Você está na página 1de 4

UNESP – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

FCL/CAr – Faculdade de Ciências e Letras/ Campus de Araraquara


Programa de Pós-Graduação em Sociologia - 2005
Disciplina - Sociologia brasileira
Docente responsável – Augusto Caccia Bava
Discentes: Débora C. Castro
Marco Aurélio Souza

Notas para seminário: O modelo autocrático-burguês de transformação capitalistai

O capítulo que buscaremos analisar neste breve excurso segue por quatro frentes: a
questão da “dominação burguesa e transformação capitalista”, de cunho teórico, cujas
explicações são concentradas na eclosão industrial e no conflito entre as classes; o segundo
tema é referente à “contra-revolução prolongada e ‘aceleração da história’”, neste sub-item,
Fernandes sugere que a burguesia brasileira realizou uma contra-revolução, contrariando os
modelos clássicos de revolução burguesa, explicada – principalmente – por seu caráter
oligárquico e patrimonialista, além de sufocar, por meios repressivos e violentos a classe
trabalhadora, neutralizando as pressões especificamente democráticas; o terceiro tópico
trabalhado por Fernandes busca apresentar a “estrutura política da autocracia burguesa”, ou
seja, os objetivos e a atuação da classe burguesa no processo político e a relação entre os
desígnios ou as intervenções do capital externo na dinâmica da transformação capitalista
brasileira e, a emergência da ordem social competitiva, bem como a constituição de uma
autêntica burguesia burocrática; e, por fim, a “persistência ou colapso da autocracia
burguesa”, referente às perspectivas sobre o modelo de transformação capitalista praticado
no Brasil, ou seja, a ditadura de classes organizada e controlada pela burguesia.

***

De acordo com Fernandes, não existe apenas um modelo básico democrático


burguês de transformação capitalista: “a transformação capitalista não se determina, de
i
Referente ao seguinte texto: Fernandes, F. “O modelo autocrático-burguês de transformação capitalista”. IN:
_____. A Revolução Burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara, 1974.

1
maneira exclusiva, em função dos requisitos intrínsecos do desenvolvimento capitalista. Ao
contrário, esses requisitos (sejam econômicos, sejam socioculturais e os políticos) entram
em interação com os vários elementos (naturalmente extra ou pré-capitalistas) e extra
econômicos em situação histórico-social, característicos dos casos concretos que se
considerem, e sofrem dessa, assim, bloqueios”. O modelo heurístico ou “esquema” de
revolução burguesa se aplicada somente às sociedades capitalistas centrais e hegemônicas:
“prevaleceu a idéia de que a dependência e o subdesenvolvimento seriam estádios
passageiros, destinados a desaparecer graças ao caráter fatal da autonomização progressiva
do desenvolvimento capitalista”, deixando, sobremaneira, a consideração de que a
autonomização do desenvolvimento capitalista exige, como um pré-requisito, a ruptura da
dominação externa (colonial, neocolonial ou imperialista).
A partir dessa premissa, Fernandes rechaça a interpretação vigente sobre a
ocorrência de uma revolução burguesa ancorada nos “casos clássicos” (Inglaterra, França e
Estados Unidos da América), ou seja, baseada nos seguintes princípios: máximo de fluidez
e liquidez nas relações recíprocas de transformação capitalista com dominação burguesa.
A preocupação apresentada neste capítulo, é a relação entre transformação
capitalista e dominação burguesa nos países periféricos de economia capitalista dependente
e subdesenvolvida. Fernandes faz severa crítica ao teor explicativo das descrições
sociológicas advindas dos países centrais. Para o autor, tais explicações não atentam para o
fato de quem a expansão capitalista dependente (periférica) estava fadada a ser
permanentemente remodelada por dinamismos das economias capitalistas centrais e do
mercado capitalista mundial. É factível que o crescimento capitalista é engendrado segundo
dois fatores, a saber: acumulação de capital e modernização institucional. Entretanto, há a
necessidade de manutenção da expropriação (capital externo) e o subdesenvolvimento
relativo, ambos como condições e efeitos inelutáveis. De maneira que, ainda que ocorresse
uma “autonomização ‘automática’ do desenvolvimento capitalista, ela não asseguraria, por
si mesma, uma via uniforme de evolução do capitalismo e de consolidação da dominação
burguesa”. Isto é, a revolução burguesa combina transformação capitalista e dominação
burguesa, tal combinação é processada em condições econômicas e histórico-sociais
específicas, que excluem, por assim dizer, a possibilidade de “repetição da história” ou de
“desencadeamento automático” (como no referidos modelo democrático burguês clássico).

2
Segundo Fernandes, o que existe é uma “forte dissociação pragmática entre
desenvolvimento capitalista e democracia; ou, usando-se uma notação sociológica positiva:
uma forte associação racional entre desenvolvimento capitalista e autocracia”. Ou seja, a
intensificação do desenvolvimento capitalista entra em conflito, não pelas orientações de
valor, mas sim pelos comportamentos concretos das classes possuidoras.
Todavia, para Fernandes, não é do interesse das burguesias de nações centrais e
hegemônicas suscitar o enfraquecimento político das burguesias de nações periféricas e
dependentes, pois, “se fizessem isso, estariam fomentando a formação de burguesia de
espírito nacionalista revolucionário (dentro do capitalismo privado), incentivando
transições para o capitalismo de Estado e para o socialismo. Estariam, portanto, trabalhando
contra os seus interesses mais diretos, que consistem na continuidade do desenvolvimento
capitalista dependente e subdesenvolvido”. Isto é, a burguesia brasileira e de outros países
em situação análoga na América Latina tem caráter de burguesia associada ao capital
externo, tal elemento sugere que a revolução burguesa na periferia é um fenômeno político,
de criação, de consolidação e preservação de poder predominantemente político,
submetidos ao controle da burguesia ou, por ela controláveis em quaisquer circunstâncias:
“não estamos na era das ‘burguesias conquistadoras’”. Tanto as burguesias nacionais da
periferia quanto as burguesias das nações capitalistas centrais e hegemônicas possuem
interesses e orientações que vão noutra direção. Essas burguesias pretendem manter a
ordem, salvar, fortalecer o capitalismo e impedir que a dominação burguesa e o controle
burguês sobre o Estado nacional se deteriorem.
Exposto este cenário, o sociólogo aponta outra faceta acerca das revoluções
burguesas “retardatárias”: “as transformações ocorridas nas economias capitalistas centrais
e hegemônicas esvaziaram historicamente, de modo direto ou indireto, os papéis
econômicos, sociais e políticos das burguesias periféricas. Estas ficaram sem base material
para concretizar tais papéis, graças aos efeitos convergentes e multiplicativos da drenagem
do excedente econômico nacional, da incorporação do espaço econômico, cultural e
político das nações capitalistas hegemônicas e de dominação imperialista”. De tal forma, a
conclusão da revolução burguesa brasileira configura-se na própria contra-revolução ou,
como Fernandes acentua: “há uma coexistência de revoluções antagônicas”, enfim, é o
encontro dos dois brasis, ou seja, a combinação do Brasil moderno e modernizador ao

3
Brasil arcaico, tradicionalista1: a burguesia brasileira não é, sob o capitalismo dependente e
subdesenvolvido, mera “burguesia compradora” (tela típica de situação colonial e
neocolonial), ela detém poder econômico, social e político, de bases e alcances nacionais;
possuem o controle da máquina estatal; e, ainda, contam com suporte externo para
modernizar as formas de socialização, de cooptação, de opressão ou de repressão inerentes
à dominação burguesa.
O poder burguês se impõe de cima para baixo, recorrendo a quaisquer meios para se
perpetuar, colocando-se como fonte de sua própria legitimidade e convertendo, por fim, o
Estado nacional e democrático em instrumento puro e simples de uma ditadura de classe
preventiva.
Segundo Fernandes, o elemento central da irradiação do capitalismo competitivo
brasileiro, apresenta-se na emergência da industrialização, cujo processo econômico, social
e cultural, modificou as organizações, os dinamismos e a posição de economia urbana
dentro do sistema econômico. A hegemonia urbana e metropolitana são compreendidas
como um subproduto da hegemonia do complexo industrial-financeiro. A partir disso, é
possível observar que esse processo intensificou a concentração de recursos materiais,
humanos e técnicos nas metrópoles, acarretando fenômenos típicos de metropolização e de
satelização sob o capitalismo dependente (ciclo econômico da industrialização intensiva).
Concluindo, compreendemos que, para Fernandes, a associação da aceleração do
desenvolvimento capitalista com a autocratização da ordem social competitiva implicará na
“submersão” da classe burguesa, pois, o represamento sistemático das pressões e das
tensões antiburguesas poderá precipitar a desagregação da ordem e a eclosão do socialismo,
ou seja, o modelo autocrático-burguês de transformação capitalista sustentado em bases de
repressão e sufocamento de toda uma classe germina o próprio fim.

1
Como, por exemplo, as práticas clientelísticas.

Você também pode gostar