eram afiliados ou
simpatizantes do Partido Republicano Paulista, como podemos observar em uma
missiva do líder modernista ao Ministro Gustavo Capanema14:

[...] sei de fonte limpa que dos homens do PRP que subiram agora,
uma fortíssima corrente deseja a extinção, pura e simplesmente, do
Departamento de Cultura. Outra, mais moderada, sustenta a
necessidade de sua conservação, acabando-se com certas
“brincadeirinhas15“ inúteis. Não erro certamente em supor que tais
brincadeirinhas sejam a Discoteca Pública, as pesquisas de Folclore e
Etnografia, quartetos, trios e corais. Essas foram as pastas sempre
caçoadas pelos homens do PRP nas câmaras estaduais e municipais.
(apud SCHWARTZMAN, BOMENY E COSTA, 2000: 384).

Porém, as objeções às atividades da instituição paulistana perderam força após a


prestigiada participação de Sérgio Milliet e Rubens Borba de Moraes no II Congresso
de Populações, realizado em Paris (1937). Nesse Congresso, eles apresentaram o
trabalho intitulado “A representação dos fenômenos demográficos”, pelo qual
receberam, não somente uma menção honrosa, como também o Departamento foi
considerado um modelo a ser seguido16. Isto é, as linhas-mestras da instituição, sua

Posteriormente, com a instituição do ato n. 1146, de 4 de julho de 1936, fundou-se também a Divisão de
Turismo e Divertimentos Públicos, com seções de igual nome (Barbato: 29-30).
14
É importante ressaltar que, para o Ministro Capanema, o papel da cultura na tessitura social está
revestido como um dos pilares para a afirmação da nacionalidade a tal ponto que, para o Ministro, é dever
de o governo federal incluí-la como instrumento institucional do aparelho estatal. Para uma análise mais
detalhada sobre esta temática, consultar: Williams, Daryle. “Gustavo Capanema, ministro da cultura”. In:
Gomes, Ângela de Castro (Org.). Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p.
252-69.
15
Também avaliada como “brincadeirinhas” pelos perrepistas era a biblioteca circulante, cujo
objetivo era levar livros a bairros onde inexistiam bibliotecas.
16
Entretanto, apesar da boa repercussão internacional alcançada com o Congresso, com o golpe de
1937, o Departamento sofreu profundas alterações. Em maio do ano subseqüente, Fábio Prado foi
exonerado da prefeitura de São Paulo. O cargo de Prado foi ocupado por Francisco Prestes Maia, cuja
preocupação administrativa centrava-se basicamente em um campo técnico: o “Plano de Avenidas”. Em
resumo, a preocupação de Prestes Maia estava referendada às possíveis formas de organizar o espaço
social: o urbanismo deveria ser compreendido como norteador da vida moderna e, não por acaso, o
projeto obteve grande aceitação junto à burguesia industrial. Neste sentido, a cultura não se configurou
em uma das “questões técnicas” a ser pensada e expandida. Destarte, a exoneração de Mário de Andrade
imprimiu-se como estratégia para desmontar o Departamento e transformá-lo em um simples órgão de
fisiologismo. A última realização do escritor modernista como chefe do Departamento foi a Missão de
Pesquisas Folclóricas ao Norte e Nordeste, em fevereiro de 1938. Embora exonerado da direção do
Departamento, Andrade ainda permaneceu como chefe da Divisão de Expansão Cultural por um curto
período (BARBATO: 37). Para maiores detalhes sobre o prefeito Prestes Maia e o “Plano de Avenidas”,
ver: “A posse do novo prefeito municipal de São Paulo”, Revista do Arquivo municipal de São Paulo,
1938, v. 47, p. 252.

25
estrutura e formulações tiveram eco em diversas cidades, como Haia, Paris, Nova
Iorque e Buenos Aires, que buscaram adaptar a estratégia de gestão pública integrada à
cultura popular (BARBATO: 36).

Além dos perrepistas, o Departamento de Cultura sofreu análises críticas


também da esfera acadêmica. Para Florestan Fernandes, “os modernistas haviam feito
bulha demais e quebrado muita louça. A nossa função consistia em construir e
encaminhar os jovens em outra direção” (FERNANDES, 1992: 34). Em outra obra
Fernandes reafirma a crítica: “os modernistas ficaram aquém do papel que lhes cabia.
Eles tinham de ser necessariamente críticos da sociedade brasileira. E não foram”
(FERNANDES, 1978: 33-34).

A crítica aos modernistas não se traduziu somente na concepção de ineficácia em


possíveis processos de intervenção social, como Fernandes sugeriu acima. Neste
sentido, apontamos o depoimento de Ruy Coelho sobre a relação entre o Grupo Clima 17
e os modernistas. Apesar de Coelho ter participado do Clima e, com isso o viés histórico
de seu depoimento demonstre parcialidade, caráter pessoal e, nisso tenha diminuído o
seu olhar científico. Acreditamos que ilustrativamente a citação exponha a tensão
intelectual entre as variações de compreensão sobre o processo de organização da
ciência. Vejamos:

[...] Intuição genial que os animava era garantia bastante para tudo
quanto dissessem sobre qualquer matéria. Imagina a irritação que

17
O grupo foi formado no início de 1939, em São Paulo, por jovens estudantes da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, unidos por fortes laços de amizade e por uma
intensa sociabilidade. O Grupo era integrado por Antonio Candido, Décio de Almeida Prado, Paulo
Emílio Salles Gomes, Lourival Gomes Machado, Ruy Galvão de Andrada Coelho, Gilda de Mello e
Souza, entre outros. Juntos lançaram-se na cena cultural paulista por meio de uma modalidade específica
de trabalho intelectual: a crítica aplicada a teatro, cinema, literatura e artes plásticas. A amizade foi
reforçada e sedimentada ao longo do período em que cursaram a Faculdade de Filosofia. Oriundos duma
espécie de “burguesia esclarecida”, com “pendor literário” pronunciado e viés político de esquerda, o
grupo foi constituído em meio à tensão proporcionada; de um lado pelo modernismo; de outro pela
experiência acadêmica compartilhada e profundamente marcada pelos professores franceses,
especialmente por Jean Maugüé e Roger Bastide, assimilariam a concepção por estes fixada da atividade
intelectual como trabalho rigoroso e sistemático, voltado ao conhecimento da realidade brasileira. O
pessoal da revista Clima (editada entre 1941 e 1944) procurou construir seu espaço de atuação por meio
da crítica, exercida em moldes ensaísticos, mas pautada por preocupações e critérios acadêmicos de
avaliação. O fato de atuarem ao mesmo tempo como críticos de cultura, acadêmicos e professores
universitários sinaliza o alcance das transformações que estavam ocorrendo ao longo das décadas de 1940
e 1950 no sistema cultural paulista, decorrentes em larga medida da introdução de novas maneiras de
conceber e praticar o trabalho intelectual. Nesse contexto, os intelectuais do Grupo Clima fizeram a
“ponte” entre a Faculdade de Filosofia e as instâncias mais amplas de produção e difusão cultural da
cidade. Para uma análise mais aprofundada acerca do Grupo Clima, consultar PONTES: 1998; 2003.

26
sentiram quando um bando de “chato-boys18” que ousaram analisar o
que diziam e, suprema afronta, exigir que as opiniões fossem
fundamentadas em conhecimento. É perfeitamente compreensível que
o primeiro movimento de boa acolhida e festas se transformasse em
desconfiança e amargura quando viram que os peixes não mordiam
nos anzóis (apud PONTES, 1998: 55).

Nesse aspecto, não nos soa estranho que Mário de Andrade, ao concluir que as
propostas da Semana de 1922 não ultrapassavam a esfera estética e, por isso, não
alcançariam o projeto de construção da nacionalidade pela ausência de rigor científico 19,
teria passado a incorporar pressupostos científicos à pauta das pesquisas que eram
desenvolvidas pelo Departamento de Cultura, mais explicitamente aos estudos sobre a
realidade nacional. E, acreditamos que seja preciso afirmar que a adoção de
pressupostos científicos, para a realização das atividades do Departamento tornou-se
mais visível quando percebemos o alinhamento da instituição com as finalidades da
Escola Livre de Sociologia e Política. Atentemos para o que nos aponta Fernando
Limongi (2001a):

[...] Quando se trata de distinguir as origens do “projeto” a presidir a


criação da ELSP, a bibliografia tem tendido a frisar seus laços com o
movimento modernista e com a chamada ala cultural do Partido
Democrático. Sérgio Milliet seria o responsável último por esses
vínculos expressos na “ponte” que constrói entre a ELSP e o
Departamento de Cultura (2001a: 260-1).

A “ponte” inaugurada pelo imbricamento entre as instituições abre caminho para


o entendimento da nova configuração social assumida pela cidade de São Paulo
(principalmente, a partir da década de 1930). E, nesse intento, principia a busca por
soluções a problemas identificados empiricamente. Segundo Limongi, o papel da ELSP
assumiu feições claramente intervencionistas:

[...] Estes vínculos, sem dúvida, são de fundamental importância para


compreender as relações íntimas entre a ELSP e o Departamento de

18
Definição de Oswald de Andrade para os intelectuais do Grupo Clima.
19
Conforme a reflexão ulterior de Mário de Andrade acerca de seus estudos etnográficos: “Com
minhas colheitas e estudos mais ou menos amadorísticos, só tive em mira conhecer com intimidade a
minha gente e proporcionar a poetas e músicos, documentação popular mais farta onde se inspirassem.
Hoje, que os estudos científicos de folclore se desenvolvem bastante em São Paulo, me arrependo
raivosamente da falsa covardia que enfraquece tanto a documentação que escolhi no Brasil” (apud
BARBATO JÚNIOR, 57-8).

27
Cultura, relações estas que estão na origem de algumas das primeiras
pesquisas empíricas realizadas por professores e alunos da ELSP que
tomam por objeto de estudo a cidade de São Paulo e as incipientes e
mal defendidas políticas reformistas gestadas no Departamento de
Cultura. Confirma-se, assim, a característica marcante da ELSP
notada acima, qual seja, a sua preocupação com a pesquisa empírica
com finalidade intervencionista (2001a: 261).

Samuel H. Lowrie20 explicita, ainda mais, o caráter da ELSP. Para o sociólogo, o


objetivo central da instituição é “formar técnicos que seguindo a carreira administrativa,
tanto pública quanto particular, concorram para aumentar a competência das nossas
administrações”, pois o ensino de política tem finalidades “práticas”, “como demonstra
a ‘simples leitura do seu programa’, onde no ‘segundo e, sobretudo no terceiro ano,
figuram cadeiras de aplicação imediata ao meio nacional’”. Ou seja, a intenção da ELSP
consistia na produção de conhecimento científico sobre a realidade nacional que
permitisse a intervenção dessas novas elites técnicas (apud LIMONGI, 2001a: 259-
260).

Caracterizando a ciência como o anteparo à formação das elites, logo, ela se


apresenta como norteadora da ação renovadora dessas mesmas elites:

[...] Possuindo escolas superiores de incontestável valor, São Paulo


precisa agora de formar as suas elites, educadas nas ciências sociais e
no conhecimento das verdadeiras condições em que evolui a nossa
sociedade, como meio de mais facilmente a se aparelhar a conveniente
escolha de seus homens de governo. (SIMONSEN, 1933: 34).

A consecução de instituições como a ELSP e USP responde à finalidade de


construir uma elite intelectual capaz de sanar a falta de quadros administrativos para
gerir a coisa pública21. Na acurada leitura de Carlos Guilherme Mota sobre as
motivações e objetivos da criação da ELSP:

[...] A revolução de 32 foi o sinal de alerta para a falta de quadros. E


para formar tais quadros é que se criou a Escola Livre de Sociologia,
com inspiração teórico-metodológica norte-americana e com a
presença do corpo docente de figuras representativas da burguesia
industrial (MOTA, 1978: 99).
20
O sociólogo estadunidense formado na Universidade de Columbia ao lado de Horace B. Davis
representa a primeira contratação de docentes estrangeiros da ELSP.
21
Além desse propósito, a USP tem, segundo Lowrie, outra diretriz: uma finalidade política que
remete à competência do eleitorado (no que concerne à elevação do nível cultural da sociedade (apud
LIMONGI, 2001a: 258-9)

28
A “falta de quadros” indica também a necessidade de novas instituições culturais
para a conjuntura pós-32. Mota, ao fazer referência à Escola Livre de Sociologia e
Política e ao jornal O Estado de São Paulo, pondera que tais instituições formaram um
sólido de enraizamento cultural e político. Tal ponderação se desdobra e se inscreve em
uma das temáticas mais controversas do pensamento social: a relação do intelectual com
a política. Isto é, seria possível separar a pena da espada, seria possível ao homem de
cultura transpor os muros da academia e falar aos seus concidadãos? (BASTOS &
RÊGO, 1999). A respeito do intelectual como ser político, Louis Boudin faz
interessantes observações:

[...] Não se deve falar em intelectual envolvido nem de intelectual não


envolvido: intelectual e envolvimento formam um pleonasmo:
intelectual não envolvido é uma ilusão. Esta querela comporta um
ensinamento: não há intelectual que não assuma posições implícitas
ou explícitas em relação à sociedade em que vive, e não basta que uma
pessoa tome posições (políticas) para ser quantificado de intelectual
(BOUDIN, 1971: 25-6).

Isto é, se a partir do caso Dreyfuss irrompeu a indagação sobre o intelectual


como fenômeno social22 (VIANNA, 1997: 174-176) que tem implicações políticas,
posteriormente o fenômeno tornou-se um problema para a sociologia, que permanece
sendo construído e desconstruído23.

2.3 Escola Livre de Sociologia e Política

Imbuídos de uma nova mentalidade que valorizava a técnica e a ciência, parte


significativa da elite intelectual e industrial paulista procurou formar uma nova elite a
partir de pressupostos racionais e científicos. A fundação da ELSP se inscreve nesse
projeto. Roberto Simonsen24, um dos principais idealizadores da instituição, esposava

22
Para maiores informações sobre o caso Dreyfuss, consultar: ZOLA, Émile. Eu acuso! São
Paulo: Brasil Editora, s/d.
23
O termo “desconstrução” é aqui empregado no sentido derridadiano, isto é, a desconstrução não
se configura como destruição, mas sim como desmontagem. Para maiores informações, ver: DUQUE-
ESTRADA, Paulo César (Org.). Desconstrução e ética — Ecos de Jacques Derrida. Rio de Janeiro:
PUC-Rio; Edições Loyola, 2004.
24
Embora não seja autor do projeto da Escola, Simonsen é reconhecido “porta-voz dos
fundadores” e integrou, por exemplo, o grupo que elaborou o primeiro projeto pedagógico, propondo a
contratação de professores estadunidenses. Para maiores informações, consultar: Marina Correia Vaz
Silva. Da maria-fumaça à fumaça das fábricas – a ELSP de São Paulo (1922-1940). Tese de Doutorado.

29
uma concepção de que somente a formação de uma elite sob a égide das ciências
poderia “orientar o povo e a nação no reajustamento indispensável ao moderno
equilíbrio social25“. A principal preocupação da instituição estava centrada em vincular
estudo e pesquisa segundo os moldes das instituições européias e estadunidenses.
Quando analisa o surgimento da ELSP, Rubens Borba de Moraes aponta que:

[...] Mais tarde, desiludidos com a política 26, reunimo-nos a Ciro


Berlink27 para fundar uma escola que ensinasse as novas ciências e
disciplinas (ignoradas pelas nossas faculdades obsoletas), capazes de
estudar nossos problemas e acabar com as descrições e impressões
literárias. Fundamos a Escola Livre de Sociologia e Política, cujo
nome era um programa e revolução no ensino, uma nova visão do
Brasil (apud BARBATO JUNIOR, 2004: 72-3).

Desde seu início, a escola foi marcada por uma forte perspectiva técnica,
optando por uma “orientação essencialmente prática, de ciência aplicada”, a fim de
formar técnicos, tanto para a área privada como pública. É pertinente destacar um
informativo da ELSP de 1935, de autoria de Samuel Lowrie, que serviu de “resposta
intelectual” à criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Seus
responsáveis afirmavam que a Escola possuía “finalidades técnicas” bastante
pronunciadas e que “várias matérias” tinham a vocação de “aplicação imediata no meio
nacional28“. Devemos salientar que o informativo que procurou diferenciar a ELSP da
USP foi publicado pela Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, cabendo lembrar
que a publicação do periódico representava uma das atribuições de Sérgio Milliet, da
Divisão de Documentação Histórica e Social do Departamento de Cultura.
Uma das dificuldades iniciais para a implantação do ensino de Sociologia na
Escola foi a ausência de professores: o quadro de docentes de Sociologia era mínimo e
não-qualificado, geralmente eram diletantes que se atinham a “divagações mais ou
menos literárias sobre doutrinas duvidosas ou já ultrapassadas e a disputas
escolásticas29“. De maneira que, a contratação de professores estrangeiros foi –
praticamente – imposta à Escola. Os primeiros professores contratados foram Samuel H.

Faculdade de Educação/USP. São Paulo, 1994.


25
ELSP, 1933/34, Manifesto de fundação da ELSP, p. 1.
26
Referência à Revolução de 1932.
27
Empresário que, reunido a Simonsen, auxiliou na iniciativa da construção da ELSP. Para
maiores referências consultar a entrevista realizada por Freitas com Antonio Candido (FREITAS, Sônia
Maria de. Reminiscências. São Paulo: Maltese, 1993).
28
Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, 1935: 104.

30
Lowrie e Horace B. Davis30. A Lowrie é imputada a “orientação prática” e o caráter de
“ciência aplicada” da ELSP.
As primeiras pesquisas desenvolvidas pela instituição tratavam de temas como
imigração e padrão de vida dos operários de São Paulo 31. A justificativa para a
realização da pesquisa está centrada na necessidade de suprir “a deficiência de
conhecimentos matemáticos, essenciais para a compreensão da estatística, método
básico no estudo das ciências econômicas e sociais32“. Temática desenvolvida
posteriormente no interior do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-
Econômicos, e sob o mesmo argumento: a insuficiência de quadros técnicos e de
instrumental racional moderno para análise da diversidade social e econômica da cidade
de São Paulo.
A contratação de Donald Pierson (1939), formado na denominada Escola de
Chicago, caracterizada, principalmente, pela pesquisa empírica 33 e pela “concepção
utilitária do conhecimento”, além de principiar a expansão do quadro de docentes,
acarretando uma nova configuração ao próprio projeto da ELSP, dotava-o de uma base
acadêmica, possibilitando a implementação do projeto de criação do setor de Pós-
Graduação34 da Escola35, em 1941:

[...] Isto é, a formação e o conhecimento produzidos pela Escola


passam a se inscrever no interior do mundo acadêmico e deixam de se
referir ao Estado. A preocupação em formar elites técnicas cede lugar
à insistência em treinar e formar sociólogos profissionais. A

29
AZEVEDO, Fernando de. “A Sociologia no Brasil – o ensino e as pesquisas no Brasil”.
Dicionário de Sociologia. Porto Alegre: Globo, 1977.
30
Os dois professores, formados na Universidade de Columbia, foram indicados pela American
Society of University e pelo International of Education. Estas indicações se deram através do cônsul geral
do Brasil em Nova Iorque, Sebastião Sampaio, amigo de Simonsen. Todavia, após um ano o Conselho
Superior da Escola decidiu não renovar o contrato de Horace B. Davis (SILVA: 1994).
31
O inquérito sobre o padrão de vida dos operários foi coordenado pelo professor Davis, seguindo
as orientações do Bureau Internacional du Travail (BIT), de Genebra. O estudo pode ser encontrado em:
DAVIS, Horace. “O padrão de vida dos operários da cidade de São Paulo”. In: Revista do Arquivo
Municipal, vol. XII, p. 113-166, 1935.
32
ESCOLA livre de Sociologia e Política. Informações. São Paulo, 1935: 109.
33
Todavia, a Escola de Chicago nunca esteve reduzida somente a pesquisas quantitativas e
qualitativas. Devemos ressaltar que a Escola foi também fortemente marcada pelo interacionismo
simbólico de George Mead, precursor das pesquisas sobre a relação entre indivíduos e sociedades,
sobretudo na medida em que isso afeta a construção do “Eu-indivíduo” em correspondência, ligação com
o “Outro”, a coletividade (YUKIZAKI: 2005).
34
Lecionavam: “Pesquisas sociais na comunidade paulista”, Donald Pierson; “Etnologia
Brasileira”, Herbert Baldus; “Assimilação e aculturação no Brasil”, Emílio Willems (JACKSON: 2002).
35
Devemos apontar que a criação da Seção de Pós-Graduação da ELSP foi possível também em
função da presença de outros dois estrangeiros: Herbert Baldus e Emílio Willems (ambos alemães).

31
necessidade e essencialidade da pesquisa empírica são mantidas. O
intervencionismo e a aplicação postergados. E é por estruturar seu
apelo neste campo que o “projeto” de Pierson foi capaz de obter
sucesso36 nos meios acadêmicos em formação (LIMONGI, 2001a:
263-4).

2.4 “Grupo do Estado”

A partir de 1920, vários grupos de intelectuais começaram a compreender que a


questão educacional não poderia continuar a ser objeto de discussões e decisões isoladas
de determinados Estados. Propunham, então, que a questão fosse encarada como um
problema nacional, capaz de afetar todo o país.
Para Fernando de Azevedo, a crise educacional era reflexo direto de uma crise
mais ampla e profunda, decorrente da distância produzida entre os ideais e os fatos
republicanos. É nesse contexto que Azevedo percebe a necessidade do movimento de
renovação educacional inserir-se em uma mudança mais abrangente. Para tanto,
acreditava que as instituições políticas precisavam desabrochar na sociedade brasileira
“(...) como um produto natural de uma estrutura social e econômica, reconstruída em
bases verdadeiramente democráticas” (1962: 27).
A compreensão desse quadro reuniu intelectuais, jornalistas e políticos em torno
do jornal OESP, originando o “grupo do Estado”, que viria a ser o artífice do projeto de
criação da Universidade de São Paulo. O grupo, inicialmente composto por Júlio de
Mesquita, Francisco Mesquita, Nestor Rangel Pestana, Armando de Salles Oliveira,
Plínio Barreto, Paulo Duarte, Léo Vaz, Amadeu Amaral, Vivaldo Coracy e Fernando de
Azevedo somou posteriormente a seu quadro, outros intelectuais, como por exemplo,
Oliveira Vianna, Afrânio Peixoto, Oscar Freire e Paulo Pestana, sendo que estes últimos
desfrutavam de uma autonomia relativamente maior.
Embora o “grupo do Estado” possuísse certa autonomia, procurava não atuar
como porta-voz37 direto d’O Estado de São Paulo38. De maneira que, as opiniões
36
Segundo Limongi, o sucesso relativo da Escola e de sua seção de Pós-Graduação deve-se,
também, à capacidade de atrair considerável quantidade de formandos da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da USP. Para maiores informações sobre o tema, consultar Limongi: 2001a, p. 271 e
segs.

37
Para preservar o seu perfil enquanto órgão da imprensa, o OESP, diferentemente de outros
periódicos diários buscava não traduzir diretamente práticas político-partidárias, como o fizeram o Diário
Nacional em relação ao Partido Democrático e o Correio Republicano em relação ao Partido Republicano
Paulista. (CARDOSO: 1982, 43-52).
38
A partir deste ponto, o jornal O Estado de S. Paulo será citado apenas como OESP.

32
apresentadas, na sua continuidade histórica, eram talhadas para soar como se fossem
uníssonas à Comunhão Paulista. A Comunhão, por sua vez, era identificada como a elite
política, “portadora” de um projeto nacional que seria liberal e democrático por
princípio, mas que também trazia determinados componentes autoritários, pois somente
a Comunhão estaria capacitada a inferir nos destinos da nacionalidade. Contudo, apesar
de buscar manter a posição de independência e imparcialidade diante das ações
partidárias, reservando-se o direito de somente observar e criticar os acontecimentos
(em editoriais não assinados), paradoxalmente, o jornal se atribuía uma “missão
superior”, cuja política estava orientada por dois temas fundamentais: liberalismo e
democracia. O liberalismo estabeleceria o equilíbrio entre o indivíduo e o Estado, entre
a autoridade e a lei, entre a ordem e a justiça, entre o poder e a liberdade, já a
democracia, conforme artigo publicado n’OESP em 1925, de autoria de Fernando de
Azevedo:

[...] A democracia consiste, praticamente, não no “governo do povo


pelo povo” que em última análise é uma ficção, mas no governo
formado por elementos “diretamente” tomados do povo e preparados
pela educação. Não há salvação para a democracia senão na escolha e
pela escolha de capacidades. (apud CARDOSO, 1982: 49).

A proposição do “grupo do Estado” oferecia uma concepção de sociedade onde


a política apareceria como a realização da razão, razão esta que seria acossada por uma
“elite orientadora”:

[...] E, na medida em que a razão aparece como uma esfera que


transcende os interesses sociais, no sentido da sua unificação, só pode
ser realizada por uma elite ilustrada, capaz, interessada e
independente. A possibilidade da unificação dos interesses sociais
aparece estreitamente ligada à condição de independência da elite.
(CARDOSO, 1982: 51).

As formulações sobre um diverso conjunto de temas 39 aparecem como se


estivessem acima dos acontecimentos do cotidiano político. Isto é, o jornal aparentava
assumir a postura de um partido ideológico que intencionava funcionar como uma força
dirigente superior aos partidos políticos. O “grupo do Estado” buscava ostentar a

39
Tais como: sufrágio universal, voto secreto, partidos políticos, justiça, república, ditadura,
comunismo, fascismo, questão social, regionalismo (autonomia dos Estados e dos municípios,
Federação), revolução, reformulação do sistema político por via pacífica, diretrizes econômicas e
educação. (CARDOSO: 1982).

33
envergadura de um “Estado-Maior intelectual” e, dentro dessa pretensão procurou
construir um projeto de hegemonia cultural e política, onde a Universidade despontava
como condição estratégica, definindo a “marca ideológica” da criação da Universidade
de São Paulo (CARDOSO, 1982: 46-53; ARRUDA: 1995), principalmente sob a
justificativa da derrota na Revolução de 1932, conforme a breve explanação de
Mesquita. Vejamos: “Vencidos pelas armas, sabíamos perfeitamente que só pela ciência
e pela perseverança no esforço voltaríamos a exercer a hegemonia que durante longas
décadas desfrutáramos no seio da Federação” (MESQUITA FILHO, 1969: 199).
A partir dos excertos acima é possível perceber que a linha diretriz do “grupo do
Estado” é a formação de uma “elite orientadora”, um grupo que tivesse condições de
propor projetos para o desenvolvimento da nacionalidade e que se colocasse acima de
interesses político-partidários e, ainda, que pudesse transformar o aparelho de ensino em
instrumento político de coesão, conforme Azevedo: “Ou nós educamos o povo para que
dele surjam elites, ou formamos elites para compreenderem a necessidade de educar o
povo40“. De maneira que, o intelectual se caracterizaria, entre outras coisas, pelo fato de
que renuncia à dimensão elitista, e de que fala, no espaço público, não como um
intelectual de partido, ou como um conselheiro do rei, mas somente em seu próprio
nome, como cidadão, com o objetivo de convencer os outros (cf. Jürgen Habermas em
Habermas: 70 anos, 1998).
Dessa compreensão à formulação do projeto de criação da Universidade de São
Paulo são recuperadas proposições até mesmo do primeiro relatório do Ministério do
Império (1882), de Rui Barbosa (importante influência nos escritos de Júlio de
Mesquita). Neste relatório, Barbosa apresenta o conceito político de universidade:
[...] a universidade é uma das formas do poder público, é o Estado
educando, promovendo a educação, inspecionando-a, a bem da
prosperidade e da grandeza do Império, do mesmo modo que os
tribunais em que se organiza o direito, e o exército em que se constitui
a força pública, são outras tantas manifestações do governo, tomada
esta palavra em seu sentido mais extenso, do governo que não exclui a
liberdade, nem quando se trata da justiça, nem quando se trata do
exército, nem quando se trata da instrução pública 41 (apud
CARDOSO, 1982: 58).

40
Ibidem p. 28.
41
O presente excerto está em Fernando de Azevedo, “As lutas política e a Universidade” –
Conferência realizada em 1936, na Faculdade de Direito, in: A Educação e seus Problemas, tomo I. São
Paulo: Melhoramentos, s/d, p. 125.

34
Embora, posteriormente, o caráter da universidade tenha sido redimensionado
por Júlio de Mesquita e Fernando de Azevedo, o seu principal elemento constituinte
manteve-se inalterado: a universidade somente poderia ser concebida como uma
instituição de caráter público, conforme o pensamento liberal educacional, cujo
representante maior é identificado pela bibliografia específica na figura de Rui Barbosa.
Ou seja, em sendo pública, a sua criação e o seu controle pertenceriam ao Estado assim
como a condução do processo de formação e reprodução das futuras elites norteadoras,
orientadoras ou dirigentes (CARDOSO, 1982: 58; ARRUDA, 1995; 2001).

A construção desse ideário provocou a realização do contato entre Júlio de


Mesquita e Georges Dumas (professor de Sociologia da Sorbonne) em 1925 42. Para
Dumas, anterior à criação de uma universidade deveria existir um movimento pela
reforma do ensino de humanidades (ensino secundário). Já em 1927, a partir de uma
série de conferências de Paul Faucounnet (professor de Sociologia da Sorbonne e
colaborador da publicação “L’Année Sociologique”) e de um artigo de Georges Dumas,
começou a ser ventilada a idéia da criação de uma Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras, cujos objetivos seriam: tornar o ensino vinculado à pesquisa, elevar o nível do
curso secundário, e formar uma classe de intelectuais. Entretanto, como era manifesto, o
“grupo do Estado”, em razão do distanciamento com o aparelho estatal e a ausência de
condições políticas que permitissem o controle da instituição, não tinha como fomentar
a construção de uma universidade em São Paulo. Ainda assim, seguindo a sugestão de
Dumas, seus membros principiaram o movimento da reforma educacional por meio da
criação de um liceu. Conforme artigo de Júlio de Mesquita n’OESP (18/02/1925):

[...] mais e mais se faz necessário preparar num país ainda em


formação como o nosso uma reserva de intelectuais, de idealistas,
digamo-lo sem medo de falsas interpretações do termo, que garantam
o futuro do país contra a hipótese de um rebaixamento do caráter
nacional (apud CARDOSO, 1982: 61).

42
Mesmo ano em que Júlio de Mesquita publicou n’OESP e, posteriormente, na forma de livro, a
obra “A Crise Nacional”, na qual apontou a crise das oligarquias como uma patologia no funcionamento
da vida política paulista, cuja resolução estaria relacionada à necessidade da adaptação definitiva da
democracia no Brasil. Tal resolução era posta a partir da instauração de dois itens do pensamento liberal:
a implementação do voto secreto e o referendum. Outro ponto a destacarmos do texto de Mesquita
relaciona-se diretamente à educação. Trata-se da criação de departamentos de cultura, em especial à
criação da universidade. Ou seja, a partir da implementação do referendum seria possível dar início à
construção do organismo concatenador da “mentalidade nacional”: “sem o concurso dessa instituição
secular [a universidade] (...) inútil se torna qualquer esforço no sentido de conseguir a nossa emancipação
definitiva” (apud CARDOSO: 1982, 36).

35
A idéia central do que, ulteriormente, foi denominada “missão francesa43“ era de
que fossem contratados professores europeus, principalmente franceses 44, para o Liceu.
Professores que, posteriormente, foram arregimentados ao corpo de professores da USP.
Enfim, podemos dizer que o processo de criação da Universidade de São Paulo
engendrou uma coalizão entre o projeto “iluminista” (CARDOSO: 1982) das elites
locais e a “irresistível profissionalização dos setores médios em ascensão social”
(VIANNA: 1997).

***

Procuramos, neste capítulo, apresentar como a transformação da cultura em uma


questão eminentemente urbana, iniciada pela geração dos modernistas de 1922, além de
apontar uma vida literária que se modernizava, apresentou os alicerces para a formação
de uma nova mentalidade. E, segundo essa perspectiva, esses intelectuais abriram
sendas para as gerações seguintes, também no campo universitário. Neste aspecto, a
emergência da linguagem científica no interior das Ciências Sociais permitiu aquilatar o
grau de modernidade da cidade de São Paulo e reconhecer a importância do
modernismo ao criar uma cultura enraizada nos padrões urbanos de sociabilidade.
Como sugere Miceli em passagem um pouco longa, mas decisiva sobre esses
processos:

Do momento em que outros grupos sociais começam a fazer valer


suas demandas por bens culturais e à medida que a elite burocrática
passa a dispor de recursos financeiros e institucionais que lhe
permitem subsidiar uma cultura e uma arte oficial, as possibilidades
de acesso ao mercado de trabalho intelectual não se restringem mais
às exigências ditadas pelas preferências e opções das antigas classes
dirigentes em matéria de importação cultural. Daí em diante, as

43
“Se é verdade que a Faculdade de Filosofia da USP cresceu sob a hegemonia francesa, não se
pode esquecer que esta ascendência remontava a uma sociologia dos anos 20, momento em que a geração
de professores que veio ao Brasil se formou. Período em que a escola durkheimiana é hegemônica e os
estudos culturais florescem. Basta lembrarmos as obras de alguns colaboradores de Durkheim: Marcel
Mauss — Essay sur le don; Bouglé — Essay sur les castes; Maurice Halbwachs — La mémoire
collective. Com a fundação da L'Année Sociologique, os estudos de Durkheim se voltam sobretudo para a
religião e os povos primitivos. Talvez por isso as temáticas que inauguram o pensamento sociológico
acadêmico no Brasil tenham um quê de ‘francês’, ou melhor, de ‘durkheimiano’. Como na França,
assuntos como Estado, classes trabalhadoras, poder, são desconsiderados em detrimento de objetos ‘mais
culturais.” (ORTIZ, s/d: 5).
44
Em função do vínculo de Dumas com o Consulado francês.

36
instituições e os grupos cujas decisões repercutem na “substituição de
importações” no plano cultural se diversificam de maneira
considerável, envolvendo os mecenas (as famílias cultas, as
autoridades públicas, as editoras, a Igreja, os executivos e
administradores das instituições culturais etc.), as diferentes faixas do
público (os estudantes dos novos cursos superiores, os integrantes das
novas carreiras docentes) e os produtores (os romancistas
profissionais, os autores de romances femininos, de livros infantis e de
outros gêneros de importação recente, os escritores e artistas oficiais
etc.) além de sofrer o impacto causado pela difusão maciça de artigos
culturais de origem norte-americana no âmbito do mercado interno
nacional. Não obstante, certos mecanismos de regulação, como, por
exemplo, a situação do mercado de diplomas escolares, as demandas
do público pelos gêneros de maior êxito comercial, a expansão ou a
obstrução de determinadas carreiras profissionais, também
condicionam a proporção de lugares disponíveis no mercado de postos
administrativos, técnicos e intelectuais, em relação à quantidade de
postulantes que dispõem dos trunfos de toda ordem (sociais, escolares
e culturais) capazes de viabilizar suas pretensões a esses cargos (2001:
80).

As instituições paulistas ELSP e FFCL/USP procuraram buscar novas


referências de organização do trabalho científico no campo das ciências sociais ao
recrutar professores e pesquisadores no exterior para integrar seus quadros docentes.
Assim, diferenciaram-se de forma significativa da tradição ensaística 45 de conhecimento
social até então predominante no país. A USP absorveu professores da Europa,
sobretudo da França, e procurou imprimir um trabalho com acentuado perfil acadêmico,
a fim de, também, formar uma comunidade científica. Já a ELSP estabeleceu relações
intelectuais com os Estados Unidos, principalmente com a tradição sociológica da
escola de Chicago, incorporando seu ethos intelectual calcado em análises mais
empíricas, apoiadas em novas metodologias como os estudos de comunidade e os
surveys.
Já os modernistas de 1922, ao ultrapassar a esfera estética quando viabilizam o
Departamento de Cultura, são colocados em sintonia com a demanda de conhecimento
científico da realidade social. O Departamento, dotado de um projeto intervencionista,
norteado por pressupostos científicos procurou transformar o meio social por meio da
adoção da idéia de “ida ao povo”, promovendo de concertos eruditos no Teatro

45
Exemplares deste período e que atentam às peculiaridades e às perspectivas da sociedade
brasileira, são as obras: Evolução Política do Brasil (1933), de Caio Prado Júnior; Raízes do Brasil
(1936), de Sérgio Buarque de Holanda, e Casa-grande & Senzala (Publicação em Lisboa: 1931 –
publicação em Pernambuco: 1933), de Gilberto Freyre.

37
Municipal (gratuitos) a pesquisas sobre o padrão de vida 46 dos operários urbanos do
Brás (bairro central da cidade de São Paulo), e “caravanas” do norte e nordeste do país
para recolher materiais do folclore (BARBATO, 2004: 90).

3 DIEESE – A Sociologia além dos muros universitários

O destino de toda visão utópica está


vinculado ao destino dos intelectuais,
pois se em algum momento a utopia
pode sentir-se em casa,
é entre os pensadores independentes [...]
Na medida em que estes já não existem,
a visão utópica esmorece.
Russell Jacoby, Os intelectuais: da utopia à miopia

A evolução do sindicalismo brasileiro é diferente da que é possível apreender em


países capitalistas avançados. Enquanto nestes a implantação do sindicato, seu
reconhecimento e sua institucionalização ocorreram de forma autônoma, desenvolvida

46
Sob a responsabilidade de Oscar Egydio de Araújo e dos pesquisadores estadunidenses, Horace
B. Davis e Samuel H. Lowrie

38
através do conflito entre a classe patronal e o operariado47, no Brasil esse mesmo
processo se desenrolou a partir da ação de grupos político-partidários, os quais ao
mesmo tempo em que passavam a controlar a organização sindical, a impuseram ao
patronato como os únicos representantes legais dos trabalhadores (RODRIGUES,
1968).
Isto é, no Brasil, o Estado configurou-se como o principal interlocutor das
camadas assalariadas. A ingerência governamental, no que se refere à elaboração de leis
de proteção ao trabalhador e a sua organização sindical, aumentou a partir da criação do
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio 48, e podemos apontar esse momento como
de advento do modelo sindical corporativista brasileiro. Mas foi somente em 1943, com
a instituição da Consolidação das Leis do Trabalho que o Estado passou a controlar os
órgãos de classe, enquadrando o trabalhador assalariado, estabelecendo a organização
sindical e a relação trabalhista ao determinar a proibição de greve, a intervenção
sindical49 (ALMEIDA, 1978: 491), o imposto sindical e viabilizando a união dos
trabalhadores apenas no âmbito das Confederações Nacionais, dentre outras resoluções.
Enfim, a legislação trabalhista “impedia a formação de uma grande organização de
trabalhadores, na forma de uma central sindical” (CHAIA, 1992: 21).
Apesar dessa estrutura, o aprendizado do exercício associativo expôs os
trabalhadores à acelerada modernização do Estado e das organizações industriais e, em
contrapartida, colocou em tela a impossibilidade da ação livre dos operariados e a falta
de participação dos sindicatos nas esferas de decisões políticas e econômicas
(MARTINS, 1979). É diante dessa situação paradoxal que o sindicalismo conseguiu
angariar conhecimento acerca da relação capital-trabalho e percebeu a necessidade de
instrumental racional moderno (dados estatísticos, avaliações etc.), já presente em
variados níveis do Estado e dos empresários 50. Tal representação do patronato industrial

47
Como aponta Maria Hermínia Tavares de Almeida a respeito do sindicalismo estadunidense:
“combativo, ‘apolítico’, solidamente plantado na empresa, tecnicamente preparado para enfrentar e
resolver os problemas gerais e específicos de seus representados” (1975: 73). E, para a autora, em relação
aos setores industriais mais modernos brasileiros, poderia existir uma “aristocracia operária” que,
figurando como vanguarda operária ao agitar a “bandeira da negociação coletiva descentralizada” talvez
pudesse “unificar em torno de si aqueles que não têm nenhum poder de barganha frente ao patronato”
(491).
48
Fundado em 1930, durante o governo de Getúlio Vargas.
49
Realizada por parte do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
50
Em âmbito municipal (São Paulo): Prefeitura Municipal e suas pesquisas, realizadas
principalmente pelo Departamento de Estatística. Na esfera federal: Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística. Já os empresários possuem o CIESP/FIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo,
fundado em 1928, posteriormente transformado na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, em

39
mostrava, já na década de 1920, como o setor era atingido por padrões de racionalidade,
senão antes, simultaneamente ao Estado.
Nos esquemas de racionalização do Estado estão presentes várias inovações
sócio-políticas, entre as quais se apresenta inclusa a tendência - também observada em
muitas outras áreas da política - de “cientificizar” a política social, de fazer participar
decisivamente especialistas científicos no desenvolvimento e na avaliação de programas
políticos. Tais especialistas científicos, motivados pela necessidade de conciliar as
reivindicações institucionais, tinham por função reduzir a carga do sistema de decisões,
evitando a possibilidade do aparecimento de conceitos contrários. Organizados em
centros de pesquisas (think tanks), esses especialistas realizavam análises tanto no
interior da classe empresarial, como no Estado (MICELI, 1989).
Pudemos notar a condução do processo de “cientificização” na esfera pública
com a criação de instituições como o Departamento Estadual de Estatística 51
(DEE/1938), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 52 (IBGE/1936) e o
Departamento de Cultura do Município de São Paulo (1935). Já na classe empresarial,
pudemos notar esse processo com a criação do Centro das Indústrias do Estado de São
Paulo (CIESP/1928), ulteriormente transformado na Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (FIESP/1931) (LEME: 1978).

3.1 Manipulação e ausência de informação

1931).
51
Em 1950, o DEE foi substituído pelo Departamento de Estatística do Estado de São Paulo –
DEESP, posteriormente absorvido, em 1976, pela Coordenadoria de Análise de Dados – CAD, órgão
então responsável também pela coordenação do Sistema Estadual de Análise de Dados Estatísticos,
legalmente instituído no ano anterior. Em 1978, a Lei n° 1.866, de 4 de dezembro, criou a Fundação
Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade, que em janeiro do ano seguinte teve seus estatutos
aprovados pelo Decreto n° 13.161, ganhando assim existência jurídica e regras definidas de
funcionamento. A origem da Fundação SEADE remonta ao final do século XIX, quando da criação, em
março de 1892, da Repartição da Estatística e Arquivo do Estado. Em 1936, a Convenção Nacional de
Estatística, retificada por todos os Estados brasileiros, estabeleceu a obrigatoriedade da publicação
padronizada e regular de anuários estatísticos estaduais. Para articular e sistematizar a produção
necessária criou-se em São Paulo o Departamento Estadual de Estatística (DEE). Em 1950, o DEE dá
lugar ao Departamento de Estatística do Estado de São Paulo – DEESP, posteriormente absorvido em
1976 pela Coordenadoria de Análise de Dados – CAD, órgão então responsável também pela
coordenação do Sistema Estadual de Análise de Dados Estatísticos, legalmente instituído no ano anterior.
Em 1978, a Lei n° 1.866, de 4 de dezembro, criou a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados –
Seade, que em janeiro do ano seguinte teve seus estatutos aprovados pelo Decreto n° 13.161, ganhando
assim existência jurídica e regras definidas de funcionamento. Informação obtida no sítio
http://www.seade.gov.br. Acesso em 20/03/2005.
52
Tendo em vista ajustar o sistema estatístico-geográfico brasileiro, foi criada – pelo Decreto-Lei
nº. 161, de 13 de fevereiro de 1967 –, a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que veio
a substituir o IBGE - autarquia (FUNDAÇÃO IBGE, 1971).

40
As manifestações e greves ocorridas no decorrer das décadas de 1920 e 1930
conduziram os trabalhadores a intuírem que a cooperação entre patrões e governo se
fundamentava como elemento nuclear para obstar a quebra do monopólio da informação
e a distorção de dados. Para se ter uma idéia da fragilidade dos índices oficiais do
Município, basta ter em conta que a elaboração do índice do custo de vida era realizada
a partir de uma avaliação acerca da situação do pessoal da limpeza pública. Segundo
depoimento da economista Lenina Pomeranz,

(...) a amostra da Prefeitura era feita com os garis, a concepção técnica


do índice do custo de vida era de que ele deveria retratar a elevação
dos preços da família compreendida como a mais pobre 53.

Tal levantamento do índice do custo de vida, realizado pela Prefeitura de São


Paulo – metodologia realizada a partir de 1939 –, servia para a elaboração da proposta
patronal de aumento salarial. A divulgação do documento ocorria por meio de um
boletim interno – de restrita circulação (editado pelo Serviço de Documentação Social,
vinculado ao Departamento de Cultura). Ademais, as informações eram prestadas
somente às autoridades e à Justiça do Trabalho, mediante um ofício, não com o índice
propriamente dito, mas somente com o cálculo do aumento do custo de vida referente a
um dado período.
A partir da compreensão dessa realidade, a formulação escrita que expusesse o
fato (a distorção dos valores) objetivamente, isto é, cálculo contra cálculo, racionalidade
contra racionalidade, apresentou-se como imperativa: ter consciência da manipulação
dos números não era o suficiente, ou seja, não bastava apenas conhecer, era necessário
possuir subsídios sistematizados para argumentar e pressionar 54 a classe patronal. De
maneira que, a percepção da necessidade de um órgão de cunho técnico-científico da
classe trabalhadora evidenciava-se a cada novo aumento salarial. Mas foi somente no
decorrer da greve de 1953, também conhecida como a “Greve dos Trezentos Mil” que o
descontentamento se transformou em ação efetiva.

53
Lenina Pomeranz, depoimento à autora (04/08/2006).
54
Ainda anterior à fundação do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-
Econômicos, a busca pelo “cálculo da realidade” da classe trabalhadora já está posta. No final da década
de 1940 o Sindicato dos Bancários (fundado em 1923) montou uma comissão interna para fazer o
levantamento do custo de vida, a fim de auxiliar no processo de negociação do reajuste salarial da
categoria. Inicialmente, o profissional chamado foi um contador, mas em 1951, um economista assumiu a
comissão.

41
A greve reuniu – em um primeiro momento – cinco categorias, a saber:
metalúrgicos, vidreiros, gráficos, carpinteiros e tecelões, e, na medida em que o
processo se fortaleceu, outras categorias encamparam as manifestações. A confluência
de politização sindical, idéia positiva sobre o intersindicalismo 55 e uso do saber técnico
possibilitaram a criação de um pacto permanente e abrangente à classe trabalhadora, o
Pacto da União Intersindical (PUI), entidade horizontal que serviu como esfera de
debates sobre as questões que afetavam o conjunto dos trabalhadores 56 (MOISÉS,
1978).
Embora o saldo da “Greve dos Trezentos Mil” tenha sido positivo, havendo ao
final das negociações o ganho de causa dos grevistas (concessão de um aumento salarial
de 32%)57, persistiam o descontentamento e a desconfiança dos dirigentes sindicais em
relação aos dados estatísticos publicados pelo governo. Essa insatisfação alimentava a
proposta dos sindicalistas do PUI para a criação de um departamento de estatística
sindical, ou melhor, intersindical, que conseguisse formular um indicador do custo de
vida, sempre ascendente em uma “espiral inflacionária” (CHAIA, 1988).
Neste sentido, o embrião para a formulação de um centro produtor de dados para
a reivindicação salarial, como viria a ser o Departamento Intersindical de Estatística e
Estudos Sócio-Econômicos, está relacionado à situação de monopólio e manipulação da
informação praticada pelo Estado58.

3.2 Primeiras atividades

55
Inúmeras estruturas paralelas nascem no final da década de 1940, muitas efêmeras, como o
Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), que causou tensão na estrutura sindical corporativa,
ganhando significado por tentar a unificação da luta sindical e concretizando o início de uma estrutura
sindical paralela, permitindo avanços dos trabalhadores à medida que, mesmo com dificuldades, criou um
canal organizado, expressando as demandas de classe e incorporando práticas espontâneas operárias
(MOISÉS, 1978).
56
É válido sublinhar que o PUI também funcionava como idealizador e realizador de greves
(VIANNA, 1986: 168).
57
No transcorrer da greve, o Estado foi incumbido de servir como mediador do conflito, apesar da
Carta de 1946 informar que a função do Estado era a de reprimir movimentos desse tipo. No limite, essa
intervenção estatal possibilita perceber a fragilidade da classe patronal diante do intersindicalismo e, em
relação aos sindicatos desenha um novo palco de atuação: a ação comum, isto é, a valorização da idéia de
horizontalização da estrutura sindical.

58
Contrariamente à tradição da associação dos homens do saber à administração do Estado, o
DIEESE inscreve-se na tendência classista que beneficia as práticas institucionais das classes subalternas.
De tal forma que o contraponto à tecnocracia é engendrado pelo grupo de intelectuais alojados no
Departamento e que intencionam pôr a nu o embate entre a decisão tecnocrática (governamental e
patronal) e a informação estatística da entidade.

42
Compreendendo esse contexto, em 22 de dezembro de 1955, por iniciativa de 21
Sindicatos de São Paulo/Capital, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Sócio-Econômicos59 foi instituído. O quadro técnico60 foi formado primeiramente por
José Albertino Rodrigues (1956-1962) e Lenina Pomeranz (1962-1963 61). Na
presidência, o Departamento contou com: Salvador Romano Losacco (Sindicato dos
Bancários/1956-1958) e Remo Forli (Sindicato dos Metalúrgicos/1958-1962). A
composição do Departamento pode ser representada pelo seguinte organograma62:

59
A Assembléia Geral de 23 de janeiro de 1956 elegeu a primeira Diretoria, com mandato de dois
anos, assim constituída: Salvador Romano Losacco, José de Freitas Nobre, Luiz Tenório de Lima,
Alberto Augusto Ferreira, Nivaldo Fonseca, Gabriel Greco e José de Araújo Plácido; suplentes: Lauro
Porta, Sebastião Alves de Aguiar, Cneu Dantas, Pedro Gilardi Filho, José Antonio Ribeiro, Antonio
Vieira e Antonio Dozo. O Conselho Fiscal foi formado pelos seguintes nomes: Emigdio Mammocci,
Carlos Lamacchia e Salvador Rodrigues; suplentes: Silvio Moreira Pinto, Nestor da Silva e Joaquim
Tavares. Em 1958 foi procedida nova eleição da Diretoria, assim constituída: Remo Forli, Carlos
Lamacchia, Alberto Augusto Ferreira, Luiz Tenório de Lima, Urbano França, Salvador Rodrigues e José
Molenídio; suplentes: Silvestre Bozzo, José Rodrigues, Remigio Perotti, Joaquim Tavares e Antonio
Moreno. Para o Conselho Fiscal foram eleitos Artur Avalone, Emigdio Mammocci e Armando Cuencas
Dias; suplentes: Antonio Durval, Orlando Scala Viana e Pedro Gilardi Filho. A última diretoria (1960-
1962) a que a presente dissertação faz referência foi composta por Remo Forli, Domingues Alvarez e
Inácio Picaso; suplentes: Onofre José Ferreira, Luiz Tenório de Lima, Floriano Francisco Dezen, Joaquim
Tavares, Darcy Gatto e Emigdio Mammocci. Conselho Fiscal: Lourival Portal da Silva, Savério Teófilo e
José Xavier dos Santos; suplentes: José Chediak, Timóteo Spinola e José Molenídio (Revista de Estudos
Sócio-Econômicos, Ano 1, n. 1, setembro de 1961, p. 40.).
60
Lançamos mão do vocábulo “técnico” porque este é o termo administrativo utilizado pelo
DIEESE para definir o intelectual abrigado na instituição, conforme Chaia (1988; 1992). Ou, como
explana Martins (05/10/2006) “... porque o serviço que esse intelectual presta, o intelectual que trabalha
no Dieese... é um serviço técnico, ele tem um conhecimento científico, mas ele tem que transformar... e
essa é uma dificuldade muito grande pra gente, porque todas as questões que se colocam são questões
práticas... que pressupõem uma intervenção. E a gente, na universidade, não tem esse tipo de informação.
O conhecimento científico é essencialmente o conhecimento que alia evidentemente teoria e pesquisa,
não é? Mas você não se preocupa muitas vezes com a aplicação desse conhecimento. E o DIEESE é
aplicação desse conhecimento e que assume uma feição técnica. É a mesma relação, eu diria, de uma
ciência e uma tecnologia.”
61
As datas dispostas a respeito da vigência dos quadros diretores (técnicos e sindicalistas) servem
somente à temporalidade que o presente texto abarca, isto é, 1960-1962. Em 1963 o DIEESE foi
parcialmente fechado em vista da instabilidade política, voltando a publicar somente em 1966 (“Balanço
Trabalhista Sindical do ano de 1965”).
62
Revista de Estudos Sócio-Econômicos, Ano 1, n. 1, setembro de 1961, p. 41.

43
Entidades – Membros (Federações e Sindicatos)

Entidades – Membros (Federações e Sindicatos)


Assembléia Geral

Diretoria Conselho Fiscal Conselho Técnico Consultivo

Seção de Estudos

Biblioteca e
Índices Sócio- Pesquisa de Análise de Publicações
Arquivo
Econômicos salários Conjuntura

A primeira pesquisa do Departamento foi encomendada a um contador, cuja


tarefa era a de realizar o levantamento do índice do custo de vida. Contudo, o puro
exercício da racionalidade burocrática se mostrou insuficiente e ineficaz para servir de
instrumento na luta salarial com a classe patronal. Somente após o fracasso 63 da
pesquisa é que José Albertino Rodrigues passou a compor o quadro técnico 64 da
instituição. Sua escolha decorreu do trabalho que realizava como auxiliar do professor
Azis Simão, na Cadeira de Sociologia II da USP (MARTINS, 05/10/2006;
POMERANZ, 04/08/2006).
Segundo Miguel Chaia, a ida de Albertino Rodrigues para o Departamento
Intersindical indica uma certa quebra com a lógica de atuação que vigorava entre os
cientistas da FFCL, isto é, demonstra o grau de consciência política do agente técnico
devido a sua experiência partidária65 e acadêmica, mas, acima de tudo, revela a
existência de um programa a ser cumprido em benefício da classe trabalhadora (ida ao

63
Apesar de se utilizar de modelos de questionários já existentes, a pesquisa sobre o índice do
custo de vida na cidade de São Paulo, produzida pelo contador, apresentou-se falha por não fazer constar
cadernetas adicionais (para os inquiridos), e pela ausência de itens básicos como feijão e manteiga.
Segundo depoimento de José Albertino Rodrigues a Miguel Chaia (1992: 59), o problema foi provocado
pela falta de conhecimento sistematizado e recursos técnicos.
64
Em 1956, Florestan Fernandes, Azis Simão e Fernando de Azevedo (estes últimos professores
da Cadeira de Sociologia II da USP) integraram o Conselho Técnico Consultivo do DIEESE (CHAIA,
1988). Apesar da brevidade de sua existência e de seu caráter apenas formal, a criação desse Conselho já
nos sugere uma preocupação com a postura do sociólogo como intelectual participante. Segundo Boas,
um dos temas mais debatidos pela sociologia é o ofício do sociólogo numa sociedade em mudanças. Para
a autora, os sociólogos passaram a se considerar atores das mudanças sociais. Deixando de assistir o
espetáculo das transformações para nele atuar: “o engajamento político e intelectual dos sociólogos serve,
em grande medida, para legitimar a Sociologia como um saber válido” (1997: 6).
65
Conforme depoimento de Lenina Pomeranz, José Albertino Rodrigues possuía afinidades com a
esquerda brasileira, especialmente com o Partido Comunista Brasileiro, no qual a economista militava
antes de entrar para o Departamento. Como sugere o depoimento de Pomeranz: “Acho que o Albertino
me chamou porque eu era da esquerda na Escola, eu e o Paulo Singer. Porque naquela época só havia dois
caras de esquerda, éramos nós, em 1957” (idem).

44
povo), assinalando a percepção da necessidade ou da exigência de uma organização
permanente e estável, que tivesse continuidade temporal, característica tanto de uma
organização partidária, quanto universitária (CHAIA, 1992: 58).
O mote para a participação de cientistas sociais na criação do DIEESE está
fincado no paradigma da superação dos limites da universidade e na perspectiva de
aplicação do conhecimento. É importante pontuar que durante a década de 1950 novas
concepções de trabalho intelectual foram forjadas, colocando à reflexão o papel social
do sociólogo, o qual não mais poderia restringir-se às ocupações clássicas de gabinete,
posto que em uma sociedade subdesenvolvida a ciência deveria intervir ativamente para
assegurar as condições de reprodução do progresso (FERNANDES, 1963).
Em 1956, quando da preparação da campanha salarial de 1957, o Sindicato dos
Bancários recorreu ao Departamento Intersindical para operacionalizar a campanha.
Sendo que as falhas técnicas do levantamento do custo de vida (realizado pelo contador)
inviabilizavam o uso do estudo, Albertino Rodrigues contatou o Departamento de
Estatística do Estado de São Paulo e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
com o intuito de reunir material para um levantamento de preços nas capitais. Pela
dificuldade da ponderação66, o trabalho de Albertino Rodrigues concentrava-se em
calcular uma média estatística de preços de diferentes produtos alimentícios e alguns
não alimentícios, mas ainda não abrangia todo o orçamento doméstico. Este primeiro
estudo67 do DIEESE concluiu por um parâmetro de aumento em torno de 46% (nos
preços de 1955 para 1956). E foi com esse percentual que os sindicalistas se lançaram
na campanha salarial em São Paulo. Com o percentual em mãos, a categoria bancária
(paulistas e cariocas) recorreu ao vice-presidente de Juscelino Kubitschek, João Goulart,
que, por sua vez, requisitou de José Parsifal Barroso (Ministro do Trabalho) uma
certidão no processo de dissídio coletivo. Consequentemente os banqueiros foram
forçados a conceder o aumento requerido. A partir do ganho dos bancários, outras
categorias recorreram ao Tribunal do Trabalho que, comparando o cálculo do

66
Utilizamos o termo ponderação de acordo com a explicação da economista Lenina Pomeranz
(04/08/2006): “Consideremos uma coleção formada por “n” números racionais: x1, x2, x3, ..., xn, de
forma que cada um esteja sujeito a um peso. O peso é sinônimo de ponderação, respectivamente indicado
por: p1, p2, p3, ..., pn. A média aritmética ponderada desses “n” números é a soma dos produtos de cada
um por seu peso, dividida por “n”, isto é: (x1p1 + x2p2 + x3p3 + ... + xnpn) / p1 + p2 + p3 + ... + pn.. A idéia é
que você forneça ao elemento a proporção que ele realmente tem na sua equação”.
67
Apenas em 1960 foi publicado o processo de elaboração do índice e os critérios de ponderação.
(Boletim do DIEESE, ano I, nº. 1, maio de 1960)

45
Departamento Intersindical e tomando por base a certidão emitida pelo Ministério do
Trabalho, concedeu o aumento reivindicado.
Um dos elementos marcantes desse novo cenário surge no Plano de
Estabilização Monetária (1957, governo JK). O DIEESE, por intermédio do PUI,
recebeu o Plano para avaliação. Após análise, Juscelino recebeu os técnicos do
DIEESE: “entregamos o documento e denunciamos a ortodoxia monetarista. Nós
denunciávamos justamente isso: que o Plano estabilizava não os preços, estabilizava os
salários. Denunciamos a distorção” (cf. José A. Rodrigues, CHAIA, 1992: 62). Esse
trecho do depoimento de José Albertino Rodrigues expõe o embate político-econômico
praticado no organismo intersindical produtor de informação: o cientista social do
Departamento, ao mediar ciência e trabalho, realiza uma “ida ao povo”, promovendo a
intervenção social pelas mãos da intelectualidade.
A partir da entrada de Remo Forli (gestão de 1958 68 a 1962) na presidência do
DIEESE, a estrutura do Departamento melhora, ocorrendo a transferência da sede, que
antes funcionava em uma sala no Edifício Martinelli, cedida pelo Sindicato dos
Bancários (do qual Salvador Losacco também era presidente), para a o Sindicato dos
Metalúrgicos, do qual Forli era presidente. Além da nova acomodação, Forli
providenciou equipamentos e a contratação de Lenina Pomeranz (ainda estudante de
economia da USP), para resolver as questões do ponto de vista estatístico. Montado em
um novo esquema estrutural, o DIEESE adquiriu sistematização para reforçar as
atividades que realizava desde 1956, e a nova administração também decidiu buscar as
contribuições atrasadas dos filiados, a fim de garantir o desenvolvimento e a expansão
do Departamento69.

3.3 Ação sindical e conhecimento técnico-científico

O processo de transformação na estrutura produtiva da indústria paulista


representa, por um lado, a modernização do aparato tecnológico industrial e, por outro,
a busca por padrões de racionalidade a fim de maximizar a lucratividade e fundamentar
a argumentação racional, relacionada à problemática da “conciabilidade” de
reivindicações institucionalizadas com os meios disponíveis para a sua satisfação

68
Neste ano, o DIEESE foi declarado serviço de utilidade pública pelo Governo do Estado de São
Paulo através da Lei n°4.968.
69
Lenina Pomeranz (04/08/2006).

46
(OFFE & WIESENTHAL, 1984: 56). Nesse processo de cientificização corroborava a
tese de “demora cultural” ou hiato (cultural lag), que define as resistências culturais e
de informação como o principal obstáculo ao desenvolvimento. Conforme análise de
Florestan Fernandes, os

[...] países subdesenvolvidos procuram no conhecimento científico e


tecnológico a chave para romper com a perpetuação indefinida de
padrões de existência, representados socialmente como anacrônicos,
iníquos e indesejáveis. Aquilo que os “países adiantados”
conquistaram mediante longos e penosos processos histórico-sociais,
eles pretendem alcançar através da transplantação rápida e intensiva
das técnicas modernas de pensamento ou de ação (1963: 79).

Dessa forma, na ausência dos ideais burgueses clássicos, a burguesia conta com
um Estado que cria uma base técnica autoritária para ordenar a sociedade
(FERNANDES, 1963). De tal maneira, o modus operandi do capitalismo brasileiro
apresenta-se em torno de uma burguesia que não se constitui em paladina da civilização
ou defensora da democracia, pressupondo, assim, uma selvageria expressa pela
espoliação e excesso do lucro, bem como uma aliança do capital com o Estado,
articulados para o uso do trabalho (CARDOSO, 1972; CHAIA, 1992; 1988).
Nesse sentido, o emprego de estratégias de conflito serve não apenas para que
sejam agregados recursos individuais dos membros da associação, mas também para a
articulação dos interesses comuns de tais indivíduos em detrimento dos demais,
superando a individualidade desses recursos e interesses, definindo uma identidade
coletiva que comporte uma mudança nas relações de poder, ou seja, as relações de poder
existentes não mais seriam autodeterminadas a partir do emprego de estratégias de
conflito por parte dos dirigentes sindicais.
Quanto à burguesia brasileira, mesmo subsidiada por um Estado que se utiliza de
inovações racionais para a manutenção do poder, pode-se dizer que ela foi incapaz de
criar bases que permitissem equilibrar institucionalmente a relação capital-trabalho
(FERNANDES, 1976). Como conseqüência, a articulação capital-Estado desequilibra a
relação empresário-trabalhador tornando possível não só a redução do espaço político
dos trabalhadores, mas a manipulação de informações e, principalmente, o arrocho
salarial. O acento de Vianna sobre a burguesia brasileira também não se distancia dessa
visão. Vejamos:

47
A ordem burguesa daí resultante se constitui em assimetria moderna na
economia e atrasada política e ideologicamente, não contemporânea de
si mesma, recorrendo ao passado e ao pragmatismo instrumental –
quando não ao puro arbítrio – para articular mecanismos de controle
social e de meios de intervenção do Estado sobre a sociedade
(VIANNA, 1986: 179).

Dessa forma, ao se considerar o conjunto do sindicalismo, o DIEESE emerge


como parte da estratégia sindical, arranhando os limites impostos pelo sindicalismo
oficial (leia-se sob intervenção estatal) e pela classe patronal. O Departamento, por ser
intersindical, representa a resposta do sindicalismo crítico à proibição da união70 relativa
aos interesses comuns dos trabalhadores. De maneira que o Departamento Intersindical
surge como necessidade de integração dos sindicatos para enfrentar novos temas e fatos
que emergem na relação do trabalhador com a sociedade, colocando-se como a
expressão da formulação de uma nova ação necessária aos trabalhadores assalariados,
criando e gerindo suas ações em face dos patrões e do Estado. O Departamento
Intersindical cria, enfim, um determinado espaço autônomo no interior de um setor
controlado pelo Estado e, consequentemente, pelos patrões.

3.4 Produção sociológica

Nos arquivos do DIEESE há um documento 71, enviado a Eurypedes Aires de


Castro72, que esclarece tanto o compromisso do Departamento Intersindical quanto a
dimensão política da relação entre as atividades dos intelectuais com a classe
trabalhadora: o corpo técnico necessita identificar-se com a luta dos trabalhadores,
devendo ainda estar imbuído do espírito sindical, a fim de que mereça a confiança dos
trabalhadores e dos sindicatos.

70
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT, 1943) vetava a constituição de união intercategorial
e formação de centrais sindicais, fato esse revertido apenas a partir da Carta de 1988.
71
Documento de 1959 (Remo Forli na presidência do DIEESE).
72
Presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas Mecânicas e de Material
Elétrico – RJ.

48
A percepção da direção-técnica sobre a necessidade de divulgar seus trabalhos e
expor sua metodologia levou, ainda na gestão de Remo Forli, ao surgimento do
mensário “Boletim do DIEESE73“ (maio/1960 a agosto/1961), que apresentava o índice
do custo de vida74 da classe trabalhadora de São Paulo segundo itens de despesa e
divulgava análises de Congressos Sindicais, problemas habitacionais, questão do salário
profissional, artigos sobre a participação da mão de obra no desenvolvimento industrial
no Brasil, política salarial e econômica no Brasil, organização sindical etc.
Em 1961, em substituição aos “Boletins” surge a Revista de Estudos Sócio-
Econômicos (RESE publicada de setembro/1961 a maio/1963, com periodicidade
irregular), que trazia artigos assinados por diversos intelectuais 75, relacionados à
sociologia industrial e do trabalho, legislação trabalhista, índices sócio-econômicos,
notícias sindicais, resenhas, acordos salariais, entre outros temas.

3.5 “Boletim do DIEESE76“

73
Durante a edição do Boletim o quadro diretor permaneceu inalterado, isto é, Remo Forli como
Diretor-Responsável, Artur Avalone no cargo de Diretor-Secretário e, por fim José Albertino Rodrigues
como Diretor-Técnico.
74
Ao colocar em foco a necessidade da publicação do Índice do Custo de Vida, reconhece-se que
o índice serviria de instrumento de controle sobre trabalhos semelhantes, “feitos por entidades oficiais ou
oficiosas, que, em várias oportunidades se omitiram e tergiversaram sobre a exata realidade de um
problema tão sério como este”, isto é, o custo de vida da classe laboral (Boletim do DIEESE, Ano 1,
setembro de 1960, nº 05, p. 4).
75
Os artigos foram assinados pelos seguintes intelectuais: Azis Simão, José Albertino Rodrigues,
Rio Branco Paranhos, Manoel Rocha Carvalheiro, Lenina Pomeranz, Mário Carvalho de Jesus, José
Serson, Luiz Roberto de R. Puech, João Lyra Madeira, Paul Singer, Vinícius Ferraz Torres, Armando de
Oliveira Assis, Walter Paul Krause, Armando Martins de Azevedo, F. L. Torres de Oliveira, Osvaldo
Iório, Perseu Abramo, Petrônio M. Guimarães e Everardo Dias.
76
O “Boletim do DIEESE” está registrado no Cartório do Primeiro Ofício, sob o número 1617.

49
Não conseguimos, infelizmente, encontrar o primeiro Boletim do DIEESE
(Maio/1960) em sua versão integral 77. Todavia, nos é possível apontar a abertura do
número, onde são apresentadas a finalidade da instituição e os objetivos do mensário:

[...] O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-


Econômicos, fundado em fins de dezembro de 1955, constitui um
órgão técnico mantido pelos Sindicatos de Trabalhadores paulistas,
com o objetivo de realizar estudos e pesquisas sobre problemas da
classe trabalhadora. Representa, pois, uma inovação dentro do
movimento sindical brasileiro, no sentido de uma tomada de
consciência de que a situação do trabalhador e as condições de
trabalho acham-se enquadradas num conjunto de fatores nacionais, e
de que o conhecimento de uma e outra deve ser feito mediante a
utilização de métodos modernos elaborados – pelas ciências sociais
(Boletim do DIEESE, Ano 1, maio de 1960, nº 01, p. 1).

A primeira pesquisa realizada pelo Departamento foi a elaboração de um


instrumento capaz de mensurar a carestia de vida do trabalhador, isto é, um índice que
medisse o custo de vida, expondo as alterações nos preços dos artigos para a
subsistência do trabalhador e sua família. Os elementos que compõem o Índice de Custo
de Vida estão representados em dez itens básicos de despesa. O primeiro item,
Alimentação, possui os seguintes subitens: cereais, massas e farinhas; leite e derivados;
carnes e derivados; gorduras e condimentos; artigos de sobremesa; peixes; frutas;
bebidas; e diversos. Os itens seguintes são: Habitação, Vestuário (subitens: roupas para
criança, roupas para homens e roupas para mulheres), Artigos de cama e mesa, Saúde,
Limpeza Doméstica, Móveis e Utensílios Domésticos, Transporte, Higiene pessoal,
Educação e Cultura, Recreação e Fumo.
Processo de Elaboração do Índice do Custo de Vida

Ao analisarmos a literatura microeconômica sobre a elaboração de “números-


índices”, podemos apontar que um índice do custo de vida é definido pelo conjunto de

77
A primeira coleta de material foi realizada no próprio do Departamento. No entanto, devido às
mudanças de sede e, possivelmente, ao regime de exceção inaugurado com o Golpe Militar de 1964
alguns documentos foram perdidos. Contudo, graças à entrevista realizada em 04/08/2006 com a Profa.
Dra. Lenina Pomeranz (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São
Paulo, FEA-USP) tomamos conhecimento de que a professora havia doado o material ao CEBRAP
(Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). Ao visitarmos o Centro, soubemos que o material havia
sido – novamente – doado, desta vez à biblioteca do IFCH-UNICAMP (Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Estadual de Campinas). Entretanto, nossa visita ao Instituto mostrou-se
infrutífera, pois as mesmas páginas que faltavam ao exemplar coletado no DIEESE, faltavam no Boletim
que se encontrava no IFCH. Esperamos, todavia, que nossa análise não sofra graves deficiências em
função da circunstância observada. É importante salientar que apenas o primeiro número possui a
carência anotada.

50
despesas mínimas necessárias (bens e serviços de consumo familiar) que permitem ao
consumidor atingir um grau de estabilidade econômico-financeira. Esse conjunto de
despesas mínimas deve ser igual ao montante do rendimento destinado ao consumo e
que, com a elevação dos preços (devido ao processo inflacionário), necessita ser
ajustado para que o consumidor se encontre na mesma situação anterior à alteração dos
preços. Este montante depende não somente das preferências dos consumidores, mas
também, do nível inicial de rendimento de suas despesas. De maneira que, o Índice de
Preços ao Consumidor é uma aproximação do Índice do Custo de Vida 78. Portanto, a
elaboração do ICV prescinde de um levantamento de preços dos insumos que abrangem
o orçamento doméstico de uma família-padrão.
Para se formular um índice do custo de vida, deve-se observar que a aquisição e
utilização de uma cesta de bens e serviços correspondem a dois elementos: a restrição
orçamentária da família e a satisfação direta das necessidades de consumo da mesma.
Da conjunção desses elementos é realizado o cálculo de quanto do montante do salário é
necessário para cobrir as despesas da família. De modo geral, podemos afirmar que a
finalidade de um índice do custo de vida é medir as mudanças ao longo do tempo no
nível de preços de uma cesta de bens e serviços que uma determinada população adquire
mensalmente (IBGE: 2005).
A ponderação adotada para a estrutura do Índice do Custo de Vida da classe
trabalhadora, na cidade de São Paulo, foi obtida a partir da pesquisa 79 realizada pelo
Departamento em outubro de 1958 (ano-base). Abaixo estão expostos os principais
pontos da pesquisa:

78
A partir deste ponto utilizaremos, em alguns momentos, a abreviatura do Índice do Custo de
Vida, ou seja, ICV.
79
A pesquisa contou com a colaboração de estudantes de Ciências Sociais da FFCL-USP.

51
Quadro I*: Pesquisa do Custo de Vida da Classe Trabalhadora - Família Padrão
Itens 1ª Pesquisa
Período de abrangência Outubro de 1958
Pesquisa do Custo de Vida da Classe Trabalhadora
Denominação
- Família Padrão
104 famílias de trabalhadores associados aos
sindicatos filiados ao DIEESE, no município de
Amostra e abrangência São Paulo. Família padrão: casal mais três filhos
geográfica menores de 14 anos, moradores de casa alugada e
que vivem quase exclusivamente do salário do
chefe da família
1ª fase - questionários para o levantamento da
composição familiar, renda e condição de moradia,
cujos dados resultaram na definição da família
Instrumental de coleta das
padrão
informações
2ª fase - questionário mais minucioso e cadernetas
para anotação diária de todas as despesas efetuadas
pelas famílias durante um mês
Renda média do chefe de família
Renda
Orçamento médio familiar
Definição da estrutura Estrutura única baseada nos gastos do total das
orçamentária do índice famílias
Pesquisa mensal dos preços dos bens e serviços ,
do 1º ao último dia do mês.
Tarifas dos serviços públicos através de
Período e coleta de preços
informações oficiais e valores dos aluguéis pela
oferta de locação nos jornais, nos diversos bairros
operários (casas de 1, 2 ou 3 cômodos).
Número de bens e serviços
155 bens e serviços
incluídos no índice
Abrangência geográfica do
Município de São Paulo
índice
Base: 1958 = 100
Base da série do ICV
(até dezembro de 1970)
Método de cálculo Fórmula de Laspeyres80
*Fonte: http://www.DIEESE.org.br/pof/pof.xml#C2

80

O índice de Laspeyres pondera preços (p) de insumos (i) em duas épocas, inicial (0) e atual (t),
tomando como pesos quantidades (q) arbitradas para estes insumos na época inicial. A ilustração da
fórmula foi obtida no seguinte sítio: (http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/sinapi/
indice.shtm).

52
Conforme mencionamos acima, o índice do custo de vida representa a razão do
custo de uma cesta básica de bens e serviços em relação ao custo dessa mesma cesta
durante um período-base. O índice de preços de Laspeyres representa a razão entre a
quantidade de dinheiro que um indivíduo necessita para adquirir, a preços correntes,
uma cesta de bens e serviços escolhida no ano-base e o custo para comprá-la a preços
deste mesmo ano-base. É importante salientar que os índices de preços se baseiam nas
aquisições por parte dos consumidores, e não em suas preferências. Ou seja, o Índice de
Laspeyres utiliza uma cesta de consumo fixa no período-base, esse índice de preços
procura responder à seguinte questão: de quanto dinheiro a preços correntes um
indivíduo necessita para comprar uma cesta de bens e serviços escolhida no ano base,
dividido pelo custo de aquisição da mesma cesta a preços do ano-base? (HOFFMAN,
2002).
A crítica que se faz à utilização do índice de preços de Laspeyres está assentada
na idéia de que o índice superestima o montante necessário para compensar os
indivíduos das elevações dos preços, ou, em outras palavras, o índice de preços de
Laspeyres baseia-se na premissa de que os consumidores não alteram seus padrões de
consumo após uma mudança nos preços. Todavia, os consumidores podem obter o
mesmo nível de utilidade sem ter de adquirir a mesma cesta que adquiriram antes da
mudança nos preços, aumentando o consumo de bens agora relativamente mais baratos,
e diminuindo o consumo dos bens agora relativamente mais caros, isto é, o índice não
leva em consideração o comportamento do consumidor (PINDICK, 1999).
Outra crítica em relação à metodologia é referente à escolha do ano-base ao
invés do ano corrente (como, o Índice de Paasche, por exemplo), isto é, a razão entre a
quantidade de dinheiro que um indivíduo precisa para comprar, a preços correntes, uma
cesta de bens e serviços no próprio ano corrente e o custo de comprá-la a preços do ano-
base (PINDICK: 1999).
Realizadas as pontuações acima sobre a metodologia da construção de um índice
de preços, apresentamos como foi formulada81 a construção do índice pelo DIEESE:
Inicialmente procedeu-se a escolha da “família-padrão”, selecionando através de um
questionário-piloto distribuído às famílias82 constituídas por casal e três filhos com

81
Já considerando que o processo de elaboração do índice do custo de vida exige previamente a
consecução das seguintes etapas: a) escolha de uma amostra, isto é, escolher os produtos a serem
considerados; b) escolha do ano-base; e c) escolha do método de cálculo (no caso, fórmula de Laspeyres).
82
Os questionários foram distribuídos às famílias que tinham operários associados a sindicatos
filiados ao DIEESE.

53
idades inferiores a 14 anos, morando em residência alugada e vivendo quase que
exclusivamente da renda proporcionada pelo chefe de família. Após a distribuição de
12.000 questionários foram eleitos 104 para análise particular, isto é, visita às moradias
para o preenchimento de um questionário mais específico sobre os hábitos de consumo
da família e a entrega de uma caderneta para anotação das despesas diárias no período
de um mês (período considerado mais sensível às flutuações dos preços). A elaboração
definitiva dos itens discriminados ocorreu somente após as pesquisas de mercado, a fim
de verificar os tipos e as marcas específicas dos artigos de maior consumo. As coletas 83
de preços foram realizadas em feiras livres, açougues, quitandas, farmácias, papelarias e
mercearias obtidas em diferentes bairros da cidade de São Paulo 84, como Lapa, Brás,
Belém, Vila Mariana, Ipiranga, Liberdade, Santana e Centro (Sé).
Em relação ao item Habitação, os dados (combustível, água e luz) foram obtidos
por meio de instituições oficiais informantes, ou seja, anúncios de ofertas de locação
dos imóveis (de 1, 2 e 3 cômodos) em periódicos diários, especialmente o “Diário
Popular”.
Enfim, o ICV procura assinalar os diversos aspectos constituintes da realidade
social da classe trabalhadora, apontando os aumentos verificados em quaisquer artigos
de consumo geral, possibilitando a percepção da escalada de preços. Ademais, indica os
setores de gastos em que o impacto dos preços é mais contundente, localizando os
setores em que o problema dos preços tenha mais ingerência no orçamento do
trabalhador.

Composição das organizações sindicais

O segundo número do Boletim apresenta um projeto de estudo sobre a


composição das organizações sindicais do Estado de São Paulo (ver Quadro I e II). A
proposta da pesquisa é tomar como objeto de estudo os participantes do 11º Congresso 85

83
As coletas de preços foram feitas de maneira indireta, isto é, sem a apresentação do questionário
após a observação da tendência apresentada por alguns comerciantes em distorcer os preços dos produtos
por eles comercializados.
84
Posteriormente, o DIEESE organizou uma classificação dos bairros de São Paulo por zonas, a
fim de conhecer mais profundamente as especificidades de cada região. Ainda neste capítulo
apresentaremos o estudo “Classificação Ecológica”, presente no terceiro número do Boletim.
85
Neste mesmo Congresso, a equipe do DIEESE apresentou um interessante parecer sobre o
“salário profissional”. No item “3.5.2 Salários” deste capítulo procuramos apresentar os principais pontos
da tese.

54
Sindical dos Trabalhadores do Estado de São Paulo 86, para, desse extrato, realizar uma
verificação da estrutura sindical vigente (idades, salários, categorias profissionais etc.).
Para tanto, o Departamento distribuiu a todos os participantes 87 do Congresso, um
questionário, e embora não tenha ocorrido a devolução da totalidade dos mesmos 88,
pôde-se chegar a um esboço da situação89, o qual apresentamos abaixo:

Quadro I*: Categorias Profissionais dos Participantes

Setores Diretores Delegados Nº % %


Indústrias 189 193 382 70,5
Têxtil 27 53 80 20,9
Construção e Mobiliário 29 27 56 14,7
Metalúrgica, Mecânica 22 33 55 14,4
E Material Elétrico
Química/Farmacêutica 27 27 54 14,1
Alimentação 22 21 43 11,3
Vestuário 28 7 35 9,2
Gráfica 11 11 22 5,6
Papel, Papelão e Cortiça 10 6 16 4,2
Vidro/Cerâmica de 7 3 10 2,7
Louça
Brinquedos - 5 5 1,3
Borracha 3 - 3 0,8
Cimento 3 - 3 0,8
Transportes 33 40 73 13,5
Serviços 22 11 33 6,1
Comércio 15 12 27 5
Estiva 6 9 15 2,7
Bancos 5 1 6 1,1
Agricultura 1 3 4 0,7
Profissões liberais (incluindo 2 - 2 0,4
jornalistas)
Totais 273 269 542 100 100

86
Evento promovido pelo Conselho Sindical dos Trabalhadores do Estado de São Paulo.
87
De acordo com a Comissão executiva do Congresso, foram credenciados 1293 membros: 764
são de São Paulo – Capital, representando 49 sindicatos, 2 associações profissionais e 1União; 448
delegados do interior do Estado de São Paulo, representando 124 sindicatos, 5 associações profissionais e
1 União; e ainda 81 delegados, representando 2 federações estaduais.
88
41,9% dos questionários foram devolvidos.
89
Parcela das conclusões a que o Departamento atingiu foram apresentadas no número
subseqüente.

55
Quadro I*: Função/Cargo dos Participantes

Distribuição por função dos Capital Interior Estado de


congressistas São Paulo
I – Dirigentes sindicais 101 172 273
1. Diretores 71 152 223
a) ligados à produção 47 110 157
b) desligados da produção 23 39 62
c) não-declarados 1 3 4
2. Suplentes 30 17 47
3. Cargos não-declarados - 3 3
* II – Delegados 140 129 269
Totais 241 301 542
Fonte: Boletim do DIEESE, Ano 1, n. 2, junho de 1960, p. 5.
**Fonte: Boletim do DIEESE, Ano 1, n. 2, junho de 1960, p. 3.

Dos quadros apresentados acima podemos verificar que a participação efetiva


não representa a maioria da força de trabalho. Por exemplo, o Congresso conta com a
participação de trabalhadores da indústria (70,5%), mas, na composição da força de
trabalho do Estado de São Paulo esse grupo representa 33% 90. O inverso também está
colocado: os trabalhadores agrícolas correspondem a 47% da força de trabalho, mas no
Congresso sua expressividade é mínima: 0,7%91. A partir dessa constatação o Boletim
indica que o índice de sindicalização é maior entre o pessoal da indústria em função da
ausência de sindicatos de trabalhadores rurais, a baixa sindicalização no meio rural será
uma temática constante nas publicações do Departamento como veremos à frente. O
mesmo pode ser auferido aos empregados em serviços domésticos. Contudo, embora
não tenha sido anotada a presença desses trabalhadores no Congresso, o Censo de 1950
do IBGE apontava a existência de 144.137 trabalhadores pertencentes a essa categoria.

“O operário e a questão agrária”

90
Boletim do DIEESE, Ano 1, junho de 1960, nº 02, p. 5.
91
Ibidem, p.5.

56
Durante a década de 1960 foram articuladas inúmeras considerações sobre a
temática agrária no interior da reflexão sociológica brasileira. O Boletim nº 3 é
expressivo dessa tendência. O número em questão apresenta a compreensão de que a
contradição básica de uma economia “insuficientemente desenvolvida” provocou o
discurso acerca dos processos decorrentes de políticas coloniais, como as que o Brasil
foi submetido. Tais políticas retrógradas, segundo o editorial, de certa maneira ainda
ressoavam e não somente no campo: “[a questão agrária] não é o problema específico
do camponês ou do fazendeiro, é um problema que interessa a toda Nação” (1), pois ela
atingia o operário, uma vez que este havia participado do êxodo rural e mantinha, ainda,
“ligações pessoais com a vida no campo” (11). Ainda segundo o editorial, a fragilidade
apresentada no setor de sindicalização agrícola (Quadro II) atravancava tanto o processo
de modernização como o de expressão de cidadania.
O Boletim nº 3 ainda apresenta um estudo para a formulação do item Habitação.
Conforme já mencionamos, a equipe do DIEESE acompanhava a oferta de imóveis nos
anúncios publicados no “Diário Popular”. A análise desses anúncios forneceu elementos
do comportamento do mercado de casas populares. As residências ofertadas abrangiam
171 bairros do município de São Paulo. O critério de classificação levou em
consideração determinadas particularidades urbanas, hábitos e padrões de vida
empiricamente anotados de cada bairro, organização essa denominada “Classificação
Ecológica”. Em linhas gerais, o Departamento dividiu o município de São Paulo em
treze zonas (ver anexo A), cada uma possuía um “bairro-núcleo” com o qual os demais
bairros eram identificados92. O estudo apresenta algumas conclusões interessantes sobre
o aumento de ofertas de casas populares: de 1959 para 1960 foi registrada uma elevação
de 68,25%, o estudo assinala que as residências de 2 cômodos (excluindo-se a cozinha)
tiveram mais ofertas do que as de 1 ou 3 cômodos. Em 1959, as casas de 2 cômodos
representavam 45,6% dos anúncios, já em 1960 esse percentual alcançou 51,6% das
ofertas anunciadas no “Diário Popular”, cuja representatividade nos sugere um possível
aldeamento operário em casas alugadas ou construídas pelo próprio operário, como
canta Adoniran Barbosa em “Abrigo de Vagabundo”: “Eu arranjei o meu
dinheiro/Trabalhando o ano inteiro/Numa cerâmica fabricando pote/E lá no alto da
Mooca eu comprei um lindo lote/10 de frente e 10 de fundos/e construí minha maloca”.

92
Em caso de dúvida, o critério consistia em dar prioridade aos vínculos econômicos e sociais com
o bairro-núcleo.

57
O Boletim nº 4 apresenta um projeto de estudo com a finalidade de realizar
levantamento dos níveis salariais93 dos diferentes setores da indústria e do comércio da
cidade de São Paulo. O projeto de estudo estava programado para ser realizado junto ao
Departamento de Estatística do Estado de São Paulo (DEE) e ao Serviço Estadual de
Mão de Obra (SEMO). Caberia ao SEMO fornecer as verbas para o trabalho de
codificação (a cargo do DIEESE), e para a apuração mecânica dos dados (função do
DEE). A proposta do projeto ambicionava realizar o levantamento dos níveis salariais 94
de 600.000 empregados e pretendia apresentar os seguintes elementos: quantidade de
operários ligados à produção e administração; gênero; profissão; e tamanho da
empresa95 (segundo o número de empregados96).

Instrumento sindical

O quinto Boletim, que objetiva fornecer subsídios para a campanha de reajuste


salarial de 1960 e analisa algumas das reivindicações da classe trabalhadora e de
sindicatos, colocando em debate: reajuste salarial, gratificação, salário-família
(estipulação de um adicional sobre o salário, sob o título de abono familiar – conforme o
número de filhos do empregado 97), desconto sindical (parcela do aumento deveria ser
descontado em favor do sindicato respectivo a fim de proporcionar melhorias estruturais
para o mesmo), diferença salarial (empregados contratados posteriormente à data-base
deveriam ser contemplados com os mesmos benefícios), credenciamento de delegados
nas empresas, cuja função seria a de acompanhar as cláusulas do acordo e de contribuir

93
No levantamento de níveis salariais utiliza-se fundamentalmente, as relações nominais que
acompanham as guias de arrecadação do Imposto Sindical e que permitem o conhecimento dos salários
por setores, tamanho da empresa, sexo e função do empregado, discriminando se tal função está ligada ou
não à produção etc. Nos ramos em que existe um número relativamente pequeno de empregados, faz-se
levantamento direto e integral, enquanto nos maiores se utiliza o processo de amostragem.
Eventualmente, são aproveitadas outras fontes para estudos salariais, tais como envelopes de pagamento
ou apurações realizadas por instituições oficiais (Revista de Estudos Sócio-Econômicos, Ano 1, n. 1,
setembro de 1961, p. 43).
94
As folhas de arrecadação do Imposto Sindical constituem-se na fonte para a coleta dos dados.
95
Considerando pequenas as empresas que têm de 10 a 49 empregados, médias as que têm de 50 a
149 empregados, grandes as que possuem em seu quadro de 150 a 499 e, por fim as “especiais”, com
quantidade superior a 500 funcionários (Boletim do DIEESE, Ano 1, outubro de 1960, nº 06).
96
Esse tipo de levantamento o DIEESE já havia feito em colaboração com o DEE, mas apenas
com os empregados na Indústria de Madeira.
97
Uma das reivindicações dos trabalhadores era para que o pagamento do abono familiar fosse
fornecido pelo sistema previdenciário, uma vez que, deixando-se sob a responsabilidade direta da
empresa, esta iria naturalmente dar preferência ao trabalhador solteiro.

58
para o estabelecimento de relações harmoniosas entre a classe patronal e os
empregados. Depreende-se que, a este nível, a relação de emprego não aparece como
uma instância mesma do despotismo do capital sobre o trabalho, impelindo o operário
ao cumprimento das normas contidas no controle do trabalho. De maneira que, a classe
operária acaba por ser o ator social que percebe o trabalho assalariado como
instrumento de ascensão social e, o outro ator social, o empregador se relaciona com ele
como o sujeito que propicia as condições sociais de trabalho98 (RODRIGUES: 1966).

Salários

Em relação ao objeto salário, alguns “Boletins” procuram – didaticamente –


apresentar sua constituição a partir de explicações que mesclam sociologia e economia.
Por exemplo, o “Boletim” nº 4 coloca que o cálculo para encontrar o valor do salário
real consiste em dividir o salário nominal pelo ICV. Este, medindo a elevação dos
preços nos artigos consumidos, permite saber quanto custava antes do aumento do custo
de vida, essa mesma quantidade de artigos e, portanto, qual o poder aquisitivo do
salário. Em caráter pedagógico, o Boletim procura definir o salário profissional,
distinguindo-o do salário mínimo99 e procurando promover um debate sobre como
sistematizar o salário a ser recebido pelas mais diversas categorias profissionais. O
primeiro ponto abordado refere-se à nomenclatura:

[...] mais de uma designação é dada a um mesmo tipo de trabalho,


mesmo no âmbito de um mesmo setor de atividade (...), antes que se
institua propriamente o salário profissional sem uma nomenclatura
sistemática e objetiva, ainda que imperfeita de início, não se pode
pensar em instituir o salário profissional” (Boletim do DIEESE, Ano
1, agosto de 1960, nº 04).

Segundo o mensário, depois de resolvida a questão da nomenclatura, deveria ser


introduzida a modalidade de remuneração do trabalho por meio de convênios coletivos
(estabelecidos no nível intersindical mediante acordos entre sindicatos patronais e de
trabalhadores) e, caso o convênio não fosse instituído, poderia buscar-se a solução

98
Seria, então, a realização da ideologia do êxito no nível da análise pela ênfase na integração do
operário ao regime de trabalho assalariado, centrado em suas ações valorativas?
99
No Brasil, o salário mínimo foi estabelecido em 1938 e passou a vigorar em 1940, contudo,
apenas em 1951 atingiu padrões de alcance mais plenos, ainda que somente no meio urbano.

59
através de dissídios coletivos100. Como último recurso poderiam os trabalhadores
pleitear a promulgação de lei ou decreto, regulamentando a questão em âmbito nacional.
No 11º Congresso Sindical dos Trabalhadores do Estado de São Paulo, foi
apresentada pelo Departamento Intersindical e aprovada em plenária uma tese sobre o
“salário profissional”. O principal ponto relaciona-se à conceituação de trabalho
profissional: “é a remuneração devida pelo empregador ao empregado, estabelecida de
conformidade com a posição hierárquica do empregado no processo produtivo e
conforme a função específica que o mesmo desempenhe” (Boletim do DIEESE, Ano 1,
agosto de 1960, nº 04, p. 4-5). Já a posição hierárquica segue o seguinte escalonamento:

a) aprendiz – empregado de 14 anos completos a 18 anos incompletos e deve


desempenhar a função sob a forma de aprendizagem, processo a ser realizado
pela empresa, escolas profissionais – oficiais ou particulares –, reconhecidas
pelo governo;
b) ajudante – empregado de 18 anos completos a 21 incompletos que deve realizar
tarefas leves e sua remuneração precisa corresponder à da posição que ocupe;
c) operário (comum ou braçal) – empregado de 21 anos completos que deve
realizar tarefas que demandem acentuada capacidade física, isto é, que não exija
do operário aprendizagem sistematizada;
d) meio-oficial – operário especializado que possui conhecimento teórico e prático
(aprendizagem sistemática);
e) oficial – operário especializado que tenha passado pelas etapas de aprendizagem
sistemática e de meio-oficial;
f) contramestre (auxiliar de encarregado) – empregado que possui conhecimento
teórico e prático do processo de produção da empresa, podendo mesmo
substituir o mestre; e
g) mestre – encarregado geral que coordena e controla a produção e o serviços do
operariado.

100
O Boletim aponta que já existe jurisprudência a esse respeito, principalmente no Tribunal
Regional do Trabalho (TRT) – 1ª Região – mediante votos e acórdãos dos Ministros Délio Maranhão e
Oscar Saraiva, entre outros (Boletim do DIEESE, Ano 1, agosto de 1960, nº 04, p. 3)

60
Após o estabelecimento e implantação da classificação profissional, a mesma
deveria constar da carteira profissional101 de todo trabalhador (posição e função), bem
como a respectiva remuneração.

Salário Móvel

O Boletim nº12 traz à discussão uma nova modalidade de pagamento


reivindicada pelos trabalhadores: o salário móvel. Essa nova modalidade resultaria da
aplicação de um sistema de reajuste salarial que proporcionaria um “equilíbrio
automático” do salário nominal a um poder aquisitivo básico, ou seja, ao salário real.
Esse sistema, denominado escala móvel de salários, possibilitaria uma maior mobilidade
aos rendimentos, no sentido de ajustá-lo às variações dos preços. Em síntese, o salário
móvel sofreria um reajuste automático toda a vez em que a inflação atingisse um
determinado valor (a contar do último aumento). Todavia, o Boletim sugere que embora
a aplicação do salário móvel102 pudesse impedir a queda do salário real, não permitiria
que este fosse elevado além do nível inflacionário e, por conseguinte, limitaria a
expansão do mercado interno. Ainda de acordo com as proposições do mensário, esse
quadro poderia ser evitado se, paralelamente à adoção do salário móvel, fossem tomadas
medidas como participação nos lucros das empresas, ganhos correspondentes aos
aumentos de produtividade, salário profissional, entre outras.
É importante apontar que as reivindicações dos trabalhadores apresentadas nos
“Boletins” surgem a partir da observação direta e indireta dos intelectuais alocados no
Departamento, isto é, os técnicos além do contato de rotina com os diretores sindicais
do DIEESE, assistiam às assembléias dos sindicatos, recuperando posteriormente essas
discussões nas publicações. A questão do salário móvel é um exemplo 103 dessa

101
A qual vigeria por um ano, sendo necessária a homologação pela Justiça do Trabalho, a fim de
adquirir caráter normativo.
102
À época surgiu um projeto nesse sentido, de autoria do Deputado Adylio Martins Vianna do
PTB do Rio Grande do Sul. O projeto de lei nº 1.963, de 1960, cuja ementa institui o sistema de escala-
móvel de salários e o salário profissional, cria o Instituto Nacional de Salários, regulamenta o artigo 157,
inciso I, da Constituição Federal e da outras providências. Informação obtida em:
http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=198178 . Acesso em 23 de janeiro
de 2006.
103
Outra análise sobre as reivindicações dos trabalhadores tomou forma mais aprofundada no
Boletim nº8, em artigo assinado por José A. Rodrigues, intitulado “Política Salarial no Brasil”. As
reivindicações dos trabalhadores estavam referidas à questão previdenciária e à incorporação de novos

61
observação que possibilita ao dirigente sindical a utilização da argumentação técnico-
científica mediada pela sociologia crítica.

Ponte com a universidade

Tendo em vista não se restringir a um “monólogo sindical”, na comemoração de


um lustro da fundação do DIEESE foi realizada a Iª Semana de Estudos de “Problemas
do Trabalho” e a Iª Exposição sobre Problemas do Trabalho 104. A Semana105 promoveu a
realização de debates sobre os problemas relacionados à categoria trabalho, trazendo
intelectuais que realizavam pesquisas fora das lides sindicais. Os eventos contaram com
conferências de Azis Simão (“Aspectos Sociais e Políticos da Organização do Trabalho
no Brasil”), Celeste de Souza Andrade (“Problemas de Pesquisa do Trabalho”) e José
Albertino Rodrigues (“Problemas de Política Salarial106“).
O professor assistente da Cadeira de Sociologia II (FFCL-USP), Azis Simão 107,
discutiu sobre como eram processadas as relações entre sindicato, propriedade privada e

itens ao grupo que o salário mínimo já abrangia, a saber: habitação, vestuário, higiene e transporte. A
proposta de reparo à legislação sobre o salário mínimo sugeria a inclusão de três itens ao grupo
mencionado acima: saúde, recreação e cultura e previdência social, a este último Rodrigues tece a
seguinte proposição: “... dentro de nosso sistema previdenciário, em que o empregado paga uma quota, o
empregador outra, devendo outra ainda ser paga pelo Governo, não se teria uma justificativa para exigir
que o empregador pagasse as duas quotas, uma paga diretamente ao Instituto, e outra paga indiretamente,
mediante desconto do salário, desconto esse que, afinal não seria sentido pelo empregado, pois
corresponderia a um acréscimo sobre o seu salário, que apenas não seria recebido pelo seu portador” (9-
10).
104
A exposição contou com a colaboração e participação de instituições como: Secretaria do
Trabalho, Indústria e Comércio (Serviço de Colocação do Trabalhador no Comércio), Delegacia Regional
do Trabalho, Departamento de Estatística do Estado de São Paulo, Instituto Brasileiro de Geografia
(Inspetoria Regional de São Paulo), Grupo de Planejamento do Governo do Estado de São Paulo, Serviço
Social do Comércio e do Jornal “Última Hora”.
105
Os eventos foram realizados de 19 a 23 de dezembro de 1960.
106
A conferência estava a cargo de Fábio Lucas, porém em razão de um acidente não pôde
comparecer, de maneira que o conferencista foi substituído por José Albertino Rodrigues.
107
É importante salientar a figura do professor Azis Simão na construção do quadro técnico do
DIEESE. Embora os registros apontem a participação do professor somente como colaborador/articulista
das publicações do Departamento, a ida de sua orientanda Heloísa Martins para o Departamento (1965)
realizou-se a partir da indicação direta do professor: “Lembro-me perfeitamente da conversa com o prof.
Azis quando me repassou o contato com o Albertino: se eu queria estudar o movimento sindical, deveria
aceitar a oportunidade que estava sendo oferecida para ‘conhecer por dentro’ o sindicato e me aproximar
de seus dirigentes”. Essa aproximação desdobra-se em outra questão: a tensa relação entre o técnico do
Departamento e os dirigentes sindicais, segundo Martins: “você tem que esquecer teus interesses político-
partidários no trabalho. Você vai ter que conversar com dirigente sindical, que lá fora... em termos
políticos você abomina. Aqui [no DIEESE] você tá prestando um serviço pra ele. Você é um técnico
contratado pelo Dieese que tem uma diretoria sindical, um sindicalista. E era isso, você não podia perder
essa perspectiva. Isso veio desde o início do Dieese, então todo mundo se assumia enquanto técnico.”
Martins, Heloísa Helena Teixeira de Souza. 05/10/2006.

62
Estado, e as relações entre dirigentes sindicais e trabalhadores. Versou ainda sobre as
diferentes funções desempenhadas pelo dirigente sindical no quadro econômico, político
e social do país. A palestra de Celeste Andrade (diretora do DEE/SP) apontou a
pesquisa sobre a composição da mão de obra como a “pedra fundamental” da
Sociologia do Trabalho, pois o desenvolvimento desse tipo de estudo possibilitaria
aferir os níveis de emprego (ocupação, ramo de atividade e posição na ocupação), bem
como o número de desempregados, tornando possível acompanhar a evolução da mão
de obra por ramo de atividade. Para a pesquisadora, a partir de levantamentos por
amostragem e recorrendo aos Censos Demográficos poderiam surgir novos exames,
como, por exemplo, estudos sobre previdência social, acidentes de trabalho, organização
sindical, justiça do trabalho, temáticas pouco desenvolvidas durante os anos 1950 e
1960108.
A apresentação de José A. Rodrigues, Diretor-Técnico do Departamento
Intersindical e docente da Faculdade de Ciências Econômicas de Santo André, resultou
em artigo publicado no Boletim nº 8 sob o título “Política Salarial no Brasil”. O artigo
em questão oferece a análise de que a “herança da escravidão é um fator histórico que
ainda pesa sobre nós, visto que ela deixou padrões de trabalho muito acentuados nos
meios rurais, padrões esses que foram trazidos para os centros urbanos por via do êxodo
rural” (2-3). No bojo desse panorama histórico, Rodrigues sugere que o trabalho
operário é compreendido como uma atividade de inferior condição social, cuja sujeição
somente seria superada quando a mão de obra industrial deixasse de ser mera soma de
indivíduos e se transformasse em força política e social – capaz de construir as
negociações coletivas109 em uníssono.

Sindicalização e Condicionantes para a presença feminina no mundo do trabalho

O Boletim nº 9 apresenta os resultados de um questionário realizado em junho


de 1960, a pedido da Federação dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem
do Estado de São Paulo. O questionário procura levantar a questão sobre as formas de

108
Cabe lembrar que o estudo de Azis Simão apresentado em 1954, no Iº Congresso Brasileiro de
Sociologia, da Sociedade Brasileira de Sociologia (presidido por Fernando de Azevedo), sobre o Voto
Operário em São Paulo, é considerado a primeira pesquisa realizada na Universidade que tem o
comportamento operário como objeto de investigação (MARTINS, s/d).
109
Devemos assinalar que as negociações coletivas tiveram início no decorrer da década de 1930,
quando a política salarial foi oficializada, mas, cujo efeito prático só se fez sentir em meados da década
de 1950, a partir de, principalmente, acordos intersindicais (CHAIA, 1992).

63
arregimentação de sindicalizados, isto é, o que motivava o trabalhador a se sindicalizar.
A grande maioria das respostas era referente à prestação de assistência social, em
função da verificação da deficiência das instituições governamentais. Segundo Maria
Inês Rosa, “o sindicato é vivenciado e sentido como mero órgão assistencialista do
Estado e suas instituições como agências tutelares ou protetoras” (1982: 23) e neste
sentido não existe a necessidade de cambiar para um rumo politizado.
O que mais nos chamou a atenção nesse “Boletim” foi o fato de que, embora
tenha sido mencionada em Boletins anteriores a presença de mulheres no meio fabril,
somente no Boletim nº 9 o fenômeno é colocado de maneira precípua, em razão de no
setor têxtil ser assinalada a predominância de mão de obra feminina, conforme o Quadro
III. Vejamos:

Quadro III*: Composição da mão de obra têxtil no Estado de São Paulo


Regiões Homens Mulheres Menores
Região de São Paulo 32,5% 67,5% 19,5%
Região da Paulista 27% 73% 26,6%
Vale do Paraíba 56% 44% 21,5%
Região da Sorocabana 56% 44% 17,5%
Vale Médio do Tietê 35% 65% 24,5%
Região da Bragantina 44% 56% 27,6%
* Fonte: Boletim do DIEESE, Ano 1, n. 9, janeiro de 1961, p. 5.

A respeito do quadro acima, pensamos que seja pertinente apresentar o


comentário expresso no Boletim sobre a condição do gênero feminino e de menores no
meio industrial e sindical. Observemos:

[...] A situação da mulher na sociedade brasileira, embora tenha


evoluído sobremaneira nas últimas décadas, é ainda desfavorável, em
virtude das nossas tradições patriarcais que a relegou a um nível de
segundo plano. Em diversas camadas da população a mulher prende-
se muito aos serviços domésticos e, quando desempenha atividades
fora do lar, sua atitude é geralmente passiva e teme o desempenho de
outras funções sociais que não as estreitamente ligadas ao trabalho e
ao lar. Em suma, o sindicalismo entre nós é um movimento
essencialmente masculino e, numa categoria onde predomina o
elemento feminino, sua coexistência é sensivelmente menor. Quanto
ao menor de idade, a situação se alia ao fato de que são muito fortes e
diversas as solicitações para o jovem fora de sua atividade de rotina no

64
emprego110 (futebol, cinema etc.) (Boletim do DIEESE, Ano 1, n. 9,
janeiro de 1961, p. 19).

Em “Fenomenologia do espírito”, Hegel afirma que “o trabalho é a expressão da


liberdade reconquistada”. Contudo, ao analisarmos historicamente os aspectos legais da
condição feminina no mundo do trabalho, veremos que a afirmação de Hegel não pode
se aplica aos processos iniciais de desenvolvimento da legislação republicana brasileira.
A situação da mulher no Brasil reflete um esquema de dominação social que tem
suas raízes no sistema patriarcal, em que o senhor era o dono absoluto de seus escravos,
de sua mulher e de seus filhos. Perante a lei, a mulher era considerada parcialmente
incapaz, como os índios, os loucos e as crianças, conforme o Código Civil da República
de 1916, cujos preceitos, ou pelo menos alguns, sacramentavam a inferioridade da
mulher em relação ao marido. “Ao homem, chefe da sociedade conjugal, cabia a
representação legal da família, a administração dos bens comuns do casal e dos
particulares da esposa. (...) A ordem jurídica incorporava e legalizava o modelo que
concebia a mulher como dependente e subordinada ao homem (...) a esposa foi, ainda
declarada relativamente inabilitada para o exercício de determinados atos civis,
limitações só comparáveis às que eram impostas aos menores de idade e aos índios”
(MALUF & MOTT, 1999: 375). Já, a Constituição de 1934 estabeleceu a igualdade
salarial entre os sexos, proibição do trabalho insalubre para as mulheres, descanso antes
e depois do parto. No entanto, a lei do salário-mínimo de 1940 abria brecha para
redução do salário em função do gênero, consagrando o princípio que, em certa medida,
ainda acompanha a trajetória feminina no mundo do trabalho brasileiro: “nem na lei
nem na vida” (RAGO, 2002).
Se nem a legislação, nem a cultura abriam espaço para a participação da mulher
no mercado de trabalho, o mesmo não ocorreu no mercado produtivo. E com o crescente
desenvolvimento industrial, nas primeiras décadas do século XX, o mercado de trabalho
nos centros urbanos foi ampliado, dando inclusive mais oportunidade de emprego às
mulheres. Contudo, essas oportunidades de emprego concentravam-se em atividades
consideradas como extensão das tarefas já exercidas no lar: “trabalhos manuais,
sobretudo de agulha, como a costura, a tapeçaria, o bordado, o crochê e o tricô”

110
Segundo Margareth Rago, em 1901, já no início do século XX, na cidade de São Paulo, 49,5 %
dos trabalhadores da indústria têxtil era composto de mulheres e 22,79% de crianças, o que totalizava
72,74%. Ainda segundo a autora, muitas mulheres eram costureiras e completavam o orçamento
doméstico trabalhando em casa, às vezes até 18 horas por dia, para alguma fábrica de chapéu ou
alfaiataria” (2002: 581).

65
(MALUF & MOTT, 1999: 418). De maneira que, as tarefas exigidas das trabalhadoras
não fugiam das atribuições femininas definidas culturalmente, daí a presença feminina
nessa atividade111, ou seja, a atividade doméstica mudou somente de endereço.

Sindicatos e Política

O Boletim nº 10 faz considerações sobre a relação entre os sindicatos e a política


econômica do recém empossado Jânio Quadros. O editorial do número demonstra a
expectativa favorável em relação ao novo governo, pontuando que, possivelmente a
administração recém empossada fosse garantir o desenvolvimento econômico e a
estabilização monetária, fato que no número subseqüente muda de figura mediante a
análise da política cambial adotada pelo governo de Jânio Quadros, sobre a qual
discutiremos mais adiante.
O restante do mensário realiza um balanço da situação da política econômica de
1955 a 1960, indicando que no setor público houve uma ampliação dos serviços
públicos em geral e a criação de uma infra-estrutura para energia e transportes. Já o
setor privado registrou uma expansão do parque industrial e o surgimento de novos
ramos de atividade industrial, principalmente na área de bens de produção (maquinário
e produtos destinados ao emprego no processo fabril) e de bens duráveis (veículos). No
entanto, são apresentadas algumas ressalvas sobre os efeitos do crescimento
acelerado112, isto é, a política de industrialização adotada em 1953 113 e intensificada no

111
Maria Valéria Pena, em “Mulheres e Trabalhadoras – Presença Feminina na Constituição do
Sistema Fabril” (1981) sugere que estes ramos tinham distintos níveis de mecanização, apesar das longas
jornadas de trabalho, mas não exigiam tanto esforço físico como a metalurgia, que empregava homens
basicamente. Para os industriais, a alternativa de utilizar mulheres seria uma forma de contornar os custos
da imobilização de capital.
112
O editorial do Boletim nº7 ao analisar o processo inflacionário sugere que este contribuiu para o
aceleramento da industrialização, principalmente em razão de dois aspectos: a) financiamento de
investimentos que não poderiam ser suficientemente formados através de poupança interna; e b)
estimulação à procura por artigos industrializados. Nos dois casos, o processo inflacionário
corresponderia à antecipação da renda, pois o dinheiro foi posto em circulação antes de se concretizar a
produção. Dessa maneira, a inflação configurou-se como um processo não ortodoxo para se alcançar a
modernização (no sentido de desenvolvimento sócio-econômico).
113
Em meados de 1953, Horácio Lafer e Ricardo Jafet foram substituídos no Ministério da Fazenda
e no Banco do Brasil, respectivamente, por Oswaldo Aranha e Marcos de Sousa Dantas que, juntos
idealizaram a Instrução 70 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc). A Instrução 70
funcionava como um incentivo substancial ao processo de substituição de importações e embora não
tenha impedido que a situação financeira do país continuasse instável, possibilitou tornar as exportações
brasileiras mais atraentes para o mercado internacional, desencorajando as importações e protegendo a
indústria e a balança comercial, isto porque as taxas múltiplas (substituindo o câmbio subvencionado) de
câmbio atuavam de modo a não desencorajar demasiadamente as importações consideradas essenciais à

66
governo Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1961) que encetou um processo de
rápida industrialização, tendo como carro chefe a indústria automobilística. Todavia,
como bem ressalva o Boletim, o processo de industrialização não obedece a uma
“escala de prioridade” estabelecida partir dos interesses genuinamente nacionais. De
maneira que, a despeito da aura protecionista da Instrução 70 da Sumoc permaneciam
ainda,

[...] extraordinárias facilidades concedidas ao capital estrangeiro que


tem permitido a eles a obtenção de uma taxa de lucro simplesmente
fabulosa quando se compara com os padrões internacionais a esse
respeito. E essas facilidades têm sido incrementadas também por
contribuírem, num certo sentido, para promover o desafogo cambial,
mas cujos resultados mediatos e imediatos não são dos melhores
(Boletim do DIEESE, Ano 1, n. 10, fevereiro de 1961, p. 4).

Ainda no Boletim nº10 era apresentado um esboço do desenvolvimento


institucional do sindicalismo brasileiro. Para tanto, foi realizado um levantamento dos
dados, feito pelo Serviço de Estatística da Previdência e do Trabalho (SEPT), o qual
corresponde à apuração de questionários distribuídos pelo IBGE. Embora o SEPT tenha
divulgado somente os dados gerais do levantamento114, e apenas até 1958. Entretanto, a
partir dos dados é possível apreender a expansão institucional do sindicalismo
brasileiro:

Quadro IV*: Sindicato de empregados existentes no Brasil

industrialização. Para maiores detalhes sobre o período, consultar D'ARAUJO, Maria Celina. “A era
Vargas”. São Paulo: Moderna, 1997.
114
As minúcias do levantamento não eram disponibilizadas pelo SEPT, apenas os dados totais e
estes eram publicados no “Anuário Estatístico do Brasil”, editado pelo IBGE.

67
Ano Nº Ano Nº
1941 395 1950 1075
1942 643 1951 1096
1943 738 1952 1138
1944 815 1953 1196
1945 872 1954 1254
1946 938 1955 1300
1947 969 1956 1347
1948 1007 1957 1405
1949 1043 1958 1489

* Fonte Boletim do DIEESE, Ano 1, n. 10, fevereiro de 1961, p. 8

Do quadro acima podemos abstrair que, no período de 1941 115 a 1946 ocorreu
uma expansão da quantidade de sindicatos criados, devida – em muito – à “corrida de
sindicatos” ou associações profissionais recém-organizadas para conseguir
reconhecimento oficial junto à Justiça do Trabalho, atenuando a possibilidade de serem
enquadrados como subversivos pela Lei de Segurança Nacional 116 e sofrerem, no
processo, interventorias ou mesmo encerramento de suas atividades. No entanto, o
período posterior (1947-1951) é caracterizado justamente pela estagnação no
crescimento de novas entidades sindicais, ocasionada pelo artifício das intervenções
realizadas pelo Ministério do Trabalho. Já o período de 1952 a 1958 representa uma
crescente atividade industrial117, o ressurgimento de movimentos reivindicatórios e
recuperação de certa autonomia perante o Estado, favorecendo a ampliação do número
de sindicatos.
Sobre o interregno 1952 a 1958, cumpre-nos apresentar o contexto
administrativo-político que encadeou um significativo processo de expansão da
estrutura sindical: José de Segadas Viana, que havia chefiado a Divisão de Organização
e Assistência Sindical (1943), recebeu a pasta de Trabalho em 1951 e, durante o tempo
em que atuou como Ministro, Segadas Viana enfrentou, no início de 1953, uma série de
paralisações que culminaram na “Greve dos Trezentos Mil”, deflagrada em protesto
115
Data que marca a instituição da Justiça do Trabalho.
116
Promulgada em 1935.
117
De 1955 a 1959 o valor real da produção industrial cresceu 71% (Revista de Estudos Sócio-
Econômicos, Ano 1, n. 1, setembro de 1961, p. 22).

68
contra a perda do poder aquisitivo dos salários, conforme mencionamos previamente.
Nesse episódio, Segadas Viana ameaçou aplicar a Lei de Segurança Nacional contra os
grevistas, fato que abalou o Ministério do Trabalho e o governo varguista,
reconhecidamente de apelo popular (CHAIA, 1988; FAUSTO, 1997). De maneira que,
em junho do mesmo ano, Segadas Viana deixou a pasta, sendo substituído pelo então
presidente nacional do PTB, João Goulart118.
Entretanto, em 1954, após conceder um aumento de 100% ao salário mínimo,
motivando forte reação119 entre empresários e a imprensa120, Jango foi forçado a se
exonerar. De maneira que Jango foi substituído por Hugo de Faria, mas, apesar de
afastado do ministério, não perdeu sua influência sobre este órgão, uma vez que Vargas
não nomeou novo titular para a pasta. Hugo de Faria permaneceu como interino no
cargo, possibilitando a manutenção do poder de fato do ex-ministro, sem comprometê-
lo diretamente, segundo as próprias palavras de Hugo de Faria, “nunca dr. João Goulart
foi tão ministro do Trabalho como quando eu era ministro interino e ele (oficialmente)
não ocupava mais cargo nenhum” (MONIZ BANDEIRA: 1977).

Comércio exterior

Ao apresentar a configuração dos produtos exportados e dos produtos


importados pelo Brasil, o Boletim nº 11 tece severas críticas à política cambial do
governo de Jânio Quadros121. Inicialmente, o DIEESE põe em evidência a ineslaticidade
do mercado de produtos exportados pelo Brasil em relação aos produtos de origem
importada, que além de possuir elevada cotação no mercado internacional, requerem
maior quantidade de capital para a sua aquisição. Vejamos o Quadro V*, montado por
nós, a partir de informações encontradas no Boletim:
118
No final de março de 1954, o ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, foi instruído a preparar um
novo reajuste salarial, de acordo com a orientação econômica do governo de Getúlio Vargas. Aranha
então recomendou um aumento de 50%, o qual foi severamente criticado por Jango através de um artigo
publicado no “Correio da Manhã”, no qual reiterava a necessidade do aumento em 100%. Em
conseqüência, foi acusado de incitar os operários a realizar greves. Entretanto, no 1º de maio de 1954, em
seu discurso aos trabalhadores, Vargas anunciou a concessão do aumento de 100% do salário mínimo.
Concessão reconhecida como legal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) (MONIZ BANDEIRA, 1977).
119
Em fevereiro de 1954, o lançamento do chamado “Manifesto dos Coronéis”, documento
assinado por 82 coronéis e tenentes-coronéis em protesto contra a exigüidade de recursos destinados ao
Exército e a política salarial do ministro do Trabalho (FAUSTO, 1997).
120
Recordemos que Carlos Lacerda, principal opositor político de Vargas, era proprietário do jornal
Tribuna da Imprensa.
121
A elaboração da política cambial do governo de Jânio contou com a participação de economistas
de rígida formação clássica, quais sejam: Otávio Gouveia de Bulhões, Roberto de Oliveira Campos e
Eugênio Goudin.

69
Exportações Importações
Matéria Prima Gêneros Produtos essenciais Artigos
Alimentícios em bruto ou semi- industrializados
Algodão Cacau X elaborados
Minério Café Trigo
Couro Banana Petróleo Bens de produção
Óleos Laranja diversos
Papel
Madeiras Mate

* Fonte Boletim do DIEESE, Ano 1, n. 11, março de 1961, p. 1.

A orientação da política de comércio exterior do governo de Jânio Quadros, a


fim de reduzir os déficits da balança de pagamentos segue dois eixos principais para
equilibrar a balança: primeiramente oferecer incrementos à exportação e reduzir as
importações, o segundo eixo é fomentar a indústria de bens de produção a fim de
substituir o produto importado pelo nacional, ideário em conformidade com o slogan
“exportar a qualquer custo”, de Luca Lopes, Ministro da Fazenda.
Em relação ao primeiro eixo, o Boletim alerta para as necessidades de consumo
criadas. Segundo o mensário, a medida da política cambial (aumentar os preços dos
produtos importados) de Quadros, para forçar o brasileiro a consumir o produto interno,
provocaria uma elevação do custo de vida da população. O que, em um segundo
momento, ocasionaria uma retração do consumo que, por sua vez, resultaria em um
processo de estagnação do desenvolvimento econômico.
O último número do Boletim apresenta o seu substituto, a Revista de Estudos
Sócio-Econômicos, que além de manter as matérias que o Boletim já divulgava tem a
colaboração, na forma de artigos, de diversos intelectuais especialistas nos temas
relativos à categoria trabalho (Previdência Social, Direito Trabalhista entre outros).

3.6 “Revista de Estudos Sócio-Econômicos”

Mais elaborada do que os “Boletins”, a Revista de Estudos Sócio-Econômicos


(RESE) é uma publicação que, além de dados da própria instituição, contava com
artigos de colaboradores do meio universitário e trabalhista. Até fevereiro de 1963
foram editados doze números, representando uma média de 58,3 páginas por edição. Em
maio do mesmo ano ainda foi editado um número especial sobre o universo rural, e até
abril de 1966 não foi editada qualquer publicação. O ambiente político adverso da

70
época, o golpe militar de 1964, com a intervenção do governo na maioria dos sindicatos
associados, criou ainda mais dificuldades para a sobrevivência da entidade, tornando a
pesquisa e, consequentemente, a divulgação inaplicáveis122. Na presente dissertação
apresentaremos as temáticas abordadas nos primeiros três números da revista.
O primeiro número da Revista traz Colaboração Especial de Azis Simão, com o
artigo “Funções do Sindicato na Sociedade Moderna Brasileira”, um estudo Especial de
José Albertino Rodrigues sobre a “Situação Econômico-Social da Classe Trabalhadora”
e um artigo sobre o Direito do Trabalho, “Legislação Trabalhista para o Trabalhador
Rural”, de Rio Branco Paranhos. O número traz, também, informações sobre o
DIEESE: “Estrutura e Funcionamento do DIEESE” e um exame retrospectivo sobre os
“Boletins”, além de, como em todos os números, apontar os Índices Sócio Econômicos.

“Funções do Sindicato na Sociedade Moderna Brasileira”

O artigo de Azis Simão, ao distinguir os movimentos operários do período


antecessor e do posterior à Segunda Guerra Mundial procura oferecer um quadro sobre
a evolução do sindicalismo brasileiro – tanto no que se refere aos aspectos políticos das
entidades como no desenvolvimento da consciência de classe no interior do movimento
operário, desenvolvimento esse que possibilitou a noção de que o sindicato, ao
proporcionar aos assalariados a idéia de que a eles cabiam novos direitos, buscou
promover a criação de uma consciência jurídica entre os trabalhadores. Tal movimento
organizou-se de maneira a engendrar – no plano político – a compleição da
representação sindical nos órgãos da administração pública.
Lançamos mão de uma longa citação com o intuito de apresentar a análise do
sociólogo Azis Simão sobre as circunstâncias a que eram relegados os trabalhadores no
período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial:

[...] As longas jornadas de trabalho, mesmo para mulheres e crianças,


que iam de 10 a 14 horas, sem remuneração extraordinária; os salários
baixos e desiguais para a mesma tarefa, segundo o sexo e a idade; as
condições sanitárias dos serviços; os acidentes sem indenizações;
multas e maus tratos aos transgressores das disposições disciplinares;
as dispensas sem aviso prévio; a inexistência de assistência e pessoas
tornadas inválidas eram fatos que levaram a desajustamentos e
conflitos nas relações de produção. Os atritos individuais e as greves

122
O Departamento voltaria a publicar somente em maio de 1966, através de um folheto, quase
sempre resumido a apenas uma página, intitulado “DIEESE em Resumo”.

71
espontâneas verificadas desde o começo do século atestavam a
inadequação de tal regime à organização industrial. As associações
operárias, organizadas nos moldes dos sindicatos europeus, tiveram a
função de promover a resistência do proletariado àquela situação que
tendia a reduzi-lo ao pauperismo material e moral. Orientaram elas os
desajustamentos para formas organizadas e ação; estudaram as
condições de vida da população assalariada e elaboraram programas
de reivindicação imediata (7-8).

O sindicato como instituição, no período posterior à Segunda Guerra Mundial,


procurou contribuir para a propagação da idéia da necessidade de propulsionar a
industrialização, a autonomia econômica do país e a consciência de classe. Esta última,
em razão do contínuo êxodo rural-urbano que, segundo o autor, atomizava a
representação coletiva dos interesses comuns de classe, posto que “os trabalhadores
descendentes das mais antigas populações das áreas industriais, que tinham
permanecido à margem das atividades sindicais, receberam a legislação trabalhista
como uma dádiva do Estado” (11). Destarte, cumpria ao sindicato a função política de
promover a consciência jurídica de classe, ação essa que contribuiria para dar
uniformidade ao comportamento dos trabalhadores urbanos diante do patronato.
Em linhas gerais, de acordo com o artigo de Simão, o sindicato constitui-se em
uma instituição surgida a partir da necessidade de adequar regimes de trabalho e
Previdência Social às diferentes fases do desenvolvimento industrial, todavia tais
adequações não poderiam ser alcançadas sem que os trabalhadores constituíssem seus
órgãos de atuação no bojo da dinâmica das relações entre as classes sociais. Por outro
lado, as próprias condições sócio-econômicas direcionariam a instituição ao
desempenho de funções que, ideologicamente, não lhe seriam atribuídas, isto é, o nível
funcional, que segue duas vertentes: a “função atribuída” e reconhecida socialmente que
é a de representar, junto à classe patronal, as demandas dos trabalhadores; e a segunda
vertente: a “função exercida”, além da representação coletiva (perante Estado e
Empresa) que busca promover a consciência jurídica da classe laboral e, com isso,
elaborar uma política específica à reformulação da legislação trabalhista.
O artigo de Simão ainda aponta que, a insuficiência de análises objetivas – no
meio universitário brasileiro – sobre o sindicalismo, relaciona-se ao fato de que “as
pessoas que participavam desse tipo de atividades associativas – mesmo os intelectuais
– não estavam preocupadas em historiá-las, mas empenhadas em promovê-las” (5). No
entanto, a transição da economia agrária para uma economia de cunho industrialista
provocou – em largo alcance – a percepção da crescente importância do voto operário

72
que, na medida em que os sindicatos foram oficializados pelo Ministério do Trabalho.
Ou seja, para Simão a compreensão da significância do voto operário na balança
eleitoral originou a elaboração – ainda que acanhada – de estudos estatísticos, ensaios,
depoimentos e relatos sobre o sindicalismo, analisados pelas universidades.

“Situação Econômico-Social da Classe Trabalhadora”

O artigo de José Albertino Rodrigues explora a discussão sobre as distintas


características das condições sociais e de direitos trabalhistas a que se encontram
submetidos trabalhadores das zonas rurais e trabalhadores urbanos.
O texto do sociólogo aponta que, apesar do seu crescimento acelerado, a
população brasileira123 ainda não se apresenta em número suficiente para ocupar e
explorar a maior parte do território, tanto que a área dos estabelecimentos agrícolas,
utilizadas para lavoura e pastagens, representa apenas 15% do território nacional que, no
entanto, detém 51% da força de trabalho brasileira. O artigo aponta ainda que as
conquistas sociais como obrigatoriedade do salário mínimo, benefícios do seguro social
e da assistência médico-odontológica124 são desconhecidas pela massa trabalhadora, cuja
situação é agravada pelo fato de que a fiscalização do trabalho é exercida
exclusivamente pelos agentes do patronato rural. De maneira que,

[...] o trabalhador rural carrega ainda o pesado fardo representado pela


herança da escravidão, ao qual se negam os mais elementares direitos
e de quem se exige o máximo, em troca exclusivamente daquilo que
lhe permite sobreviver para o desempenho de suas tarefas e dos
pesados encargos de uma família comumente numerosa (21).

Em contrapartida, no setor industrial, as condições de trabalho são peculiares de


uma economia em desenvolvimento: embora percebam-se burlas no cumprimento da

123
Segundo análise dos dados do Censo de 1960, realizado IBGE, a Revista coloca que: no começo
do século XX, eram cerca 18 milhões de indivíduos que ocupavam o território nacional, já em 1950 o
número havia alçado a 52 milhões e, em 1960 atingiu a marca de 65 milhões de pessoas (Revista de
Estudos Sócio-Econômicos, Ano 1, n. 1, setembro de 1961, p. 17).
124
Vejamos alguns exemplos da Consolidação das Leis do Trabalho, mas que não eram
devidamente aplicados: salário mínimo – “Art. 76. Salário mínimo é a contraprestação mínima devida e
paga diretamente a todo trabalhador inclusive ao trabalhador rural, sem distinção de sexo, por dia normal
de serviço, e capaz de satisfazer, em determinada época e região do país, as suas necessidades normais de
alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte” (49); férias anuais remuneradas – “Art. 129. Todo
empregado terá direito anualmente ao gozo de um período de férias, sem prejuízo da remuneração” (53);
e regulamentação do pagamento de salários – “Art. 506. No contato de trabalho agrícola é lícito o acordo
que estabelece a remuneração in natura, contanto que seja de produtos obtidos pela exploração do
negócio e não exceda de 1/3 (um terço) do salário total do empregado “(135). (BRASIL: 1993).

73
legislação trabalhista, paulatinamente a mão de obra industrial obteve garantias como o
salário mínimo, reconhecimento dos direitos de sindicalização e greve, estabilidade e
segurança no emprego, seguro e assistência social, repouso semanal remunerado,
jornada de 8 horas de trabalho, aposentadoria por invalidez e tempo de serviço etc. Ou
seja, a classe trabalhadora urbana dispõe de condições de trabalho que, embora não
sejam plenamente satisfatórias (em virtude de algumas garantias não serem aplicadas),
sobrepõem-se àquelas vivenciadas pelos trabalhadores do campo.
Partindo da compreensão de que até meados da década de 1950 ainda
predominavam relações pré-capitalistas de produção na estrutura agrária brasileira,
Albertino Rodrigues pondera que, como grande parcela da mão de obra urbana veio das
zonas rurais, certas formas de comportamento diante da classe patronal subsistiam, e
somente seriam transformadas na medida em que a consciência de classe fosse
fortalecida em virtude das condições em que o trabalho industrial se desenvolve (23-
27). A respeito desse cenário, Albertino Rodrigues traça um paralelo com a “teoria do
poder compensatório125“, de John Kenneth Galbraith. Segundo essa teoria, em grandes
companhias, o operário ao se perceber “manietado e isolado” procuraria constituir um
equilíbrio de forças dentro do sistema capitalista (“teoria do poder compensatório”),
esse equilíbrio seria engendrado por uma organização disposta como um canal
institucionalizado, com a função de servir tanto de proteção, como de reivindicação,
representando a voz coletiva dos trabalhadores, ou de maneira mais objetiva: o
sindicato.

“Legislação Trabalhista para o Trabalhador Rural”

O artigo do advogado trabalhista, Rio Branco Paranhos, torna mais concretas as


preocupações de Albertino Rodrigues sobre o trabalho no campo e tece inúmeras
considerações e críticas à legislação trabalhista rural e aponta a existência de alguns
projetos de lei sobre a matéria.
Apesar da existência do decreto-lei 7.038 (10 de novembro de 1944) garantir o
direito de sindicalização aos trabalhadores rurais, na prática a resistência conservadora
impedia que os sindicatos rurais fossem legalizados 126 (MOREIRA: 1998). E, segundo
125
GALBRAITH, John Kenneth. “A teoria do poder compensatório”. In: Capitalismo. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1966.
126
Até 1955 apenas cinco sindicatos rurais haviam sido reconhecidos pelo Ministério do Trabalho
(MOREIRA: 1998).

74
Paranhos, se o operariado industrial, através de congressos e lutas reivindicatórias
conseguiu ampliar seus direitos e conquistas, o mesmo poderia ser levado aos
trabalhadores do campo. O advogado indica algumas tentativas de parcela do Congresso
Nacional, nesse sentido: o “Diário do Congresso Nacional” (seção I), do dia 4 de
setembro de 1956 trouxe publicados quatro projetos de lei que visavam estender o
regime jurídico da CLT ao trabalhador rural. Entretanto, de acordo com Paranhos os
projetos se assemelhavam: “uns mais reacionários que os outros” (34). Todavia, embora
sejam realizadas duras críticas à legislação e ao corpo do Congresso, as mesmas não
correspondem à análises mais aprofundadas do autor, isto é, o texto não traz exames
sobre o conteúdo dos projetos127.
O segundo número da RESE traz um Editorial sobre os “Problemas do Governo
e Problemas do Povo”, a Colaboração Especial “O Problema da Insalubridade no
Trabalho”, de Manoel Rocha Carvalheiro, um estudo especial: “O Consumo da Carne
na Cidade de São Paulo”, de Lenina Pomeranz, e artigos sobre Direito do Trabalho,
intitulado “Salário-Família”, de Mário Carvalho de Jesus, e Previdência Social, sob o
título “A Evolução da Previdência Social” (não assinado). O número apresenta ainda o
Noticiário Sindical – “Acordos Salariais no Segundo Semestre” e Índices Sócio-
Econômicos – “O Custo da Alimentação na Cidade de São Paulo”.
O Editorial expõe a nova configuração da situação político-administativa
brasileira, inaugurada pela implementação do sistema parlamentarista de governo 128.
Segundo o Editorial, o Gabinete do Primeiro-Ministro Tancredo Neves:
[...] tem se mostrado parcimonioso e débil em apresentar planos e,
quando os apresenta, fá-lo de maneira tímida, pouco afirmativa e
muito superficial (...) [O] Parlamento, diretamente responsável pelo
Gabinete que se compôs, também está se omitindo e não tem
cumprido a sua função na estrutura política vigente (3).

A crítica do Editorial relaciona-se ao retrospecto histórico que indica a adoção


de medidas político-administrativas precárias face aos problemas nacionais, isto é, a
ausência de compreensão da inescapável distância entre o Brasil real do Brasil legal

127
Em 1961, foi apresentado e aprovado na Comissão de Finanças um substitutivo a um dos quatro
projetos de leis mencionados. O substitutivo, de autoria do Deputado Geraldo Guedes, além de definir o
trabalhador rural, dispunha sobre a carteira profissional – conferindo a atribuição ao Ministério do
Trabalho e da Previdência Social (anteriormente era atribuição do Ministério da Agricultura e do Serviço
Social Rural). No tocante ao julgamento dos dissídios, o substitutivo optou pela Justiça do Trabalho, ao
invés de buscar a instituição de uma Justiça do Trabalho Rural. (Revista de Estudos Sócio-Econômicos,
Ano 1, n. 1, setembro de 1961).
128
A experiência do governo de gabinete durou de setembro de 1961 a janeiro de 1963, quando um
referendo popular determinou o retorno ao presidencialismo.

75
(VIANNA: 1987) ou, em outras palavras, as razões para que “consciência possível” não
tenha efeito na “consciência real” (GOLDMAN: 1972), como podemos perceber pelo
retrospecto que o Editorial da RESE aponta. Vejamos:

[...] D. João VI introduziu uma legislação avançada e mesmo ousada,


que não saiu do papel, pois não fora elaborada de acordo com a nossa
própria realidade. D. Pedro I, proclamado rei do Brasil em 1822,
inaugurou um regime imperial, também corpo estranho ao nosso
ambiente e que manteve em grande instabilidade por quase 20 anos.
De 1840 até 1889 manteve-se um regime monarco-parlamentarista
que, afinal, caiu por terra, pois não fora capaz de resolver os grandes
problemas que a nação enfrentava. Tentou-se, então o regime
republicano-presindecialista, marcado por fases de maior ou menor
estabilidade e que acaba de ser modificado. (1)

“O problema da Insalubridade no Trabalho”

A partir de uma construção histórica, o artigo do engenheiro Manoel Carvalheiro


coloca como a questão da insalubridade foi tratada pela legislação internacional e
nacional. Primeiramente, aponta que apenas em 1700129 surgiu um estudo científico
sobre as enfermidades decorridas das atividades laborais. Contudo, somente um século
após os estudos de Ramazzini, em 1802, é que foi aprovada – no Parlamento Inglês – a
primeira lei sobre a jornada de trabalho 130. Mas somente em 1934, na 18ª Sessão da
Confederação Geral das Organizações Internacionais do Trabalho (OIT) é que foram
reconhecidas uma série de doenças como oriundas do trabalho. Porém, no Brasil, apenas
em 1947, através da Portaria nº 9 da CLT, foram aprovadas as relações dessas doenças e
o pagamento adicional sobre o tipo de atividade insalubre. Isto é, foram definidos níveis
de insalubridade para cada atividade: máximo, médio e mínimo e, cada nível
corresponde a um acréscimo no salário: 40%, 20% e 10% respectivamente 131 (a
porcentagem é referente ao salário mínimo). De maneira que Carvalheiro aponta várias
deficiências no cumprimento da legislação brasileira e da própria legislação:

[...] Como parte dos empregadores não paga a taxa de insalubridade, a


luta operária é no sentido de exigir esse pagamento. O problema,

129
Considera-se como precursora da sistematização das enfermidades, a pesquisa do italiano
Bernardino Ramazzini. Para maiores detalhes sobre essa matéria, ver: COSTA, Hertz Jacinto. Manual de
Acidente do Trabalho. Paraná: Juruá Editora, 2006.
130
A lei proibia o trabalho noturno para crianças e limitava a 14 horas o seu período de trabalho
(Revista de Estudos Sócio-Econômicos, Ano 1, n. 2, outubro de 1961, p. 5).
131
Achamos interessante apontar que os valores e sua relação com a porcentagem do salário
mínimo ainda vigem. Ver Art. 192 da CLT (BRASIL: 2003).

76
assim está mal colocado. Mesmo que todos os trabalhadores
recebessem a taxa de insalubridade a que tem direito, o problema não
estaria solucionado. A reivindicação deve ser orientada no sentido da
eliminação das condições de insalubridade e da redução da jornada de
trabalho. O pagamento da taxa de insalubridade é feito sobre o salário
mínimo, o que significa um acréscimo insignificante das despesas do
empregador. A maioria prefere pagar a taxa, a introduzir processos de
proteção nas suas indústrias (...). Os graus máximo, médio e mínimo
são estabelecidos sem nenhum critério científico de medida. (...) [E] é
importante estabelecer uma relação entre tempo de exposição (jornada
de trabalho) e a concentração de tóxicos em cada ambiente insalubre
(6-7).

Neste sentido, Carvalheiro sugere duas medidas fundamentais para dar


condições ao trabalhador de efetuar seu ofício de maneira salubre, a saber: aumento de
salário, segundo o nível de insalubridade e fornecimento de alimentação adequada132.
Outras medidas que poderiam ser tomadas: a) lavar as mãos e rostos antes das refeições,
mas sem que o tempo necessário seja descontado do intervalo normal para o almoço ou
jantar; b) banho após o serviço133, visto que o cabelo é depositário dos suspensóides
existentes no local de trabalho; c) armário duplo, um para as vestes normais e outro para
as de serviço, pois as roupas também são depositárias de suspensóides; d) não comer
nem fumar durante o serviço; e) limpeza de assoalhos sem o levantamento de poeira;
colocação de exaustores que removam os pós e fumos tóxicos; f) máquinas e aparelhos
fechados com isolamento completo das partes nas quais os tóxicos podem ser liberados;
g) medida de temperatura e de umidade; h) serviço médico contínuo, com a realização
de exames específicos sobre cada doença profissional; e i) especializar um médico nas
doenças profissionais de cada categoria, tal serviço deveria ser financiado pelos
empregadores ou pelos institutos de previdência.

“O Consumo de Carne na Cidade de São Paulo”

O Estudo Especial realizado a partir das pesquisas que a economista Lenina


Pomeranz empreendeu para o Departamento Intersindical, é considerado um marco nas
publicações do DIEESE ao estabelecer mudanças no padrão de consumo de carne
(bovina) em São Paulo.

132
“Existem fábricas que fornecem leite aos operários que trabalham em lugares insalubres. Assim,
com um ou dois copos de leite diários, fica lavada a consciência. Pouco importa se assim se assegura ou
não a proteção ao operário. Mesmo nos casos em que o leite é contra-indicado, ele é fornecido (...) [Nas
indústrias], o que se pode constatar é que ‘alimentação adequada’ passou a ser sinônimo de leite para os
nossos empregadores” (9).
133
Aliás, como preconizava o art. 182 da CLT.

77
Segundo a análise de Pomeranz a produção alimentar reflete, em alguma
medida, o processo de desenvolvimento econômico: no empenho em atender a expansão
da demanda, determinada pela evolução industrial e o crescimento dos centros urbanos,
a produção de itens alimentícios sofreu a elevação de 180% de 1940 a 1960, elevação
essa sensivelmente maior do que o crescimento populacional verificado nesse período
(70%). Contudo, para a economista, tal fato não deve ser compreendido como de
correlação à melhoria no padrão alimentar da população brasileira. No caso do rebanho
bovino, por exemplo, foi verificado o aumento de 34.392.000 de cabeças existentes em
1940, para 46.089.000 em 1950, e se estima para 1960 um total de 72 milhões de
cabeças, isto é, praticamente um bovino para cada habitante do país, como podemos
observar no Quadro VI*, abaixo:

Aumento da produção de alguns dos principais produtos agropecuários da alimentação:


Produtos1940-501950-601940-60%%%Arroz13379316Batata
inglesa48228385Feijão8233142Milho242859Trigo276148831Cana de
açúcar28150219Carne bovina392777Leite5069154Ovos64170341 * Revista de
Estudos Sócio-Econômicos, Ano 1, n. 2, outubro de 1961, p. 13.
(Fonte dos dados brutos: Desenvolvimento & Conjuntura. Ano V, nº7 (julho de 1961).

O decênio compreendido entre 1940/50 apresenta um comportamento


ascendente de consumo, interrompido apenas no interregno em que ocorreu a Segunda
Guerra Mundial. Os dados dispostos indicam que o preço nominal da carne se manteve
constante de 1947 a 1948 e os aumentos decorrentes não foram suficientes para alcançar
o ritmo inflacionário, determinando uma queda real no preço entre 1940 a 1950 de
8,9%. No decênio seguinte, podemos notar um processo descensional de consumo (o
consumo individual diário em 1955 atingiu 104,5 gramas e em 1960 baixou para 86,4
gramas). Analisando o consumo global, essa queda não ganhou expressividade, ao
contrário, em 1960 houve uma ascendência na produção de carne (2,4%). Contudo, esse
incremento relacionado ao aumento vegetativo da população de São Paulo (7,6% ao
ano) aponta uma discrepância na tese de que o consumo de carne sofreu elevação. Em
outras palavras, “o crescimento do consumo não acompanhou o crescimento da
população, aumentando o ‘déficit’ antes existente, em relação à quantidade mínima de
consumo recomendada” (16), isto é, 200 gramas por indivíduo (diariamente), segundo a
Comissão de Bem Estar Social em 1952.
Pomeranz indica como alguns dos fatores primordiais para a crise de
abastecimento de carne, os seguintes elementos: a) “acúmulo de agentes intermediários”

78
(criador, invernista, frigorífico e açougueiro134); b) “condições de formação do preço da
carne” – considerando a estrutura de mercado descrita na nota de rodapé nº132, a
formação do preço da carne resulta da segunda equação: custo do bezerro + lucro do
criador + custo da criação da carne verde 135 + lucro do re-criador136 + custo da engorda +
lucro do invernista + custo da transformação industrial da carne + lucro do frigorífico +
custo do transporte para os açougues 137 + despesas comerciais dos açougueiros + lucro
do açougue; e c) “Baixa produtividades nas diversas atividades intermediárias” – isto é,
transporte do gado vivo das invernadas para os locais de abate e não racionalização do
processo de abate, com perda quase total dos subprodutos.
De maneira que, segundo esse quadro, Pomeranz conclui que o cenário
apresenta uma nova administração científica para o mercado de carne, organizada a
partir da promoção da integração produtiva e da eliminação dos intermediários,
resultando na concentração do mercado de carne a alguns grupos econômicos, infligindo
ao preço da carne uma elevação e, por conseguinte, afastando ou diminuindo o consumo
por parte da massa assalariada.

“Salário-família”

Representando a heterogeneidade do meio sindical, o artigo “Salário-família”


nos expõe – ainda que superficialmente – o momento em que a racionalidade técnica é
ainda “combatida” pela proposição de uma solidariedade “anti-mercado”. O artigo em
questão segue a linha da trajetória pessoal do autor, o advogado Mário Carvalho de
Jesus. A vida de Carvalho de Jesus entrelaça movimento sindical (fundo Frente
Nacional do Trabalho, FNT) e militância cristã (foi membro da Juventude Universitária
Católica, JUC). Segundo essa combinação, não nos causa estranheza que o artigo defina

134
“O criador se encarrega da cria do bezerro para vendê-lo como boi ‘magro’ ao invernista (...). O
invernista se encarrega da engorda do gado até o período da matança, quando o transaciona com o
marchante ou frigorífico. Este, dispondo de instalações apropriadas, processa toda a industrialização do
boi, aproveitando a carne e todos os seus sub-produtos” (18), o próximo passo é a revenda dos frigoríficos
aos açougues.
135
Por carne verde compreende-se o gado cujos sistemas de produção não utilizam hormônios ou
antibióticos como promotores de crescimento, e que fazem uso mínimo de compostos químicos, nos
processos de produção. Outro ponto é que o “boi verde” é criado predominantemente a pasto e não em
confinamento.
136
Às vezes há ainda o re-criador como intermediário entre o criador e o invernista; exercendo as
mesma funções do criados, as quais se restringem à produção e venda dos bezerros novos.
137
O gado abatido em São Paulo é oriundo, principalmente de Goiás, Mato Grosso e Triângulo
Mineiro, Alta Sorocabana e Alta Paulista, Anglo (Barretos) (19).

79
“salário justo” como o “salário vital, isto é, o necessário para cobrir as despesas do
trabalhador e sua família” (26), tal salário deveria ser pago por uma “empresa calcada
em princípios da doutrina cristã” (27). Além do teor cristão do texto, o advogado aponta
a existência de um projeto para a implementação do salário-família (“abono familiar”),
cujo pagamento ocorreria não pelos empregadores, mas através da previdência social.

“Evolução da Previdência Social”

O artigo, não assinado, procura historicizar as formas de previdência anotadas ao


longo da História. Principia apontando que, já em 1845, as Ordenações Prussianas
previam a criação de Caixas de Previdência (municipais). Mas foi durante o Iº Reich
que se promulgaram as três leis que constituíram o ponto de partida da previdência
social moderna, quais sejam: lei da enfermidade (1883), lei dos acidentes (1884) e a lei
da velhice e invalidez (1889). Nos 50 anos subseqüentes foram desenvolvidos – em
outros países – diversos formatos de seguro social. Inspirados no modelo alemão, esses
formatos procuravam abranger os seguintes aspectos:
a) seguro-enfermidade e aposentadoria;
b) seguro de acidentes de trabalho;
c) seguro-desemprego, “em 1935 existia apenas em seis países, sendo mais conhecido o
da Inglaterra” (31);
d) salário-família, existente apenas na França e na Bélgica, em 1935; e
e) regimes especiais de aposentadoria para determinadas categorias profissionais que
apresentavam grau de periculosidade ou insalubridade.

No período que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, foram adotadas novas


normas no campo da seguridade, que visavam a extensão do seguro social a toda a
população. Em 1948, a Declaração dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia
Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), consagrou o direito à seguridade
social, objetivando “a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais
indispensáveis à sua [do homem] dignidade e ao livre desenvolvimento da sua
personalidade” (32).

“O Seguro Social no Brasil”

80
O artigo assinala três fases na evolução do seguro social no Brasil: o período de
formação (1923 a 1931); o período de expansão (1931-1960); e o período de
consolidação (1960).
O período de formação é marcado pela “Lei Eloy Chaves” (nº 4.682, de
24/01/1923), que criou as Caixas da Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários,
caracterizando-se pela obrigatoriedade das contribuições e universalidades dos
benefícios, dentro do limite mínimo de 6 anos de serviço. Além de conceder assistência
médica, aposentadoria por tempo de serviço, por idade e invalidez, bem como pensão
aos herdeiros. A Lei nº 5.109, de 20/12/1926, introduziu algumas modificações e
estendeu seu campo de ação aos portuários e marítimos. A Lei nº 5.485 (30/06/1928)
estendeu as Caixas aos telegrafistas. O Balanço da Primeira República registra a
existência de 47 Caixas de Aposentadoria e Pensões, com 142.464 segurados ativos e
atendendo 8.009 aposentados e 7.013 pensionistas.
O período de expansão é caracterizado pela criação do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio (1931), cuja atribuição primordial referendava-se à organização do
trabalho e previdência social. Neste período o sistema de Caixas decresce
paulatinamente, até que em 1954 foram todas agregadas em âmbito nacional em uma só,
a Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Funcionários e Empregados em Serviços
Públicos, denominada posteriormente Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
Funcionários e Empregados em Serviços Públicos.
O período de consolidação pode ser representado pela promulgação da Lei
Orgânica da Previdência Social (nº 3.807, de 26/08/1960) e regulamentada pelo Decreto
nº 48.959-A (19/09/1960) que possui um dispositivo que prevê a possibilidade de
estender seus benefícios aos trabalhadores rurais e domésticos.
O terceiro número da RESE apresenta o Editorial “Orientações na Política
Econômica Federal”, a Colaboração Especial “Administração de Salários - Realidade
científica sujeita a mistificações”, de José Serson, o artigo acerca da Previdência Social
intitulado “O Seguro Social Contra Acidentes de Trabalho”, de autoria de Luiz Roberto
de R. Puech, o Estudo Especial – “Padrão de Vida na População Brasileira”, de José
Albertino Rodrigues. A edição ainda tem o Noticiário Sindical, Boletim Internacional e
os Índices Sócio-Econômicos.
O Editorial faz uma crítica ao programa de desenvolvimentismo do Conselho de
Ministros do governo. Segundo o texto, o programa pretendia atingir os seguintes
objetivos: aumento da taxa de crescimento do Produto Nacional Bruto; absorver a mão

81
de obra subempregada; diminuir a desigualdade na distribuição de renda; alcançar
razoável estabilidade de preços; suprimir o desequilíbrio da balança de pagamentos
(“exportar mais, importar menos”); e corrigir as deformações estruturais, isto é,
“reforçando e adaptando o setor industrial à necessária estrutura de emprego e
aumentando substancialmente a produtividade agrícola. Para isso, admite que o
investimento rural terá de ser aproximadamente o equivalente a 52% do investimento
urbano” (2). Já as medidas para combater a elevação do custo de vida seguem três eixos:
monetário, reforma agrária e aplicação dos Poderes do governo e os que o Congresso
lhe conceder.
A crítica que o Editorial traz não se refere ao Programa em si, mas à realidade
das proposições, isto é, o Programa é colocado mais como uma carta de princípios do
que um conteúdo programático de realizações possíveis. Novamente a crítica está
referida à não correspondência do legal com o real (VIANNA: 1987).

“Administração de salários – realidade científica sujeita a mistificações”

O artigo do advogado José Serson promove considerações sobre os critérios a


serem definidos para o processo de remuneração do trabalho a partir de categorias
profissionais. Ou seja, empreende a princípio uma preocupação já anotada pelo
“Boletim do DIEESE” nº4 a respeito da descrição, classificação e função do cargo
ocupado pelo trabalhador. Segundo Serson, para se levar a efeito a remuneração
compatível com o cargo ocupado, após a classificação do cargo devem ser realizadas
pesquisas para averiguar o “valor comunitário”, em outras palavras, “a empresa não
pode remunerar nem muito mais nem muitos menos que as outras”. Porém, o advogado
salienta ainda, que a remuneração deve atrair os empregados para que estes sejam
estimulados em seu ofício: “veste-se o conjunto de dinheiros de cada cargo com uma
roupagem que os tornem desejados, de tal forma que não apenas retribuam o trabalho,
mas estimulem o seu exercício” (10).

“O seguro social contra acidentes de trabalho”

82
O advogado Luiz Roberto Puech orientou seu artigo a fim de explicar a evolução
da seguridade social e da aplicação do seguro relacionado aos acidentes de trabalho.
Realizando uma contextualização histórica (nacional e internacional), Puech nos aponta
que, as sociedades de socorro mútuo representaram a gênese do seguro de acidentes
relacionados ao trabalho. O artigo procura estabelecer a necessidade da seguridade
social, em contrapartida do “mercado privado” que possibilitava ao empregador “alegar
circunstâncias que dirimissem ou atenuassem a [sua] responsabilidade” (17) e ao
mercado privado “comerciar com o infortúnio alheio” (20). Desta forma, para o
advogado, a diligência em cobrir os riscos e as contingências inevitáveis do trabalho
somente poderiam ser incumbência da Previdência Social.

“Padrão de Vida da População Brasileira”

Enquanto o nível de vida de um determinado contingente populacional


corresponde ao total de bens e serviços consumidos, o padrão de vida corresponde à
estrutura do orçamento familiar. Isto é, o nível de vida representa a quantidade de
produtos consumidos, já o padrão de vida reflete o poder aquisitivo de uma dada
população. No nível de vida considera-se o consumo em termos globais, enquanto o
padrão de vida considera as unidades sociais básicas, que são as famílias.
Conforme expusemos anteriormente, em 1958 os sindicatos decidiram calcular
um índice que retratasse o custo de vida dos trabalhadores paulistanos. Para tanto,
realizou-se uma pesquisa de padrão de vida, no município de São Paulo, que permitiu
identificar uma família padrão representativa dos associados a sindicatos de
trabalhadores (operários e empregados) e o conjunto de itens consumidos mensalmente,
nas respectivas proporções, por essa família, procedendo-se, então, ao cálculo da
evolução mensal do custo dessa cesta de consumo138. O objetivo imediato da pesquisa
era refletir a mensuração da estrutura do orçamento doméstico das famílias assalariadas
para estabelecer uma nova ponderação para o cálculo do nosso índice do custo de vida.
Como precondição para o cálculo do custo de vida das famílias de cada estrato
de renda e da média da população como um todo, é preciso identificar qual a estrutura
do consumo de cada um desses estratos, combinando as informações obtidas com as
relativas aos rendimentos dessas famílias - o que deve ser interligado com a
138
Rodrigues aponta o precursor das pesquisas sobre o padrão de vida de operários, Fredéric Le
Play, com a obra “Os operários europeus”, como referência metodológica para as investigações
comparativas entre a receita e despesa doméstica.

83
determinação dos limites que distinguem os estratos uns dos outros. Portanto, ao mesmo
tempo em que a pesquisa levanta dados sobre os orçamentos familiares, é necessário
produzir também informações sobre o perfil dessas famílias e de seus rendimentos e
gastos. Daí a utilização dos questionários e das cadernetas, como vimos anteriormente.
O artigo de José A. Rodrigues, “Padrão de Vida da População Brasileira”, possui
um caráter notadamente metodológico, procurando apresentar os métodos de aferição
para a formulação da pesquisa sobre o custo de vida da classe trabalhadora.

Métodos de aferição

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabeleceu os seguintes


conceitos fundamentais para a realização de pesquisas sobre padrão de vida:

a) nível de vida: conjunto de bens e serviços efetivamente consumidos, aferido através


da contagem de bens e serviços oferecidos ao consumo da população;
b) nível de consumo: combinação de bens e serviços preconizada por especialistas,
artigos importantes para a alimentação, vestuário e serviços de grande magnitude
(energia elétrica, por exemplo); e
c) padrão (standard) de vida: apurado mediante a análise da receita e despesas das
unidades familiares139.

Albertino Rodrigues aponta dois métodos de investigação para mensurar o


padrão de vida: “método de questionário”, que consiste em visitar as famílias
selecionadas e levantar, a posteriori, os dados a respeito da receita e despesa dessa
família (referentes a um mês); e o “método de caderneta”, que consiste em entregar às
famílias uma caderneta, onde a família deve anotar diariamente a receita e as despesas
(referentes a um mês). Como vimos anteriormente, o DIEESE utilizou a junção dos dois
métodos para realizar a pesquisa do ICV.
O artigo apresenta-nos ainda outros dois métodos de investigação, de caráter
mais indireto: a “estatística da renda nacional”, que expressa, em termos monetários, as
quantidades de bens e serviços consumidos; e “estatística do salário real e sua

139
Albertino Rodrigues extraiu os conceitos acima descritos de: Bureau Internacional du Travail
(BIT), de Genebra – Le standard de vie des travilleurs – Études et Documents, Serie B (Conditions
economiques), nº 30, p. 12-14.

84
evolução”, que expressam, tanto em termos gerais, como em termos particulares, o
poder aquisitivo da população.

***

Neste capítulo buscamos apresentar a produção de uma instituição que, além dos
portões universitários buscou promover a formulação e publicização de dados
construídos com a utilização do aparato técnico científico existente nas universidades.
Nesse momento, o DIEESE procurou realizar uma peculiar “ida ao povo” ao oferecer,
por meio de suas publicações, não só uma metodologia de consecução de índices do
custo de vida, mas também algumas das possíveis soluções de negociação coletiva para
o dirigente sindical, apresentando assim informações sobre o mundo do trabalho ao seu
maior interessado: o operário.
Procuramos, ao longo do texto, mostrar a constituição de uma “ponte” que
aproxima o universo do trabalho à esfera científica. Isto é, o conjunto de publicações do
DIEESE revela a combinação dos dois tipos de sociologia analisados por Ianni: a
sociologia técnica e a sociologia crítica, mas essa combinação se dá em graus de
realização diferenciados em razão de seus propósitos: as pesquisas do Departamento
apresentam uma finalidade prática e, necessariamente, imediata. Pois, a mudança social
não é compreendida num sentido linear, já que no movimento da sociedade, o
“tradicional” e o “moderno” invadem as premissas uns dos outros como modalidades de
relações sociais, e são redefinidos mutuamente aos contornos da própria sociedade.
A ênfase da mudança social – preocupação recorrente da sociologia frente à
época – abre novas possibilidades para a atuação dos intelectuais e para a influência que
eles próprios procuram, com maior ou menor sucesso, exercer na modelagem da
tessitura social (SOUZA, 2005). Ainda sobre a atuação dos intelectuais do
Departamento, podemos sugerir que o problema da relação entre cientistas sociais e
instituição está na idéia de que a vocação científica não estaria na especialização, mas
nasceria da experiência, e, não somente da experiência vivida pelo cientista, mas da
experiência apaixonada em relação à ciência. Dessa forma, o Departamento
Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos pode, então, ser apreendido
como uma organização que permite estabelecer o confronto com os patrões,
intermediados pela burocracia estatal, dando respaldo científico para as reivindicações

85
da classe trabalhadora. Segundo essa apreensão, podemos dizer que a presença de
cientistas sociais em uma organização, explicitamente vinculada às classes subalternas
representa a constituição de um momento de avanço na luta de classes. Posto que, o
DIEESE não é uma organização partidária, sua proposta não se fundamenta em
mobilizar as bases sociais, mas busca na produção de conhecimento uma forma de gerar
capacidade crítico-analítica, oferecendo instrumental para a classe trabalhadora se
afirmar e reconhecer seus interesses. Ou seja, o DIEESE, enquanto órgão informador
das relações econômicas de classe permite a tomada de consciência da situação de
exploração de classe e da necessidade dela contar com informações técnicas
sistematizadas para negociar com os patrões e com o Estado. E, a partir da análise
científica, busca reduzir os “mistérios” que envolvem as relações formais (por exemplo,
denunciando a manipulação da informação sobre os índices do custo de vida e
fornecendo elementos racionais para a argumentação de reivindicação salarial dos
sindicalistas), criando um espaço autônomo para a classe laboral no interior do sistema
global gerido pela lógica do capital.

4 CESIT – A Empresa Industrial em São Paulo

... o ensino e a pesquisa não se confundem [...]


com o aprendizado de uma profissão.
Sua grandeza e seu infortúnio estão em
constituírem ou um refúgio ou uma missão.
Claude Lévi-Strauss, Tristes Trópicos

Verifica-se já há algum tempo, no âmbito das pesquisas sobre processos


intelectuais contemporâneos, a emergência de análises acerca da institucionalização e
profissionalização da Sociologia e das Ciências Sociais no país. É interessante apontar
que parcela significativa desta historiografia procura promover uma comparação entre a
produção da “escola uspiana de sociologia” e os trabalhos realizados no âmbito do
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB 140/1955-1964), alocado no Rio de
140
Criado no governo de Café Filho, nos moldes da Escola Superior de Guerra (ESG). Os
principais intelectuais do Instituto foram os filósofos Álvaro Vieira Pinto e Roland Corbisier; o sociólogo
Alberto Guerreiro Ramos; os economistas Ignácio Rangel, Rômulo de Almeida e Ewaldo Correia Lima; o
historiador Nelson Werneck Sodré; os cientistas políticos Hélio Jaguaribe, Candido Mendes de Almeida e
Oscar Lorenzo Fernandes (TOLEDO: 1978).

86
Janeiro. Sérgio Miceli (1995, 2001 e 2001b) e Maria Arminda do Nascimento Arruda
(1995; 2001), por exemplo, sugerem que o enraizamento na máquina oficial não poderia
deixar de marcar o perfil organizacional do Iseb, imprimindo o selo do interesse
político-partidário sobre a mentalidade dos “recém-recrutados”, indicando que os laços
destes com seus mecenas públicos também marcavam os seus produtos, impedindo,
sobremaneira, a autonomia intelectual.
Cabe lembrar, porém, que o Iseb era uma instituição ligada ao governo federal
através do Ministério da Educação e Cultura e que os textos dos isebianos não
buscavam, necessariamente, professar qualquer caráter homogêneo. Nesse sentido, não
se tratava de uma escola de pensamento e sim de um centro de debates sobre a realidade
nacional. O diagnóstico de Lúcia Lippi de Oliveira (1995) aponta o Iseb não como um
espaço de debate acadêmico, mas como um dos pólos da vida intelectual carioca, e até
mesmo como uma esfera do debate político ideológico coevo, mas não como uma
instituição acadêmica ou universitária que objetivasse o ensino ou a pesquisa na área de
Ciências Sociais141.
De maneira que, privilegiando a sociabilidade universitária alocada na USP,
parte da historiografia especializada no estudo do processo de institucionalização e
profissionalização da sociologia brasileira deposita o manto da sociabilidade acadêmica
e da base da sociologia científica brasileira no curso de Ciências Sociais da USP.
Todavia, se nos prendemos demasiadamente a essas polêmicas corremos o risco
de não explorar plenamente tudo o que poderíamos alcançar no tratamento crítico das
interpretações propostas por nosso objeto de estudo. Nesse sentido, não nos cabe
analisar as diferenciações institucionais entre as atividades intelectuais do Rio de
Janeiro e de São Paulo, mas sim apontar singularidades de parcela da produção da
“escola uspiana de sociologia”, ressaltando que os estudos teóricos e, principalmente, os
empíricos realizados no âmbito do CESIT podem ser compreendidos com um duplo
papel. Segundo Florestan Fernandes, as análises produzidas no Centro servem:

(...) como fator de renovação e de alargamento do horizonte cultural


herdado (...). E serve para apontar o grau de adequação ou de
inadequação da estratégia a ser seguida, praticamente onde a
vitalidade do crescimento econômico não é bastante forte para romper
com o peso morto do passado (1976a: 322).

141
Embora tivesse organizado um curso (logo após a sua fundação) com a finalidade de formar a
elite brasileira (BRESSER-PEREIRA: 2004).

87
Segundo a compreensão de Florestan Fernandes, os sociólogos deveriam, no
mundo moderno, unir a ciência à militância, visando elevar o nível intelectual das
grandes massas. Nessa perspectiva, deveria haver não somente uma identificação entre a
verdadeira ciência e o processo de transformação social, com vistas à construção de um
projeto nacional, como também um engajamento do cientista que não deveria se esgotar
e se prostrar sedimentado no plano teórico, mas voltar suas forças eminentemente para
uma prática social “militante”. Fernandes esclarece que há homens que “defendem a
ordem” e, desse modo, apenas retardam a crise e há outros que “aceleram a história”
aprofundando a crise, a fim de livrarem-se dela e de suas contradições: “Eu próprio
estou deste lado, que me parece intrínseco à opção com a qual o cientista deve se
identificar, qualquer que seja o seu campo de especialização” (apud CÂNDIDO, 1996:
128).
Considerando essa ética, suas reflexões possibilitam perceber a sociologia em
três níveis: como uma ciência, uma técnica social e um ponto de vista. Florestan
Fernandes entende que a ciência precisa ser institucionalizada de acordo com os padrões
universais de desempenho, devendo assumir-se como ciência aplicada, em função de
um planejamento racional e transformador da sociedade. Decorre dessa sua concepção
de ciência, uma preocupação fundamental com as transformações estruturais da
sociedade mediante técnicas sociais apropriadas, objetivando a constituição de uma
sociedade na qual a democracia seja um dos seus pilares básicos. Incisivo quanto ao
papel do cientista, Fernandes atribui aos intelectuais considerável parcela de
responsabilidade na tarefa de combater o “atraso cultural” da sociedade que ele faz
parte. E, nesse sentido, o cientista precisa impor a si mesmo uma “ética de
responsabilidade científica”. Essa postura conjuga o elo entre a ciência e a política.
Fernandes defende, portanto, a tese de que ao intelectual não cabe a “neutralidade
científica”, enfatizando que os sociólogos não devem perceber-se como servos do
poder, mas como agentes do conhecimento e da transformação social.
No processo de construção do projeto nacional, Fernandes postulava a
necessidade de se permitir aos “dominados” uma parcela de expressão política que
efetivamente contribuísse para o exercício de sua cidadania. Nessa perspectiva, o
sociólogo paulista também reconhece na educação um fator importante na definição do
projeto nacional. Seu pensamento estabelece, assim, um estreito contato na relação entre
educação e sociedade, assentando sua reflexão na discussão sobre a escola pública (em
um plano mais geral) e na universidade e em seu envolvimento com o processo de

88
transformação social (em um nível mais específico). E, segundo essa expectativa, ao
sugerir a educação como um espaço privilegiado para a Sociologia Aplicada, a
abordagem permite novas possibilidades de campo para que os intelectuais possam
intervir nos “processos de mudança cultural espontânea” transformando-os em
“processos de mudança cultural provocada”. Um dos pressupostos básicos assumidos
por esse intelectual, em relação à educação, refere-se ao fato de que os problemas
educacionais brasileiros só poderiam ser resolvidos através de uma mudança social
organizada.
Sob este aspecto, parece haver um duplo condicionamento social do
conhecimento sociológico. De um lado, a explicação sociológica “pressupõe certa
intensidade e coordenação dos efeitos produzidos por processos sociais”, na esfera da
secularização das atitudes e na racionalização dos modos de compreender o curso dos
eventos histórico-sociais. Por outro lado, o vínculo entre ensino e pesquisa exige “um
complexo suporte institucional e estrutural, que se formou e se desenvolveu, nas
sociedades européias e nos Estados Unidos, em conexão com a formação da ordem
social capitalista” (FERNANDES, 1977: 25).
A possibilidade de conjugar esses elementos surgiu para o primeiro plantel da
Cadeira de Sociologia I a partir do convite de Roger Bastide para que o grupo
ingressasse no projeto da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura) sobre a questão racial no Brasil republicano. O projeto tinha por
interesse examinar a hipótese de Gilberto Freyre sobre a inexistência de preconceito
racial no Brasil. Nesse projeto, o grupo formado por Florestan Fernandes, Fernando
Henrique Cardoso e Octávio Ianni pôde averiguar seu ideário acerca de novos modos de
compreender o curso dos eventos histórico-sociais e ainda colocar em evidência a “ética
de responsabilidade científica”142.
No projeto, os diagnósticos afiançados apontavam para a mesma direção: desde
o Brasil colônia, predominaram as relações de opressão, de hierarquia e de exploração
(do trabalho e da sexualidade) do negro pelo branco. Segundo esses pressupostos os

142
Outro elemento a não ser desconsiderado em relação ao ingresso do grupo no projeto da
UNESCO está colocado – ainda que implicitamente – na obra “A Sociologia no Brasil”. No texto,
Florestan Fernandes demonstra sua preocupação com a falta de financiamento para a pesquisa empírica
em grupo, bem como para a constituição de centros de pesquisa que se dedicassem à sociologia aplicada.
Na avaliação do sociólogo, a dificuldade de financiamento nessa área compromete o conhecimento dos
problemas sociais do Brasil, bem como debilita a capacidade da sociologia de contribuir para a solução
desses problemas (FERNANDES, 1977: 50-5).

89
autores buscaram compreender as alterações do preconceito de cor143 em relação às
transformações econômicas e sociais que se processaram na transição do regime
escravocrata para o regime capitalista. De acordo com Florestan Fernandes, o Brasil da
primeira metade do século XX estava cheio de contradições e “dilemas”. Entre esses,
apontava para o “dilema social” de uma sociedade rural, estamental, em fase de
modernização, que não conseguia libertar-se de seus fantasmas e estruturas do passado
e, principalmente, inviabilizava a consolidação do processo de industrialização em larga
escala que, na consideração de Fernandes era requisito para manter os padrões de
acumulação necessários para implementar uma “ordem social competitiva”. Isto é,
faltavam à “sociedade patrimonial”, os agentes que representassem a racionalidade e o
espírito empresarial, pré-requisito, em sua opinião, para a implementação do
capitalismo no Brasil (ARRUDA: 1995).
A compreensão de que a “ordem social competitiva”, mais especificamente a
estrutura de classes com seus mecanismos de regulamentação dos conflitos, demorou a
instalar-se, sem jamais conseguir extinguir completamente a velha ordem patrimonial na
mentalidade e nas ações dos atores sociais inseridos no Estado democrático, no sistema
de partidos e na escola (FREITAG: 2005). A partir dessa compreensão, observou-se que
os mecanismos de ascensão social funcionavam mais como “obstáculos” à emergência
da ordem social competitiva do que como agentes de mudança. O “dilema racial”
consistia para Fernandes no fato de a abolição da escravatura ter ocorrido de forma
precipitada (1888), sem assegurar aos negros livres uma verdadeira integração na
sociedade dos brancos. Excluídos do mercado de trabalho e sem uma formação
profissional e uma experiência no mercado de trabalho livre, os antigos escravos
necessariamente ficariam à margem dos processos de inclusão e modernização em
marcha, dos quais somente os imigrantes passariam a se beneficiar a longo prazo. A
falta de formação profissional reduzia as chances de trabalho do negro, descendente dos
escravos, dificultando o seu acesso aos mecanismos de ascensão como a formação
escolar, o voto democrático, a realização pelo trabalho (FREITAG: 2005).
Em decorrência dos resultados obtidos sobre o problema de integração do negro
em uma sociedade de classes e necessariamente competitiva, outra questão veio à pauta
da Cadeira de Sociologia I: qual o tipo de sociedade que estava sendo organizada e
quais os rumos dessa sociedade? Essa temática colocou Fernandes frente a um novo

143
Essa temática foi trabalhada por Florestan Fernandes e Roger Bastide durante a primeira metade
dos anos de 1950, culminando na publicação da obra “Brancos e Negros em São Paulo”.

90
problema: o processo de mudanças sociais, focalizado na cidade de São Paulo – palco
das grandes transformações operadas pela urbanização e pela industrialização. A partir
de então, os temas anteriormente analisados pelo autor (as comunidades indígenas e o
folclore) cederam lugar às reflexões em torno da passagem da sociedade patrimonial à
“ordem social competitiva”. A presente transição temática é expressiva de um momento
no qual as ciências sociais desenvolvidas na Universidade de São Paulo passaram a
debater-se com o contexto histórico imediato: a sociedade contemporânea em seu
processo de mudanças.
E, nesta acepção, seguindo a linha da sociologia aplicada e desenvolvendo-se na
esfera universitária, podemos situar o Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho
(CESIT), que surge a partir das preocupações do grupo reunido na Cadeira de
Sociologia I e do estímulo do sociólogo francês Alain Touraine, então estudioso da
Sociologia Industrial, acerca da estrutura social e ocupacional da cidade de São Paulo.
O Centro é organizado de forma hierárquica: no primeiro plantel estão Florestan
Fernandes (chefe da Cadeira de Sociologia I, desde 1954, quando do retorno de Roger
Bastide para a França) e os seus principais assistentes: Fernando Henrique Cardoso e
Octávio Ianni. A segunda linha de assistentes diretos é formada por Marialice Mencarini
Foracchi e Luiz Pereira. O Centro contou ainda com os pesquisadores contratados:
Celso de Ruy Beiseguel, Leôncio Martins Rodrigues, Gabriel Bolaffi, José Carlos
Pereira e Lourdes Sola.
Segundo Juarez Brandão Lopes (1978), a transição temática (da questão racial
para os processos desencadeados pela modernização e industrialização) sugere uma
atuação mais contundente no debate político nacional, como ocorrera ao final da década
de 1950, na participação na Campanha em Defesa da Escola Pública. O papel de
Florestan na defesa de uma sociologia aplicada, comprometida com a elaboração de
programas práticos de transformação da realidade social, mais uma vez, será decisivo.
Em realidade essa preocupação crescente nos meios políticos e acadêmicos, articulava-
se com as idéias de “planejamento” e de uma intervenção técnico-científica na
sociedade. E, a partir dessa compreensão podemos perceber uma particular aproximação
entre Florestan Fernandes e Karl Mannheim: ambos concebem as mudanças objetivadas
pela intervenção racionalmente orientada no sentido da reforma social e não da
revolução. Mannheim, no conjunto de sua obra rechaça todos os tipos de ditaduras,
sejam elas fascistas ou comunistas, bem como às instabilidades e dissensos típicos de
épocas revolucionárias. Para Mannheim, o planejamento das transformações sociais

91
deveria ser um planejamento democrático, baseado na discussão e no consenso e não na
imposição de um modelo social por um Estado autoritário (MANNHEM, 1976). De
forma semelhante, em Florestan Fernandes, a idéia de intervenção racional como forma
de controle das mudanças sociais é expressa pelo planejamento democrático, obtido
com base em consensos sociais e visando uma organização social igualmente
democrática144.
A “sociologia militante” de Fernandes pode ser percebida pelo seu envolvimento
na Campanha145, tanto em termos de uma produção analítica sobre a questão da
educação, como da participação efetiva, através de conferências e comícios públicos e
de contatos com deputados e senadores, nos momentos que antecederam a votação, pelo
Congresso, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (SOUZA: 2005). Esse
envolvimento e a frustração quanto aos rumos tomados pelos legisladores e o próprio
Executivo, chefiado já então (1961) por João Goulart, provocaram uma mudança na
hipótese orientadora de sua obra, enquanto resposta à problemática das possibilidades
de constituição de uma ordem racional, industrial e democrática no Brasil, passando a
vigorar a hipótese do dilema social brasileiro, em substituição à hipótese da demora
cultural (LIEDKE: 2005).

A leitura de Florestan Fernandes sobre a realidade brasileira sugere que o dilema


social consiste “numa resistência residual super-intensa à mudança social, que assume
proporções e conseqüências sociopáticas” (FERNANDES: 1963, 211). De acordo com
o autor, trata-se de “um tipo de inconsistência estrutural e dinâmica que nasce da

144
Segundo Fernandes (1970), como processo social, a intervenção racional precisa levar em conta
as “tendências de desenvolvimento histórico-sociais da sociedade”, bem como o “vontade coletiva” das
forças sociais que nela operam. Esses requisitos impõem-se à medida que a transformação social se
realiza mediante deliberação e vontade, segundo os rumos previsíveis que a realidade tende a tomar. Isso
significa dizer que a intervenção racional precisa levar em conta as aspirações dos sujeitos sociais,
devendo ser ajustada à capacidade desses sujeitos de absorver as modificações previstas pelo processo
histórico, bem como de seu empenho em realizá-las. Não caberia, portanto, a implantação de medidas que
não pudessem ser compreendidas e realizadas pelos sujeitos sociais. Seria preciso, portanto, estudar as
necessidades sócio-culturais da sociedade.
145
Na campanha em Defesa da Escola Pública, Fernandes experimentou uma sorte de reencontro
com seu passado, “(...) tudo se passou como se me transformasse, de um momento para outro, em porta-
voz das frustrações da revolta dos meus antigos companheiros de infância e juventude. O meu estado de
espírito fez com que o professor universitário falasse em nome do filho da antiga criada e lavadeira
portuguesa, o qual teve de ganhar a sua vida antes mesmo de completar sete anos, engraxando sapatos ou
dedicando-se a outras ocupações (...). Nesse sentido, assumi nos debates travados uma posição análoga à
que Patrocínio desempenhou nas lutas abolicionistas, descontados naturalmente os coeficientes históricos
e pessoais. (...) Como ele, coube-me o dever de levar ao mundo cultivado do Brasil as angústias, os
sentimentos e as obsessões dos esbulhados, e honro-me ao lembrar que não trepidei, por um instante,
diante dos imperativos deste dever. Professor, sociólogo e socialista – não foi de nenhuma dessas
condições que extraí o elemento irredutivelmente inconformista, que deu sentido à participação que tive
na Campanha de Defesa da Escola Pública. (FERNANDES: 1977, 56).

92
oposição entre o comportamento social concreto e os valores morais básicos de
determinada ordem social” (208), comportamento este das camadas privilegiadas
econômica-social e politicamente146:

[O] (...) dilema social brasileiro caracteriza-se como um apego


sociopático ao passado, que poderá ter conseqüências funestas.
Ostenta-se uma adesão aparentemente leal e faminta ao progresso.
Professa-se, porém, uma política de conservantismo cultural
sistemático. Os assuntos de importância vital para a coletividade são
encarados e resolvidos à luz de critérios que possuíam eficácia no
antigo regime, ou seja, há três quartos de século. Enquanto isso, as
tensões se acumulam e os problemas se agravam, abrindo sombrias
perspectivas para o futuro da Nação. É patente que os adeptos dessa
política estão cultivando, paradoxalmente, uma gigantesca revolução
social, altamente sangrenta e destrutiva em sua fase de explosão (212).

4.1 Renovação teórico-metodológica

Conforme procuramos explicitar, a multiplicidade de questões a cerca do papel


do sociólogo no Brasil será pautada pela sociedade em mudança, cabendo à análise
sociológica revelar a relação do sociólogo com a sociedade (BOAS, 1997). Nesse
sentido, surge a possibilidade do sociólogo atuar, pela sua formação profissional, na
coletividade, percebendo as especificidades que envolvem cada sociedade. Logo para a
“escola uspiana de sociologia”, o sociólogo para exercer seu ofício necessita de
responsabilidade e de imaginação que permitam pensar a sociologia como um saber de
transformação. Saber este que é reflexivo, porque atualiza as novas e velhas indagações.
A tradução dos processos sociais na sua complexidade se concretiza nas diversas
dimensões, por uma formulação que deve congregar as análises mais distintas que se
veiculam intimamente ao tratamento dado à questão das diferenças. A sociologia não se
apresenta na forma de modelos, com respostas mecânicas e fixas, mas no sentido de
contribuir para o conhecimento e a compreensão da realidade social. Para tanto, o
sociólogo se põe ao “ofício” do reconhecimento das várias facetas que englobam o
social.
Nesse sentido, a sociologia é mediada pela concepção de que toda sociologia
deve ser, ao mesmo tempo, uma sociologia do conhecimento. Como observou Ianni:
146
O “dilema educacional” também expressa – nas reflexões de Florestan dessa primeira fase –
uma ambigüidade do sistema societário brasileiro que postula a educação como sendo um mecanismo de
ascensão e inclusão social, mas que, de fato, mostra-se seletivo e pouco atraente para os já
desprivilegiados.

93
“em sociologia o pensamento é pensado o tempo todo”. As suas contribuições históricas
e teóricas estão permeadas pela reflexão e pela crítica sobre as relações entre o
pensamento e o pensado. (MARTINS, 1998: 15). Para tаnto, ao tratar do fazer
sociológico em Florestan Fernandes, é necessário se pensar em uma certa
instrumentalização de sua própria sociologia. Fazendo disso a sociologia instrumento de
sua prática, da sua profissão, do seu trabalho e de defesa da própria sociologia enquanto
ciência. Entende a ciência na especificidade que lhe é própria, mas ainda na sua relação
com a sociedade, da qual é parte, específica, mas parte. O desenvolvimento científico
não resulta apenas do movimento de construção interna da própria ciência, mas também
de condições histórico-sociais, as quais afetam a institucionalização da pesquisa
(CARDOSO, 1996: 92). Partindo disto, o sociólogo e a sociologia vão ser a porta de
entrada para as possíveis indagações, a fim de superar o patamar de uma sociologia
profissional ressentida, em busca de uma sociologia na qual o sociólogo com a
formação profissional participa e põe o trabalho intelectual dele, como e enquanto
sociólogo, em interação com as expectativas e as preocupações da coletividade. Mas,
para isso, é indispensável o amadurecimento intelectual que tenha a capacidade de
reagir com o mínimo de energia intelectual.
Sobre essa temática também adverte o cientista político italiano Norberto
Bobbio, pois “se o homem de cultura participa da luta política com tanta intensidade
que acaba por se colocar a serviço desta ou daquela ideologia, diz-se que ele trai sua
missão de clérigo”. Mas se, de outra parte, “o homem de cultura põe-se acima do
combate para não trair e se ‘desinteressar das paixões da cidade’, diz-se que faz obra
estéril, inútil, professoral”. Dessa maneira, Bobbio parte da constatação de que a
“melhor prova da presença da cultura na sociedade contemporânea é o debate, muitas
vezes áspero, sempre vivo e atualíssimo, sobre a tarefa e a responsabilidade dos
intelectuais”. Segundo o autor, não somente do ponto de vista ético, mas também
analítico, seria mais apropriado falar em “responsabilidade” do que em “engajamento”
dos intelectuais. Considerando o tema do engajamento como um “falso problema”,
Bobbio argumenta que mais do que o engajamento em si, o que conta é a “causa pela
qual alguém se engaja”. Para Bobbio, “importa não que o homem de cultura se engaje
ou não se engaje, mas por que coisa ele se engaja ou não se engaja e de que modo ele se
engaja, assumindo todas as responsabilidades da sua escolha e das consequências que
dela derivam” (BOBBIO, 1997: 91; 100).

94
A partir desse parâmetro, a “ética da responsabilidade científica” da “escola
uspiana de sociologia” pode ser compreendida como a necessidade de extrair
consequências práticas das pesquisas sociológicas. Em “A sociologia numa era de
revolução social”, Florestan Fernandes expõe com clareza a necessidade de combinação
dos papéis de cientista e de cidadão:

A conexão de sentido, que nos compelia a ver nossos papéis na


sociedade brasileira, à luz da responsabilidade intelectual ativa, crítica
e militante (...) todo sociólogo digno desse nome deve saber ajustar-se
à situação e, em consequência, sua capacidade de contribuir para o
conhecimento sociológico de uma realidade tão imperativa (...) o que
lhes compete [aos sociólogos] não é traçar planos ideais de
organização das sociedades humanas. Mas produzir conhecimentos
que expliquem esse processo cientificamente e assegurem o maior
domínio possível sobre as diversas fases de intervenção racional na
realidade social (FERNANDES, 1976: 34; 123).

A sociologia pode revelar os (des) caminhos históricos inerentes a cada situação


social e a cada situação de classe, essenciais para orientar racionalmente a ação social e
política. Porém, a sociologia não se separa da sociedade, assim, segundo Fernandes, a
sociedade não se separa da consciência social; “só vê sociologicamente quem quer algo
socialmente” (FERNANDES, 1976: 61). Desse modo, a concepção de mudança vai
ocorrer em torno do eixo que compreende a ação transformadora como uma ideia de
intervenção para a superação dos entraves representados pela herança colonial. As
condições de atuação para o fazer sociológico engloba sentidos, valores, ações distintas
e contraditórias dentro de uma realidade, no mínimo, desafiadora para o sociólogo. Já
que este possui todo um aparato simbólico, teórico e metodológico para se pensar e se
fazer sociologia no Brasil. Todavia, tendo em vista uma sociedade com seus valores e
ideias em dinâmica constante.
Para Florestan Fernandes, o sociólogo é um agente de transformação que age
tanto sobre o contexto social quanto sobre si mesmo: ao tentar explicar a sociedade
brasileira, como sociólogo, o cientista social é desafiado por múltiplas questões que
exige do intelectual a compreensão das singularidades históricas e culturais do país
(FERNANDES, 1978: 50). Assim, as múltiplas dimensões do papel do sociólogo na
sociedade brasileira contornam um indivíduo, que é o sociólogo voltado para as
coletividades nacionais, desenvolvendo reflexões que questionam as inquietações mais
profundas, ou seja, as que mobilizam, por excelência, a condição de sociólogo e sua

95
inquietação. Nessa visão sobre o papel do sociólogo e da sociologia há algo em comum
com a ideia de “imaginação sociológica” desenvolvida por Wright Mills:

“A imaginação sociológica capacita seu possuidor a compreender o


cenário histórico amplo, em termos de seu significado para a vida
íntima e para a carreira exterior de numerosos indivíduos (...) é deixar
claro os elementos da inquietação e da indiferença contemporâneas.
É a exigência central que lhe fazem outros trabalhadores culturais”
(MILLS, 1972: 11; 20).

Aposta também retificada por Florestan Fernandes: “basta enxergar a


imaginação sociológica147“: a ideia de “inquietação” por parte do sociólogo ilumina um
caminho no qual ele se vê desafiado por uma formação teórica e geral. O sociólogo
pode correr o risco de ficar centrado numa formação científica rigorosa e de perpetuar
uma ausência de sensibilidade capaz de agir sociologicamente (FERNANDES, 1978:
21). Para tanto, a sociologia deveria ser produzida em vista da preocupação não só com
a investigação empírica e com a construção teórica, mas também conjugada aos
problemas que são coletivos e sociais. Um tipo análise que é sensível a realidade
brasileira, já que a preocupação em conhecer e em fazer conhecer a realidade do país,
faz projetar a sociologia. Florestan Fernandes procurou combinar o caráter afirmativo de
suas análises, fundamentadas em rigor metodológico e sólida construção teórica, com os
questionamentos constantes do ofício do sociólogo. Esta sensibilidade sociológica, esta
inquietação é um traço questionador que permite flexibilidade ao olhar sociológico,
requisito indispensável a uma ciência cujo objeto é por ele mesmo dinâmico: a
sociedade.
A partir da concepção mannheimiana de que os cientistas sociais precisam
alargar a sua noção de teoria, no sentido de estendê-la à investigação dos processos
deliberados de intervenção na realidade, Fernandes passa a indicar a necessidade de
participação ativa dos sociólogos na “conversão dos conhecimentos sociológicos em
forças sociais”. Esta concepção de intervenção racional, na qual o intelectual tem papel
ativo em seu controle, é orientada pela percepção da parcialidade e da ineficácia dos
políticos e de outros homens de ação na resolução dos problemas sociais, isto é, a
ciência deveria ser colocada a serviço da política e a função do intelectual seria mediar
esse processo148 (FERNANDES: 1977). Isto é, a sociologia aplicada de Fernandes está

147
FERNANDES, 1978: 11.
148
Conforme buscamos apontar na Introdução desta dissertação, essas preocupações de Fernandes
com a sociologia aplicada se dão em um momento no qual ele enfatiza a necessidade da consolidação das

96
calcada na ideia de que o processo de intervenção social deveria ser controlado pela
pesquisa sistemática, em razão do autor considerar que o próprio processo de
intervenção é um processo social e deve ser compreendido como parte do campo de
pesquisa149.

Sob esse ideário da participação ativa do intelectual na esfera social, observamos


um elevado grau de dissenso, entre os autores que analisamos para qualificar os
momentos de ruptura na obra e na atividade política do chefe da Cadeira de Sociologia
I, Florestan Fernandes. Para Arruda (1995), são quatro os momentos importantes: a)
trabalhos sobre o folclore e os estudos etnológicos sobre os Tupinambá 150“; b) pesquisas
raciais (UNESCO) e “Fundamentos empíricos da explicação sociológica”; c) postura
militante, quando produz “A Sociologia numa era de revolução social”; e os trabalhos
críticos ao regime autoritário (após a aposentadoria compulsória - 1969). Já para Freitag
(1987), a obra de Fernandes pode ser dividida em dois grandes momentos: a) fase
acadêmico-reformista; e b) fase político-revolucionária.
Neste estudo, por critérios didáticos, adotaremos a percepção de Mota (1985),
segundo a qual, o momento de radicalização na trajetória do professor paulista se deu ao
final da década de 1950151, e tem como marco o livro “A Sociologia numa era de

ciências sociais no Brasil em marcos institucionais. Daí sua abordagem em torno do imperativo da
construção de centros de pesquisas que possam integrar trabalhos empíricos e a aplicação do
conhecimento à realidade social. A construção de um campo científico autônomo ou de uma “comunidade
científica mertoniana” – ancorada na institucionalização das atividades e na consolidação da carreira
científica seriam condições imprescindíveis para que a sociologia pudesse se dedicar com segurança ao
estudo dos “problemas brasileiros”: “Os leigos (...) culpam os cientistas sociais por indiferença diante dos
‘problemas brasileiros’, negligenciando o fato de que a ‘vontade’ deles não é determinante: o concurso
das ciências sociais na solução desses problemas depende, evidentemente, da constituição de instituições
de pesquisa científica ou de ciência aplicada, especialmente dedicadas a esse fim (FERNANDES, 1977:
53).
149
Essa noção é claramente influenciada pela perspectiva de controle da mudança social e do
planejamento democrático propugnadas por Mannheim. O planejamento mannheimiano é pautado pelo
princípio racional, ou seja, pelo pressuposto de que a teoria e a pesquisa científica fornecem bases seguras
ao planejamento da transformação social, isto é, a seu controle (MANNHEIM, 1953, 1967, 1972).
150
Os frutos desse momento de sua produção intelectual são: a dissertação de mestrado, defendida
no ano de 1947, na Escola Livre de Sociologia e Política, “A organização social dos tupinambás ?“; e a
tese de doutorado, defendida no ano de 1951, na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP, “A
função social da guerra na sociedade tupinambá. Fernandes, Florestan. A função da guerra na sociedade
tupinambá. São Paulo: Museu Paulista, 1952. (2a ed. São Paulo: Pioneira, 1970).
151
Como nos aponta Mota, a perspectiva da postura radicalizada, já ao final da década de 1950, isto
é, antes da virada “marxista-socialista”, corrobora nossa compreensão de que ainda neste período já se
apresentava uma preocupação com a noção de “sociologia aplicada”. Em 1956, antes, até mesmo da
participação na Campanha em Defesa da Escola Pública, Florestan Fernandes integrou o Conselho
Técnico Consultivo do DIEESE (CHAIA: 1988). Apesar da brevidade de sua existência e de seu caráter
apenas formal, tal elemento já nos sugere uma preocupação com o desenvolvimento industrial e
econômico da cidade de São Paulo. Todavia, somente com os estudos realizados pelo CESIT essa
preocupação será explicitada.

97
revolução social” (1963), reunião de escritos formulados entre os anos de 1959 a
1962152. Esta obra denota a influência 153 de Karl Mannheim e Hans Freyer na concepção
do papel do intelectual e nas propostas de planejamento social. É nessa obra que os
projetos de investigação do CESIT “A Empresa Industrial em São Paulo” e “Economia
e Sociedade no Brasil: Análise Sociológica do Subdesenvolvimento” são explicitados.
Segundo Fernandes, o projeto do Centro tinha a intenção de apresentar interesses
empíricos, teóricos e práticos. No nível empírico seria possível adquirir “conhecimentos
objetivos sobre a estrutura, funcionamento e evolução da indústria paulistana”, tais
conhecimentos permitiriam a compreensão do “Brasil moderno”. Já no nível teórico, a
partir de questões acerca da formação e do crescimento da indústria, tornar-se-ia
possível identificar os tipos de empresa industriais mais ajustados à realidade ambiente.
E, por último, no nível prático: “passar” o conhecimento aos homens de ação
(administradores, economistas, legisladores e políticos) (1963: 329).
Entretanto, a partir da leitura específica sobre o período e de entrevistas por nós
realizadas sobre o CESIT, com intelectuais participantes do Centro, esbarramos em um
obstáculo inesperado: nossas duas fontes de pesquisa indicaram que não houve uma
divisão perceptível acerca dos encargos de cada pesquisador, segundo o projeto em que
cada um deveria tomar parte. Isto é, os dois projetos apresentados por Florestan em “A
Sociologia numa era de revolução social” de fato foram conduzidos, mas não ocorreu a
separação pronunciada entre os projetos (“A Empresa Industrial em São Paulo” e
“Economia e Sociedade: Análise Sociológica do Subdesenvolvimento”). De maneira
que, compreendemos como trabalhos diretamente relacionados ao Centro os estudos
realizados a partir do survey de 1958, sobre a empresa industrial paulistana, cuja ideia
era a obtenção de um diagnóstico sobre o principal núcleo industrial do país (São Paulo
– Capital, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano e Guarulhos). A pesquisa
pretendia compreender o acelerado processo da industrialização de São Paulo, e, em
contrapartida, o sofreado desenvolvimento econômico no restante do país,
desencadeando a percepção de outro fenômeno que precisava ser avaliado: a
descontinuidade no desenvolvimento econômico da nação. O projeto também se
relacionava à preocupação do grupo da Cadeira de Sociologia com a racionalidade e a
adequação do empresário à modernização:
152
Ver também sobre isso LAHUERTA, 1999.
153
Fernandes agrega explicitamente a idéia mannheimiana do “intelectual desvinculado”, isto é,
acima dos grupos sociais, esta concepção possibilitava o “ideal” divisionista entre ciência e política
(Mannheim, 1973: 80 e segs.)

98
[...] Na fase pioneira da indústria, a capacidade de improvisação, a
audácia e até certas disposições predatórias eram essenciais para o
êxito do empresário e da consolidação da empresa (...). Como tudo
estava por desbravar, o mais brutal individualismo conciliava-se com
os interesses da inovação econômica da coletividade (FERNANDES,
1963: 323).
Os temas a serem desenvolvidos no âmbito do CESIT apontam – a priori – para
três frentes: a consolidação da hegemonia da Cadeira de Sociologia I; as preocupações
da Cadeira com a questão do desenvolvimento econômico brasileiro e, a par com esse
ponto, a necessidade de captar o modo pelo qual a empresa industrial irradiava seus
efeitos sobre a urbanidade; e a dificuldade de obtenção de recursos para a viabilização
das pesquisas – concomitantemente a este último item, está presente a tentativa de
incorporar os projetos de investigação do Centro ao Plano de Ação da gestão do então
governador de São Paulo Carvalho Pinto (1959-1963), conforme justificativa de
Fernandes (1977):

(...) Após muitas e ponderadas discussões, optamos pela área crucial


do desenvolvimento sócio-econômico do ‘Brasil-moderno’ – a da
industrialização e seus efeitos na cidade de São Paulo. Muitos outros
temas foram cogitados: mas, nenhum parecia reunir, nas mesmas
proporções, viabilidade diante de recursos limitados e importância
marcante para a ciência e para a coletividade (340).

Para José de Souza Martins (1998), o Plano de Ação foi uma proposta de
intervenção acadêmica através do Estado, no sentido de transformar a sociedade
brasileira pelo alto. Em sua avaliação, pretendia-se que os governos fossem orientados
por técnicos, portadores do conhecimento científico – e, por isso, “neutros”,
distanciados de motivações políticas – que tomariam as decisões necessárias para a
realização do desenvolvimento econômico das atividades governamentais, sobre a qual
estava calcada parte da legitimidade política da gestão de Carvalho Pinto.

No entanto, o CESIT não foi contemplado pelo Plano de Ação do governo


estadual. Coube a Fernando Henrique Cardoso, futuro diretor do Centro, buscar
dotações para o andamento das pesquisas. Cardoso procurou Fernando Gasparian, então
diretor da Confederação Nacional das Indústrias. Gasparian doou ao CESIT, ao final de
1961, Cr$ 10.000.000,00, valor que representava pelo menos sete vezes o orçamento
anual da Cadeira de Sociologia I (FERNANDES: 1977, 238-279). A outra fonte de

99
recursos proveio da recém-criada Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP/1962). É de interesse apontar o grau de prestígio da Cadeira de
Sociologia I em relação às Ciências Humanas e Ciências Sociais, essas duas últimas
recebiam 6% do valor total de dotações, desses 6%, 25% eram destinados à Cadeira de
Sociologia I e ao CESIT. A dotação destinada às investigações em empresas industriais
em São Paulo, ou seja, à compra de material de pesquisa (máquina fotográfica e
máquina de calcular elétrica, por exemplo), e ao financiamento de viagens: Octávio
Ianni iria à London School of Economics a fim de estudar Sociologia do
Desenvolvimento Industrial; Fernando Henrique Cardoso iria a Paris, para estudar
técnicas de pesquisa e organização dos Centros de Pesquisas Industriais, na École
Pratique des Hautes Études, Laboratoire de Sociologie Industrielle, dirigido por Alain
Touraine154.

Inicialmente, como já observamos, o projeto consistiu na procura de um objeto


que atendesse às indagações da cadeira de Sociologia I e pudesse ter participação nos
fundos proporcionados pelo Plano de Ação do governo estadual. Deste momento,
tomaram parte os seguintes professores: Florestan Fernandes, Fernando Henrique
Cardoso, Octávio Ianni, Maria Sylvia Carvalho Franco Moreira, Marialice Mencarini
Foracchi e Bertram Hutchinson, então comissionado junto à Cadeira de Sociologia I
pela UNESCO. O segundo momento foi determinado pelos critérios de escolha da
amostra155 e do cadastramento das empresas.

O projeto sobre a empresa industrial em São Paulo foi organizado com o intuito
de realizar cinco monografias156, cada uma deveria ficar a cargo dos seguintes
pesquisadores responsáveis: Leôncio Martins Rodrigues157 (“Manifestações e funções

154
Leôncio Martins Rodrigues, depoimento à autora (07/06/2006).
155
O critério escolhido, que mereceu a aprovação do Dr. Lindo Fava, professor de Estatística da
Seção de Ciências Sociais, determinou a fixação em 300 empresas a serem incluídas no levantamento
(Fernandes, 1963:331).
156
Ainda foram realizados outros trabalhos do Centro, a cargo dos pesquisadores considerados
como do primeiro plantel da Cadeira de Sociologia I, a saber: “mentalidade do empresário industrial”, a
cargo de Cardoso (“Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil”/1964); a “intervenção
construtiva do Estado”; de responsabilidade de Ianni (“Estado e capitalismo: estrutura social e
industrialização no Brasil”/1965); e a “mobilização da força de trabalho”, isto é, a análise sobre os
influxos positivos da racionalização do aproveitamento do fator humano na reintegração da ordem
econômica social e política, sob os cuidados de Luís Pereira (“Trabalho e desenvolvimento no
Brasil”/1965) (ARRUDA: 1995).
157
A primeira utilização analítica dos dados obtidos no survey foi feita pelo pesquisador Leôncio
M. Rodrigues, em trabalho apresentado no II Congresso Brasileiro de Sociologia (“Greve e Estrutura das
Empresas”. Do mesmo modo, Fernando H. Cardoso, professor assistente da cadeira de Sociologia I e
diretor do Centro também utilizou uma parte dos dados levantados em monografia redigida sob o

10
do conflito industrial em São Paulo”), José Carlos Pereira (“Estrutura e expansão da
indústria em São Paulo”), Lourdes Sola (“Racionalização na indústria paulista”),
Cláudio José Torres Vouga (“Direção das empresas industriais em São Paulo”) e
Gabriel Bolaffi (“A racionalização da empresa privada ou a racionalização do sistema
econômico: o falso dilema em que se debate a civilização industrial no Brasil”), os quais
contaram com a cooperação dos seguintes auxiliares de pesquisa na coleta e análise dos
dados: Albertina Boal, Cacilda Maria Asciutti de Sabóia Fiuza, Gabriel Cohn, José
Rodrigues Barbosa, Linda Ganej, Maria Conceição D’Incao, Maria Marcia Martins
Smith, Vera Lúcia Brizola, Vera Mariza Henrique de Miranda e Zilah Branco Weffort.
Sendo o prazo para conclusão do curso de Mestrado (Stricto Sensu) de vinte e
quatro meses, para a realização de nosso estudo, selecionamos somente dois dos
trabalhos acima mencionados: “Estrutura e expansão da indústria em São Paulo”, de
José Carlos Pereira e “Greves operárias em São Paulo”, de Leôncio Martins Rodrigues.
Entretanto, no decorrer de nossa análise procuramos não apenas traçar, especificamente,
um diálogo entre estes autores, mas sim complementá-los com outros textos pertinentes
no interior da discussão sociológica sobre o desenvolvimento econômico brasileiro.

4.2 “Estrutura e Expansão da Indústria em São Paulo”

Conforme explicitamos brevemente, a compreensão de que a industrialização


brasileira se converteu em um fenômeno predominantemente paulistano motivou a
Cadeira de Sociologia I e o Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho a
programarem um survey, realizado em 1962, acerca de 285 empresas industriais
paulistanas. A tese de doutorado de José Carlos Pereira, “Estrutura e Expansão da
Indústria em São Paulo158“, é um dos resultados desse survey.

A fase inicial do survey contou com a colaboração dos seguintes pesquisadores


do CESIT: Celso de Ruy Beiseguel, Leôncio Martins Rodrigues, Lourdes Sola, Gabriel
Bolaffi e Cláudio José Torres Vouga que, durante a etapa de reelaboração,
experimentação e crítica do questionário, tiveram a assistência do Dr. Bertram
Hutchinson. Durante a tabulação dos dados colaboraram: Maria Conceição D’Incao de

patrocínio da CEPAL), (Fernandes: 1963, 333).


158
Pereira defendeu a tese em 1964, sob orientação do Prof. Dr. Florestan Fernandes. O trabalho de
Pereira, foi publicado posteriormente, em 1967, sob o mesmo título.

10
Melo e Maria Márcia Smith (ambas licenciadas), também colaboram na tabulação dos
dados Lybia de Mattos Bruno (licenciada), do Serviço de Estatística do Centro Regional
de Pesquisas Educacionais.

No prefácio à obra, Florestan Fernandes identifica o estudo com um


“diagnóstico de situação”, avalizando ainda que considerável parcela de seu conteúdo
procura esmiuçar a realidade da empresa industrial e do complexo de industrialização.
Segundo Florestan, “Estrutura e Expansão da Indústria em São Paulo” procurou
responder a alguns itens do programa geral de pesquisas do CESIT, como, por exemplo,
explicitar de que maneira foram processadas e quais seriam as linhas previsíveis do
crescimento industrial da cidade de São Paulo.

A escolha dos elementos da amostra foi feita tendo por base o ano de 1958, pois
era o ano mais recente sobre o qual os pesquisadores possuíam informações sobre as
empresas paulistanas. Os dados utilizados foram os do Departamento de Estatística do
Estado de São Paulo. A pesquisa procurou analisar as empresas segundo o ramo e o
tamanho dos estabelecimentos industriais da região considerada, isto é, Grande São
Paulo: Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano e Guarulhos.

As empresas com 20 ou mais operários foram, inicialmente, estratificadas por


ramo. Em seguida, foram classificadas por ordem crescente de número de empregados.
Após esse procedimento (mantida a divisão por ramo) houve uma repartição em três
estratos:

a) Empresas pequenas – 20 a 99 operários159;

b) Empresas médias – 100 a 499 operários; e

c) Empresas grandes – 500 ou mais operários.

Realizado esse trabalho, foi extraída uma amostra sistemática, fazendo com que
a fração da amostragem variasse de maneira a fornecer um número igual para cada um
dos estratos construídos segundo o tamanho. A partir disso, foi dada uma
representatividade proporcional a todos os ramos e maiores possibilidades aos grupos de
empresas com maior número de operários. Posteriormente foi feito um sorteio: um

159
Os estabelecimentos que possuíam menos de 20 operários não foram incluídos no estudo.

10
estabelecimento em cada 25, no primeiro estrato; um em cada 8, no segundo; um em
cada 2, no terceiro. Essa variação da fração de amostragem aproximou, com uma
pequena discrepância160, a representatividade dos vários estratos quanto às duas
variáveis básicas citadas: valor da produção e volume de mão de obra (1967: 2).

Pereira realiza um breve excurso sobre a transição do capitalismo


agroexportador para o capitalismo industrial, indicando a transferência de capital
excedente produzido pela cafeicultura para outras atividades:

[...] O grande fazendeiro de café era frequentemente uma pessoa


urbanizada que, aos poucos, impelido pelos seus próprios interesses,
foi obrigado a diferenciar seus papéis econômicos e a intervir
organizadamente nos desdobramentos financeiros, comerciais e
políticos dos negócios do café161 (11).

O primeiro estímulo recebido pela indústria nacional foi ocasionado pela


Primeira Guerra Mundial, que dificultou as importações dos países nela envolvidos.
Contudo, terminado o conflito, voltadas as economias beligerantes para a produção não-
bélica, cessou estímulo, reduzido unicamente à vantagem – relativa – da depreciação do
valor externo da moeda.

A construção histórico-econômica de Pereira coloca que, com a “Crise de 1929”


a situação da lavoura de café impossibilitou a obtenção de crédito externo para financiar
a política de retenção de estoques, entretanto, paradoxalmente, a mesma situação que
desfavoreceu a produção de café incrementou a indústria, em razão de três motivos
principais assinalados pelo sociólogo: em primeiro lugar, para defender o setor
exportador foi desvalorizada a moeda, elevando os preços dos produtos importados e,
consequentemente, diminuindo a competição externa; em segundo, o governo deu
prosseguimento à política de retenção de estoques, agora com recursos internos
devido à desvalorização da moeda; provocando o terceiro motivo: a pressão da
procura que, segundo Pereira, aliada à manutenção do nível de renda da classe

160
O resultado foi – praticamente - uma amostra inicial de 100 em cada estrato. A esse respeito
Pereira faz uma ressalva acerca de um problema no survey: “No decorrer da pesquisa houve algumas
recusas e 3 questionários foram eliminados (...), o número dos efetivamente aplicados variou da seguinte
forma: 96 no primeiro, 95 no segundo e 94 no terceiro, dando um total de 285 questionários utilizáveis”
(2).
161
Ver também sobre essa temática: FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade
de classes. São Paulo: Dominus, 1965, p. 25 e segs.

10
assalariada, fomentou a economia interna e “pela primeira vez outros setores da
economia passaram a oferecer melhores oportunidades de inversão que o cafeeiro” (13).

Já na Segunda Guerra, o autor nos aponta que a economia brasileira foi


submetida a um esforço; “como não era possível aumentar a produtividade em virtude
da inadequada produção interna de bens de capital”, os equipamentos foram utilizados
até sua capacidade máxima, acarretando uma obsoletização, lançando mão de todos os
“expedientes possíveis para manter o nível de produção”, utilizando amplamente a mão
de obra, cuja procura cresceu acentuadamente, o que “trouxe um novo desequilíbrio,
pois os salários reais cresceram, aumentando ainda mais a procura de bens” (14).
Terminado o conflito, cresceu o volume de importação e, para se evitar um déficit na
balança de pagamentos, o governo impôs barreiras aos produtos importados 162. De
maneira que, devido aos altos encargos cambiais, os investidores externos fossem
atraídos a produzir seus artigos no Brasil. Ademais, a situação forçou os
empreendedores nacionais a buscarem alianças com o capital estrangeiro, a fim de obter
o equipamento de que careciam para expandir a produtividade, após a percepção de
aumento da demanda.

A economia paulista

Segundo Pereira, a economia paulista ancorou-se em condições extremamente


favoráveis para seu pleno desenvolvimento, com a ampliação de sua capacidade de
acumulação por meio da integração das atividades cafeeiras, da agricultura variada, da
rede dos transportes, da diversificação do comércio varejista ao grande atacado, do
sistema bancário e, sobretudo, da potencialidade revelada no setor industrial. Nesse
processo, não interrompido, a década de 1950 configura-se como herdeira dos anos
anteriores. Foi nesse período que nasceram mais da metade das indústrias mecânicas,
um terço das metalúrgicas e um quarto dos estabelecimentos destinados à produção de
material elétrico e de comunicação, em relação ao parque industrial existente em 1958.
O desenvolvimento de estabelecimentos industriais destinados à produção de material
de transporte e de autopeças, junto com o processo de intensa modernização pelo qual

162
Introdução de 5 categorias diferenciais de câmbio, de acordo com a essencialidade do produto
importado. Os bens de produção foram incluídos nas categorias favorecidas, enquanto os bens de
consumo pagavam ágios mais elevados.

10
passava a indústria alimentícia completavam o quadro de grande diferenciação
industrial alcançada nessa fase. Em decorrência disso, e como resultado de ampliação da
massa salarial distribuída, os bens de consumo dos assalariados tiveram um incremento,
trazendo à cena do mercado atores até então ausentes. O dinamismo do setor industrial
mobilizou trabalhadores antes envolvidos em atividades primárias, ao mesmo tempo em
que atraiu numerosa parcela da população rural aos centros urbanos. (PEREIRA, 1967;
29). Isto é, a economia voltada para a exportação de produtos primários cedeu lugar a
um setor industrial. O fato de desempenhar o papel de fornecedor de produtos primários
pode arrazoar porque a taxa de atividade econômica nacional dependia do desempenho
dos centros industrializados externos, configurando uma alta relação de dependência
econômica em relação a esses países. Portanto, acreditava-se que a industrialização
brasileira, visando a substituição de importações 163, proporcionaria uma diminuição
considerável da relação de dependência.

Pereira realiza um breve relato sobre como as condições de trabalho e fatores


externos, de certa maneira, impulsionaram o desenvolvimento industrial paulista, como
por exemplo: absorção de imigrantes – advindos do meio rural – pelos centros urbanos;
e a transferência de capitais, isto é, aplicação de capitais (investimento do excedente
produzido pela cafeicultura) em alguns setores industriais que exigiam pouco
maquinário, como por exemplo, a indústria têxtil.

O texto nos aponta como figura central do processo de industrialização o


imigrante, em razão de três fatores, quais sejam: o comportamento de assalariado
(repelindo a relação patrimonialista), transplantação de técnicas modernas (oriundas de
seus países de origem), e propulsionando a acumulação graças à poupança, pois os
imigrantes conseguiram “amealhar algumas economias trabalhando na lavoura do café

163
Segundo Celso Furtado (2000), podemos apreender o sistema de substituição de importações
como um processo que leva ao aumento da produção interna de um país e a diminuição das suas
importações. Quando o processo é fruto de política econômica, geralmente esse aumento é obtido por
controle de taxas de importação e manipulação da taxa de câmbio. Entre as décadas de 1950 e 1960 a
Comissão Econômica Para a América Latina (CEPAL/1949) defendia que o desenvolvimento das
economias terceiro mundistas passava pela adoção da política de substitição de importações. Tal política
permitiria a acumulação de capitais internos que poderiam gerar um processo de desenvolvimento auto-
sustentável e duradouro. No Brasil, após a Segunda Guerra MundialMundial, a política de substituição de
importações foi implementada com o objetivo de desenvolver o setor manufatureiro e resolver os
problemas de dependência de capitais externos. Segundo Baptista (2004), os estudos da CEPAL,
influenciados por teses estagnacionistas, passaram a considerar “as nações periféricas marcadas, e até
mesmo identificadas, pelo predomínio do setor primário e determiandas pela imposição do mercado
interno”, de maneira que o sistema econômico formado no Brasil e em toda América Latina “seria
incapaz de gerar um sistema autônomo” que conduzisse ao crescimento, acarretando num processo de
estgnação” (24).

10
(...) [de onde] emigraram para as cidades, onde aplicaram essas somas em pequenas
oficinas artesanais, muitas delas se tornando ponto de partida para a construção de
poderosos conjuntos industriais” (11). Segundo Pereira, os imigrantes ampliaram o
mercado não somente pelo aumento numérico da população 164, mas também pela
introdução de novos hábitos de consumo.

Expansão da indústria

Segundo o survey do CESIT, no decorrer da década de 1920 a fundação de


empreendimentos aumentou em 165% em relação ao fim da década anterior. Após esse
surto de instalações, foi assinalado um decréscimo na criação de empreendimentos, essa
redução seguiu até a década de 1950, quando o desenvolvimento de novas forças
produtivas alterou os moldes tradicionais, isto é, a produção de caráter mais complexo
modificou as relações de produção, alterando o equilíbrio dos grupos na luta pelo poder
político. De acordo com Pereira, a cisão parcial da classe dominante (cafeicultores e
industriais) proporcionou uma das condições para que “os grupos industriais,
juntamente com a incipiente classe média, representada pela burocracia militar e civil,
participassem da reação contra o excessivo predomínio dos grupos cafeeiros, através da
Revolução desencadeada em 1930” (27).

Segundo a análise do historiador Boris Fausto, as indústrias na década de 1920


podem ser caracterizadas pela dependência do setor agrário exportador, pela
insignificância dos ramos básicos, pela baixa capitalização, pelo grau incipiente de
concentração. Vejamos:

[...] Do ponto de vista da estrutura social, se abandonarmos a imensa


maioria de pequenos empresários, cujas atividades se assemelhavam
muitas vezes às de um simples artesão, o setor que pode ser definido
como burguês industrial, constituía uma faixa restrita do ponto de
vista numérico, mas significativo, capaz de expressar na esfera
política, seus interesses específicos, junto aos centros de decisão.
Entretanto, seus limites se revelam no alcance das reivindicações: se
executarmos as propostas de Serzedelo Correia e Amaro Cavalcanti,
que aliás, não podem ser considerados representantes políticos da

164
Em 1872, a cidade de São Paulo possuía 3,75% da população do Estado (31.385 habitantes), já
em 1920, o município alçou a 12,92% da população do Estado (593.134). Cf. Censos Nacionais, apud
Oracy Nogueira. “Índices do desenvolvimento de São Paulo”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais,
vol. II, nº 2, julho de 1962.

10
burguesia industrial, esta não oferece qualquer programa
industrialista, como alternativa a um sistema cujo eixo é constituído
pelos interesses cafeeiros (FAUSTO, 1997: 23).

Ou seja, contrariamente ao que Pereira expressa, para Fausto o colapso da


hegemonia da elite cafeeira165 não conduziu ao poder político parcela da classe. Fausto
compreende que a Revolução de 1930 foi o ápice da decadência da hegemonia cafeeira,
mas sem a sua substituição por uma classe média ou industrial, como sugere Pereira.
Segundo Fausto, o que se pode observar é uma complementaridade entre os dois
setores, ainda que consideradas suas respectivas diferenças. Em síntese, a Revolução de
1930 pode ser colocada como o movimento político-militar que determinou o fim da
Primeira República (1889-1930) e propiciou a união entre a incipiente burguesia
industrial, políticos e tenentes a fim de enfraquecer, senão extinguir, o sistema
oligárquico, já bastante enfraquecido com a crise de 1929 e a fuga de capitais
estrangeiros.
De maneira que, segundo Pereira, os capitais em disponibilidade passaram a
afluir para a indústria: um terço dos estabelecimentos existentes em 1958 foram
fundados nos 8 anos anteriores, porém, em termos relativos, o grande período de
industrialização foi processado no decorrer da década de 1930, em razão da crise da
lavoura cafeeira, isto é, os capitais em disponibilidade passaram a afluir para a expansão
da indústria. A sequência do desenvolvimento industrial seguiu por ramos: inicialmente
foram estabelecidas as indústrias primárias, representadas por aquelas que atendiam às
necessidades básicas, já as secundárias “apareciam quase que espontaneamente”, isto é,
enquanto um ramo não se instalava, não poderiam surgir outros que com eles seriam
associados (cadeia produtiva166):

[...] Assim, as indústrias de bens de consumo se desenvolvem antes


das de bens de produção no sistema capitalista, em que a existência de
um mercado amplo que propicie altos lucros pesa mais na
consideração dos empreendedores que quaisquer outros (18).

165
Para maiores informações sobre essa temática, consultar: FAUSTO, Boris. “Expansão do Café e
Política Cafeeira”. In: História Geral da Civilização Brasileira, III. 1 - O Brasil Republicano. São Paulo:
Brasiliense, 1989.
166
Por exemplo, a indústria automobilística somente pôde se desenvolver após o desenvolvimento
no mercado interno da indústria de aço e autopeças.

10
Contudo, esse período pode ser assinalado como de desnacionalização da
indústria brasileira. O processo de industrialização167 do Brasil, modelado pela Instrução
113, da Sumoc, procurou fortalecer o segmento estrangeiro do empresariado, isto é, a
comunidade de managers estadunidenses e de outras nacionalidades. Em síntese,
podemos dizer que a Instrução 113, da Sumoc, provocou um dumping168 no mercado
nacional de máquinas e equipamentos: de um lado, o dispositivo de proteção às
manufaturas nacionais (Instrução 70 da Sumoc) compelia os investidores estrangeiros a
produzirem no Brasil, de outro lado, a Instrução 113 da Sumoc, permitia que se
importassem máquinas e equipamentos obsoletos, sem cobertura cambial ou restrição
em relação aos artigos similares nacionais. Em linhas gerais, pode-se dizer que a
Instrução 113 tanto prejudicou o crescimento da indústria nacional de bens de produção,
que possibilitaria ao país substituir as importações em um setor vital para a reprodução
capitalista, quanto incentivou a transferência do controle acionário de empresas
brasileiras para as corporações internacionais; em outras palavras, animou o processo de
desnacionalização da indústria brasileira (VIZENTINI: 1996). Conforme apura Pereira:

[...] De início, não houve um selecionamento [sic] de investimentos


segundo áreas, de modo a evitar que as indústrias nacionais já
instaladas pudessem vir a sofrer concorrência de similares
estrangeiras, sobretudo das já estabelecidas no país e que tiveram,
então maiores possibilidade de expansão (33).

De acordo com os dados coligidos por Pereira, posteriormente ao período áureo


de ampliações dos estabelecimentos industriais (governo JK), apenas 16% dos
estabelecimentos existentes entre os anos 1960 e 1962 declaravam ter passado por

167
É importante levar em consideração que, ao final da Segunda Guerra Mundial, a necessidade de
investimentos para a continuidade da industrialização teria feito com que se consolidasse um novo tipo de
relação de dependência, a saber, a de tipo “associado” (multinacionais estrangeiras/setores modernos da
economia nacional/Estado). E, em decorrência do desequilíbrio estrutural entre necessidade de
investimento e disponibilidade de recursos para tal, a sociedade brasileira viu-se continuamente
impossibilitada de satisfazer as demandas de parte significativa de sua população, mesmo após ter
atingido consideráveis níveis de urbanização e atividade industrial.
168
Dumping pode ser definido quando uma empresa exporta um produto a preço inferior àquele
que pratica para produto similar nas vendas para o seu mercado interno. Desta forma, a diferenciação de
preços já é por si só considerada como prática desleal de comércio. Informação obtida
em:.............................................................................................................
http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/secex/defComercial/insDefComercial/
Ins_MedAnt_Inv_dumping.php. Acesso em 21/12/2007.

10
ampliações acentuadas. O período subsequente (1963/64) recebeu a pecha da incerteza
para o empreendedorismo industrial:

[...] Não só foram desastrosas as repercussões da agitação política


sobre a economia como esta praticamente esgotou as possibilidades de
expansão oferecidas pelo processo inflacionário. Consumidores
assoberbados por dívidas decorrentes de compras a crédito (um dos
meios, para estes, de obviar as consequências da inflação),
comerciantes (varejistas e atacadistas) e as próprias indústrias com
estoques exageradamente altos em relação aos necessários em tempos
normais, não podiam mais continuar comprando” (50).

Outra consideração a se realizar, em relação ao processo de desnacionalização é


referente ao equipamento utilizado pelas empresas. Enquanto os estabelecimentos
nacionais possuem um parque industrial com 10% de equipamentos posteriores a 1955,
as empresas estrangeiras detém 60% de maquinário construídos após 1955. Ainda
devemos ressaltar que, já em 1958, os estabelecimentos estrangeiros contribuem com
quase 40% da produção brasileira e, consequentemente representam grande absorção da
mão de obra, sendo que aproximadamente 70% deles são de grandes proporções,
empregando um número igual ou superior a 500 funcionários (77-78).

Mecanização, obsoletização e capacidade ociosa

No segundo capítulo de “Estrutura e Expansão da Indústria em São Paulo”,


Pereira aponta que a produtividade passou a depender cada vez mais dos avanços
tecnológicos e menos da perícia do trabalhador. Isto é, o autor promove uma
desvalorização do conhecimento prático e simbólico que o operário utiliza para operar
um maquinário mais avançado, grosso modo, no nosso entender, o maquinário que
implica em um maior grau de tecnologia, necessita, para seu manuseio, um operário
instruído a contento. Vejamos a análise de Pereira:

[...] Se antes a força de trabalho representava quase tudo, agora é o


instrumento de trabalho, a máquina, que representa o principal ponto
de partida. De certo modo a perícia do trabalhador, embora tendo
importância fundamental, passou a plano mais baixo (52).

10
Contudo, como vimos no subitem anterior, “Expansão da indústria”, a Instrução
113 da Sumoc, permitia que se importassem máquinas e equipamentos obsoletos com a
prática de dumping. De tal maneira que, em 1958 (realização do survey do CESIT),
mais de 80% dos estabelecimentos industriais paulistas possuíam equipamento com pelo
menos 10 anos de idade. Ou, segundo constatação de Pereira:

[...] Isso nos parece indicar que o equipamento inicial das novas
fábricas ou o que serviu para se fazerem as ampliações não era de todo
de fabricação muito recente (...) Isso viria a confirmar o que dissemos
a respeito das ampliações verificadas de 1955 em diante: que as
facilidades de importação e a penetração em larga escala do capital
estrangeiro fizeram entrar no país equipamento em parte já gasto nos
países exportadores (57).

Contudo, para Pereira, a importação de máquinas desgastadas revela um “erro de


cálculo” por parte dos empreendedores industriais. Vejamos:

[...] A grande euforia que percorreu toda a nossa economia na década


passada tê-los-ia [os empreendedores] levado a aparelharem suas
empresas antes no sentido de colocar mais máquinas em linha do que
no de substituir o material desgastado, prevendo que o ritmo de
crescimento da economia nacional, acelerando-se constantemente,
permitiria não só a plena utilização de toda a maquinaria, como a
rápida amortização dos novos meios de produção adquiridos (58).

Segundo Pereira, a obsoletização do equipamento apresenta-se associada ao


desenvolvimento de um determinado ramo. Isto é, a facilidade na obtenção e baixo
custo da mão de obra aliadas a uma relativa baixa taxa de lucros por conta da saturação
de bens cuja procura é de natureza inelástica, como os setores de produtos alimentícios
e têxtil (vestuário, calçados e artefatos de tecidos), configuram-se como fatores
condicionantes do baixo desenvolvimento tecnológico e a alta porcentagem de
maquinaria com elevada capacidade ociosa. A grande dificuldade para os ramos acima
listados parece estar representada em sua própria estrutura de mercado:

[...] sendo a procura desses bens relativamente inelástica, a ampliação


de seu mercado depende, em larga medida, do crescimento
demográfico e do conseqüente aumento da população consumidora
(...) Ora, havendo outros ramos mais vantajosos não só quanto às

11
possibilidades de expansão do mercado, como também em termos de
concorrência, às vezes, os próprios empreendedores instalados nesses
ramos vêem-se obrigados a investir em outras áreas e não no próprio
negócio (71).

Pereira localiza os ramos de transformação de minerais não-metálicos, mecânico


e metalúrgico como em situação intermediária. Isto é, o primeiro possui equipamento
relativamente recente e voltado às indústrias de construção, cuja produção apresenta
facilidade no escoamento devido ao processo de urbanização e, nesse sentido, o
equipamento é continuamente renovado. O ramo mecânico apresenta ausência de lastro
financeiro sólido, isto é, endividamento, baixa capacidade de análise preditiva
(produção contando com a produção futura sem compreensão da existência de
demanda). Já o ramo metalúrgico apresenta alta porcentagem de maquinaria antiga e
também elevada capacidade ociosa, ou seja, o equipamento, mesmo durante o período
normal de trabalho não é utilizado em sua plena capacidade. Já as indústrias de material
elétrico, de comunicação e de transporte representam a inversão do cenário acima
descrito. De acordo com Pereira, a principal característica desses ramos é a procura
elástica e com tendência a crescer, tendo em vista o aumento da capacidade aquisitiva
real da classe média e o aumento de seus quadros.

Racionalidade na organização das empresas

A manutenção, na direção das empresas, de certos “pioneiros” com “certas


disposições predatórias eram essenciais para o êxito do empresário e da consolidação da
empresa” (FERNANDES, 1963: 323). Contudo, destituídos de conhecimentos mais
aprofundados de análise de mercado e de conjuntura econômica (nacional e
internacional), tal “disposição predatória” dos “pioneiros” diante da intensa
racionalização advinda de seus concorrentes estrangeiros, colocava em risco a própria
sobrevivência da empresa:

Tivemos oportunidade, no decorrer do trabalho de campo, de


entrevistar alguns dos novos managers que nos declaravam; com
pesar, que sua atuação era perturbada por velhos proprietários e
diretores, incapazes de acompanhar a marcha dos tempos. Alguns se
mostravam mesmo categóricos em sua opinião de que a situação das

11
empresas, na direção das quais tomavam parte, só melhoraria com a
morte ou o afastamento desses industriais da velha guarda (84).

Isto é, o excessivo “controle pessoal e direto” por parte desses homens (“a velha
guarda”) acaba restringindo “os limites de eficiência possível”, impedindo “a direção
burocrática da administração e o aproveitamento de técnicos especialistas”. O êxito
empresarial e a prosperidade da empresa são vistos por muitos empresários como
resultados de uma “herança social” dos ancestrais. (CARDOSO, 1972: 95-97). Isto é,
resistindo às transformações modernizadoras, tais empresas deixam de aumentar seu
capital colocando suas ações no mercado ou aumentando o número de sócios: “temendo
perder o controle da empresa (...), parece-lhes que dando um tal passo ou, até mesmo,
delegando poderes a administradores profissionais, teriam diminuído o seu poder”
(PEREIRA, 1967: 85).

4.3 “Greves operárias em São Paulo”

Segundo entrevista concedida por Leôncio Martins Rodrigues 169, o estudo


realizado no interior do CESIT, “Manifestações e funções do conflito industrial em São
Paulo”, encontra-se na Segunda Parte da obra “Conflito Industrial e Sindicalismo no
Brasil”. A Segunda Parte da obra em questão intitula-se “Greves Operárias em São
Paulo”.
Em estudo sobre as transformações nas relações de trabalho e a estabilidade na
indústria brasileira durante a década de 1960, Maria Inês Rosa selecionou algumas
obras dos integrantes da Cadeira de Sociologia I e participantes do CESIT. A obra de
Rodrigues consta desta seleção, entretanto, para a autora, a pesquisa representa uma
“produção independente em relação ao CESIT”, isto é, não é oriunda do Centro, “haja
vista a sua curta existência [em algumas bibliografias durou até 1964, em outras até
1969] impossibilitando-lhe constituir-se em núcleo gerador sistemático de
conhecimento de sociologia industrial e do trabalho no Brasil” (1982: 16). Contudo,
para nós a obra atende efetivamente aos temas propostos no projeto do Centro
(conforme apresentação de Florestan Fernandes em “A Sociologia numa era de
Revolução Social”), e embora, segundo o autor a pesquisa fosse inteiramente individual

169
Rodrigues, Leôncio Martins. 07/06/2006.

11
ela foi realizada no âmbito do CESIT. Vejamos o extenso, porém elucidativo
depoimento de Rodrigues sobre a experiência no Centro:

Nenhum dos contratados era da Cadeira, embora girassem em torno


dela. Éramos da “turma do Florestan”. Havia os da “turma do
Fernando Azevedo”, depois do Ruy Coelho. Fomos contratados para
uma pesquisa. Depois, todos os principais pesquisadores recém-
contratados — Gabriel Bolaffi, Lourdes Sola, Celso Beisiguel, José
Carlos Pereira, Cláudio Vouga e eu — acabaram passando para a
Cadeira. Na época não havia carreira de pesquisador. A ambição de
todos era passar para o corpo docente. E assim acabou acontecendo. O
Cesit foi uma espécie de celeiro de abastecimento da antiga Cadeira
de Sociologia I. (...) No meu período, o CESIT não desenvolveu
nenhum projeto coletivo. Predominava a prática de pesquisas
individuais, necessárias para a realização de teses. (...) Todos os
projetos da Cadeira estão comentados no livro do FF [Florestan
Fernandes]. Recordo-me que havia duas pesquisas principais: uma do
FHC [Fernando Henrique Cardoso] sobre os empresários e outra do
Octávio, sobre o Estado. A linha de preocupações era o estudo do
Brasil moderno, urbano. Quando o CESIT surgiu, havia um projeto
sobre a estrutura industrial de S. Paulo que deveria ser dirigido por um
pesquisador inglês, Huntchinson. Contudo, esse professor teve
pequena participação efetiva. Maria Sylvia Carvalho Franco também
participou desse grupo. Acho que depois se afastou. Do resultado
dessa pesquisa, os pesquisadores do CESIT retirariam dados para os
mestrados. Eu usei parte do material sobre a ocorrência de greves para
minha dissertação, publicada depois no livro Conflito Industrial e
Sindicalismo no Brasil (II Parte: “Greves Operárias em S. Paulo”).
José Carlos Pereira publicou também um livro usando dados da
mesma pesquisa. Mais tarde, cada um dos cinco pesquisadores
“principais” indicados acima, teve como obrigação realizar uma
monografia sobre uma empresa industrial enquanto trabalhavam como
assistente de pesquisa com o Fernando Henrique ou com o Octávio.
Eu fiquei trabalhando com o FHC. Creio que o Cláudio Vouga
também. Com o Octávio ficaram a Lourdes e o José Carlos Pereira.
Havia também a “turma do FHC” e a “turma do Octávio”. (...) Você
me pergunta se os trabalhos eram realizados simultaneamente. Em
princípio, sim. Cada um deveria desenvolver a sua monografia sobre a
empresa indústria, que deveria resultar em teses de doutorado. Eu
escolhi a Willys Overland, na época a empresa automobilística mais
importante do País, com 51% de capital nacional (ao que se dizia).
Posteriormente, foi comprada pela Ford. Decidi estudar os
trabalhadores. Daí saiu meu doutorado denominado “Atitudes
Operárias na Industria Automobilística170“.

Em “Conflito Industrial e Sindicalismo no Brasil”, uma das preocupações de


Rodrigues está em mostrar o processo de incorporação/ajustamento do trabalhador à
indústria. Para realizar o estudo, Rodrigues tomou como recurso teórico metodológico a

170
Rodrigues, Leôncio Martins. 07/06/2006.

11
análise acional desenvolvida por Alain Touraine em Sociologie de l’Action,
especialmente o capítulo V. Segundo a tipologia desenvolvida por Touraine,
encontraríamos três modelos de sistemas técnicos e de produção, a cada um
corresponderia um tipo de sindicalismo e luta operária e, por conseguinte, um tipo de
consciência, expressando-se esta nos princípios de totalidade, identidade e oposição da
classe operária em relação à burguesia industrial. Estes tipos demarcariam as estratégias
do desenvolvimento da indústria.
Em junho de 1989, a Universidade de São Paulo promoveu o seminário “O
Retorno do Ator”, na conferência de Alain Touraine: “A sociologia da ação: uma
abordagem teórica dos movimentos sociais171”, o sociólogo retomou os três momentos
de sua produção. No primeiro momento Touraine estudou o movimento operário, dando
ênfase a um dos seus aspectos positivos: o trabalhador defendia seu mundo, como fator
positivo e centrado numa civilização do trabalho, numa civilização industrial “(...) Esse
foi, portanto, um primeiro esforço para identificar a consciência operária e não,
simplesmente, a história da indústria ou das lutas de classe”. (TOURAINE, 1991:
31/32).
No segundo período Touraine, a partir de uma “quebra de confiança na
industrialização”. Ele afirma:

“Um movimento social está formado por dois aspectos, que não
podemos separar: um aspecto conflitivo, que consiste no
enfrentamento de um ator com outro ator social. Por exemplo, uma
classe social com outra classe social. Um enfrentamento que ocorre no
interior de uma relação de poder, de dominação social. Esse é o
primeiro aspecto. O segundo é uma orientação positiva em direção a
valores centrais da sociedade. Não se trata, portanto, nem de uma
visão puramente conflitiva, nem de uma visão participacionista (...) o
movimento social envolve um conflito entre atores opostos, mas que
têm algo em comum: as orientações culturais” (TOURAINE, 1991:
32).

De acordo com Touraine o movimento social é um conceito analítico, teórico,


que poderá ser visualizado através do estudo de conflitos onde atuem atores sociais que
partilhem de um mesmo campo social - estejam no interior de um sistema de ação
histórica - e que, através de sua prática social questionem a orientação da historicidade.
Touraine continua:

171
ANAIS DO SEMINÁRIO O RETORNO DO ATOR-França/Brasil. Faculdade de Educação-
USP. São Paulo, 1991.

11
O movimento social é muito mais do que a defesa de interesses
particulares. É uma vontade de construir ou reconstruir a sociedade
em seu conjunto, de maneira favorável aos interesses de um grupo.
Com esta visão comecei imaginando um método de pesquisa que
permitisse estudar a formação de movimentos sociais. Não a formação
em termos concretos, mas a presença de um conflito, no interior de
uma ação coletiva. A presença ou não de um movimento social,
definido como nível mais alto de uma ação coletiva. A capacidade de
um ator coletivo ser agente de discussão e construção de um certo
modelo de sociedade (TOURAINE, 1991:33).

No terceiro período, Touraine considera que o sujeito não é o indivíduo (no


sentido liberal do termo), pois “ser sujeito” significa ter a vontade de ser ator, isto é,
atuar e modificar seu meio social mais do que ser determinado por ele. Portanto, a
liberdade do sujeito será construída em sua relação com o outro, na alteridade, mas não
na subjugação, não na integração sistêmica acrítica, mas na busca do reconhecimento,
na sua universalidade e na sua particularidade. Por isso, os temas do multiculturalismo,
do dilema entre igualdade e diferença e da educação intercultural também assumem
relevância em seus debates, tendo como lastro social a condição democrática, sob a
premissa de que o sujeito possa tornar-se ator em seu destino pessoal e coletivo
(GADEA & SCHERER-WARREN: 2005).
Mas para o que interessa ao nosso objeto de estudo, são os dois primeiros
momentos da produção bibliográfica de Touraine, pois essa produção relaciona-se, no
campo teórico metodológico, ao trabalho promovido por Rodrigues sobre as greves
operárias. Nas considerações de Touraine, conforme mencionamos brevemente acima,
existem três modelos de sistemas técnicos e de produção e, a cada um corresponderia
um tipo de sindicalismo e luta operária e, concomitantemente estes modelos
demarcariam as estratégias do desenvolvimento da indústria. Vejamos as pontuações
sobre cada fase:

1. Fase “A” – corresponderia a um sistema profissional relacionado à cooperação


simples, à manufatura, ao operário de ofício e ao trabalho em grupo, decorrente
da decomposição do trabalho artesanal, à noção de qualificação profissional.
2. Fase “C” – representaria um sistema técnico e aponta à produção continuada:
automatização e automação e à definitiva dissociação produtor/produto e sistema
de produção.
3. A esse conjunto de fases estaria uma fase intermédia e contraditória entre o
sistema profissional e o sistema técnico de trabalho, denominada fase “B”,

11
correspondente à grande série e à produção em cadeia, ao operário em
ajustamento ao sistema industrial, à racionalização técnico-organizacional
operada pelo taylorismo e pelo fordismo (GADEA & SCHERER-WARREN:
2005).

A indústria brasileira estaria na “fase B”, cujo acento está em delimitar a


transição e superação de um sistema de trabalho para outro: do sistema profissional para
o sistema técnico, isto é, a organização estaria fundada no trabalho em série,
especializado e não-qualificado. Segundo a expectativa dessa fase, ocorreria a expansão
macia da industrialização a par com a institucionalização crescente das lutas de classe,
denominadas “conflitos industriais”. Nesse quadro de mudança, a consciência
profissional que se expressaria sob os princípios de ação de oposição e identificação
operária cederia lugar à consciência de classe econômica. Com esta, seria introduzido o
princípio de totalidade, enquanto o de oposição seria modificado, ocorrendo a
coalescência em relação tanto ao seu adversário de classe enquanto à sociedade
industrial, na qualidade de sujeito histórico. E neste sentido, a consciência de classe
seria encaminhada a se identificar com a classe burguesa enquanto ethos civilizatório.

Condicionantes para ocorrência de greves

A primeira consideração de Rodrigues é em relação à “quase total inexistência


de dados e informações estatísticas” (51). Os únicos dados que o autor encontrou sobre
a ocorrência de greves em São Paulo foram extraídos da Revista de Estudos Sócio-
Econômicos do Departamento Intersindical de Estatística de Estudos Sócio-
Econômicos: 180 em 1961 e 154 em 1962. No entanto, devemos ressaltar que a
pesquisa que orientou o estudo sobre a ocorrência de greves nasceu de outro desiderato:
fornecer uma visão sobre a indústria paulista. Daí, a exposição dos dados, em poucas
ocasiões, ser apresentada de maneira insuficiente.
Segundo Rodrigues, as atividades grevistas na indústria paulista não decorrem
da consciência sindical do proletariado brasileiro: “a grande maioria das greves
brasileiras são determinadas diretamente por fatores de ordem econômica, são greves de
natureza salarial e não visam objetivos políticos, socais e profissionais mais amplos”
(53). Isto é, as greves operárias são estimuladas diretamente pelo processo inflacionário
e, mais do que conseguirem uma participação na distribuição da renda nacional, indicam

11
o esforço das camadas assalariadas para a preservação do seu nível de vida ante a
desvalorização da moeda nacional.
Segundo o autor, nas sociedades mais desenvolvidas economicamente – onde a
classe operária alcançou um padrão de vida relativamente elevado em comparação com
a classe trabalhadora brasileira – as reivindicações operárias tendem a deslocar-se do
plano salarial para se concentrarem na obtenção de outros benefícios e vantagens. Para o
autor, isso não ocorre no Brasil porque, em primeiro lugar, a atenção dos sindicatos é
absorvida pela defesa dos salários ameaçados pelo processo inflacionário e pelos
problemas políticos gerais. Em segundo lugar, a preocupação sindical relaciona-se à
legislação trabalhista. Entretanto, esse sindicalismo agrupa somente uma parcela da
classe, “dando grande importância aos problemas da nação e pouca atenção aos
problemas profissionais da classe, ou encarando esses últimos do prisma de
transformações estruturais gerais” (55), atuando sobre uma massa de trabalhadores que,
além de trazer consigo apenas a visão social tradicional, essa massa apenas age
coletivamente quando se trata de impedir a redução de seus salários ante a inflação “sob
o impulso direto da liderança sindical efetuada através dos ‘piquetes 172’ das greves”
(56). De maneira que, paradoxalmente, quando observamos os programas e objetivos
que motivam a liderança sindical, somos levados a ressaltar sua politização, mas quando
os sindicatos são percebidos a partir do conjunto da classe, assinalamos tanto sua
politização quanto a sua despolitização. Ou seja, o desnível entre liderança e base
decorre da importância secundária que os sindicatos atribuem aos problemas
estritamente profissionais dos operários e às reivindicações ligadas diretamente à
situação fabril:

[...] as questões relacionadas com a supervisão, relações com a


mestria, condições e ritmo de trabalho, higiene e segurança,
classificação profissional etc. não fazem parte das principais
preocupações das lideranças operárias. O sindicalismo brasileiro é um
sindicalismo que vive fora das empresas (grifos nossos, 56).

Destarte, nos casos de conflitos entre trabalhadores e classe patronal, os


sindicatos se limitam a prestar assistência jurídica aos interessados e orientá-los em suas

172
Os piquetes são organizados pelas lideranças sindicais e seus objetivos podem ser postulados a
partir de três elementos: a) impedir a entrada de “furadores de greve”; b) disciplinar os trabalhadores (no
sentido de promover o desenvolvimento da consciência sindical; e c) elevar a moral dos operários.
Segundo Rodrigues, o piquete visa atingir a grande massa operária não integrada e não organizada
sindicalmente.

11
reivindicações junto à Justiça do Trabalho. Isto é, sendo que as exigências salariais
ocupam o centro das preocupações das camadas operárias, as greves políticas 173 –
praticamente – não têm ocorrência na indústria paulista. O texto nos aponta duas greves
que podem ser assinaladas como políticas: a de 5 de julho e a de 14 de setembro de
1962, ambas assumiram a feição de greve geral de 24 horas e visaram pressionar o
Parlamento para a formação de um “governo nacionalista e democrático”. Contudo,
Rodrigues faz a seguinte ressalva: “a realização desses movimentos foi em parte
facilitada pela inexistência de repressão violenta, uma vez que várias das reivindicações
colocadas pelo movimento grevista coincidiam com as de um setor político no Poder”
(57). Como também assinala Jorge Miglioli a respeito das greves acima citadas: “(...)
Eram, inclusive, reivindicações que interessavam a uma parte do governo, não só na
Câmara dos Deputados, mas no próprio Executivo, assim como à ampla camada das
Forças Armadas” (1963: 125).

Enfim, como os sindicatos se concentram nas empresas mais importantes, a


paralisação do trabalho em algumas das unidades fabris constitui em êxito apenas
parcial. Assim, as determinações sociais, políticas e econômicas que têm raízes mais
profundas no subdesenvolvimento brasileiro contribuíram para criar uma direção
sindical impregnada por uma consciência nacionalista, mas com uma massa de
trabalhadores desorganizada e com baixo índice de sindicalização174.

Conforme observamos acima, as greves deflagradas em São Paulo constituíram-


se, basicamente, em ações reivindicativas de reajuste salarial. Levando em consideração
que, praticamente, todas as categorias profissionais, em algum momento entre 1956 e
1961, empreenderam movimentos grevistas através de seus respectivos sindicatos, causa
estranheza a Rodrigues a constatação dada a partir da depuração de questionários175

173
Rodrigues compreende “greve política” pelo conflito de ações que ultrapassam o âmbito das
reivindicações restritas aos problemas salariais e condições de trabalho.
174
A respeito da filiação sindical e de sua relação com índices de sindicalização, José Albertino
Rodrigues aponta interessante observação: “(...) todos os dados apresentados quanto ao número de
associados devem receber uma correção. Referem-se sempre ao número de associados inscritos no
sindicato, mas nem todos os trabalhadores inscritos mantêm-se em dia com suas obrigações associativas
e, a rigor, apenas nominalmente podem ser considerados sócios. Um grande número de trabalhadores
procura sua organização sindical no momento em que tem um grave problema a enfrentar, seja de
natureza jurídica, seja de natureza assistencial. Não sendo sócio, precisa adquirir essa qualidade para ser
atendido – e o faz incontinenti. Resolvido o problema, nem sempre continua a freqüentar o sindicato,
embora nele permaneça inscrito”. (RODRIGUES, 1965: 173).
175
Em entrevista com a Profa. Dra. Vera Mariza Henrique de Miranda (03/05/2007), auxiliar de
pesquisa na coleta e análise dos dados para o desenvolvimento da pesquisa de Leôncio Martins
Rodrigues, tomamos conhecimento de que, uma de suas funções consistia em ir às fábricas para arguir o
operariado sobre as atividades grevistas na empresa em que trabalhavam.

11
sobre as atividades sindicais (respondidos por trabalhadores de diversos segmentos),
pois parte considerável da porcentagem de empresas estudadas no survey não apresenta
ter sido afetada por greves. Vejamos o Quadro I* abaixo:

Empresas Grandes176Empresas MédiasEmpresas PequenasUma ou mais


greves74%71%53%Sem greves26%29%47%Total de fábricas8710078 * Fonte:
Rodrigues, 1966: 58.

À primeira vista, notamos que a porcentagem das empresas em que houve greve
aumenta na medida em que passamos dos pequenos para os grandes estabelecimentos
fabris. Outro ponto demonstrado pelo Quadro I é que o tamanho da empresa (medido
pelo número de empregados) é fator significativo para a ocorrência de movimentos
grevistas, conforme Quadro II**:

Houve greveSem greveFábricas segundo o


número de empregados20 – 4936%64%50 – 9947%53%100 – 24969%31%500 –
74967%33%750 – 99970%30%1.000 – 1.49972%28%1.500 – 1.999100%-2.000 –
2.99971%29%3.000 a mais70%30% ** Fonte: Rodrigues, 1966: 59

A partir dos dados apresentados acima, Rodrigues procura situar o problema nos
seguintes termos: verificando os fatores exógenos a cada empresa (inflação, conjuntura
política, orientação salarial do governo) e os fatores endógenos, isto é, o que ocorre no
interior da empresa. Elencados e distribuídos os fatores, Rodrigues procurou averiguar o
ramo industrial a que as empresas se dedicavam, localizando a natureza das tarefas que
os operários perfaziam; a composição da mão de obra (proporção de operários
qualificados, semi-qualificados, presença de mulheres e menores empregados); a
categoria profissional dos trabalhadores, e, consequentemente, os sindicatos a que
estavam filiados. A partir da construção do cenário, impõe-se a indagação que norteou
considerável parcela do trabalho de Rodrigues: em qual proporção a existência ou não
existência de greves numa empresa depende de fatores endógenos ou exógenos,
controláveis ou não?

Para responder à questão, Rodrigues lança a hipótese de correspondência entre


burocratização e greve. Conforme procuramos destacar – brevemente – no subitem
“4.2.4 Racionalidade na organização das empresas” acima, as empresas que
176
A classificação de Rodrigues é a mesma utilizada por Pereira. Recordando: empresas pequenas
de 20 a 99 operários (estabelecimentos que possuíam menos de 20 operários não foram incluídos no
estudo); empresas médias de 100 a 499 empregados; e empresas grandes com mais de 500 trabalhadores.

11
fundamentam suas decisões e orientações em bases pessoais e familiares representam
menores índices de burocratização (CARDOSO: 1972). Para Rodrigues, as principais
características dos estabelecimentos com “menor burocratização” são as seguintes:

1) seleção, admissão e promoção de operários com base em relações pessoais;

2) comunicação verbal de modo direto (entre direção – operários);

3) utilização de procedimentos informais (observação direta e pessoal), com o fito


de medir o rendimento dos operários;

4) inexistência de técnicas de controle de tempo e movimento nas operações de


produção;

5) inexistência de sanções quando de faltas ou atraso de horários;

6) inexistência de cálculos visando determinar a produção e seu custo; e

7) inexistência de cálculos de previsão de vendas etc.

À guisa de ilustração, achamos conveniente apontar o estudo sobre os sindicatos


estadunidenses de Seymour Lipset. No estudo, o cientista político sugere que “(...) os
sindicatos, como toda outra organização em grande escala, se veem obrigados a
desenvolver estruturas burocráticas, isto é, um sistema administrativo racional (...). A
estrutura de uma organização em grande escala requer, por si só, o desenvolvimento de
normas burocráticas de comportamento”. (LIPSET, 1968: 349; 385). De maneira que,
corroborando à análise de Lipset, Rodrigues considera como indicadores de “maior
burocratização” os seguintes itens:

1) existência de provas padronizadas para a seleção e admissão dos empregados;

2) promoções fundamentadas segundo critério de eficiência;

3) ausência de contatos verbalizados com a direção (por parte dos operários);

4) cálculo do preço de custo do produto;

5) previsão de vendas; e

6) propaganda e pesquisa de mercado

12
Devemos salientar que, para Rodrigues, o processo de burocratização na
estrutura sindical é devido à associação desta com os órgãos governamentais.
Entretanto, o autor não sugere que o termo “sindicalismo burocrático de massas” seja
adequado para referir-se ao movimento sindical brasileiro: “[os sindicatos] independem
do apoio efetivo da classe” e são, “pela legislação vigente, os representantes oficiais
obrigatórios da classe nas negociações com os sindicatos patronais” (98).

Todavia, ao aplicar o “Teste do Qui177“, a associação greves e burocratização foi


considerada não-significante, a 5%. Como sua primeira hipótese foi desfeita ante o
teste, Rodrigues parte para outras considerações a fim de encontrar a força motriz das
greves e sua estrutura.
Partindo, então, da hipótese de que as fábricas mais necessitadas de mão de obra
qualificada e em grandes proporções fornecem clima mais propício à eclosão de greves,
posto que o grupo de operários mais qualificados apresentava um índice de
sindicalização mais elevado, Rodrigues submete a nova hipótese à aplicação do “teste
do Qui” e, novamente, a correspondência glosada é classificada como insignificante.
A outra hipótese de Rodrigues refere-se à aplicação de sanções aos funcionários,
como por exemplo, quando são anotados atrasos de horários na entrada dos operários
em serviço. Outro ponto considerado por Rodrigues é que as empresas que mais aplicam
sanções são, também, as de maior grau de burocratização e formalização no trato entre
funcionários.
Entre as fábricas consideradas grandes (acima de 500 operários) foram
registradas as porcentagens mais elevadas de firmas que costumam aplicar sanções por
atrasos de horários: 57%, contra 47% das empresas médias (100 a 499 trabalhadores) e
27% dos estabelecimentos pequenos (20 a 99 funcionários). Visto que, entre as
empresas grandes também é encontrada a maior porcentagem de fábricas atingidas por
greves, Rodrigues associa a aplicação de sanções à incidência de greves.
Segundo o autor, outras associações visando medir a influência das condições
endógenas para a ocorrência de greves não foram possíveis de ser efetuadas devido a
insuficiência dos próprios dados coligidos. Como mencionamos anteriormente, a

177
O “teste do Qui”, a que Rodrigues faz menção refere-se ao “teste do Qui -quadrado”, que
consiste na aplicabilidade para variáveis discretas, contínuas e mesmo categóricas. O teste colocaria à
prova frequências esperadas e observadas, isto é, um critério para a admissibilidade da aproximação da
distribuição. Contudo, tivemos conhecimento dessa informação apenas pela definição encontrada no
seguinte sítio: http://www.isa.utl.pt/dm/ede/00-01/sumario.html.

12
pesquisa que orientou o estudo sobre a ocorrência de greves foi animada por outra
motivação: o estudo destinava-se à obtenção de informações mais gerais sobre a
indústria paulista. Todavia, Rodrigues pondera que a ausência ou presença de greves no
período analisado (1955-1961) não se deve tanto à capacidade ou habilidade da empresa
em evitá-la, mas da capacidade ou habilidade do sindicato em promover movimentos
grevistas.

Consciência sindical

Segundo Rodrigues, diante do enfraquecimento das formas de dominação


patrimonialista, os sindicatos deveriam desenvolver sobremaneira a consciência da
necessidade de coesão grupal entre os trabalhadores. O desenvolvimento dessa
consciência poderia traduzir-se em participação mais ativa em movimentos e atividades
sindicais, inclusive greves, visto que “(...) O que une os trabalhadores é uma forma de
solidariedade afetiva e pessoal, e não o sentimento de pertencer a uma mesma classe, a
consciência de objetivos comuns representados pelos sindicatos” (75).

Neste sentido, os piquetes são considerados pelo autor como um instrumento


para atingir a grande massa operária não integrada e não organizada sindicalmente. A
importância dos piquetes, no contexto brasileiro, advém do fato de que os sindicatos
agruparam somente uma parcela minoritária da classe trabalhadora. Rodrigues elenca
três fatores para a presença de piquetes no Brasil, a saber:

1) “Inexistência de organizações sindicais de local de trabalho” – organizados pelo


Estado, os sindicatos constituíram-se fora do movimento operário e apresentam
íntima relação com o Ministério do Trabalho e outras agências governamentais.
De maneira que, a inexistência de organizações sociais de fábricas obsta a
emergência de padrões organizados de conduta, destinados a exercer algum tipo
de pressão sobre a gerência da fábrica;
2) “Baixo nível de integração sindical do proletariado” – com exceção,
possivelmente, dos trabalhadores portuários, ferroviários e da indústria
petroquímica, os demais operários industriais apresentam baixos índices nas
atividades sindicais; e

12
3) “Origem agrária” – como grande parcela da mão de obra urbana veio das zonas
rurais, certas formas de comportamento submisso diante da classe patronal
subsistiram, dificultando o processo que conduz o operário ao desenvolvimento
da consciência de classe178. Ainda que as influências do meio urbano-industrial
tenham contribuído para a modificação das formas rurais de agir, e ainda que, as
condições de trabalho tenham imposto – progressivamente – um tipo de
comportamento mais próximo do conflito entre capital e trabalho, as condutas do
operário advindo do meio rural não propiciam, segundo Rodrigues, a construção
de laços de solidariedade coletiva que não sejam baseados em relações primárias
ou de parentesco. Ainda é possível somar à situação desse operário, o
alheamento político-social a que a estrutura agrária brasileira relegou as massas
rurais, isto é, o tipo de dominação paternalista acarretou em uma “atitude de
submissão das pessoas pertencentes às camadas inferiores ante os membros dos
estratos superiores, em que a humildade e o respeito são traços característicos”
(78).

Localização das fábricas e as greves

Tendo em consideração que a paralisação do trabalho nas empresas se realiza


mediante a chegada dos piquetes, torna-se possível realizar uma correspondência entre a
localização da fábrica, isto é, as fábricas situadas em bairros operários, e as inseridas em
grandes áreas de concentração fabril, que tendem a evidenciar maior frequência de
greves:

[...] A paralisação do trabalho numa empresa situada em área de


grande concentração fabril tende a propagar-se rapidamente a outras
fábricas, e é obviamente para aí que os piquetes se dirigem de
preferência, onde podem contar com a solidariedade da população e se
reforçar com a adesão possível dos que abandonam o trabalho nas
várias fábricas circunvizinhas (80).

O atributo “localização” é relevante na medida em que significa a conjunção de


dois fatores, quais sejam: a concentração operária e a atuação dos piquetes. Todavia,
Rodrigues salienta que a localização perderia sua força no que concerne à ocorrência de

178
RODRIGUES, José Albertino “Situação Econômico-Social da Classe Trabalhadora”. In: Revista
de Estudos Sócio-Econômicos, Ano 1, n. 1, setembro de 1961, p. 23-27

12
greves se a participação dos operários nas atividades sindicais fosse mais desenvolvida,
ou seja, se os sindicatos existissem no interior dos estabelecimentos fabris (comissões
de local de trabalho, por exemplo) a função dos piquetes, como instrumento de
consecução dos movimentos grevistas, também tenderia a decrescer.

Ramos industriais e greve

Para Rodrigues, a capacidade de paralisar o trabalho no maior número possível


de empresas, nos momentos das greves de categoria profissional, apresenta-se
estreitamente relacionado ao ramo industrial, conforme o Quadro III*:

G Ramos Industriais Houve greve Sem greve Total de


Fábricas
R Mecânico 100% - 14
U Material Elétrico e 94% 6% 17
Comunicações
P Metalurgia 91% 9% 34
O Construção e 80% 20% 20
montagem de material
de transporte
I Têxtil 74% 26% 54
G Outros179 62% 38% 58

R Vestuário, calçados e 59% 41% 17


artigos de tecido
U Transformação de 35% 65% 17
P minerais não-metálicos
Químicos e 32% 68% 22
O Farmacêuticos
Produtos alimentícios 20% 80% 15
II
* Fonte: Rodrigues, 1966: 83.
Analisando comparativamente os dois grupos separados por ramos industriais
(Quadro IV), podemos perceber que a quase totalidade das fábricas do Grupo I (92%)
registrou a incidência de greves, enquanto as do Grupo II, em cerca da metade não
ocorreram movimentos grevistas. Desta forma, torna-se possível relacionar a propensão
para a eclosão de atividades grevistas segundo o ramo industrial. Segundo Rodrigues, o
fator decisivo para a ocorrência de movimentos grevistas apresenta-se conjugado ao
poder da organização sindical (no sentido do sindicato possuir condições de estender as
ordens de greve a um número expressivo de estabelecimentos fabris). Outro ponto

179
O item/ramo “Outros” compreende as seguintes indústrias: Madeira, Mobiliário, Papel e
Papelão, Borracha, Couros, Peles e produtos similares, Bebidas, Fumo, Editoras e Gráficas.

12
assinalado é a composição da mão de obra, isto é, os sindicatos de categorias
profissionais mais numerosas dispõem, ainda que a arrecadação do Imposto Sindical
não seja empregado em financiamento de greves, de uma maior soma de recursos
materiais e humanos para a formação de piquetes e outros meios de pressão.

Quadro IV**: Comparação entre Grupo I e Grupo II


Fábricas Fábricas Fábricas
Grandes Médias Pequenas
Houve greve 92% 87% 61%
Grupo I
Sem greve 8% 13% 39%
Total de fábricas 51 52 36
Grupo II Houve greve 51% 54% 30%
Sem greve 49% 46% 70%
Total de fábricas 39 48 42
** Fonte: Rodrigues, 1966: 83.

***

Frequentemente fala-se de “dois brasis” como se tivéssemos sempre, em


compartimentos estanques, uma estrutura social arcaica e outra moderna, como se essas
estruturas não se interpenetrassem, como se os fenômenos sociais típicos de uma
organização social patrimonialista também não fossem revelados e, constantemente, no
chamado “Brasil moderno”. E, é esse processo de desenvolvimento combinado,
consubstanciado na dualidade estrutural de nossa sociedade, que torna ainda mais
complexa, contraditória e singular a conduta política e social da indústria e do
proletariado brasileiro:

A implantação da indústria em bases amplas dependeu e implicou na


alteração das formas tradicionais das relações entre os homens, com
todas as consequências disso no plano de motivação do
comportamento, da aspiração de ideais de vida, da emergência de
formas novas de conduta social (CARDOSO, 1961: 154).

Contrariamente às abordagens acerca de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de


Hollanda, a abordagem em que o grupo em torno da Cadeira de Sociologia I e,
especialmente o CESIT se vincula e expressa ocupa posição nodal, não se trata mais de

12
acentuar resquícios ibéricos - sejam eles patriarcais ou patrimoniais - na dinâmica da
sociedade brasileira contemporânea em seus mais variados âmbitos e dimensões.
Para a sociologia desenvolvida pelo Centro, os processos de modernização
experimentados pelo Brasil possibilitaram à nossa gramática social amortecer alguns
elementos da ordem tradicional. Entretanto, para essa sociologia, isso não significou que
o Brasil tenha incorporado exatamente o mesmo padrão de sociabilidade das ditas
“sociedades modernas centrais”: é a insuperada condição de “dependência estrutural”,
explicação que buscou apresentar a particularidade do padrão de sociabilidade que
consolidada no Brasil. De maneira que, segundo esse modelo viés interpretativo, o
caminho tomado em direção à modernidade no Brasil não foi o mesmo da França, dos
Estados Unidos e da Inglaterra: o aparato estatal brasileiro teria sido levado a adotar
uma postura consideravelmente mais ativa em esferas sociais as mais variadas, a fim de
superar insuficiências e dar um “salto pra frente”.
Florestan Fernandes também está inscrito nesta concepção. Segundo o
sociólogo, já na década de 1950, a sociedade brasileira teria internalizado os mesmos
padrões sociais, políticos e econômicos vivenciados pelas sociedades capitalistas
hegemônicas apenas em suas linhas mais gerais. Entretanto persistiu a condição de
dependência estrutural: setores econômicos modernos, de um lado, e setores arcaicos, de
outro. Em tais condições, conforme Florestan, nossa modernização teria, então,
permanecido “dissociada do modelo de civilização operante nas nações hegemônicas”,
pois ela negligência (a nossa modernização) ou põe em segundo plano os requisitos
igualitários, democráticos e cívico-humanitários da ordem social competitiva, que
operariam, na prática, como obstáculos à transição para o capitalismo monopolista. Na
periferia, essa transição torna-se muito mais selvagem que nas nações hegemônicas e
centrais, impedindo qualquer conciliação concreta, aparentemente a curto e longo prazo,
entre democracia, capitalismo e autodeterminação (FERNANDES, 1976: 256).
Com o projeto do CESIT, a concepção das limitações históricas das diferentes
classes sociais está proposta como base de uma possível intervenção sociológica
modernizante na sociedade brasileira: no âmbito desse Estado que sufoca e confina
organizações civis, mas também da burguesia e da classe trabalhadora.
Ao buscar explicações para nossa “tão peculiar modernidade”, Florestan
Fernandes (1975; 1976) sugere que a combinação inicial de grande lavoura, escravidão
e expropriação colonial teria revitalizado algo que havia muito se esgotara no continente
europeu, a saber, uma configuração social de tipo estamental. Fernando Henrique

12
Cardoso (1972, 1980) também refuta a tese segundo a qual tendências culturais
profundas teriam aprisionado a sociedade brasileira em formas de sociabilidade de tipo
patrimonial. Para ele, as principais estruturas da sociedade brasileira contemporânea
deveriam ser compreendidas como decorrentes do reaparecimento do sistema externo de
dominação capitalista em práticas nacionais de determinados grupos sociais. Em
nenhum momento teria sido possível dar um “salto” em direção à almejada
autonomização, pois as etapas finais de realização da produção capitalista
permaneceram intrinsecamente dependentes da dinâmica do mercado internacional
(posição também em acordo aos postulados apresentados pelo “Boletim” nº11, como
vimos no capítulo anterior).
Octávio Ianni (1971, 1978), por sua vez, argumenta que os dilemas do Brasil
contemporâneo resultam dos conflitos sociais, políticos, econômicos e culturais que
teriam emergido ao longo do planejamento, da sucessão e da coexistência de quatro
modelos de desenvolvimento no Brasil: 1) o modelo exportador; 2) o de substituição de
importações; 3) o de desenvolvimento associado; e, ainda que de maneira limitada, 4) o
socialista. As lutas e os conflitos em torno de cada um desses modelos jamais teriam
deixado de depender, de maneira bastante acentuada, do resultado de contradições e
crises que se desenrolaram no cenário internacional. Mesmo quando fatores internos
tiveram algum peso em tais conflitos, isso só teria se dado depois que transformações
exteriores fizessem valer seu impacto. Central para a compreensão do Brasil moderno
seria, pois, a noção de dependência estrutural, que para Ianni ocorreria “sempre que
relações e estruturas econômicas e políticas de um país estão determinadas pelas
relações e estruturas de tipo imperialista” (1971, p. 33).
Segundo a percepção desse cenário, a sociologia aplicada realizada no interior
do CESIT não procurou separar a sociedade e a consciência social, e combinou seus
feitos a partir – em certa medida – da figura de Florestan Fernandes, em função disso
procuramos apresentar de maneira mais precípua as reflexões sociológicas do professor
paulista no desenvolvimento deste capítulo. Fernandes buscava invocar a ideia de que
“só vê algo sociologicamente quem quer algo socialmente”. De maneira que, o
sociólogo deveria aparecer menos como militante propriamente dito e mais como
instrumento da militância e ele próprio sujeito dos processos sociais 180. Essa concepção

180
“Como intelectual aproveitei muito e, principalmente, descobri que a sociologia precisa
responder às expectativas que não devem ' nascer dos donos do poder, mas sim de critérios racionais de
reforma, que levam em conta as necessidades da Nação como um todo, ou das pressões históricas de
grupos inconformistas.” Cf. Florestan Fernandes. A condição de sociólogo. São Paulo, Hucitec, 1978, p.

12
de mudança social compreendia um significativo envolvimento na ação transformadora
e modernizadora, através do mannheimiano planejamento para a mudança, por meio
daquilo que ele desenvolveu e teorizou como sociologia aplicada.
Podemos compreender o projeto do CESIT como um estudo animado pelos
êxitos da experiência de planejamento do governo Carvalho Pinto, em São Paulo, que o
apoiou, ainda que não financeiramente, e não ocultou a ideia de uma intervenção desse
tipo, através do Estado, no conjunto da sociedade brasileira para mudá-la e modernizá-
la. Isto é, procurar orientar e modernizar as visões e condutas das classes sociais, e do
Estado, vencer as resistências à mudança (cultural lag), superar o corporativismo e a
dominação patrimonial. Entretanto, embora o projeto modernizador do Centro não tenha
alcançado efetivamente a esfera social, povoou, sobremaneira, uma nova e necessária
literatura sobre a realidade brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de formação e profissionalização das Ciências Sociais no Brasil


gerou um paradoxo em termos das teorias disponíveis de explicação da especificidade
nacional. Em seus primórdios, as Ciências Sociais apresentaram um conjunto de teorias
de natureza ensaística, que escolhiam algum aspecto da formação social brasileira — a

61.

12
presença do Estado ou o privatismo – para explicá-la. É assim que podemos entender o
surgimento de alguns ensaios que se tornaram referência básica para a compreensão do
Brasil, como “Casagrande & Senzala”, de Gilberto Freyre, ou “Raízes do Brasil”, de
Sérgio Buarque de Hollanda. Tais interpretações, sempre acompanhadas de inquietações
e interrogações, permitiram reafirmar a hipótese de que o Brasil é uma nação em busca
de conceito, uma nebulosa movendo-se no curso da história moderna em busca de
articulação e direção. É como se a história brasileira fosse desenvolvida em termos de
signos e emblemas, figuras e figurações, valores e ideais, um tanto ou muito alheios às
relações, processos e estruturas de dominação e apropriação com os quais se poderiam
revelar mais abertamente os nexos e os movimentos da sociedade, em suas distintas
configurações e em seus desenvolvimentos históricos.

Conforme procuramos demonstrar na presente dissertação, o final da década de


1950 apresentou-nos um acelerado processo de institucionalização e profissionalização
das Ciências Sociais de São Paulo, elementos estes que levaram à aplicação mais
minuciosa dos modelos analíticos disponíveis à realidade brasileira. Segundo Souza
(2000), desse processo de profissionalização surgiram “teorias de médio alcance”, que
se preocuparam em explicar alguns aspectos da sociedade brasileira, como o
corporativismo, a cidadania, os partidos políticos, o sindicalismo, o empresariado e a
organização do Estado. A preocupação que move grande parcela dos estudos surgidos
entre 1950 e 1960 é explicar as características da sociedade brasileira, principalmente
em função de seu papel fundamental tanto no processo de industrialização quanto na
experiência política liberal democrática do país. E a compreensão destas características
remonta ao período da Primeira República, compreendida como o berço do processo de
industrialização e de formação da classe trabalhadora brasileira (FAUSTO: 1997).
Uma característica marcante da bibliografia específica sobre o sindicalismo
apresenta-se segundo a perspectiva adotada de privilegiar os estudos das instituições
sindicais como realidade dinâmica. Nas palavras de Leôncio Martins Rodrigues, “pensar
as linhas de transformação do sindicalismo implica (...) situar as principais variáveis que
afetam o seu desenvolvimento. Este tipo de colocação implica uma certa dose de
futurologia” (RODRIGUES, 1979: 122). Isto é, segundo essa perspectiva a maioria das
hipóteses analisadas se constituem em torno dos problemas do devir do sindicalismo
apontando os prognósticos como “linha-mestra”. E, nesse aspecto adverte Vianna,

12
Se é verdadeiro, porém, que o movimento sindical e operário hoje, não
pode ter sua natureza capturada a não ser como um objeto de
transição,longe de se simplificar o problema se complica. Que
dimensões isolar para a análise: o caráter do sistema político, os novos
problemas de coerção e de consenso ao nível das fábricas, a
institucionalidade, normatização, o mercado de trabalho, a
modernização no sistema produtivo e suas repercussões sobre a força
de trabalho? (1986: 181).

Vianna observa também que a maturidade científica se inscreveu na produção


bibliográfica da Sociologia do Trabalho a partir das pesquisas precursoras de Azis
Simão, Juarez Brandão Lopes, Leôncio Martins Rodrigues e Albertino Rodrigues
(VIANNA: 1986). Aproveitamos a seleção de autores elencada por Vianna por dois
fatores. O primeiro é o de realizar um pequeno balanço bibliográfico de algumas das
análises que os autores listados propuseram no decorrer da década de 1960 e, com isso
promoveram uma nova perspectiva para se compreender o “Brasil moderno”. O
segundo fator é relacionado à trajetória pessoal e institucional desses sociólogos: todos,
direta ou indiretamente fizeram parte das instituições que procuramos analisar ao longo
deste texto.
Nosso balanço inicia-se com “Sindicato e Estado” (1966) de Azis Simão, cujo
título prontamente deixa nítido o foco de atenção: a questão do sindicalismo como
elemento chave para a organização e atuação política dos trabalhadores e para suas
relações com o poder do Estado. A utilização de fontes como dados estatísticos,
documentos de associações de classe empresarial e entrevistas com militantes do
movimento operário também constitui outro ponto inovador de Azis Simão. A obra é
considerada seminal no interior da sociologia com a utilização da estatística. Sua análise
busca correlacionar as condições de trabalho por ocasião da emergência do sindicalismo
na Primeira República - em especial os conflitos grevistas –, com o tipo de resistência
da classe patronal e, sobremaneira, com o tipo de intervenção do Estado. Analisando de
forma comparativa com os períodos do pré e do pós-30, o autor chama a atenção para o
tipo de tradição organizacional deste primeiro momento: uma tradição mutualista (e não
corporativista), quer na experiência do operariado, quer na da classe patronal. Para
Simão, o exame da evolução do sindicalismo no Brasil provocou um processo de
uniformização dos tipos de associação - para o que concorre fortemente o Estado – e

13
para um processo de “racionalização” das relações e ações sociais destas organizações,
que se traduz na questão da burocratização do sindicato no pós-30181.
Uma característica distintiva desse grupo de precursores, em relação aos
“cientistas políticos do trabalho”, é o abandono de abordagens macro em favor de
monografias de empresas ou estudos de caso, embora vários autores procurem conciliar
ambas as metodologias. Esse é o caso do ensaio de Juarez Brandão Lopes em “Crise do
Brasil Arcaico”, que tem como quadro de referência o processo de transformação da
sociedade de base agrária em sociedade industrial. Nesse estudo, Lopes analisa o
tradicionalismo e o autoritarismo nas empresas brasileiras (1967), cuja pesquisa procura
– inspirada na tradição weberiana – analisar as estratégias de industrialização segundo
tipos de elite. No estudo sobre indústrias têxteis em duas comunidades de Minas Gerais,
o autor mostra a predominância de práticas tradicionalistas nas relações de trabalho e,
nesse sentido, de baixa burocratização, herdadas tanto da origem rural do operariado,
como da mesma origem rural de parte da elite industrial. Mostra, entretanto, que tais
práticas começavam a apresentar sinais de mudança. O autor procura relatar as normas
sociais vigentes nas relações de trabalho da época através de um conjunto de práticas de
contratação, demissão, promoção, distribuição de benefícios sociais, respeito ou
desrespeito à lei e valores sindicais.
Em “Conflito Industrial e Sindicalismo no Brasil” (1966), Leôncio Martins
Rodrigues coloca a necessidade de captar o modo como a empresa industrial irradiou
seus efeitos sobre a cidade, transformando a mentalidade do homem (condutas, atitudes,
motivações etc.) e, num sentido mais amplo, a própria sociedade. Aqui, haveria, então,
um processo mútuo de integração: empresa industrial, cidade e o homem. A pesquisa se
desenvolve a partir da análise de como foi processada a integração do trabalhador
assalariado na empresa industrial e, a integração consequente com a “comunidade”, isto
é, a cidade de São Paulo. A combinação dessas integrações sugere ou mesmo expressa –
em certa medida – a própria realização da civilização industrial. Em “Conflito
Industrial...” é a própria empresa industrial que se coloca como ethos civilizatório: “(...)
formas semicoloniais ou pré-capitalistas de organização social e de produção ao lado de
181
A figura do dirigente sindical como burocrata ou melhor da burocratização do sindicato e a
ideologia burguesa que fundamentava o processo de burocratização são centrais às preocupações do
estudo de Heloísa Helena Teixeira de Souza Martins “O Estado e a Burocratização do Sindicato no
Brasil”, cuja análise alia a observação participante como Diretora Técnica do DIEESE à perspectiva
teórica. Para Martins, o processo de burocratização do sindicato e dos conflitos, do trabalho teve, na
Revolução de 1930 e nos golpes de 1937 e 1964, os seus pontos mais marcantes, na medida em que esses
momentos definiram mais precisamente os limites e as normas de exercício da autoridade legal-
burocrática.

13
formas mais avançadas e representativas do moderno capitalismo industrial” (1966: 4).
A concepção dual da formação econômica-social capitalista brasileira conduziu
Rodrigues a preocupar-se com a incorporação e o ajustamento do trabalhador ao sistema
industrial ou à indústria, isto é, após o trabalhador deixar a sociedade tradicional em que
vivia e inserir-se numa sociedade moderna de cunho industrial. Entretanto, a análise de
Rodrigues, ao privilegiar o aspecto incorporação/ajustamento do trabalhador ao
regime assalariado, exclui o seu outro aspecto, seu contrário: a objetiva
subordinação/dominação do trabalhador à divisão e organização capitalista do trabalho.
Em “Sindicato e Desenvolvimento Econômico no Brasil” (1968), José Albertino
Rodrigues trata da classe trabalhadora na Primeira República sob o enfoque do
desenvolvimento do sindicalismo, procurando confrontar os momentos do pré e do pós-
30, valorizando a experiência vivida pelos trabalhadores até 1930 e situa sua
importância para a linha mais geral de atuação sindical no país. Rodrigues procurou
diversificar as fontes bibliográficas para analisar o sindicato. Ao invés de se situar
somente ao nível teórico, o sociólogo recorreu também a jornais, depoimentos e
memoriais, processo esse facilitado em função de seu trabalho como Diretor Técnico do
DIEESE durante a década de 1950 e parcela da década posterior.
Em seu livro, José Albertino Rodrigues tem por objeto o sindicato brasileiro. Em
primeiro lugar sua preocupação está retida em uma reconstituição histórica. O autor
procura estabelecer as fases do desenvolvimento do movimento sindical brasileiro.
Albertino Rodrigues aponta cinco fases, a saber: período mutualista (anterior a 1888 182)
que ainda não representa, rigorosamente, fase sindical, mas já apresenta a
implementação do trabalho livre; período de resistência (1888-1819), em que ele adota
essa designação pelo grande número de associações intituladas “União da Resistência”,
“Associação da Resistência, “Liga da Resistência” e “Sindicato da Resistência” e a
periodização que é referente ao Tratado de Versalhes porque, embora os reflexos do
Tratado não tenham tido efeito imediato no Brasil, com eles coincidem ocorrências
particulares que paulatinamente atenuaram a agressividade do movimento sindical da
época; período de ajustamento (1819-1934), em que, com a vitória bolchevique em

182
É válido recordar que a historiografia considera data 1858 como o ano da primeira greve
brasileira. A greve foi realizada por tipógrafos de três jornais cariocas, que por terem aprendizado e
acesso à leitura constituem pioneirismo do movimento operário e, é interessante apontar que no dia
seguinte surgiu a imprensa sindical: “Jornal dos Tipógrafos”. A greve foi realizada em razão de aumentos
salariais e melhorias das condições de trabalho. Para maiores informações sobre essa temática ver:
Vitorino, Artur José Renda. Máquinas e operários: mudança técnica e sindicalismo gráfico (São Paulo e
Rio de Janeiro, 1858-1912). São Paulo, Annablume/Fapesp, 2000.

13
1917 excitam-se os ânimos, tanto na intelectualidade 183 como no próprio movimento
sindical com tendências tanto anarquistas como comunistas184, mas nesse mesmo
período, em função do acento político e da repressão militar, o sindicalismo vai
perdendo o seu caráter revolucionário, buscando, principalmente, a adoção de novos
dispositivos de legislação social e do trabalho; período de controle (1934-1945),
interregno fortemente marcado pela criação de dispositivos regulamentadores do
trabalho, institutos da previdência social e, o ponto principal: os sindicatos são
declarados, por lei, órgãos de colaboração do Estado. Neste sentido podemos perceber
que os sindicatos são descaracterizados como órgãos de luta da classe operária; e
finalmente: período competitivo (1945-1964), revestido pelo ideário democrático. Com
o final da Segunda Guerra Mundial é assinalado o início da “redemocratização”: “o
movimento sindical (...) beneficiou-se com o fenômeno de verdadeiro diálogo
democrático favorecido com a criação da Organização das Nações Unidas”
(RODRIGUES, 1966: 22), todavia, não podemos excluir a possibilidade burocrático-
legal de intervenção estatal, que podia atuar e atuou inúmeras vezes diretamente no bojo
da estrutura sindical185.
Em resumo, ao longo deste panorama da evolução da Sociologia no Brasil,
verificou-se uma diversidade de respostas para a questão de para quê serve socialmente
a Sociologia. Observando a trajetória dos trabalhos produzidos no Centro de Sociologia
Industrial e do Trabalho podemos entender a Sociologia de maneira polifônica:
instrumento de dominação de fração de classe; disciplina auxiliar do progressismo
pedagógico; instrumento de modernização societária; instrumento da libertação
nacional; elemento de apoio aos esforços de democratização da sociedade brasileira 186

183
Como exemplo, podemos citar a fundação do Clarté, grupo que tinha a finalidade de defender a
revolução russa e divulgar as realizações dos sovietes, e que tinha à frente intelectuais como Nicanor
Nascimento, Evaristo de Morais, Maurício de Lacerda, Pontes de Miranda entre outros.
184
No entanto, o sectarismo ideológico dos dois grupos erodiu o movimento operário e nenhum
deles tinha força política suficiente para predominar o meio operário (Rodrigues, 1966: 15).
185
No interior dessa reconstituição histórica, Albertino Rodrigues ainda procura comparar os
avanços, ou não, da legislação trabalhista mediante cada fase.

186
Outro ponto a salientar em relação ao CESIT é que sua experiência em meio ao processo de
modernização autoritária do capitalismo brasileiro procurou denunciar como anacrônicas as referências
intelectuais da Sociologia sobre a oposição “atraso-moderno”, cuja resolução nos seus quadros de análise
implicava a supremacia do segundo termo sobre o primeiro. Entretanto, com o golpe de 1964, as
reivindicações do movimento estudantil e dos professores mais progressistas, identificados com a
reformulação estrutural da universidade e da sociedade brasileiras, foram distorcidas e absorvidas pelos
técnicos do Ministério da Educação e pelos consultores norte-americanos que os auxiliaram a reformar as
universidades brasileiras. Bernardo Sorj & Antonio Mitre indicam que: “(...) Nos primeiros anos do

13
(LAHUERTA: 2005). Neste sentido, também podemos considerar como polifônica a
sociologia do DIEESE. Se, em um primeiro momento, o sindicalismo apresenta-se
dependente e frágil, devido a falta de argumentação racional, ausência de um
denominador comum pertinente aos trabalhadores e posição de desigualdade frente ao
Estado e ao capital. No segundo momento esse sindicalismo, associado ao
Departamento pôde operacionalizar transformações de caráter técnico-científico, isto é,
ao se considerar a produção do Departamento Intersindical, podemos observar que,
segundo a distinção de Ianni – os dois tipos de sociologia aplicada perpassam na
instituição: conhecimento técnico (elaboração do índice do custo de vida, por exemplo)
e o aspecto crítico (análise da situação político-econômica e da classe trabalhadora). E,
em relação ao CESIT buscamos, neste texto, sugerir como a concepção
mannheimiana187 de que os cientistas sociais precisavam alargar a sua noção de teoria,
no sentido de estendê-la à investigação dos processos deliberados na realidade, pôde
realmente indicar a necessidade de participação ativa dos sociólogos no que Florestan
Fernandes denominava de “conversão dos conhecimentos sociológicos em forças
sociais”.

Referências bibliográficas

ARAÚJO, Paulo Roberto. Charles Taylor: Para uma ética do reconhecimento. Tese
de Doutorado. Departamento de Filosofia/IFCH/UNICAMP. Campinas, 2003.

TAVARES DE ALMEIDA, Maria Hermínia. Estado e classes trabalhadoras no


Brasil, 1930-1945. Tese de doutorado. São Paulo, FFLCH/USP, 1978.

regime militar, no período que se estende entre 1964 e 1969, os prognósticos pessimistas pareciam
confirmar-se. As cassações de professores universitários logo depois do golpe, e posteriormente, com
impacto ainda maior, aquelas que se seguiram ao AI-5, levou a pensar que as ciências sociais entrariam
em recesso no Brasil. Neste mesmo período, foi aplicada a reforma universitária, com assessoria
americana e contra a vontade da comunidade acadêmica” (1985: 46).
187
Cf. Florestan Fernandes: “A história da Sociologia não se reduz à história do Marxismo; e
também é algo duvidoso que a parte da história da Sociologia que se distingue da história do Marxismo
possa ser indicada com - suficiente clareza pela expressão “Sociologia acadêmica”. É preciso que se diga,
embora de passagem, que as perspectivas mais completas e as tentativas mais fecundas de fundamentação
teórica da Sociologia, em nossos dias, provêm exatamente de “conciliadores”, como Mannheim, Freyer,
Holbwachs, Linton etc.” (1976b: 411-412)

13
ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. “A Sociologia no Brasil: Florestan
Fernandes e a ‘escola paulista’”. In: MICELI, Sérgio (Organizador). História das
Ciências Sociais no Brasil, vol. 2. São Paulo: Sumaré: FAPESP, 1995.

______. Metrópole e cultura: São Paulo no meio século XX. Bauru, São Paulo:
EDUSC, 2001.
AZEVEDO, Fernando de. “A Antropologia e a Sociologia no Brasil”. IN: A cidade e o
campo na civilização industrial e outros ensaios. São Paulo: Melhoramentos, 1962.

BAPTISTA, Katia. Theotônio dos Santos, Ruy Mauro Marini e Fernando Henrique
Cardoso: o debate sobre a questão da dependência – um capítulo do pensamento
social no Brasil. Dissertação de Mestrado. Araraquara: Sociologia, FCL-UNESP, 2004.

BARBATO JÚNIOR, Roberto. Missionários de uma utopia nacional-popular: os


intelectuais e o Departamento de Cultura de São Paulo. São Paulo: Annablume;
Fapesp, 2004.

BASTOS, Élide. “Pensamento Social da Escola Sociológica Paulista”. IN: MICELI,


Sérgio (Org.). O que ler na ciência social brasileira. São Paulo: ANPOCS: Sumaré;
Brasília, DF: CAPES, 2002.

BASTOS, Élide. & RÊGO, Walquíria. (Orgs.). Intelectuais e política: a moralidade


do compromisso. São Paulo: Olho d’Água, 1999.

BOBBIO, Norberto. Os intelectuais e o poder: dúvidas e opções dos homens de


cultura na sociedade contemporânea. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. São
Paulo, Editora da UNESP, 1997.

BOSI, Alfredo. “O fio vermelho”. Publicado na Folha de S.Paulo, domingo, 17 de


maio de 1981.

BOUDIN, Louis. Os intelectuais. Tradução Maria do Carmo Pizarro. Lisboa: Arcádia,


1971.

BOURDIEU, Pierre. Meditações pascalinas; tradução Sérgio Miceli. Rio de Janeiro,


2001.

______. “O campo científico”. Pierre Bourdieu. ORTIZ, Renato (Org.). São Paulo:
Ática, 1994.

BÔAS, Gláucia Kruse Villas. “A recepção da sociologia alemã no Brasil. Notas para
uma discussão”. BIB – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências
Sociais. Rio de Janeiro, n. 44, 1997.

BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. [organização de] Juarez de Oliveira. São
Paulo: Saraiva, 1993.
BRESSER-PEREIRA Luiz Carlos. “O conceito de desenvolvimento do ISEB
Rediscutido”. Dados – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, vol. 47, nº 1, 2004.
CAMPOS, Jorge. “Metateoria Lingüística – (Considerações ao nível da Filosofia da
Ciência)”. In: Revista ADUPCRS. Porto Alegre, n. 5, p.25-32, dez. 2004.

13
CÂNDIDO, Antônio. Florestan Fernandes. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, São
Paulo, 1996.

CÂNEDO, Letícia. O sindicalismo bancário em São Paulo no período de 1923-1944:


seu significado político. São Paulo: Símbolo, 1978.

CARDOSO, Fernando Henrique. Empresário industrial e desenvolvimento


econômico. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972.

______. “Condições e fatores sociais da industrialização de São Paulo”. In: Revista


Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, nº11, 1961.

CARDOSO, Irene. A universidade da comunhão paulista. São Paulo: Autores


Associados: Cortez, 1982.

CHAIA, Miguel W. Conhecimento e organização sindical – a trajetória do DIEESE.


Tese de Doutorado. São Paulo: Departamento de Sociologia, FFLCH-USP, 1988.

______. Intelectuais e sindicalistas: a experiência do DIEESE, 1955-1990. São


Paulo; Ibitinga: Humanidades, 1992.

FAORO, Raymundo. “A questão nacional: a modernização”. Estudos Avançados.


6(14), p. 07 - 22, 1992.

FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

FERNANDES, Florestan. A Condição do Sociólogo. São Paulo: Hucitec, 1978.

______. A sociologia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1977.

______. A sociologia numa era de revolução social. 2 ª ed., reorganizada e ampliada.


Rio de Janeiro: Zahar, 1976a.

______. A sociologia numa era de revolução social. São Paulo: Nacional, 1963.

______. Elementos de sociologia teórica. São Paulo: Nacional, 1970.

______. Ensaios de sociologia geral e aplicada. São Paulo Pioneira, 1976b.

______. “O mestre exemplar”. In: D’INCAO, Maria Ângela; SCARABÔTOLO, Eloísa


Faria (Orgs.). Dentro do texto, dentro da vida: ensaios sobre Antonio Candido. São
Paulo: Companhia das Letras/Instituto Moreira Salles, 1992, p. 33-6.

______. Mudanças sociais no Brasil. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1979.

FORJAZ, Maria Cecília. “A emergência da Ciência Política no Brasil: aspectos


institucionais”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, vol.12,
n.35,   fev., 1997.

13
FREITAG, Bárbara. “Democratização, universidade, revolução”. IN: D’INCAO, Maria
Conceição (Org.). O saber militante (ensaios sobre Florestan Fernandes). São Paulo:
UNESP, 1987.

FREITAG, Barbara. “Habermas: 70 anos”. Jürgen Habermas.  Rio de Janeiro: Tempo


Brasileiro, 1998.

FREITAS, Sônia Maria de. Reminiscências. São Paulo: Maltese, 1993.

FUNDAÇÃO IBGE. “Metodologia – Bens e serviços alvo de pesquisa de um índice de


Preços ao Consumidor”. In: Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor
Estruturas de ponderação a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2002-
2003. Série Relatórios Metodológicos, vol. 34. Rio de Janeiro: Fundação IBGE , 2005
(13-15).

______. O que é o Centro de Documentação e Informação Estatística – CENDIE.


Guanabara: Fundação IBGE, 1971.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 2000.

______.Teoria e política do desenvolvimento econômico. Coleção “Os economistas”.


São Paulo: Abril Cultural, 1983.

GADEA, C. A. & SHERER-WARREN, I. “Alain Touraine e a democracia na América


Latina”. Cadernos do CEAS, Salvador, n. 220, p. 9-18, nov.-dez., 2005.

GALBRAITH, John Kenneth. “A teoria do poder compensatório”. In: Capitalismo. Rio


de Janeiro: Zahar, 1966.

GALVÃO, Maria Rita Eliezer. Burguesia e cinema, o caso Vera Cruz. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira: EMBRAFILME, 1981.

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura; tradução Carlos


Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

GOMES, Ângela de Castro. “O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a


trajetória de um conceito”. In: Tempo. Niterói, Rio de Janeiro: UFF/Relume Dumará,
Vol. 1, no. 2, dez. 1996. 

HEGEL, Georg. Fenomenologia do espírito. Tradução. Paulo Meneses. Petrópolis:


Vozes, 1992.

HOFFER, Eric. O Intelectual e as Massas. São Paulo: Lidador, 1969.

HOFFMANN, Rodolfo. “Números-índices”. In: Estatística para Economistas. São


Paulo: Pioneira, 2002.

IANNI, Octavio. Estado e capitalismo: estrutura social e industrialização no Brasil.


Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.

13
______. Sociologia e Sociedade no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1975.

JACKSON, Luiz Carlos. A tradição esquecida. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

JACOBY, Russel. Os últimos intelectuais: a cultura americana na era da academia.


São Paulo: Trajetória Cultural; Edusp, 1990.

KAVÁFIS, Konstatino. Poemas. Tradução José Paulo Paes. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, s/d.

KIRSTEN, J. “Notas sobre a reformulação da estrutura do índice do custo de vida no


município de São Paulo”. In: Revista Estudos Econômicos. São Paulo: IPE/USP. vol.
II, nº. 5, out., 1972.

LAHUERTA, Milton. Elitismo, autonomia, populismo: intelectuais na transição dos


anos 40. Dissertação de Mestrado. Campinas: Departamento de Ciência Política, IFCH-
UNICAMP, 1992.

______. “Em busca da formação social brasileira: marxismo e vida acadêmica”. IN:
Revista Perspectivas, vol. 28, jul - dez, 2005.

______. Intelectuais e transição: entre a política e a profissão. Tese de Doutorado.


São Paulo: Departamento de Ciência Política, FFLCH-USP, 1999.

______. “Os intelectuais e os anos 20: moderno, modernista, modernização”. In:


LORENZO, H.; COSTA, W. A década de 1920 e as origens do Brasil moderno. São
Paulo: Ed. Unesp, 1997.

LEME, Marisa Saenz. “O pensamento econômico da burguesia industrial”. In: A


ideologia dos industriais brasileiros (1919-1945). Petrópolis: Vozes, 1978.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. Lisboa: Edições 70, 1955.

LIEDKE FILHO, Enno. “Sociology in Brazil: history, theories, and challenges”. In:
Sociologias, July/Dec. 2005, no.14.

LIMONGI, Fernando. “A Escola Livre de Sociologia e Política em São Paulo”. In:


MICELI, Sérgio (Org.) História das Ciências Sociais no Brasil, vol. 1. São Paulo:
Sumaré, 2001a.

______. “Mentores e clientelas da Universidade de São Paulo”. In: MICELI, Sérgio


(Org.) História das Ciências Sociais no Brasil, vol. 1. São Paulo: Sumaré, 2001b.

LIPSET, Seymour. O homem político. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.

LOPES, Juarez Brandão. Desenvolvimento e Mudança Social. São Paulo: Nacional,


1978.

GOLDMAN, Lucien. Ciências Humanas e Filosofia. São Paulo: Difusão Europeia do


Livro, 1972.

13
MANNHEIM, Karl. Ideologia e utopia. Rio Janeiro: Zahar Editores, 1976.
______. O homem e a Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar Editores, s/d.

______. Sociologia da Cultura.São Paulo: Perspectiva, 1974.

______. Sociologia Sistemática – Uma introdução ao estudo da sociologia. Tradução


Marialice Mencarini Foracchi. São Paulo: Pioneira, 1962.

MALUF, Mariana & MOTT, Maria L. “Recônditos do Mundo Feminino”. In: História
da Vida Privada no Brasil: República – da Belle Époque à Era do Rádio (Nicolau
Sevcenko, org.). São Paulo: Companhia das Letras, 1999; pp. 368-421.

MARTINS, Heloísa Helena Teixeira de Souza. Estado e a burocratização do


sindicato no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1979.

______. “Azis Simão e José Albertino Rodrigues: duas trajetórias de pesquisadores e


militantes”. Texto enviado por e-mail e apresentado no “29º Encontro Anual da
ANPOCS”, na mesa redonda “Os precursores da Sociologia do Trabalho no Brasil”,
coordenada pelo Prof. Dr. José Sérgio Leite Lopes, 2005.

MARTINS, José de Souza. Florestan: sociologia e consciência social no Brasil, São


Paulo: Edusp, 1998.

______. Florestan Fernandes: Ciência e política, uma só vocação. Versão


modificada de exposição feita na mesa-redonda em homenagem ao Professor Florestan
Fernandes no Encontro Anual da ANPOCS de 1995, em Caxambu (MG). Disponível
em:
http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_30/rbcs30_05.htm. Acesso em:
15 abr. 2007.

MENDONCA, SÉRGIO E. A. “A experiência do DIEESE em pesquisa e


conhecimento”. In: Perspectiva,  São Paulo,  v. 16,  n. 3,  2002.  Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
88392002000300008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 20 nov.  2007.

MESQUITA FILHO, Júlio de. Política e cultura. São Paulo: Martins Fontes, 1969.

MEUCCI,Simone. Gilberto Freyre e a sociologia no Brasil: da sistematização à


constituição do campo científico. Tese de Doutorado. Unicamp: Departamento de
Sociologia, 2006.

MICELI, Sérgio. “Condicionantes do desenvolvimento das Ciências Sociais”. In:


História das Ciências Sociais no Brasil, vol. 1. São Paulo: Sumaré, 2001.

______. Intelectuais e Classe Dirigente no Brasil. São Paulo: Difusão Européia do


Livro, 1979.

______. “O cenário institucional das Ciências Sociais no Brasil”. In: História das
Ciências Sociais no Brasil, vol. 2. São Paulo: Sumaré: FAPESP, 1995.

13
______. “Por uma sociologia das Ciências Sociais”. In: História das Ciências Sociais
no Brasil, vol. 1. São Paulo: Sumaré, 2001b.

MIGLIOLI, Jorge. Como são feitas as greves no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1963.

MOISÉS, José Álvaro de. Greve de massa e crise política: estudo da greve dos 300
mil em São Paulo: 1953/54. São Paulo: Polis, 1978.

MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. O governo João Goulart: as lutas sociais no


Brasil (1961-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.

MORAES, Rubens Borba de. “O Departamento de Cultura: um sonho que não se


realizou completamente”. Entrevista concedida a Margarida Cintra Gordinho. In:
Revista do Arquivo Municipal, São Paulo, edição comemorativa dos 50 anos, São
Paulo, 1984.

______. “Não eram só literatos os jovens de 22 (entrevista cedida a José Augusto


Guerra)”. In: Cultura, Brasília, janeiro-março, 1972, n. 5.

MOREIRA, Vânia Maria Losada. “Nacionalismos e reforma agrária nos anos 50”. In:
Rev. Bras. Hist.,  São Paulo,  v. 18,  n. 35,  1998. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01881998000100015&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 30  Abril  2006.

MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira (1933-1974). São Paulo:


Ática, 1977.

OFFE, Claus. & WIESENTHAL, Helmut. “Duas lógicas da ação coletiva: anotações
teóricas sobre classe social e forma organizacional”. In: Problemas estruturais do
Estado capitalista. Rio de Janeiro: Templo Brasileiro, 1984.

OLIVEIRA, J. A. et alii. “Manifesto de Fundação da Escola Livre de Sociologia e


Política de São Paulo”. IN: FÁVERO, Maria de Lourdes. A universidade & Poder.
Rio de Janeiro: Achiamé, 1980.

OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. “As Ciências Sociais no Rio de Janeiro”. IN: MICELI,
Sérgio (Org.) História das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo: Sumaré: FAPESP,
1995. vol. 2.

ORTIZ, Renato. Impressões sobre as ciências sociais no Brasil. São Paulo, mimeo,
s/d.

PAULA, Maria Fátima. A influência das concepções alemã e francesa sobre a


universidade de São Paulo e a universidade do Rio de Janeiro quando de suas
fundações. Disponível em: < https://doi.org/10.1590/S0103-20702002000200008 >.
Acesso em 10/05/2006.

14
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil no Brasil - entre o povo e a
nação. São Paulo: Ática, 1990.

PEREIRA, Astrojildo. Formação do PCB: 1922/128, notas e documentos. Rio de


Janeiro: Vitória, 1962.

PEREIRA, José Carlos. Estrutura e expansão da indústria em São Paulo. São Paulo:
Nacional, 1967.
PINDICK, Robert S. & RUBINFELD, Daniel L. “Comportamento do consumidor”. In:
Microeconomia. São Paulo: McGraw-Hill. 1999.

PINTO, Álvaro. Ideologia e desenvolvimento nacional. Rio de Janeiro: ISEB, 1955.

PINTO, Carvalho. Plano de Ação do Governo 1959-1963. São Paulo: Imprensa Oficial
do Estado, 1959.

PONTES, Heloísa. “Cidades e intelectuais: os ‘nova-iorquinos’ da Partisan Review e os


‘paulistas’ de Clima entre 1930 e 1950”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais,
vol. 18, n, 53, São Paulo, out. 2003.

______. Destinos Mistos: os críticos do Grupo Clima em São Paulo (1940-1968).


São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

PULICCI, Carolina. De como o sociólogo deve praticar o seu ofício: as cátedras de


sociologia da USP entre 1954 e 1969. Dissertação de mestrado. São Paulo:
Departamento de Sociologia, FFLCH- USP, 2003.

RAGO , Margareth. “Trabalho feminino e sexualidade”. In: DEL PRIORE, M. (Org.).


Histórias das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2002.

RODRIGUES, José Albertino. Sindicato e desenvolvimento no Brasil. São Paulo:


Europeia do Livro, 1968.

RODRIGUES, Leôncio Martins. Conflito Industrial e Sindicalismo no Brasil. São


Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1966.

ROMÃO, Wagner. A experiência do CESIT: sociologia e política acadêmica nos


anos 1960. Dissertação de mestrado. São Paulo: Departamento de Sociologia, FFLCH-
USP, 2003.

ROSA, Maria Inês. A indústria brasileira na década de 60: as transformações nas


relações de trabalho e a estabilidade. Dissertação de mestrado. Campinas:
Departamento de Sociologia, Universidade Estadual de Campinas, 1982.

SCHWARTZMAN, Simon. “Organização e mobilização da comunidade científica”. IN:


Formação da comunidade científica no Brasil. Rio de Janeiro: Nacional, 1979.

______. & BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria Ribeiro.
Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra/FGV, 2000.

14
SIMÃO, Azis. Entrevista concedida a José Albertino Rodrigues (Departamento de
Ciências Sociais, UFSCar) e Vera Rita da Costa (Ciência Hoje). Acesso em 22/03/2007.
Disponível em: http://www.canalciencia.ibict.br/notaveis/txt.php?id=21

______. Sindicato e Estado; suas relações na formação do proletariado de São


Paulo. São Paulo, Dominus, 1966.

SIMONSEN, Roberto. Rumo à verdade. São Paulo: São Paulo, 1933.

SINGER, Paul. A formação da classe operária. São Paulo: Atual, 1987.

SINTONI, Evaldo. Em busca do inimigo perdido: construção da democracia e


imaginário militar no Brasil: 1930-1964. Araraquara: FCL/Laboratório
Editorial/UNESP; São Paulo: Cultural Acadêmica, 1999.

SORJ, Bernardo & MITRE, Antonio. Intelectuais, Autoritarismo e Política: O


Cebrap a as Ciências Sociais no Brasil. São Paulo: CEBRAP, datilografado, 1985.

SOUZA, Jessé de. (Org.) O malandro e o protestante – A tese weberiana e a


singularidade cultural brasileira. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1999.

SOUZA, Patrícia Olsen de. Os dilemas da democracia no Brasil: um estudo sobre o


pensamento de Florestan Fernandes. Dissertação de Mestrado. Araraquara:
Sociologia, FCL-UNESP, 2005.

TAYLOR, Charles. “A política do reconhecimento”. In: Argumentos filosóficos;


tradução Adail U. Sobral. São Paulo: Loyola, 2000.

TELLES, Jover. O movimento sindical no Brasil. Rio de Janeiro: Vitória, 1977.

TOLEDO, Caio Navarro de. ISEB: Fábrica de ideologias. São Paulo: Ática, 1978.

TOURAINE, Alain. “O Método da Sociologia da Ação: A Intervenção Sociológica”. In:


Novos Estudos. Cebrap. 1 (3), p. 36-45. Julho, 1982. (Tradução de Danielle Ardaillon;
originalmente publicado na Revue de Sociologie Schewiz-Ges. F. Soziologie / Soc.
Suisse de Sociologie).
______. Anais do Seminário O Retorno do Ator: Movimentos Sociais em
Perspectiva. França/Brasil. Faculdade de Educação, USP. Agosto de 1991.

VELLOSO, Mônica Pimenta. “Cultura e poder político: uma configuração do campo


intelectual”. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi et al. Estado Novo: ideologia e poder. Rio de
Janeiro: Zahar, 1982.

VIANNA, Luiz Werneck. A revolução passiva: iberismo e americanismo no Brasil.


Rio de Janeiro: Revan, 1997.

______. Travessia – Da abertura à Constituinte. Rio de Janeiro: Taurus, 1986.

VIANNA, Oliveira. Instituições Políticas Brasileiras. vol. 2. São Paulo Edusp, 1987.

14
VICTOR, Mário. Cinco Anos que Abalaram o Brasil (de Jânio Quadros ao
Marechal Castelo Branco). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.

VIZENTINI, Paulo Fagundes. “A política externa do governo JK (1956-61)”. In:


ALBUQUERQUE, José Augusto Guilhon (Org.). Sessenta anos de política externa
brasileira (1930-1990): Crescimento, modernização e política externa. vol.1. São
Paulo: Cultura Editores Associados, 1996.

WILLIAMS, Daryle “Gustavo Capanema, ministro da cultura”. In: GOMES, Ângela de


Castro (Org.). Capanema: o ministro e seu ministério. Rio de Janeiro: FGV, 2000.

YUKIZAKI , Suemy. “Sociologia da Educação – a sociedade e o indivíduo”. In:


LIBANEO, J.C.& SANTOS, A. (Orgs). Educação na era do conhecimento em rede e
transdisciplinaridade. Campinas,SP: Alínea, 2005.

ZOLA, Émile. Eu acuso! São Paulo: Brasil Editora, s/d.

Transcrições de entrevistas

LOSACCO, S. 30 anos do DIEESE.[nov. 1987]. Entrevistador: Miguel Wady Chaia.


São Paulo: Centro de Documentação e Informação Científica “Prof. Casemiro dos Reis
Filho”, CEDIC, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC, 1987. Transcrição
da entrevista. Coleção 30 anos do DIEESE.

MARTINS, H. 30 anos do DIEESE.[mar. 1988]. Entrevistador: Miguel Wady Chaia.


São Paulo: Centro de Documentação e Informação Científica “Prof. Casemiro dos Reis
Filho”, CEDIC, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC, 1987. Transcrição
da entrevista. Coleção 30 anos do DIEESE.

POMERANZ, L. 30 anos do DIEESE.[nov. 1987]. Entrevistador: Miguel Wady Chaia.


São Paulo: Centro de Documentação e Informação Científica “Prof. Casemiro dos Reis
Filho”, CEDIC, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC, 1987. Transcrição
da entrevista. Coleção 30 anos do DIEESE.

TROYANO, A. 30 anos do DIEESE.[jun. 1988]. Entrevistador: Miguel Wady Chaia.


São Paulo: Centro de Documentação e Informação Científica “Prof. Casemiro dos Reis
Filho”, CEDIC, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC, 1987. Transcrição
da entrevista. Coleção 30 anos do DIEESE.

Periódicos

DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 01, ano I. 01-15, junho de 1960.


DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 02, ano I. 01-12, maio de 1960.
DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 03, ano I. 01-15, julho de 1960.
DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 04, ano I. 01-15, agosto de 1960.
DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 05, ano I. 01-15, setembro de 1960.
DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 06, ano I. 01-12, outubro de 1960.

14
DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 07, ano I. 01-19, novembro de 1960.
DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 08, ano I. 01-19, dezembro de 1961.
DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 09, ano I. 01-19, janeiro de 1961.
DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 10, ano I. 01-16, fevereiro de 1961.
DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 11, ano I. 01-19, março de 1961.
DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 12, ano I. 01-15, abril de 1961.
DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 01, ano II. 01-15, maio de 1961.
DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 02, ano II. 01-15, junho de 1961.
DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 03, ano II. 01-15, julho de 1961.
DIEESE. Boletim do DIEESE. n° 04, ano II. 01-12, agosto de 1961.
DIEESE. Revista de Estudos Sócio-Econômicos. n°01, ano I. 01-59. setembro de 1961.
DIEESE. Revista de Estudos Sócio-Econômicos. n°02, ano I. 01-55. outubro de 1961.
DIEESE. Revista de Estudos Sócio-Econômicos. n°03, ano I. 01-61. novembro de 1961.
DIEESE. Revista de Estudos Sócio-Econômicos. n°04, ano I. 01-67. dezembro de 1961.
DIEESE. Revista de Estudos Sócio-Econômicos. n°05, ano I. 01-55. janeiro de 1962.
DIEESE. Revista de Estudos Sócio-Econômicos. n°06, ano I. 01-63. fevereiro de 1962.
DIEESE. Revista de Estudos Sócio-Econômicos. n°07, ano I. 01-68. março-abril de
1962.
DIEESE. Revista de Estudos Sócio-Econômicos. n°08, ano I. 01-72. maio-junho de
1962.
DIEESE. Revista de Estudos Sócio-Econômicos. n°09, ano I. 01-99. julho-agosto de
1962.
DIEESE. Revista de Estudos Sócio-Econômicos. n°10-11, ano I. 01-49. setembro-
dezembro de 1962.
DIEESE. Revista de Estudos Sócio-Econômicos. n°12, ano I. 01-55. janeiro-fevereiro
de 1963.

Videografia

O DIEESE no ano 2000. São Paulo: Departamento Intersindical de Estatística e Estudos


Sócio-Econômicos. s/d. 1 fita e vídeo (30 min).

Entrevistas concedidas à autora

Pomeranz, Lenina. 04/08/2006.


Rodrigues, Leôncio Martins. 07/06/2006.
Martins, Heloísa Helena Teixeira de Souza. 05/10/2006.
Andraus-Troyano, Annez. 12/09/2006.
Henrique de Miranda, Vera Mariza. 03/05/2007.

Sítios visitados

http://www.ibge.gov.br
http://www.DIEESE.org.br
http://www.seade.gov.br
http://www.saopaulo.sp.gov.br
http://www.scielo.br

14
http://www.museudapessoa.com.br
http://www2.fpa.org.br/portal
http://www.historia.uff.br/nec/bibpei.htm
http://www.prefeitura.sp.gov.br
http://www.buitroneditorial.com.br/nossosmapas.htm
http://www.aprenda450anos.com.br/450anos/sugestoes_trabalho/sugestao_2.asp
http://www.sp-turismo.com/bairros-sp.htm
http://www.prodam.sp.gov.br/dph/acervos/acdoc.htm
http://almanaque.folha.uol.com.br/
http://www.sampa.art.br/
http://www.geografia.fflch.usp.br/
http://www.geografia.fflch.usp.br/inferior/servidor_Municipio_SP.htm
http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/238/23801311.pdf
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_historia/htm/anos30-37/ev_politica_social.htm
http://www.cpdoc.fgv.br/
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
41612006000100008&lng=es&nrm=&tlng=pt
http://www.pdt.org.br/partido/ptb.asp
http://veja.abril.com.br/numero1/p_027.html
http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=198178
http://www.trt15.gov.br/boletim/boletim200002.pdf
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
01881998000100015&lng=en&nrm=iso
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/inpc_ipca/srmipca_pof.pdf
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/sinapi/indice.shtm
http://www.embrapa.gov.br/noticias/artigos/2000/artigo.2004-12-07.2386377986/
mostra_artigo
http://www.agronline.com.br/artigos/artigo.php?id=84
http://www.ifch.unicamp.br/ael/website-ael_mcj/website-ael_mcj.htm
http://www.ifch.unicamp.br/ael/website-ael_mcj/website-ael_mcj_planilhaisad.htm
http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jgoulart/htm/jgoulart_main.htm
http://www.DIEESE.org.br/pof/pof.xml#C2
http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/secex/defComercial/insDefComercial/
Ins_MedAnt_Inv_dumping.php
http://www.isa.utl.pt/dm/ede/00-01/sumario.html
http://209.85.165.104/search?q=cache:j8tIC6rGltwJ:www.anped.org.br/reunioes/25/
josevieirasousat14.doc+%E2%80%9CVencidos+pelas+armas,+sab
%C3%ADamos+perfeitamente&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br

14

Você também pode gostar